sábado, 7 de janeiro de 2017


Charles A. Lindbergh e Anne Morrow Lindberg


poemas de anne morrow lindbergh
ÁRVORE NUA
Despiram-me das folhas de minha juventude,
levadas pelo vento do tempo, deixando-me
como aos galhos no inverno. Permaneço,
ereta e solitária, a testemunhar outras vidas,
emoldurando outro brilho,
harpa a tocar uma paixão que não é minha.
Minha ramagem, um leque aberto
ao céu, novamente trará
os mistérios desfolhados que tanto amei,
com raízes e ramos igualmente nus,
os galhos que sorvem a chuva ou balançam ao sol
são os mesmos; a sombra e a essência são uma.
Agora que já perdi as folhas tão frágeis,
não há nada mais a cobrir, nada mais a ocultar.
Vida, sopra por mim agora, finalmente despida,
pois me tornei tão frágil e tão destemida!
.
BARE TREE
Already I have shed the leaves of youth,
Stripped by the wind of time down to the truth
Of winter branches. Linear and alone
I stand, a lens for lives beyond my own,
A frame through which another’s fire may glow,
A harp on which another’s passion, blow.
The pattern of my boughs, an open chart
Spread on the sky, to others may impart
Its leafless mysteries that once I prized,
Before bare roots and branches equalized;
Tendrils that tap the rain or twigs the sun
Are all the same; shadow and substance one.
Now that my vulnerable leaves are cast aside,
There’s nothing left to shield, nothing to hide.
Blow through me, Life, pared down at last to bone,
So fragile and so fearless have I grown!
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
CONCHA PARTIDA
Não procures mais a concha perfeita, a forma
inteira e inviolada, que não trincou sob os dentes do tempo;
a armadura de alabastro ainda intocada
pela ação erosiva das areias e das ondas que rolam na praia.
Que outra beleza poderíamos resgatar do mar inconstante
do que estes pequenos esqueletos que se espalham
como flores dispersas sob o céu,
ainda intactas em sua renúncia de vida?
Eis a manhã da criação
retida em seu pequeno lábio, concavidade vazia, destemida;
sua moldura vazada persiste, como um testamento,
em fragmentos, de seu primeiro movimento terreno.
Veja a espiral que mostra as nervuras
de seu crescimento. Erguida como uma bússola em seu arco,
balança-se eternamente no absoluto,
cantando a beleza como uma flauta de prata.
.
BROKEN SHELL
Cease searching for the perfect shell, the whole
Inviolate form no tooth of time has cracked;
The alabaster armor still intact
From sand’s erosion and the breaker’s roll.
What can we salvage from the ocean’s strife
More lovely than these skeleton that lie
Like scattered flowers open to the sky,
Yet not despoiled by their consent to life?
The pattern on creation morning laid,
By softened lip and hollow, unbetrayed;
The gutted frame endures, a testament,
Even in fragment, to that first intent.
Look at this spiral, stripped to polished nerve
Of growth. Erect as compass in its curve,
It swings forever to the absolute,
Crying out beauty like a silver flute.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ATÉ MESMO –
Aquele que amo, desejo que seja
livre:
Livre como um ramo despido
no alto de uma árvore,
alheio à luta entre os galhos
que se agitam em busca da luz.
Livre da escura mortalha,
onde tombam as sombras –
voltado para o olho dourado
do céu.
Livre como a gaivota,
sozinha num sopro de ar,
invisível,
onde
ninguém poderá tocá-la,
nenhuma voz alcançá-la,
ninguém vir
surpreendê-la.
Livre como uma folha
de grama,
em meio ao verde,
anônima,
entre inúmeras iguais,
que se espicham, se alinham,
recobrindo a terra,
felizes,
apontando o azul,
repartindo o sol,
envoltas,
ainda, uma a uma,
em frescas gotas
de orvalho.
Aquele que amo, desejo que seja
livre –
até mesmo de mim.
.
