Irene Lisboa. Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma. Livraria Figueirinhas, Porto, 1989., p. 35
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Irene Lisboa. Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma. Livraria Figueirinhas, Porto, 1989., p. 35
Irene Lisboa. Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma. Livraria Figueirinhas, Porto, 1989., p. 12
The Library of America
To get there. And you can't be sure.
The publisher might go out of business.
Or you yourself might not be good enough.
The vagaries of taste might swerve,
Suddenly, leaving you disaudienced.
Marquand. Aiken. cummings. Mailer.
What are their chances now, which once
Loomed so large? Ubi sunt, as they say
In France, while their language
Expires. It's sad, this transience
We share, but look on the bright side:
It makes us, even the snottiest,
Human, which is a good thing to be.
And, in any case, inalterable. We die,
Others occupy our premises, decide
They don't need so many bookshelves,
And redecorate. Every vanity
Will be deaccessioned, as Islam
Deaccessioned Alexandria. Ubi sunt.
Cling as you may, assert whatever claims,
Once you have fallen into the public domain,
There's precious little hope, and all that
Little is reserved for those who had no doubts.
The man who carved the Sphinx's nose:
What was his name again? For centuries,
Millennia, that nose was there, and now
It's not. We are—I am—like him
Ephemeral, a million Ozymandiases
Drifting about in a vast Sahara.
Sift those sands, you archeologists.
Number the shards of the shattered nose.
Reprint the words that once we shivered
To read, and annotate each line. Still,
When we die, we are certainly dead,
And only a few of our books will be read.
And then even those will be forgotten.
Tom Disch
Nineteen Thirty-Eight
Superman made his debut in Action Comics,
Stalin was killing off his fellow revolutionaries,
The first Dairy Queen opened in Kankakee, Ill.,
As I lay in my crib peeing in my diapers.
“You must have been a beautiful baby,” Bing Crosby sang.
A pilot the newspapers called Wrong Way Corrigan
Took off from New York heading for California
And landed instead in Ireland, as I watched my mother
Take a breast out of her blue robe and come closer.
There was a hurricane that September causing a movie theater
At Westhampton Beach to be lifted out to sea.
People worried the world was about to end.
A fish believed to have been extinct for seventy million years
Came up in a fishing net off the coast of South Africa.
I lay in my crib as the days got shorter and colder,
And the first heavy snow fell in the night.
Making everything very quiet in my room.
I believe I heard myself cry for a long, long time.
Charles Simic
Fundación mítica de Buenos Aires
que las proas vinieron a fundarme la patria?
Irían a los tumbos los barquitos pintados
entre los camalotes de la corriente zaina.
Pensando bien la cosa, supondremos que el río
era azulejo entonces como oriundo del cielo
con su estrellita roja para marcar el sitio
en que ayunó Juan Díaz y los indios comieron.
Lo cierto es que mil hombres y otros mil arribaron
por un mar que tenía cinco lunas de anchura
y aún estaba poblado de sirenas y endriagos
y de piedras imanes que enloquecen la brújula.
Prendieron unos ranchos trémulos en la costa,
durmieron extrañados. Dicen que en el Riachuelo,
pero son embelecos fraguados en la Boca.
Fue una manzana entera y en mi barrio: en Palermo.
Una manzana entera pero en mitá del campo
expuesta a las auroras y lluvias y suestadas.
La manzana pareja que persiste en mi barrio:
Guatemala, Serrano, Paraguay y Gurruchaga.
Un almacén rosado como revés de naipe
brilló y en la trastienda conversaron un truco;
el almacén rosado floreció en un compadre,
ya patrón de la esquina, ya resentido y duro.
El primer organito salvaba el horizonte
con su achacoso porte, su habanera y su gringo.
El corralón seguro ya opinaba YRIGOYEN,
algún piano mandaba tangos de Saborido.
Una cigarrería sahumó como una rosa
el desierto. La tarde se había ahondado en ayeres,
los hombres compartieron un pasado ilusorio.
Sólo faltó una cosa: la vereda de enfrente.
A mí se me hace cuento que empezó Buenos Aires:
La juzgo tan eterna como el agua y como el aire
Jorge Luis Borges
Susana Bombal
cruza el casto jardín y está en la exacta
luz del instante irreversible y puro
que nos da este jardín y la alta imagen
silenciosa. La veo aquí y ahora,
pero también la veo en un antiguo
crepúsculo de Ur de los Caldeos
o descendiendo por las lentas gradas
de un templo, que es innumerable polvo
del planeta y que fue piedra y soberbia,
o descifrando el mágico alfabeto
de las estrellas de otras latitudes
o aspirando una rosa en Inglaterra.
