estão empilhadas as cadeiras e nenhuma das pessoas a quem
pergunto por mim me viu.
Os pássaros lançaram-se no espaço, para desenharem o meu rosto nas nuvens
por cima da minha casa e por cima do jardim dos mortos.
Conversei com os mortos e falei da guitarra do mundo,
que as suas bocas já não produzem nem os seus lábios,
os quais falam uma linguagem que ofende o cão do meu primo.
A terra fala uma linguagem que ninguém entende,
porque é inesgotável - dela arranquei estrelas e tirei e pus
nos desesperos
e bebi vinho do seu jarro,
que é feito das minhas dores.
Estas estradas levam ao degredo. Oiço Deus
atrás de uma vidraça e o Diabo num altifalante
e os dois chegam juntos ao meu coração, que anuncia a ruína das
almas.
Redemoinham as folhas, incessantes, nas ruas
e causam graves danos nos monumentos.
Quero, em Outubro, sonhar com a verdura.
Debaixo da porta está afixado um mandamento:
NÃO MATARÁS
...mas o jornal fala todos os dias de três homicídios,
que poderiam ter sido cometidos por mim ou por um dos meus amigos.
Leio essas notícias como uma fábula,
de uma facada para outra - sem me aborrecer.
Enquanto eles confundem carne e glória, a minha alma dorme
sob o movimento da mão de Deus.
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno. Trad. e introdução José A. Palma Caetano. Assírio & Alvim, 2000, p. 119-121
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