quarta-feira, 18 de junho de 2014

A FORMALÍSTICA

 
O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
                    que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
     o efeito respeitoso que produz
                           seu trato com dicionário.
Faz três horas já que estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.
Daqui a pouco começam a fosforescer coisas no mato
A serva de Deus sai de sua cela à noite
                            e caminha na estrada,
passeia porque Deus quis passear
                                            e ela caminha.
O jovem poeta,
                                  fedendo a suicídio e glória,
rouba de todos nós e nem assina:
                                   ''Deus é impecável''.
As rãs pulam sobressaltadas
                                     e o pelejador não entende,
quer escrever as coisas
 
 
 
 
 
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.94

«Eu vi morrer um homem e caminho»

 
«Sublinhemos eu vi. Existir, para Ruy Belo, é ser olhado, é ser coberto pela força de um olhar, mas é também resistir ao olhar dos outros, conseguir que o olhar dos outros não destrua o nosso olhar. Só no lugar da Mãe, ou de Deus, o olhar assimétrico. «Somos seres olhados » (p.41), «Não mais o teu olhar te defende / Tu és um ser exposto a todos os olhares » (p.43) - e esta é talvez, para Ruy Belo, a definição da morte.»
 
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 159

«Eu não dispenso a morte eu quero morrer muito »

««nunca até hoje eu morrera tanto em alguém»

«ele vai só não tem ninguém / onde morrer um pouco toda a morte que o espera»


«No teu amor por mim há uma rua que começa»

   «Depois, os ombros. Há toda uma relação com a amada e o amigo que passa por esta valorização dos ombros como lugar de apoio para duas pessoas que caminham lado a lado: «Há no meu ombro lugar/para o teu cansaço » (p.29), «tu és uma presença redonda no meu ombro de morte» (p.45), «uma mulher, alguém capaz de partilhar / o peso que nos ombros de cada dia puser » (p.101). E o homem isolado na cidade é aquele que não tem «um ombro para o seu ombro » (p.19).
 
sobre o poeta Ruy Belo
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 156

ESTIRPE

Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixem-se estar. Deixem-se
                                                                                             estar.
Deixem-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de
                                                                           completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.



Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.
Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.
E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendente
que, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai.


Oh! não gemiam, não...Os mendigos maiores são todos
                                                                                       estóicos.
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da
                                                                                      estranha sorte
que anda por eles como um rio num país.


Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.
Abriram sonos e silêncios e espaços nus, em redor de si.
Têm seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.
Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri.

E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem
                                                                                          pede.
E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai conver-
                                                                                        tendo em pedra.

Esse povo é que é o meu.



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 31

terça-feira, 17 de junho de 2014

''lábios brancos de medo''

«Quando penso no teu rosto
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.»



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 27

« -por dentro das tuas máscaras,
meus olhos, sérios e lúcidos,
viram a beleza amarga.»



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 20
«Surgi do meio dos túmulos,
para aprender o meu nome.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 18
«O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 18


«(...)

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Sé se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 16

«(...)

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 15

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão parada e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 13

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A LUME

''Entre os ruídos apaixonantes, deves acrescentar a voz de um ser que se deseja, atrás da sebe,atrás da cortina da liteira, atrás da porta ou da tapeçaria de brocado.
 Quando escuto o ruído apaixonante do copo de dados, fico toda ruborizada,o meu coração torna-se uma espécie de odre de vinho que o cabreiro tira da ribeira e leva avidamente à boca."

  Pascal Quignard
As Tábuas de Buxo de Apronenia Avitia

sábado, 14 de junho de 2014


A CÓLERA DIVINA

Quando fui ferida,
por Deus, pelo diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei -
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos.
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
 - ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar:
por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
uma tênue sombra ainda sobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.



Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.71
''neste quarto meu pai morreu,
aqui deu a corda ao relógio
e apoiou os cotovelos
no que pensava ser uma janela
e eram os beirais da morte''

Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p. 66

Comecei a chorar de prazer e vergonha.

buracos negros no peito



ISOLATION

People say we've got it made
Don't they Know we're so afraid
Isolation

We've afraid to be alone
Everybody got to have a home
Isolation

Just a boy and a little girl
Trying to change the whole wide world
Isolation

The world is just a little town
Everybody trying to put us down
Isolation

I don't expect you to understand
After you've caused so much pain
But then again you're not to blame
You're just a human
A victim of the insane

We're afraid of everyone
Afraid of the sun
Isolation

The sun will never disappear
But the world may not have many years
Isolation


John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 48
As soon as you're born they make you feel smanll
By giving you no time instead of it all
Till the pain is so big you feel nothing at all



John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 47
«I've seen thru junkies I've been thru it all
I've seen religion from Jesus to Paul
Don't let them fool you with dope and cocaine
No one can hang you feel your own pain»

John Lennon

Bagism, Shagism, Madism, Tagism

sexta-feira, 13 de junho de 2014


E devagar tornei-me transparente

Poesia das palavras envergonhadas
Poesia dos problemas de consciência das palavras

Poesia das palavras arrependidas


Sophia de Mello Breyner Andresen

E eu fecho os olhos para não te ver

Eu sei que trago em mim a minha morte.
Mas perdi o meu ser em tantos seres,
Tantas vezes morri a minha vida,
Tantas vezes beijei os meus fantasmas,
Tantas vezes não soube dos meus actos
Que a morte será simples como ir
Do interior da casa para a rua.