Está donde haya música, en el leve
azul, en el hexámetro del griego,
en nuestras soledades que la buscan,
en el espejo de agua de la fuente,
en el mármol de tiempo, en una espada,
en la serenidad de una terraza
que divisa ponientes y jardines.
Y detrás de los mitos y las máscaras,
el alma, que está sola.
Jorge Luis Borges
El Puñal
Fue forjado en Toledo, a fines del siglo pasado; Luis Melián Lafinur se
lo dio a mi padre, que lo trajo del Uruguay; Evaristo Carriego lo tuvo
alguna vez en la mano.
Quienes lo ven tienen que jugar un rato con él; se advierte que hace
mucho que lo buscaban; la mano se apresura a apretar la empuñadura
que la espera; la hoja obediente y poderosa juega con precisión en la
vaina.
Otra cosa quiere el puñal.
Es más que una estructura hecha de metales; los hombres lo pensaron y
lo formaron para un fin muy preciso; es, de algún modo eterno, el puñal
que anoche mató un hombre en Tacuarembó y los puñales que mataron
a César. Quiere matar, quiere derramar brusca sangre.
En un cajón del escritorio, entre borradores y cartas, interminablemente
sueña el puñal con su sencillo sueño de tigre, y la mano se anima cuando
lo rige porque el metal se anima, el metal que presiente en cada
contacto al homicida para quien lo crearon los hombres.
A veces me da lástima. Tanta dureza, tanta fe, tan apacible o inocente
soberbia, y los años pasan, inútiles.
Jorge Luis Borges
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
A neve do bosque foi‑se tornando mais profunda, os ramos partidos e os pedaços de troncos duros faziam com me fosse mais difícil caminhar do que aquilo que eu tinha imaginado. De repente, um pássaro levantou voo por entre as árvores com um chilrear agudo. Parei e pus‑me a escuta, mas não ouvi mais nada, era como se não restasse mais ninguém neste mundo. Ao fechar os olhos, escutei o som das correntes dos carros que circulavam pela estrada, que soavam como cascavéis. Tive a sensação de não saber onde estava, de não saber quem era.»
Kyoichi Katayama. Um grito de amor desde o centro do mundo.Trad. Catarina Gândara, Editora Objectiva, 1ª ed., 2009, p. 10
e não se sofre melhor longe destes lugares...?»
Negras colinas
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 165
Abalo
e chamar o meu pai e apresentar uma confissão,
levantar-me no fogo e meter as minhas mãos em chamas
na garganta da neve.
Vou expulsar dos campos as flores, para que regressem a casa,
e quebrar os ramos aos meus arbustos para o abalo da morte.
Vou dar uma carta à minha tristeza e recomendá-la a Deus
e dizer-lhe que ela é vida como nenhuma outra vida,
tristeza no crepúsculo das cidades natais!
Eu vou lá anunciar donde vim
e para onde vou.
Eu vou até onde ninguém me possa alcançar
com sapatos sujos. Nenhuma frialdade há-de empedernir o meu coração
perante a incerteza dos deuses ensombrados!
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 135
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Tormento
diante o vento e diante as crianças que disputam o cão, morro
numa manhã que não pode vir a ser nenhum poema; só triste e verde e
que eu venho da cidade e não me trazem senão
as suas primaveras destroçadas em grandes cestos e vêem-me -
e não me vêem, porque
eu morro diante do Sol.
Um dia não verei mais os bosques, e a erva
há-de colher a tristeza da minha irmã. O arco da porta
ficará negro e o céu já não será
inatingível
para os meus desesperos...Num dia hei-de
ver tudo e a muitos enxugar os olhos
de manhã cedo...
Estou então de novo debaixo dos jasmins e
vejo como o jardineiro dispõe os mortos nos alegretes...
Morro diante do Sol.
Estou triste, porque há sempre dias que não voltam mais...A parte
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 123
Biografia da dor
estão empilhadas as cadeiras e nenhuma das pessoas a quem
pergunto por mim me viu.
Os pássaros lançaram-se no espaço, para desenharem o meu rosto nas nuvens
por cima da minha casa e por cima do jardim dos mortos.
Conversei com os mortos e falei da guitarra do mundo,
que as suas bocas já não produzem nem os seus lábios,
os quais falam uma linguagem que ofende o cão do meu primo.
A terra fala uma linguagem que ninguém entende,
porque é inesgotável - dela arranquei estrelas e tirei e pus
nos desesperos
e bebi vinho do seu jarro,
que é feito das minhas dores.
Estas estradas levam ao degredo. Oiço Deus
atrás de uma vidraça e o Diabo num altifalante
e os dois chegam juntos ao meu coração, que anuncia a ruína das
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 119-121
Tristeza
como se Jesus não tivesse sido crucificado à luz das estrelas,
que não têm medo das crueldades da minha alma, da alma
que enterrei num vale quando nem sequer era nascido, naquele tempo,
em Abril, o mês iracundo, que lava as pedras
e as torna em lousas de sepulturas, sobre as quais se encolhem as
no brilho mortiço da Lua distante.
