Vi a Terra imperecível como o Sol
quando regressei ao sono, em busca do meu pai,
que trouxe a mensagem do último vento
à minha miserável condição, que molestava a sua glória,
a glória de que ele dizia: «Os grandes destinos
são um fracasso para amanhã...»
Imperecíveis elevavam-se as florestas, que enchiam outrora
a noite com as suas queixas e o seu discorrer
sobre o mosto e o declínio. Só o vento
passava sobre as espigas, como se a Primavera vivesse
no meio desta doce podridão.
A neve tomava uma atitude hostil e fazia-me
arrepiar os braços e as pernas, ao olhar
o Norte agitado, que parecia uma cemitério gigantesco
e inesgotável, o cemitério dos prisioneiros
desta forma de progresso, que se
insinuava em cada encruzilhada, em cada pedra de gleba
e em todas as estradas e igrejas, cujas torres se
levantavam contra Deus e contra os convidados da boda,
que se acocoravam em volta do barril de vinho, para o
beberem todo com gargalhadas imundas.
Como é que eu vi na aldeia, em cima das tábuas, estes mortos,
com ventres inchados, comendo carne vermelha,
tartamudeando os hinos da cerveja forte,
a podridão, que furtivamente deslizava pela esplanada
sob o bramir indolente do trombone...
Ouvi o lento respirar da depravação
entre as colinas...
Vi a Terra imperecível como o Sol,
a Terra, cujo Agosto estava enfermo e era irrecuperável
para mim e para os meus irmãos, que aprenderam
o seu ofício melhor do que eu, que
ando torturado por milhões de mendicâncias e já
nenhuma árvore encontro para as minhas conversas de loucura.
Saí de uma noite do Inferno
para uma noite do Céu,
sem saber quem terá de espedaçar a minha vida
antes de ser tarde de mais para falar de glória e valentia,
da pobreza e dos mundanos desesperos
da carne, que me há-de aniquilar...
Thomas Bernhard.
Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 38-41