Sophia de Mello Breyner Andresen

É Janeiro muito tempo na noite

(história desse homem antigo)

Um homem muito antigo, caminhando,
ocupando demoradamente a rua.
É de noite. Uma plúmbea noite de Janeiro,
ou o Janeiro denso e severo prostrado numa só noite.
Caminha de forma velha, o homem.
É muito antigo o seu caminhar.
É um homem louco, uma loucura muito atenta.
Caminha durante uma hora inteira
em redor desta mesa. Procura.
Traz ao pescoço as chaves. Todas as chaves.
Uma hora, desta noite dura de Janeiro,
caminhando à volta desta mesa
com as pesadas chaves vergando-lhe as costas.
É muito antigo o caminhar do homem louco e atento, procurando.
É Janeiro nesta aguda noite e ele caminha louco,
muito atento,
com os ferros minguando-lhe a face de muitas estações.
É demasiado tempo para se ter dentro.
Os olhos atentos do homem, procurando no chão
em redor desta mesa.
Encontra. A sua louca atenção
encontra uma fenda no chão, perto desta mesa,
nesta noite muito antiga de Janeiro.
Retira da sua loucura muito atenta
uma chave muito grande
e lança-se longamente ao chão da rua
demoradamente ocupada.
Introduz a chave velha e grande na fenda encontrada,
roda algumas vezes:
primeiro para a direita e depois
para a esquerda da sua atenta loucura, muito antiga.
Chove um pouco
sobre o peito aberto da noite velha de Janeiro…
e o homem muito antigo está deitado
sobre a chave muito grande
cravada na fenda da sua loucura. hoca-a durante semanas. Talvez mesmo anos.
Mas é sempre aquela noite. É sempre Janeiro naquela rua.
Dorme muito tempo, muito antigo, o homem na sua loucura.
Dir-se-ia que descansa ou que aos poucos deixa de ser louco: que morre…
Mas apenas sonha.
Tem em si muito tempo, muito ferro na face.
A atenção da sua loucura vira-se para dentro.
É de noite e ele chegara muito antigo,
caminhando, demoradamente, pelo Janeiro desta rua.
Uma hora inteira em redor desta mesa
muito atento, procurando.
Agora está deitado, há muito tempo,
com a loucura por dentro, sonhando, germinando.
Janeiro é um mês que nunca acaba nesta noite.
Olho para o homem muito antigo
e não sei se voltará à noite dura de Janeiro.
Não sei se o fragor de cavalos batendo, loucos,
com as ferraduras nos olhos
é som de coisa que quer entrar ou sair.
Não sei.
Chove cada vez mais sobre as coisas da rua e nada parece acabar.
O tumulto do metal batendo nos olhos…
o som entrando e saindo,
germinando a loucura por dentro.
Penso em levantar-me.
O homem - muito antigo, atento,
demoradamente deitado sobre a chave muito grande,
cravada na fenda do chão molhado da noite louca de Janeiro - está frio.
É cada vez mais noite. Cada vez mais Janeiro. É demasiado, o tempo.
Os cavalos batem, soterrados, a loucura que sabem nos olhos.
Os cavalos aterrados batendo, loucos, o Janeiro eterno da noite.
Um homem muito antigo, deitado
chocando na loucura atenta os sonhos por dentro. Incubando.
Levanto-me.
Caminho demoradamente. Caminho o Janeiro desta rua:
a sua noite interminável.
O peso verga-me as costas. As chaves são muito pesadas ao pescoço.
É muito longa, a louca noite de Janeiro.
Procuro, muito atento, o som dos cavalos loucos,
batendo nos olhos os ferros muito antigos. hove cada vez mais. Caminho.
Já não vejo o homem muito antigo
sonhando, por dentro, a sua loucura.
A rua é muito longa quando se anda à roda.
É sempre Janeiro naquela noite louca.
Procuro pelo chão os cavalos batendo nos olhos
a sua loucura demoradamente nova.
As chaves são muito grandes.
É de noite na rua interminável de Janeiro.
Caminho muito atento, com a loucura procurando,
germinando por dentro…
…muito antigo, demoradamente.

 (Tavira, Janeiro)

Nuno Mangas-Viegas

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Le pouvoir des mots

Catherine Clément

''Era a carne da árvores (...)''


« o medo foi a minha única paixão.»

Hobbes
«Quem quiser entrar na alma, deve passar pelo nada, isto é, pelo medo.»

(da epígrafe de Burnier)
 «Eis a única certeza: «não saber onde estou.»
Definitivamente perdido, definitivamente encontrado.
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 107
«Il parle de soi-même comme d'un autre. Il dit en parlant de soi. Il parle de soi comme d'un autre.»

Beckett

um devir-feminino do segredo

Luísa Costa Gomes
«uma mulher pode ser secreta não escondendo nada, à força da transparência, de inocência e de velocidade.»