Para quê estes dias, para quê a morte,
para quê tudo aquilo de que não gosto, o arbusto
e as flores na boca do burro e o grito
dos meus membros no Outono e a lida dos camponeses
e a glória do sofrimento com que a minha mãe me sobrecarregou ao
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 113-117
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 367
Literatura para crianças: O Pássaro da Alma
Quando alguém nos magoa, o pássaro da alma agita-se de lá para cá / Em todos os sentidos dentro do nosso corpo, sofre muito.
Michal Snunit. O Pássaro da Alma. Ilustrações de Naama Golomb. Trad. do hebraico de Lúcia Liba Mucznik. Editora Vega, Lisboa, 2007
«Fundação mítica de Buenos Aires»
os homens partilharam um passado ilusório.»
Borges
Tango em Evaristo Carriego
combativa:
''Talvez a missão do tango seja essa: dar aos argentinos a certeza de terem
sido valentes, de terem cumprido já com as exigências da coragem e da
honra.''»
Eduardo Pellejero. Borges e a política da expressão a transvaloração do passado nacional, p.3
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
''Indagação'' socrática
Guimarães, R (2008). Jorge Luis Borges e Maurice Blanchot: Os pharmakós da escritura. ACTA LITERARIA Nº 37, II Sem., p.4
Guimarães, R (2008). Jorge Luis Borges e Maurice Blanchot: Os pharmakós da escritura. ACTA LITERARIA Nº 37, II Sem., P.4
domingo, 17 de outubro de 2010
Mulher (para Marino):
Certos homens têm um negro semblante,
Os seus olhos não respondem à luz do olhar
Pois estão mergulhados na sombra. Mas os teus
Têm a escuridão abafada da noite tropical
Onde o relâmpago está prestes...
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 335
A Morte veio e levou-o de mim.
(...)
Acho que (de mim tão amigo e chegado)
Nesta aparência de mortal frialdade,
Senti sobre a face o sopro abafado
Do grande vortéx da eternidade.
Tão perto, que a Morte parecer tocar
Meu corpo tremente; triste me parece
Que a Morte junto a mim não vai voltar
Salvo por mim mesmo...
(...)
Alguns morrem na batalha sangrenta,
Alguns no cadafalso, outros esfaqueados,
Outros dão o ser sem qualquer contenda,
Mas os mártires por outros são imolados.
Morrem alguns no leito de agonia,
Noutros funda angústia os arranca à sorte,
Uns partem sem ver quão belo é o dia,
Outros bem tarde. Mas morte é sempre morte.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 331
Menestrel: Tão bem te conheço, Giles Attom, que tu
Não te conheces a ti tão bem quanto eu;
Tua infância e juventude, a tua idade adulta
Tudo me é conhecido; teus pais igualmente
Conheci muito bem; até da tua vida
Conheço os segredos - tuas paixões, cuidados,
Teus amores e desgostos, tuas raivas e calmas,
Chamas e friezas; sei do teu presente
E, de igual modo, o teu futuro conheço.
Giles: Como tal? Quem és e o que és para falar assim?
Para te gabares de tudo conhecer?
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 323/325
Tão raro no seu fado, tão obscuro na sua origem,
Que ante coisas tão simples perdemos a voz.
Tão ridículo, tão bizarro, tão real, irreal
E contudo tão triste! Como exprimir tudo isto?
Tivesse em mil línguas, mil maneiras
De expressar meu pensar e uma ideia só a dizer
Inda a mente me oprimiria ante um pensamento
Que amaldiçoa a palavra.
Sim, por vezes acho
Que vou ter a resposta de tudo; só que então
Algo demasiado horroroso em si aparece,
Uma loucura que alastra, uma ausência de luz,~
E de novo emudeço.
Quando medito sobre
Este espaço imenso, silencioso, interminável,
Sinto a vertigem do viandante que olha
Arrebatado sobre o fundo de um abismo,
Em escuro envolvido, donde se soltam terríveis sons -
Assim é estridente na minha alma o som solene
Do pensamento em si pesado.
Eu te dou algo para pensar, mas retém uma só
Palavra - uma pequena palavra, amigo - «Deus»
E diz-me tudo o que nela está. Ou então não digas
E pensa somente.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 323
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Tese de Doutoramento em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p. 39
Causas do Niilismo
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Tese de Doutoramento em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p. 36
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Tese de Doutoramento em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p. 33
Niilismo
No entanto, apesar desses registos anteriores, o termo “niilismo” tornou-se conhecido somente a partir do romance russo, Pais e filhos, de Ivan Turguêniev, escrito entre 1860 e 1862. De facto, é tarefa difícil remontar a história do niilismo, pois suas raízes tendem a se aprofundar cada vez mais à medida que se busca a sua origem. Mas, para além da origem do termo, o niilismo, enquanto sentimento, existiu desde sempre. Trata-se do sentimento de estranhamento e da falta de sentido diante do mundo.»