EVEN –
Him that I love I wish to be
Free:
Free as the bare top twigs of tree,
Pushed up out of the fight
Of branches, struggling for the light,
Clear of the darkening pall,
Where shadows fall –
Open to the golden eye
Of sky;
Free as a gull
Alone upon a single shaft of air,
Invisible there,
Where
No man can touch,
No shout can reach,
Meet
No stare;
Free as a spear
Of grass,
Lost in the green
Anonymity
Of a thousand seen
Piercing, row on row,
The crust of earth,
With mirth,
Through to the blue,
Sharing the sun
Although
Circled, each one,
In his cool sphere
Of dew.
Him that I love, I wish to be
Free –
Even from me.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ÓBOLOS
Como aos pássaros no inverno,
tu me alimentaste;
sabendo que a terra estava gelada,
sabendo que
eu jamais viria comer na tua mão,
sabendo que
não precisavas da minha gratidão.
Suavemente,
como caem os flocos de neve,
suavemente, para eu não me assustar,
suavemente,
atiraste as migalhas no chão –
e te afastaste.
.
ALMS
Like birds in winter
You fed me;
Knowing the ground was frozen,
Knowing
I should never come to your hand,
Knowing
You did not need my gratitude.
Softly,
Like snow falling on snow,
Softly, so not to frighten me,
Softly,
Your threw your crumbs upon the ground –
And walked away.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
PRESSENTIMENTO
Imóvel como árvore no outono,
onde não bate o vento, onde não há
sopro ou movimento e, mesmo assim,
no alto, num galho,
por nenhuma razão aparente,
uma única folha oscila
violentamente.
Para que melodia
ela dança?
Que nota perdida vibra
em mim?
Do passado ou do futuro?
Memória
ou Pressentimento?
.
PRESENTIMENT
I am still as an autumn tree
In which there is no wind,
No breath of movement – yet
There on a top branch,
For no cause I can see,
A single leaf oscillates
Violently.
To what thin melody
Does it dance?
What lost note vibrates
In me?
From the past or the future?
Memory
Or Presentiment?
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
O HOMEM E A CRIANÇA
É o homem em nós que trabalha,
que todos os dias ganha seu pão e, ansioso, à noite,
indaga aos céus o que o futuro lhe reserva,
é o homem que corre ao caminhar,
se inflama na multidão, e grita ao falar,
que cerra os olhos e se enterra em seu trabalho,
que duvida dos outros e veste uma máscara,
enverga uma armadura e esconde suas lágrimas.
É o homem em nós que tem medo.
É a criança em nós que brinca,
que todo dia encontra uma felicidade maior,
canta por cantar, é curiosa e chora,
é a criança em nós que, à noite, dorme.
É a criança que, silenciosa, nos olha,
aberta e sem disfarces, inocente,
simples e verdadeira, e não finge
ao ver a beleza em outro rosto –
é a criança em nós que ama.
.
THE MAN AND THE CHILD
It is the man is us who works;
Who earns his daily bread and anxious scans
The evening skies to know tomorrow’s plans;
It is the man who hurries as he walks;
Finds courage in a crowd; shouts as he talks;
Who shuts his eyes and burrows through his task;
Who doubts his neighbor and who wears a mask;
Who moves in armor and who hides his tears.
It is the man is us who fears.
It is the child in us who plays;
Who sees no happiness beyond today’s;
Who sings for joy; who wonders, and who weeps;
It is the child in us at night who sleeps.
It is the child who silent turns his face,
Open and maskless, naked of defense,
Simple with trust, distilled of all pretense,
To sudden beauty in another’s face –
It is the child in us who loves.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
DENTRO DA ONDA
Dentro do arco da onda há um mundo,
luzindo seu brilho de vidro perfeito, que se levanta
e desmancha em milhares de partículas na areia,
lançada pela inexorável maré.
Agora, neste instante, em que a catástrofe é certa,
percebo, de súbito, uma terra mais bela que a nossa,
outro céu, com azul mais intenso,
onde brilham sóis que nunca se põem, outro mar,
sem horizonte a cercá-lo; outra praia,
refletindo o brilho de conchas jamais vistas.
espelho suave do presente, suspenso
entre a crista “que se ergue” e a espuma “que passou” –
como é luminosa a paisagem que vejo através
das lentes de cristal desta iminente perda!
