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quarta-feira, 3 de março de 2021

 «O pensamento é triste; o amor, insuficiente;

e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.»



Cecília Meireles, Antologia poética, posfácios de José Bento e João Bénard da Costa, Lisboa, Relógio d’Água, 2002, p. 51. Do livro Vaga Música, 1942.

sábado, 21 de junho de 2014

AMOR. DESPREZO.

Assim compreendo
o meu perfeito
acabamento.


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 64
«À beira dos teus olhos,
por acaso detenho-me,
que acontecimentos serão produzidos
em mim e em ti?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos
quando já foram sofridos.

Tão pouco somos, -  e tanto causamos,
com tão longos ecos! »

...


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 62
«(...)

Porque não há mais ninguém,
não, não haverá mais ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.»



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 57
«Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 54

LUA ADVERSA

Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 52

«O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 50

há mãos de amor para a tua ausência.

No estrondo das guerras, que valem meus pulsos?

CANÇÃO DE ALTA NOITE

Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar...Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.

Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente-
Não necessita de nada.


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 37

TIMIDEZ

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

-mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

-uma palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos nocturnos,

-que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

-e um dia me acabarei.


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 32

quarta-feira, 18 de junho de 2014

ESTIRPE

Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixem-se estar. Deixem-se
                                                                                             estar.
Deixem-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de
                                                                           completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.



Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.
Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.
E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendente
que, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai.


Oh! não gemiam, não...Os mendigos maiores são todos
                                                                                       estóicos.
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da
                                                                                      estranha sorte
que anda por eles como um rio num país.


Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.
Abriram sonos e silêncios e espaços nus, em redor de si.
Têm seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.
Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri.

E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem
                                                                                          pede.
E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai conver-
                                                                                        tendo em pedra.

Esse povo é que é o meu.



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 31

terça-feira, 17 de junho de 2014

«Quando penso no teu rosto
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.»



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 27
« -por dentro das tuas máscaras,
meus olhos, sérios e lúcidos,
viram a beleza amarga.»



Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 20
«Surgi do meio dos túmulos,
para aprender o meu nome.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 18
«O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 18

«(...)

Nunca ninguém viu ninguém
que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
Sé se aquele mesmo vento
fechou teus olhos, também...


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 16

«(...)

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.»


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 15

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão parada e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?


Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 13
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