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Tese de Doutoramento em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p. 30
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Se eu pudesse dizer quantas vezes quis morrer esta noite,
morrer sem salmo e sem mãe nem pai, morrer como os animais
que sufocam, encurralados entre os muros,
morrer como um verme pisado, sem qualquer assistência,
morrer como o melro esmagado pela roda do comboio aéreo,
morrer como a alma das árvores, que mandam com o vento
os seus segredos para os oceanos, quando a Primavera chega, porque
«à la fin tu es las de ce monde ancien...»,
tanto sofrimento, tanto cheiro de corpos humanos nunca eu antes
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 93
Sandip
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 33/4
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 33
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 32
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 31
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Tese de Doutoramento em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p. 27
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
132.
I
-«O que é a fama após a morte?
Uma vida sem vida, caro rapaz,
Uma vida que se vive e não apraz,
Um nome escrito à esquina duma rua,
Um busto que podemos espezinhar,
Um vento leve que a tempestade destrua:
Essa a fama póstuma. Maldito quem se agastar
Só por tê-la; e quem por ela morrer, Marino,
Se matará duas vezes. Por isso escuta...
II
É bom ser amado por toda a gente,
Melhor ainda o amor só de alguém;
Mas não há na vida maior amargura
Do que não ter o amor de ninguém.
III
Nunca as negras nuvens serão tão densas
Que não haja um azul para vislumbrar;
Nunca o céu tão escuro que um raio luminoso
Através dele não possa passar.
IV
Nada é mais frio do que as cinzas são
E contudo o lume ali se ateou;
A noite que envolve uma única estrela
Mais negra parece quem a olhou.
(...)
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 313/314
124.
II
A visão que tenho deste dia frio,
A depressão funda em que o pensar extravio
Um símbolo e um resumo é, simplesmente,
Do que a minha vida é perpetuamente.
Em tristeza e dor, que fundo o pensamento!
Como a alma mergulha em desespero intensivo!
Que desolado o peito emudecido
Das palavras que são como odor expelido
Da flor aberta da plena juventude!
Como fico encerrado na minha inquietude!
Como fico neste círculo confinado,
Círculo trágico do meu ser odiado!
Nem uma ambição ou desejo me chama -
Humanitarismo, poder, riqueza ou fama.
Mas sinto-me cansado, frio, desiludido,
Tal como este dia. Tenho envelhecido
A ver os sonhos a passar e desaparecer,
Deixando a lembrança pura, luzindo,
De algo que, como a luz, se foi extinguindo
Sem o vivo horror de se ver morrer.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 291
122.
Oh, estrela brilhante que na solidão
Espreitas do seio da noite envolvente,
Nada iguala em beleza a tua amplidão
No céu despido e de estrelas ausente.
Promete manter o teu cintilar
Na noite luzindo em dormente prazer,
Como de uma fada o indolente olhar
Que, p'ra pensar, recusa adormecer.
Que há outras estrelas, eu sei muito bem,
Que podem ter mais brilho e verdade;
Mas não as desejo, porém só uma vem
Pedir atenção e vencer a vontade.
E se, disto, a lição não tiverdes tirado
Muito da Virtude terás desprezado.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 283
the same exercise book as about him. It is no
longer I, but another whose life is just beginning.
«O contexto histórico-filosófico de Beckett (1906-1989) é a passagem do existencialismo para o pessimismo. Eis a situação do sujeito do século XX, após vivenciar os anos de guerra. As paisagens inóspitas e os diálogos de seus personagens que denunciam a impossibilidade de comunicar algo são evidências da realidade do pós-guerra. Sua linguagem sem ornamentos tem como função ressaltar o silêncio dos personagens. Seu teatro exprime a angústia de personagens que se encontram condenados à incapacidade de a linguagem comunicar o que sentem.»
ARAÚJO, R. B (2009). Niilismo heróico em Samuel Beckett e Hilda Hilst: Fim e recomeço da narrativa. Doutorado em Literatura Comparada, pela Universidade Federal da Paraíba, p.22
Atraco-me comigo, disparo uma luta. Eu e meus alguéns, esses
dos quais dizem que nada têm a ver com a realidade e é
somente isto que tenho: eu e mais eu
«Desejo de eternizar-se. Desejo de abdicar da vida social para se dedicar totalmente à literatura. Desejo de alcançar a verdade, o conhecimento, a compreensão da vida e da morte. Desejo de ser santa aos oito anos de idade, quando era interna no colégio de freiras. Desejo de escrever um livro a cada novo amor que surgia em sua vida. Desejo de traçar um roteiro para a sua obra, mesmo que o final deste roteiro fosse dar no silêncio: “eu fui atingida na minha possibilidade de falar”. Eram tantos os desejos dessa autora, leitora de Joyce, Beckett, Kafka, Nietzsche, Kierkegaard, Kazantzákis, só para citar alguns de seus autores preferidos.»