Luísa Costa Gomes

sensações claustrais

 «(...) a língua-tal-qual-se-fala, a palavra à flor da boca, por vezes numa coloquialidade tão intensa e sofisticada que se recriam artificias de discurso. »
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 102

A MAÇÃ NO ESCURO

Era um cômodo grande, talvez um armazém antigo,
empilhado até o meio de seu comprimento e altura
com sacas de cereais.
Eu estava lá dentro, era escuro,
estando as portas fechadas
como uma ilha de sombra em meio do dia aberto.
De uma telha quebrada, ou de exígua janela,
vinha a notícia da luz.
Eu balançava as pernas,
em cima da pilha sentada,
vivendo um cheiro como um rato o vive
no momento em que estaca.
O grão dentro das sacas,
as sacas dentro do cómodo,
o cómodo dentro do dia
dentro de mim sobre as pilhas
dentro da boca fechando-se de fera felicidade.
Meu sexo, de modo doce,
turgindo-se em sapiência,
pleno de si, mas com fome,
em forte poder contendo-se,
iluminando sem chama a minha bacia andrógina.
Eu era muito pequena,
uma menina-crisálida.
Até hoje sei quem me pensa
com pensamento de homem:
a parte que em mim não pensa e vai da cintura aos pés
reage em vagas excêntricas,
vagas de doce quentura
de um vulcão que fosse ameno,
me põe inocente e ofertada,
madura pra olfato e dentes,
em carne de amor, a fruta.














Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p. 41
«Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.»



Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.38
(...)

«A alegria dele desertava, quase, do que fosse
uma alegria humana e não estávamos à altura de entendê-la.
Sofrer era muito mais fácil.»



Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.27

gesticular o pensamento



«(...)

Quem entender a linguagem entende Deus
cujo filho é o Verbo. Morre quem entender.



Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.6

terça-feira, 10 de junho de 2014

IV

os namorados mortos não sabiam
e não queriam morrer, nunca ninguém
em verdade o quis já, mas acontece
que quase sempre morte e amor se tocam

 dos namorados mortos não se diga
que já não têm destino nem são livres
sequer de os esquecermos mesmo quando
se lhes apaga o rosto o sítio o nome

 os namorados mortos não são fáceis
tu, por exemplo, evitas enredar-te
com o que sabes deles, mas que sabes
além de alguma história ou da aparência?


 Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 74

sombrias gaivotas

«ó pura dissonância, amor humano,
morte de amantes transformados em beijos
o tempo só de dois corpos unidos
que então conhecem tudo ou pelo menos
conhecem a ilusão de conhecerem.
se é isto o que há a fazer e um breve frémito
perpassa as flores do bosque, das veredas
recomeçadas, se era só isto o tempo
cruzando a origem, a pura dissonância,
um eco triste ao fim do sono escuro,
é cansaço ou ventura ou desespero
esse silêncio íntimo que invade
os que jogam o jogo, o próprio jogo,
os corpos nus e a sua circunstância?

de conhecermos tudo: a tensa sombra
da juventude e os lugares da cinza,
amargurado amor, de termos visto
o amador a transformar-se em sombra
a coisa amada a transformar-se em cinza,
tétanos, podridões, desastres, tudo
o que foi vão e vil, a urina e esta
pobre matéria de alegria póstuma,
os lugares da loucura e da miséria,
os retratos torcidos, tudo visto
contado e dividido, já previsto
por infames motivos.
             e de querermos
por conhecermos tudo, dizer tudo.»


Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 67

 «ah, mas estamos vivos! arriscamos
tudo o que somos, tudo o que podemos
nesta vã tarantela.
               os amantes também
apostam corpo e alma já sabendo
que perdem de antemão.
                 magro lucro
o momento do jogo e só ele
a ciência possível.
                 o jogo e a dança.
tudo o mais é tão pouco e desfigura
a substância dúplice que somos:
vivermos de arriscar e de perder.
também a morte espera paciente
e já cresceu connosco e perde tempo
mas só enquanto nós esbracejamos.»


 Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 65
«(...)

mas foi há tanto tempo.
              tudo mudou depois,
a começar por nós, que queríamos, depois
de tanto tempo, tantos sobressaltos,
saber ainda como podia a noite
cumular-nos.»


Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 64

o sempre aflito envelhecer das rosas


Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 51

segunda-feira, 9 de junho de 2014

«Perdeste a direcção de casa
Com a tua sede de perfeição»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 233

«Vejo o fundo da garrafa
Acendo mais outro cigarro
Tudo serve de cinzeiro
Quando os deuses brincam é para magoar!»



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 220

Quantas vezes te odiei com medo de te amar...

«Casos graves de bem estar
Por mais que tenham, nunca têm a mais»


«O pior não é estar triste
O pior é não saber porquê»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 196
«Não é por nos desviarmos
Que evitaremos o nosso fim»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 193

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar

Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir

E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão

Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 182
Esse teu passo inseguro
E o teu paraíso no olhar


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 181

A nossa história começa na total escuridão


«Ela sabe dizer-te quem foste, quem és e quem hás-de ser
Dás  por ti acenando a tudo o que ela disser »


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 166

Sou o vagabundo mais feliz que existe

«(...)

Não consigo pensar
Deve ser do cansaço de me ocupar demais
De coisas banais  »



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 162

O LADO ERRADO DA NOITE

«Procuro na escuridão o centro da carne»


«(...)

