Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixem-se estar. Deixem-se
estar.
Deixem-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de
completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.
Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.
Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.
E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendente
que, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai.
Oh! não gemiam, não...Os mendigos maiores são todos
estóicos.
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da
estranha sorte
que anda por eles como um rio num país.
Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.
Abriram sonos e silêncios e espaços nus, em redor de si.
Têm seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.
Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri.
E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem
pede.
E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai conver-
tendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.
Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 31