Georg Lukács
(...)
Vem, pecado, ó belo pecado!
Que teus esbraseantes beijos vermelhos derramem
E atravessa na nossa fronte a coroa da exultante
Mancha sem vergonha o nosso peito com a mais
negra lama do descrédito!
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 29
Rabindranath Tagore. A casa e o mundo. Trad. de Fernanda Pinto Rodrigues. Minerva de Bolso. 1ª ed., 1973, p. 16
106.
III
Os olhos são coisas raras.
Neles o sentido se transforma em vida.
Neles a vida tem asas.
Olha para mim. É louco e estranho o teu olhar.
Uma luta interior se vê reflectida.
Mais que belo Horror ele vem revelar!
IV
1.
Quanto tu falavas, apenas sentia
Um terror alienado e estranho.
Imagina. Ajoelhar-me poderia
Ante teus lábios, seu mover, seu desenho.
A forma dos lábios, cheia de expressão,
E teus dentes meio descobertos
Eram do delírio, chicotes despertos.
Senti desaparecer minha razão.
Um fetichismo mais que sensual
Visita minha mente delirante.
Maior do que o abismo se apresenta
A fenda entre a razão e sentimento,
Aberta ao alvião do sofrimento.
Tudo contém mais do que aparenta.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 241
Perdidos no Todo, um só vivente,
Essa prisão a que eu chamo a alma
E esse limite a que chamo mente.»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 233
Choro e desejo o que nunca fui eu,
Aquilo que não houve na Natureza
E o que havendo nunca será meu.
Saudade do prazer que já é passado,
Tristeza da dor outrora vivida,
A dor do que visto em vagas visões
É apenas eco da amargura tida.»
(...)
91. A minha vida
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 201
89.
Um dia em delírio entorpecido,
Onde vi estranhas coisas a passar,
Vi num sonho, sem luz alguma a brilhar,
Um homem com um só lábio -
Exactamente, exactamente,
Exactamente um só lábio.
Lembro bem que ele não tinha rosto
Nem nariz, com a ponta para vê-lo,
Nem olhos, nem faces, nem cabelo
Mas apenas só um lábio -
Um somente, um somente
Apenas um, um só lábio.
Podeis pensar nisto sem terror?
E nenhum outro lábio ressalva
À visão, nem tampouco lhe faltava:
Havia somente um lábio.
Vendo-o como eu, ficaríeis loucos -
O homem com um só lábio.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 197/8
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Na minha capital
Mas que encontrei eu na minha capital?
A morte com a sua boca de cinzas, aniquiladora, sede e fome,
que repugnava, porém, à minha própria fome, porque era
uma fome de carne e de pão, de rostos e retretes,
uma fome que balbucia o opróbio desta cidade,
uma fome de mesquinhez,
brilhando de janela a janela, gerando primavera e glória pútrida
sob as escadas do céu.
Eu estava preso e de podridão cansado,
longe das florestas e longe dos anseios da morte de anos em ruínas.
As pedras cinzentas e inconsistentes deste vigamento clamavam em
que me fizeram esquecer a cilada dos homens em que eu tinha caído,
uma hora negra do mundo
no vento de Novembro da minha existência...
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 87
«Vós não dizeis nada, porque estais demasiado doentes para dizer
e este nascer do Sol e esta labuta dos camponeses
e esta labuta dos pássaros
e esta labuta que cria destruição em cada caule, em cada leito de rio,
por toda a parte onde as mãos estão por cima da terra.»
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 81
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Por trás das árvores há um outro mundo
o rio traz-me as queixas,
o rio traz-me os sonhos,
o rio fica silente quando eu, à noite, nas florestas,
sonho com o Norte...
Por trás das árvores há um outro mundo,
que o meu pai trocou por dois pássaros,
que a minha mãe trouxe para casa num cesto,
que o meu irmão perdeu no sono, quando tinha sete anos e estava
cansado...
Por trás das árvores há um outro mundo,
uma erva que sabe a tristeza, um sol negro,
uma lua dos mortos,
um rouxinol que não pára de se queixar
do pão e do vinho
e do leite em grandes jarros
na noite dos prisioneiros.
Por trás das árvores há um outro mundo,
eles descem em longos sulcos
para as aldeias, para as florestas dos milénios,
amanhã perguntam por mim,
pela música dos meus achaques,
quando o trigo apodrece, quando de ontem
nada ficou, dos seus quartos, sacristias de espera.