Existem mil produtos para encher o vazio
Criámos computadores para ampliar a memória
E todos nós temos disfarces para aumentar a confusão
Só não sabemos como fazer o amor durar
O grande enigma continua a dar-nos cabo do coração.»




Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 145

domingo, 8 de junho de 2014



JOHN: O pensamento do Beatle de cabelo comprido no santuário do século XIX. Por favor, parem com esse disparate. Vai para casa. Não gostamos de pessoas como tu. Vai ao médico para seres normal, estás a perceber? Vai ao médico. Nós vamos hoje ao psiquiatra, talvez ele nos ponha bons. Não nos entendemos a certos níveis, como viste. Estava com marijuana. Lindo, lindo. Continua a fumar. Não é ilegal. Lindo, lindo. Hey, aqueles tipos são tão duros como a imprensa real.



John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 27

GENESIS, CHAPTER 2

21. And the LORD GOD caused a deep sleep to fall upon Adam, and he slept; and he took one of his ribs, and closed up the flesh instead thereof;

22. And the rib, which the LORD GOD had token from man,
made he a woman, and brought her unto the man.

23. And Adam said, This ''is'' now bone of my bonés, and flesh
of my flesh: she shall be called Woman, because she was token
out of man.

24. Therefore shall a man leave his father and his mother, and
shall cleave unto his wife: and they shall be one flesh.

25. And they were both naked, the man and his wife, and went
not ashamed.


John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 8

domingo, 1 de junho de 2014

terça-feira, 27 de maio de 2014

PAISAGEM
                         Uma
                          rede
                          verde
                          escreve
                          a sede.



Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 124

Gaivota de pedra

Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 104

TRANSMISSÃO DA NOITE



 "Ele diz com os braços que há uma coisa viva que possui a razão no interior da razão.

Ele diz: A luz noite. Diz com os seus braços: o tempo não existe. ...
Diz: se os animais pudessem falar não teriam nada para dizer.
Diz: até na noite a palavra se transmite.
Ele diz: também a palavra transmite a noite com ela.

Também a luz, se deixarmos de falar, acaba e desaparece."
Valère Novarina. Sud- Express : Poesia Fancesa Hoje
«(...), que me pintavam como tendo um carácter taciturno e fechado, e quis saber a minha opinião a este respeito. Respondi: «É que, como nunca tenho quase nada a dizer, prefiro calar-me.»


Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 84

interrogatórios de identidade


«Há muito tempo, há muito tempo...
Nós passamos tanto tempo
A estragar o tempo.»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 144

''missa dos pássaros''


Quando um homem tem vida de cão mais lhe vale ser morto

Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 105
«Dói se pensarmos que isto é o fim
Mas resta sempre alguma coisa.»



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 101

«(...)

Tu que foste traído
Tu que atraiçoaste
Tu que deixaste cair
Aquilo em que acreditaste
Tu desesperado que andas a monte
Não faltes ao teu encontro
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte

Leva o teu corpo e leva a dor
Não esqueças os teus desejos
Sê violento se acaso
Te amedrontarem os seus beijos
Mas não te faças rogado, é por ti que ela espera
Vai, corre ao seu encontro
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte





Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 94/5

domingo, 25 de maio de 2014

BALADA DUM ESTRANHO

Hoje acordaste duma forma diferente dos outros dias
Sentes-te estranho, tens as mãos húmidas e frias
Tentas lembrar-te de algum pesadelo mas o esforço é em vão
Parece-te ouvir passos dentro de casa mas não sabes de quem são

Deixas o quarto e vais à sala espreitar atrás do sofá
Mas aí tu já suspeitas que os fantasmas não estão lá
Vais à janela e ao olhares para fora sentes que perdeste o teu centro
E de repente descobres que chegou a hora de olhares para dentro

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu

Vês o teu nome escrito num envelope que rasgas nervosamente
Tu já tinhas lido essa carta antecipadamente
E os teus olhos ignoram as letras e fixam as entrelinhas
E exclamas: ''Afinal...estas palavras são minhas!''

O caminho para trás está vedado e tens um muro à tua frente
E quando olhas p'rós lados vês a mobília indiferente
E abandonas esta casa onde sentiste o chão a fugir
Arquitectas outra morada mas sabes que estás a mentir

Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 93

MAL E BEM/ ESTAÇÕES/SÓ MAIS UM BEIJO (COPENHAGA, 78)

Tu tens que estar sempre atento
Se queres sobreviver
Tens de saber travar
Não basta saberes correr

E quando deres por ti na rua errada
Não percas tempo a tentar disfarçar
Apressa-te a encontrar a rua certa
A vida é uma enorme encruzilhada
E qualquer um se pode enganar

Tu tens que ser muito rápido
Senão vais-te afundar
Tens de saber cair
Se é que te queres levantar

E quando tiveres monstros na cabeça
Não penses mais nisso
Há tanta coisa gira para fazer
Não te esqueças que tu és o que tu pensas
Um pensamento feio é como um cancro
Se o guardas, ele não pára de crescer

Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer

E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir

Tens de trazer a cabeça
Bem junto ao coração
Que é para poderes saber
Qual é a tua missão
Tudo o que se passa à tua volta
Está bem ligado ao fundo do teu ser,
E custa vermos tanta gente à espera
De frutos que, afinal, eles não merecem
Quem não semeia, não tem direito a colher

Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e a perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer

E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir

Só mais um beijo
Antes de eu me abrir
Só mais um beijo
Antes de eu partir



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 77
«Eu sei que um dia acabamos por nos reencontrar
Nalguma esquina sem luz onde se queimem ilusões
Eu sei que um dia acabamos por nos cruzar
E dizer de novo...adeus»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 55

ALEGORIA SEGUNDA

De poetas e filósofos tu sabes,
sabes também por ti. Por isso eu digo:
esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue.
Toca-lhe: saberás
como em segredo florescem as acácias
ao redor dos muros, como fluem
suas concêntricas artérias. Acaricia-as: tocas
a parte mais sensível de ti mesmo.