.
WITHIN THE WAVE
Within the hollow wave there lies a world,
Gleaming glass-perfect, rising to be hurled
Into a thousand fragments on the sand,
Driven by tide’s inexorable hand.
Now in the instant while disaster towers,
I glimpse a land more beautiful than ours;
Another sky, more lapis-lazuli,
Lit by unsetting suns; another sea
By no horizon bound; another shore,
Glistening with shells I never saw before.
Smooth mirror of the present, poised between
The crest’s “becoming” and the foam’s “has been” –
How luminous the landscape seen across
The crystal lens of an impending loss!
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
O UNICÓRNIO CATIVO
A partir de uma tapeçaria dos Cloisters
Eis o Unicórnio
cativo;
sua intocável vulnerabilidade
finalmente aprisionada;
há muito aconteceu
a longa caçada
dos cavaleiros do rei;
agora seus arreios estão atados
à romãzeira –
aqui está o Unicórnio
cativo,
porém,
livre.
Eis o Unicórnio;
sua valentia
contida por um pequeno círculo,
como o abraço de uma mulher;
em uma grade circular;
preso
por uma cerca escarlate,
tão frágil quanto a coroa de um rei,
que delicadamente retém
seu chifre, as patas e a crina,
como uma rede suavemente
prende uma borboleta.
Poderia pular a cerca,
se ele se erguesse,
estendendo seu branco dorso;
poderia facilmente parti-la,
com três golpes
de seus cascos de porcelana e fugir –
se ele quisesse.
Romperia os muros da prisão
e escaparia –
se ele saltasse,
se ele quisesse.
Eis o Unicórnio;
em seu flanco,
ainda sangram as feridas
das lanças dos caçadores,
embora não estanque
as lágrimas de sangue
que brotam
da branca penugem,
como flores
sobre o chão de veludo,
onde ele se deita.
Amarras e feridas de sonho
não conseguem prendê-lo
a este reino, onde nem
suas feridas, nem seu destino
importam.
Eis o Unicórnio;
a cabeça presa por um colar,
como um laço
em torno da cintura de uma mulher,
largo e bordado,
amarrado sem cuidado.
Poderia se soltar
da coleira cravejada de joias,
por ser tão largo o colar –
se ele tentasse;
como uma mulher desfaria
um laço preso à sua cintura,
e ele romperia as amarras
tão descuidadas –
se ele tentasse.
Eis o Unicórnio;
preso por uma corrente de ouro
à romãzeira.
Uma corrente tão frágil para deter
tão poderosa fera;
tão delicada quanto um crucifixo
sobre o colo de uma mulher.
Com um meneio,
poderia romper a corrente de ouro,
se ele quisesse se mover,
se ele quisesse sentir
a liberdade.
Mas prefere não fazer
essa escolha.
Aqui está o Unicórnio,
cativo.
Cativo, com seu
dorso, cascos e crina –
mas olhe novamente –
o chifre está livre,
alto, acima
da corrente, da cerca e da árvore,
como um canto livre de amor;
o chifre
emerge de sua fronte tranquila,
como uma estrela cadente;
emerge como uma proa de navio
cortando o mar tranquilo;
eleva-se como um lírio branco
acima da terra;
uma espiral, um voo de pássaro
alçando tão ansiadas alturas;
ou uma nascente
jorrando sob a luz
da manhã –
Ó luminoso chifre!
Eis o Unicórnio –
cativo?
Descansando.
Ele esqueceu os golpes
das lanças
dos caçadores; e os terríveis latidos
dos cães de caça,
em sua sede de sangue;
a força que corre
por suas veias atende
à ânsia de luta,
da fúria pela vida,
nos cascos pesados,
no chifre que respira.
esqueceu a luta;
agora a ânsia de matar
extinguiu-se como fogo,
e a ânsia de amar
tomou o lugar do desejo;
esqueceu a dor
das feridas, da cerca, da corrente –
senta-se, imóvel,
à espera de Tua vontade.