Quero deixá-los. Já não quero
falar com nenhum,
eles atraiçoaram-me, os campos sabem-no, o sol
há-de defender-me, eu sei,
cheguei tarde de mais....
Por trás das árvores há um outro mundo,
aí há uma outra quermesse,
na caldeira dos camponeses bóiam os mortos e em volta dos charcos
derrete-se em silêncio a gordura dos esqueletos vermelhos,
aí já nenhuma alma sonha com a roda do moinho,
e o vento compreende
apenas o vento...
Por trás das árvores há um outro mundo,
a terra da podridão, a terra
dos negociantes,
deixa atrás de ti uma paisagem de sepulturas
e tu irás destruir, irás dormir cruelmente
e beber e dormir
de manhã à noite, de noite até de manhã,
e não hás-de entender mais nada, nem o rio nem a tristeza,
porque por trás das árvores,
amanhã,
e por trás dos montes,
amanhã,
há um outro mundo.
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 61/63
domingo, 10 de outubro de 2010
porque de asas negras se encontra
coberto.»
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 53
Que farei...
quando nenhum palheiro mendigar para a minha existência,
quando o feno arder em aldeias húmidas,
sem coroar a minha vida?
Que farei
quando a floresta crescer apenas na minha fantasia,
quando os regatos só já forem artérias vazias e lavadas?
Que farei
quando já das ervas não vier qualquer mensagem?
Que farei
quando estiver esquecido por todos, por todos...?
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 49
76.
Sinto uma raiva - sim, uma raiva! -
Do tempo que passa sem se deter,
Sede de vida que nada acalma,
Um ódio que nada pode reter.
E cada hora que sinto passar
E funde a noite com um novo dia
Faz, de pensá-lo, a alma clamar:
«Tortura eterna, tortura sem fim!
Os dias passam e nem uma acção!
Um forte desejo, como uma cobiça
Da vontade ausente - Oh, desolação! -
Um sonho dorido, condenado em mim!»
Sinto uma raiva! Raiva por sentir
Tristeza e mistério, em confusão,
Até que a mente num rodopiar,
Louca, contempla essa maldição
Descarnada, que é o mundo a passar,
Como ante um crime fica um paralítico
Sem ter o poder para o evitar.
Diante do sol, eu sinto estranheza,
Frente ao rio, aos campos, fico angustiado,
Sinto-me um cínico ante a baixeza
E, perante Deus, um revoltado.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 169/171
Família e amigos perto de mim.
Meus olhos detestam o encontrar
Do que é finito - a rua, o lar
E todas as coisas que têm fim.
Não sei o que é que aspiro a ter
Mas isto sei que não posso querer.
Em constante desajuste assim
E frio perante o que é vulgar,
Desço no próprio inferno até ao fim,
Ouvindo o sino a dobrar em mim
Que do meu envelhecer me vem falar,
Mas isto num tom tão estranho vem
Que da Mudança o mistério contém.»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 163
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 145
54.
Tudo para mim é um duvidar
Com a normalidade sempre em cisão,
E o seu incessante perguntar
Cansa meu coração.
As coisas são e parecem e o nada sustém
O segredo da vida que contém.
A presença de tudo sempre perguntado
Coisas de angústia premente,
Em terrível hesitação experimentando
A minha mente.
É falsa a verdade? Qual o seu aparentar
Já que tudo são sonhos e tudo é sonhar?
Perante o mistério vacila a vontade
Em luta dividida dentro do pensar,
E a Razão cede, qual cobarde,
No encontrar
Mais do que as coisas em si revelam ser,
Mas que elas, por si só, não deixam ver.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 117
Ora doce, ora dor inominada,
Nunca a dor humana a dor atura.»
51. A dor suprema
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 113
e vendiam vacas doentes a cidades cinzentas e obscuras, onde
roubavam às mães a erva e a vida e
ensinavam os filhos a morrer em colinas abandonadas.
Só há sombras e bancos desconfortáveis que não deixam
à minha carne, por muito que te esfaltes, a glória
que lhe é devida após as suas viagens.»
(...)
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 43
sábado, 9 de outubro de 2010
Podridão
quando regressei ao sono, em busca do meu pai,
que trouxe a mensagem do último vento
à minha miserável condição, que molestava a sua glória,
a glória de que ele dizia: «Os grandes destinos
são um fracasso para amanhã...»
Imperecíveis elevavam-se as florestas, que enchiam outrora
a noite com as suas queixas e o seu discorrer
sobre o mosto e o declínio. Só o vento
passava sobre as espigas, como se a Primavera vivesse
no meio desta doce podridão.