Dizias ontem que o verão ardia
nesta pedra. Nela
queimavas tuas mãos. Onde
as aqueces hoje? Eu digo:
o verão não morreu, esta pedra é o verão.

E tudo permanece. E tudo é teu.
Tu és o sangue, o verão e a pedra.


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 90
«a distraída
erosão dos lábios.»


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 86
«Escrevo contra o vento,
frente ao mar.»


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 63
«É preciso, amor,
dar um nome a este instante.»



Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 57
«e adormecemos, hirtos, de costas para o
        mar.»


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 51

Évora, 8 de Setembro de 1967

Ao Manuel Patrício

Os mortos
comem flores
e granadas
e lágrimas
e beijos
que os devoram.
Enxutos,
os olhos
dos mortos
choram.


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 48-49

Uma gaiola partiu à procura dum pássaro.



«Resta-me o abandono passivo a uma íntima ternura, à sua obscura beleza, para lá de tudo o que é belo e que me humedece o olhar. Como quem ama ainda uma mulher e lhe não pode tocar. Como quem envelhece e entende a vida apenas na sua longa melancolia.» 
 
Vergílio Ferreira
  «Todo o trabalho da arte procura assegurar a aparição de si a si mesmo a colmatar todos os vazios, os escoamentos, as rupturas do eu, as quebras da memória, os espacejamentos da consciência:


 « Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida.» Vergílio Ferreira


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 75
   «Valerá a pena destruir Deus, o Deus da Religião ou o Deus da Política? «Derrubar o deus do altar. E depois, o altar. E depois, o sítio dele. E depois, a memória dele. E tudo ficar certo como se não. Derrubar o sinal e o signo. O visível e o invisível. E tudo ser como se. (...) E tudo funcionar como se não. Como se o invisível fosse ainda.»
 


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 64
«Procuram no sítio das casas a memória do que lá ficou, dos deuses e da sua ordem com que se organizava a vida e ela tinha sentido e era verdade, da tranquilidade do sono à noite quando o dia se cumprira.»
 
Vergílio Ferreira
 
  «Esta imagem é tanto mais exaltante quanto a ela se vem contrapor a multiplicidade incontrolada do presente pós-terramoto e pós-revolução: é a desordem instalada no inferno das ideologias e no alarido tempestuoso das opiniões, é a ramificação de cada coisa no seu contrário e no contrário do seu contrário, é a bifurcação demente de todas as evidências em verdades e contraverdades sem prova nem acalmia.»  Eduardo Prado Coelho p. 62
 
 
«(...) Carolina, a prostituta, o ser mais divinamente animal desta galeria de sonâmbulos, reivindica para sua aldeia a reconstruir: « O que eu penso é que devia ficar tudo como estava. Não é preciso pensar muito. Tal e qual como estava. Eu por mim queria a nossa terra como era.» Vergílio Ferreira




Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 62

«atacar uma mulher na boca» - Vergílio Ferreira

as hemorragias do eu


«Pela primeira vez desde que nos conhecíamos, estendeu-me a mão num gesto envergonhado e eu senti-lhe as escamas da pele. Teve um sorriso breve e, antes de sair, disse: «Espero que os cães não ladrem esta noite. Julgo sempre que é o meu.»
 
 
Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 67

de tempos a tempos zangávamo-nos

«Não fora feliz com a sua mulher, mas, por fim, habituara-se a ela. Quando esta morrera, sentira-se muito só. Pedira então, a um colega de escritório, que lhe desse um cão, e fora-lhe oferecido a este, quase recém-nascido. Tivera que o alimentar a biberão. Mas como o cão vive menos do que o homem, tinham acabado por envelhecer juntos. «Tinha mau feitio», disse Salamanco. «De tempos a tempos zangávamo-nos. «Mas apesar disso, era um bom cão.»
 
 

Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 66
«Instantes depois, perguntou-me se eu a amava. Respondi-lhe que não queria dizer nada, mas que me parecia que não. Ficou com um ar triste.»

Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 58

''sopro húmido e escuro''

'' a carne branca das raízes''

quinta-feira, 22 de maio de 2014


calar ou adoçar

«Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram nossas ali!...»

Fernando Pessoa/Bernardo Soares

insónia: equivalente do tédio, do cansaço, da dor ou desassossego

«O tédio...Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer - tudo isto está no tédio sem ser o tédio, nem é dele mais que uma paráfrase ou uma translação. (...) O tédio...Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio...É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma.»