O Unicórnio está imóvel,
contemplando,
resignado;
impassível, menos o seu chifre;
o chifre continua vivo;
horizontalmente,
preso;
perpendicularmente,
livre.
Como prisioneiro
que à noite contempla o céu
e desdenha da prisão imposta
por grades e muros,
ao observar a liberdade
da noite estrelada,
e encontrar ali a sua felicidade:
então, o unicórnio
está livre.
O que é liberdade?
Aqui vive o Unicórnio,
cativo:
porém livre.
.
THE UNICORN IN CAPTIVITY
After the tapestry in The Cloisters
Here sits the Unicorn
In captivity;
His bright invulnerability
Captive at last;
The chase long past,
Winded and spent,
By the king’s spears rent;
Collared and tied
To a pomegranate tree –
Here sits the Unicorn
In captivity,
Yet free.
Here sits the Unicorn;
His overtakelessness
Bound by a circle small
As a maid’s embrace;
Ringed by a round corral;
Pinioned in place
By a fence of scarlet rail,
Fragile as a king’s crown,
Delicately laid down
Over horn, hoofs, and tail,
As a butterfly net
Is lightly set.
He could leap the corral,
If he rose
To his full white height;
He could splinter the fencing light,
With three blows
Of his porcelain hoofs in flight –
If he chose.
He could shatter his prison wall,
Could escape them all –
If he rose,
If he chose.
Her sits the Unicorn;
The wounds in his side
Still bleed
From the huntsmen’s spears,
Yet he takes no heed
Of the blood-red tears
On his milk-white hide,
That spring unsealed,
Like flowers that rise
From the velvet field
In which he lies.
Dream wounds, dream ties,
Do not bind him there
In a kingdom where
He is unaware
Of his wounds, of his snare.
Here sits the Unicorn;
Head in a collar cased,
Like a girdle laced
Round a maiden’s waist,
Broidered and buckled wide,
Carelessly tied.
He could slip his head
From the jeweled noose
So lightly tied –
If he tried,
As a maid could loose
The belt from her side;
He could slip the bond
So lightly tied –
If he tried.
Here sits the Unicorn;
Leashed by a chain of gold
To the pomegranate tree.
So light a chain to hold
So fierce a beast;
Delicate as a cross at rest
On a maiden’s breast.
He could snap the golden chain
With one toss of his mane,
If he chose to move,
If he chose to prove
His liberty.
But he does not choose
What choice would lose.
He stays, the Unicorn,
In captivity.
In captivity,
Flank, hoofs, and mane –
Yet look again –
His horn is free,
Rising above
Chain, fence, and tree,
Free hymn of love;
His horn
Bursts from his tranquil brow,
Like a comet born;
Cleaves like a galley’s prow
Into seas untorn;
Springs like a lily, white
From the earth below;
Spirals, a bird in flight
To a longed-for height;
Or a fountain bright,
Spurting to light
Of early morn –
O luminous horn!
Here sits the Unicorn –
In captivity?
In repose.
Forgotten now the blows
When the huntsmen rose
With their spears; dread sounds
Of the baying hounds,
With their cry for blood;
And the answering flood
In his veins for strife,
Of his rage for like,
In hoofs that plunged,
In horn that lunged.
Forgotten the strife;
Now the need to kill
Has died like fire,
And the need to love
Has replaced desire;
Forgotten now the pain
Of the wounds, the fence, the chain –
Where he sits so still,
Where he waits Thy will.
Quiet, the Unicorn,
In contemplation stilled,
With acceptance filled;
Quiet, save for his horn;
Alive in his horn;
Horizontally,
In captivity;
Perpendicularly,
Free.
As prisoners might,
Looking on high at night,
From day-close discipline
Of walls and bars,
Tonight-free infinity
Of sky and stars,
Find here felicity:
So is he free –
The Unicorn.
What is liberty?