A neve tomava uma atitude hostil e fazia-me
arrepiar os braços e as pernas, ao olhar
o Norte agitado, que parecia uma cemitério gigantesco
e inesgotável, o cemitério dos prisioneiros
desta forma de progresso, que se
insinuava em cada encruzilhada, em cada pedra de gleba
e em todas as estradas e igrejas, cujas torres se
levantavam contra Deus e contra os convidados da boda,
que se acocoravam em volta do barril de vinho, para o
beberem todo com gargalhadas imundas.
Como é que eu vi na aldeia, em cima das tábuas, estes mortos,
com ventres inchados, comendo carne vermelha,
tartamudeando os hinos da cerveja forte,
a podridão, que furtivamente deslizava pela esplanada
sob o bramir indolente do trombone...
Ouvi o lento respirar da depravação
entre as colinas...
Vi a Terra imperecível como o Sol,
a Terra, cujo Agosto estava enfermo e era irrecuperável
para mim e para os meus irmãos, que aprenderam
o seu ofício melhor do que eu, que
ando torturado por milhões de mendicâncias e já
nenhuma árvore encontro para as minhas conversas de loucura.
Saí de uma noite do Inferno
para uma noite do Céu,
sem saber quem terá de espedaçar a minha vida
antes de ser tarde de mais para falar de glória e valentia,
da pobreza e dos mundanos desesperos
da carne, que me há-de aniquilar...
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 38-41
Nas arcas negras da terra dos camponeses
está escrito que eu terei de morrer no Inverno,
abandonado pelos meus sóis e pelo sussurro dos baldes,
dos baldes cheios de leite mungido,
pronunciando o tormento e o fim sob os golpes do vento de Março,
que me esmaga com a evocação
das macieiras em flor e do feitiço das eiras!
Nunca aniquilei uma noite com palavras afrontosas
nem com lágrimas, mas este tempo, este tempo absurdo,
extinguir-me-á
com a sua poesia seca e afiada como uma faca!
Terei não só de suportar o abandono, mas também
de conduzir o gado dos meus pais e das minhas mães através dos milénios!
Terei de criar chuva
e neve e maternalidade
para os meus crimes e louvar a raiva
que me arruína a seara nos meus próprios campos!
Reunirei os negociantes e as prostitutas de sábado num ponto da
floresta
e oferecerei esta terra, esta terra triste,
ao seu feroz desespero!
Farei entrar mil sóis na minha
fome! Amanhã criarei
algo de transitório para a imortalidade,
perto das fontes e das torres e longe
dos artesãos,
numa madrugada que está farta dos meus sofrimentos
e na qual não acontece senão o retorno das estrelas à sua morada...
...é aí que quero falar com os desesperados
e deixar tudo
o que foi desprezo, amargura e nojo deste mundo.
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 31-33
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
49.
Quereria de novo ser menino
E tu também criança, doce e pura;
Pudéssemos ser livres, sem destino,
Em nossa consciência, de obscura;
Jogos loucos pudéssemos jogar
Sob a ramagem calada e sombria,
Nomes de contos de fadas usar,
Eu de senhor e tu de senhoria.
E tudo seria plena candura
E desejo saudável de pensar,
E quanta dança e quanta travessura
Fariam nossos pés sem descansar;
E eu bem de palhaço actuaria
Para o teu riso infantil ganhar,
E de minha querida eu te chamaria
Sem outra coisa querer significar.
Sentados juntos nos comoveríamos
Com contos ora tristes, no passado;
Não tendo sexo, não nos amaríamos,
O bem sem contra o mal ter lutado.
E numa flor nosso prazer teríamos,
Barco do tesouro a casca de noz:
À noite num armário fechá-lo-íamos
Como na memória um prazer, a sós.
Gastaríamos o tempo, qual riqueza
De um bem grande de mais para fartar,
Gozaríamos saúde e a pureza
Sem saber que os gozámos a gozar...
Ah, quão mais amargo é tudo isso agora
Que um sentimento em mim faz regressar -
O saber de que se nos foi embora
E do que isso deixou em seu lugar.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 108-111
43.
Um não-existir dentro do Ser,
Um etéreo não-ser fundo sentido,
Uma mais que real Idealidade,
Sujeito e objecto um todo unido.
Nem Vida ou Morte, razão ou sem-razão,
Mas fundo sentir do não-sentimento,
Que calma profunda! Mais funda que a angústia,
Talvez como um pensar sem pensamento.
Beleza e fealdade, amor e ódio,
Virtude e vício - tudo já estranhezas;
Essa paz toda calma apagará
De nossa vida e eterna incerteza.
Um sossego de toda a humana esp'rança,
Um fio de exausto, febril respirar...
A alma em vão tacteia a expressão certa;
A lógica da fé vai ultrapassar.