Fernando Pessoa

não-amor; não-ódio

in-diferença

« O que dói e pesa em Pessoa dói e pesa fisicamente - algo de que nem sempre os literatos que o viam como cerebral se deram conta. »
 
 
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 31

o humor é a versão diurna do desassossego

Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 31

às vezes dizemos


às vezes dizemos
                            uma jarra
       pensando nas flores que lá
       poderiam crescer

às vezes dizemos
                          summertime
      como se um negro
      nos pudesse ouvir

às vezes dizemos
                        palavras
      como se as prisões
      pudessem ter sentido


Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 36
«(...)

Desviei os meus olhos para ti:
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.»


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 30

aves nocturnas


a amante e a amada

*


Há em teus olhos, dados ao momento,
uma tristeza de água reprimida,
que é como o pressentimento
duma próxima despedida.

Tristeza que faz lembrar
dias perdidos de outono
com luz pálida a incidir
nas folhas, mortas de sono.

Deixa que a esperança os molhe,
os inunde de alegria.
Cada noite passa e colhe
o gosto de um novo dia.


Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 21
«Só terás remorso
do que possas fazer e o não fizeres.»

Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 20

Vens cheia de orvalho, lágrimas da noite



Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 18

terça-feira, 20 de maio de 2014



«Sei que estás a sofrer
O teu homem foi-se embora outra vez
Partiu como um furacão
O que só pensas no bem que ele te fez...

Tentas dormir
Mas o teu sono parece ter voado com ele
E a noite colou-se às tuas costas
Ai, disforme como um pesadelo

Mas, ouve bem, meu amor:
Não é tarde para sorrires outra vez
Ainda há estrelas  no teu olhar

(...)»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 53

O VELHO NO JARDIM

Está um velho no jardim
Com cabelos de algodão
Tem dois olhos cor de mar
E uma cruz em cada mão
Uma cresce dum altar
Outra é a uma ilusão
Continuo a subir

Vejo um milhão de ideias falsas
Num crucifixo conjectural
Concebido para salvar almas
Da asfixia existencial

Está um velho no jardim
Que me olha com rancor
Tem dois olhos de marfim
Afiados no pudor
Mas as coisas que ele faz
Não parecem ter calor
Continuo a subir

Vejo uma vela adulterada
Feita de sangue e de cetim
Garantida por dois mil anos
Mas que está a chegar ao fim



Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 51
«Um dia entrei demais nos teus olhos
E vi o rancor
Que te anda a suicidar
E te impede de ver
Por trás do teu sorriso sem nome
Cresce a frustração
E eu já não tenho saco
Para te compreender.»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 49
«Não me masturbo mais
Com Cristos de cordel»

Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 47

Improvisa um despertar

DIZEM QUE NÃO SABIAM QUEM ERA


Ah! Dizem que fazia amor com qualquer um
E que se drogava...

Ah! Dizem que foi apanhada a ver o mar
Com outra mulher...

Ah! Dizem que foi encontrada morta
Os pulsos cortados...




Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 43
«Se alguma vez pudesses ver
O que eu, sem querer, via em ti»


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 38

VIAGEM (MULHER)

Abre o portão e improvisa a partida
Leva emoções e alguns livros na mão
Deixa o destino e vai recomeçar
Do outro lado do espelho
Não vende nada, o que tem é para dar
Agora é mulher
Já não é flor pisada

Tu és a tal há tanto tempo deitada
Sempre a sofrer, sempre a morrer por amor
Mas já é tempo de abandonares de  vez
Esse teu berço-memória
Vais ter orgulho no teu nome de mulher
Agora estás de pé
Já não és flor pisada

Saltaste o muro e vais continuar
Do outro lado da vida
Rompeste as grades do teu jardim-prisão
Agora estás de pé
Agora és mulher
E o teu nome é liberdade!


Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 36

domingo, 18 de maio de 2014

«Human Cello» Charlotte Moorman & Nam June Paik, 1965


(«Passagens de zarzuela e trechos avulsos entoados pelo chefe da brigada Elias Santana durante o seu passeio nocturno:

-La Violetera
-O último Couplet
-Carmen, de Bizet
-Oh, Sole Mio
Os Sinos de Corneville.)





José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 250

flores funerárias

Estevais

«Estevais é o que há à volta deles, estevais e pedras, ausência de árvores. E sol. O sol a rebrilhar no verniz das folhas das estevas e o cheiro morno que elas deitam e que tem o denso do suor íntimo, carnal.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 225

fuma com a boca colada ao joelho

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 209
   «Elias vigia-a espalmado na superfície da porta, olho quedo. Ali a tem ao real e por inteiro. Fechada num círculo de vidro, ali a tem. A pedir com um corpo daqueles uma boa verga que entrasse toda, que a explodisse com descargas de esperma a ferver, daquele que é grosso e pesado, do que cresta, e que a encharcasse de alto a baixo desde os olhos até às nádegas, o que ela queria era isso, que lhe fossem pela espinha acima e a pusessem a berrar pela mãe, era o que a cabrona estava a pedir, e dá-me, ai dá-me, dá-me mais, assim, assim, pois então. Mesmo distanciada e reduzida pelo vidro panorâmico do ralo é uma provocação, uma agressão da natureza, a grandacabrona.»
 