Um oposto de alegria, do fundo
Desconsolo pela vida que temos,
Um acordar para o sono que dormimos
Um dormir para a vida que vivemos.
Tudo diferente da vida que é nossa
E do que atravessa o nosso pensar;
É um lar se vida nos é túmulo,
É um túmulo se nossa vida um lar.
Tudo o que choramos e o que aspiramos,
Como a criança ao peito, ali está,
E seremos mais do que desejamos
E nossas almas malditas terão paz.
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., pp. 94-97
Teu espírito tem asas, p'ra que alturas?
Que alta visão lhe dói até cegar?»
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 95
38.
Não sei se em mim a mente se quebrou
Nem se a razão me foi adoecer;
Não sei se o amor é só o último sinal
De Deus em mim, ou a voz que se calou
No caos do querer.
Meu pensar deve ser o da loucura
E minha alma é por fantasmas habitada -
Formas grotescas e estranhas a rolar
Em minha mente, quais vermes em sepultura...
Alexander Search (1904). Poesia. Ed e Trad. Luísa Freire. Assírio&Alvim, Lisboa, 1999., p. 91
- ¿Que tienen de particular los habladores?
(...)
- Son una prueba prueba palpable de que contar historias puede ser algo más que una mera diversión – se me ocurrió decirle - . Algo primordial, algo de lo que depende la existencia misma de un pueblo.
(...)
((Es hora de descasar)), ((Es hora de sentarse a escuchar lo que habla)). Así lo hacían: descasaban con el sol o se reunían a oír el hablador hasta que empezaba a oscurecer. Entonces desperezándose, decían: (( Ha llegado el momento de vivir.)) p.62
Vidal, A. C (2009). Vargas Llosa: um intelectual latino-americano entre Sartre e Camus. Revista Brasileira de História & Ciências , - Número I .
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
“... nenhuma mãe arranca os olhos de um príncipe, por ele achar bela a filha”.
porém só de maneira alusiva através de corpos.
Gotthold Ephraim Lessing,Laokoon (Laocoonte ou Sobre os Limites da Pintura e Poesia), de 1766
«Ah, quando, em mim, eu for minha esperança,
Meu próprio ser, divino e redimido.
E minha sombra apenas for lembrança
Bem longe, em outro mundo transcendente,
À luz sem sol jamais anoitecido,
Serei contigo, amor, eternamente.»
Teixeira Pascoaes, Elegias, Renascença Portuguesa, Porto, 1912.
Para Vivenciar Nadas
borboleta é um ser irrequieto4.
para vestes usa pólen.
tem um cheiro colorido
e babas de amizade.
descola por ventos
e facilmente aterriza em sonhos.
borboleta tem correspondência directa
com a palavra alma.
para existir usa liberdades.
desconhece o som da tristeza
embora saiba afogá-la.
usa com afinidades
o palco da natureza.
nega maquilhagens isentas
de materiais cósmicos. como digo:
pó-de-lua, lápis solar
castanho-raíz, cinzento-nuvem.
borboleta dispõe de intimidades
com arco-íris
a ponto de cócegas mútuas.
para beijar amigos e vidas ela usa olhos.
borboleta é um ser
de misteriosos nadas.
Ondjaki, Há Prendisajens com o Xão O Segredo Húmido da Lesma &Outras Descoisas, Lisboa, Editorial Caminho, 2002, pp. 38/39
terça-feira, 5 de outubro de 2010
(This Photograph is My Proof, 1974)
João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.5
João Barrento. As pedras brancas de Eduardo Lourenço, p.4
A atenção à vida presente nos três principais heterónimos de Fernando Pessoa...
recriar o mundo pedra a pedra”
Carlos de Oliveira
“Ao longe, ao luar,/No rio uma vela,/Serena a passar,/Que é que me revela?//Não sei, mas meu ser/Tornou-se-me estranho”
Fernando Pessoa
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Eduardo Lourenço
''Krétakör''
Pela primeira vez eu encontrara efectivamente alguém que sabia descer um pouco aos recantos ignorados do meu espírito — os mais sensíveis, os mais dolorosos para mim. E com ele o mesmo acontecera — havia de mo contar mais tarde.
Não éramos felizes — oh não!As nossas vidas passavam torturadas de ânsias, e incompreensões, de agonias de sombra…»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.14
Ah! como Gervásio tinha razão, como eu no fundo abominava essa gente —os artistas. Isto é, os falsos artistas cuja obra se encerra nas suas atitudes; que falam petulantemente, que se mostram complicados de sentidos e apetites, artificiais, irritantes, intoleráveis. Enfim, que são os exploradores da arte apenas no que ela tem de falso e de exterior.
Mas, na minha incoerência de espírito, logo me vinha outra ideia: — Ora, se os odiava, era só afinal por os invejar e não poder nem saber ser como eles…»
Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio., p.8