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 208

prado de fetos

rendez-vous aos passarinhos

carne da tua carne

«Vive entre estrangeiros, mas para eles é também um estrangeiro. Por isso alguns hão-de amá-lo, como Maria, sua amante, que lhe dá importância «porque é bizarro»; e outras detestá-lo-ão por isso, como aquela multidão do tribunal, cujo ódio ele sente de súbito subir contra si.»


Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 12)

«O homem absurdo não se suicidará: quer viver, sem abdicar de nenhuma das suas certezas, sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões, e também sem resignação. O homem absurdo afirma-se na revolta. Fixa a morte com uma atenção apaixonada e esta fascinação liberta-o: conhece a «divina disponibilidade» do condenado à morte. Tudo é permitido, visto que Deus não existe e visto que se morre. Todas as experiências são equivalentes, convém somente adquirir a maior quantidade possível delas.»

Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 11)
«Há dias em que ...encontramos como uma estranha aquela a que amamos.»

Albert Camus

Durmo e desdurmo

«Durmo e desdurmo. Do outro lado de mim, lá para trás onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, a nenhuma gota que cai se ouve cair.[...] Sinto  a cabeça materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da fronha tem com a minha pele um contacto de gente na sombra. A própria orelha, sobre a qual me encosto, grava-se matematicamente contra o cérebro. Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo, inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece - não é minha.»

Fernando Pessoa

um passo atrás

«um passo antes do clímax, um passo antes da revolução, um passo antes do que se chama amor. Um passo antes de minha vida - que, por uma espécie de forte íman ao contrário, eu não transformava em vida»

Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. p. 30

(escrever é perder-se: «escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda.»


Fernando Pessoa

Floresta do Alheamento

«Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram ali!...Horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores de paisagem externa...»

Fernando Pessoa
Amiel

« a paisagem é um estado de alma»



Fernando Pessoa

um estado de alma é uma paisagem

O espaço literário

« O espaço literário começa por ser um lugar de solidão essencial anterior a qualquer obra: «A solidão do escritor, esta condição que é o seu risco, viria do facto de ele pertencer, na obra, ao que existe sempre antes da obra. Através dele, a obra realiza-se, adquire firmeza do começo, mas ele próprio pertence a um tempo onde reina a indecisão do recomeço. A obsessão que o liga a um tema privilegiado, que o obriga a voltar a dizer o que já disse, por vezes com o poder de um talento enriquecido, mas por vezes com a prolixidade de uma repetição extraordinariamente empobrecedora, sempre com menos força, sempre com maior monotonia, ilustra esta necessidade de voltar ao mesmo ponto, de repassar pelas mesmas vias, de perseverar recomeçando o que para ele nunca começa, de pertencer à sombra dos acontecimentos, e não à sua realidade, à imagem, e não ao seu objecto, ao que faz que as próprias palavras se possam tornar imagens, aparências - e não signos, valores, poderes de verdade»

Blanchot, L'espace littéraire, p. 14

Ordres et Désordres

«(...) quer a atitude fetichista ou a melancólica, tendem a ser culpabilizantes práticas de frustração.»


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 16

crítico fetichista

  «Digamos que o universitário tende para a figura do crítico fetichista, isto é, aquele que, observemo-lo sem má intenção, tendo verificado a ausência de pénis na mãe, se recusa a admitir essa realidade, pela ameaça de castração que ela faz recair sobre ele próprio, e cria uma realidade substitutiva que é fétiche. Qual a função do fétiche? Por um lado, ele está no lugar da mãe. Mas, por outro, este objecto substituto, na medida em que pretende negar uma ausência, é em si mesmo o signo dessa ausência. O «universitário» procura cercar a obra literária com todo um ritual sádico em que o saber funciona, na sua acumulação ilimitada, como forma de predação. E isto tanto se pode verificar nas antiquíssimas práticas de um greimasianismo selvagem. O texto crítico está no lugar do texto criticado. Mas este processo de substituição é a marca da definitiva ausência do texto criticado. Tal ausência, geradora de alguma angústia que circula nos corredores do ensino da literatura, tende a ser anulada pela acumulação maciça de um saber sem fim - o fetichista coleciona no campo do finito na convicção de que a quantidade poderá assegurar o salto para o lado do infinito poético.»


Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 15

''Da minha aldeia não se via o mar.''

Eduardo Lourenço

sobre a crítica literária

«mas o tribunal de toda a escrita está em toda a parte e em parte alguma»

Eduardo Lourenço
«Em sentido radical, não há nada a dizer de um poema, pois é ele mesmo o dizer supremo.»

Eduardo Lourenço. Tempo e Poesia. Inova, Porto, 1975., pp.25-26

face auto-bio-gráfica

sábado, 17 de maio de 2014


«quebra-lhe o vidro da virgindade, e torna o resto maleável.»

William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 139

esgrima de virgem

«(...); se calquei algum verme, foi sem querer, e logo chorei por isso.»



William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 108
    «O que vale é que as putas dão para tudo, diz. Não houve aquela Madalena que depois de morta foi santinha?»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 201

emputecida

por entre as iluminações do Whisky

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 200

sendo de mau esquecer e de pior perdoar

«Dita margarida essa que em data para olvidar tinha um dos seus desentendimentos com a Judite por causa de um baile de facadas e que, sendo de mau esquecer e de pior perdoar, passara aviso às restantes margaridas e respectivos interessados.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 199
«O comodismo dos generais portugueses sujeita-os à chacota e à degradação.» Gen. Humberto Delgado, Carta aos Generais.



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 196

«Elias só guardará dessa noite a nódoa que lhe assinala o pijama masturbado. Uma lágrima crestada que ele irá levar à torneira.»



José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187

Elias masturba-se.

   «Elias masturba-se. Sempre de olhar parado, vendo para dentro a desfocar-se (o olhar de quem se deixa ir de viagem) enquanto a mão, o rosto e a boca dela o trabalham lá em baixo, e tudo se concentra, Elias vai num espaço fechado, numa caixa de espelhos, a cabeça solta, desligada dele. Tem o corpo tenso, em arco. O pénis recurvo não pára de ser percorrido por uma cadência saboreada e insistente, e ele de olhar imóvel diante dum vidro (que já não é de espelho, mas transparente) diante dum para-brisas, um autocolante, um espelho retrovisor, para baixo e para cima, de mãos no volante, ele para baixo e para cima, as molas do assento a rangerem num movimento mecânico e igual. Sempre.»

José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 189

beauté



«Vagueei todos estes anos por um mundo de mulheres procurando-te, Morte.»


José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 188
« sr santana no me dá governo vir às sigundas que é dia do óspital ódepois espelico Lucinda.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187

Beleza ou Deveza.

dor de corno

PAGELA DA IRMÃ MARIA
   DO DIVINO CORAÇÃO

Fixe os 4 pontos que se vêem na imagem
e conte até 20 sem desviar o olhar,
diante duma parede branca.

Feche os olhos e abra-os imediatamente.

Verá aparecer na parede a Miraculosa
Irmã Maria do Divino Coração,
Escrava do Senhor.

                                   (Proibida a reprodução)

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 105

quarta-feira, 14 de maio de 2014

palavras labiosas


"Não penses nas coisas que foram e passaram,
meditar no passado aviva o sofrimento.
Não penses no que vai acontecer,...
meditar no futuro enche-te de incerteza.
Melhor, de dia, sentado na cadeira como um saco,
de noite, deitado no leito como uma pedra.
Quando a comida chega, abre a boca,
quando o sono vem, fecha os olhos.
Estas as coisas úteis ao teu corpo,
quanto ao subir e descer,
vida breve ou vida longa,
não penses, deixa tudo ao acaso.
Eu tenho ainda um luxo,
quando meu espírito se agita,
canto uma canção louca
sobre uma taça de vinho."



Bai Juyi. Poemas

brita-ossos

o preço da persistência

chavascal

«Sentia em si paz e brandura, tal como das vezes em que, depois de um ano inteiro de fome angustiada, acaba de possuir uma mulher.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 100

ferroar

  «Loas respondeu-lhe com um olhar estranhamente suave. Olhar sem animosidade e sem compaixão: liso como um lago nas madrugadas de Estio.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 100

« Ninguém poderia suspeitar a tempestade que, no seu íntimo, o ia transformar noutro homem.»


Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 99

terça-feira, 13 de maio de 2014

«Se vives, Péricles, tens um coração que deve estalar de dor


William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 93

SIMÓNIDES

  «Oh! como sois peremptória, senhora! (À parte.) Do coração o estimo. - Eu vos amansarei; eu vos farei ser obediente.»

William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 76

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Wassily Kandinsky, Tanzkurven Zu den Tänzen der Palucca, Das Kunstblatt, Potsdam, vol. 10, no. 3 (1926)


terreola

    «O Vieirinha reflectia profundamente nos acontecimentos e apetecia-lhe chorar. Não um choro íntimo, discreto, de sóbria mas contrita penitência - mas um choro por assim dizer de exortação.»
 
 
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 85
TAMBORES NA NOITE #2

"Vivo,na verdade, em tempos sombrios.
É insensata a palavra ingénua. Uma fronte lisa
revela insensibilidade. Aquele que ri...
é porque ainda não recebeu a notícia terrível.

Que tempos estes
em que falar sobre uma árvore é quase um crime
porque equivale a cantar tantas perfídeas!
Esse homem que vai tranquilamente pela rua,
conseguirão os amigos encontrá-lo
quando precisarem?

É verdade que ainda ganho a vida
Mas, creiam, é pura casualidade. Nada
do que faço me dá direito a fartar-me.
Libertei-me por acaso. (Estaria perdido se a sorte se me acabasse).
Dizem-me:«Come e bebe! Goza o que tens!»
Mas como posso comer e beber
se estou a roubar ao faminto aquilo que como
e o meu copo de água faz falta ao sedento?
E mesmo assim, como e bebo.

Gostaria de ser também sábio.
Os velhos livros explicam a sabedoria:
fugir das lutas do mundo e deixar passar
sem inquietação o nosso curto tempo.

Libertar-se da violência,
responder ao mal com o bem,
não satisfazer os desejos e até
esquecê-los; é essa a sabedoria.
Mas não posso fazer nada disto;
vivo na verdade em tempos sombrios."


Bertolt Brecht
. "Poesia, Textos, Teatro"

Antiqua Venezia


sedição

nome feminino

levantamento popular; motim; rebelião

(Do latim seditiōne-, «idem»)
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