Here lives the Unicorn,
In captivity,
Free.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
REVISITAÇÃO
Já morreste há alguns meses; a mente diurna
anotou no calendário o dia
da tua morte e transferiu-a
para seus sonhos – o sombrio lago,
onde todos os fatos refletem-se invertidos
e distorcidos, porém ainda mais vívidos que à luz do dia –
não estás mais presente neste mundo;
nem aqui, nem ali, tampouco retornarás
de tua viagem. Não viajaste,
mas foste embora “para sempre”.
Mesmo sabendo
que a tristeza já passou e que a vida
segue seu curso – mesmo assim,
preciso fazer uma peregrinação
aos lugares que foram teus
ou intimamente entrevistos pelo teu olhar;
não na esperança de te reencontrar,
não em tua memória,
nem sofrendo a dor de ter-te perdido.
Não, preciso
voltar aos lugares onde puseste a mão,
revê-los agora sem ti, vazios, despidos,
sem a tua presença. Preciso estar ali
sozinha e olhar esses lugares vazios,
para encontrar a verdade que desconheço;
e equilibrar as incomparáveis asas
de tua existência, a tua e a minha; e guardar nos olhos
as paisagens oscilantes do coração, onde
caminho como uma estranha através do tempo e do espaço.
Preciso voltar,
e esperar em cada um desses lugares conhecidos, até
novamente ver tua carne enregelar,
o espírito deixar teu corpo;
e deixar-te partir e, ainda assim, continuar a amar a paisagem;
porém agora apenas por ela mesma,
como tu a amaste, quando, ainda vivo,
caminhaste por ela pela primeira vez, sem memórias,
e amaste intensamente esta paisagem.
Porque preciso encontrar e reconciliar-me
com a verdade daquilo que se foi e aceitar o novo;
o passado e o futuro; a morte e a vida. E, quando,
finalmente, os opostos se encontrarem,
as asas se equilibrarem e as paisagens se redefinirem,
os fios do passado e do futuro se entrelaçarem,
tecendo um linho forte, gasto e usado pelo tempo –
o presente – então,
poderei reencontrar a mim,
e, também, a ti.
.
REVISITATION
You have been dead for months; the daylight mind
Has noted in its record the exact
Moment of dying, has transferred the fact
To its dream-counterpart – the shadowy pool
Where all events are mirrored upside down,
Distorted but more vivid than by day –
That nowhere on this earth can you be found;
No here, not there, nor on a journey bound
From which you’ll soon be back. No just away,
But gone “for good”, you are.
Even though I know,
And grief is past and life goes on – even so,
Still I must make a faithful pilgrimage
To those particular landmarks that were yours,
Or intimately haunted by your sight;
Not in the hope of finding you again,
Not in obeisance to your memory,
Nor self-indulgently in search of pain.
No, I must go
Back to the places where you put your hand,
To see them now without you, gutted, bare,
Swept hollow of your presence. I must stand
Alone and in their empty faces stare,
To find another truth I do not know;
To balance those unequal shifted planes
Of our existence, yours and mine; to fix
The whirling landscapes of the heart in which
I walk a stranger both to space and time.
I must go back;
In each familiar corner wait until
I witness once again the flesh turn cold,
The spirit parting from the body’s hold;
And let it go, and love the landscape still;
But now on only for itself alone,
As you once loved it when, in flesh and bone,
You walked it first, naked of memories,
And sharp with life, you loved its flesh and bone.
For I must meet and marry in myself
The truth of what has ended, what is new;
The past and future; death and life. And when
At last the two conflicting pairs are met;
The planes are balanced and the landscapes set;
The strands of past and future tied in one
Tough, weather-beaten, salted twist of hemp,
The present – Then
I shall be able to refind myself,
And also, you.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
ESPAÇO
Precisamos de espaço para a beleza e seu significado,
e como hoje não há mais espaço
para agir e falar, o rosto
da beleza não se mostra mais tão belo.
A árvore se destaca ao se erguer sozinha
contra a amplidão do céu,
uma vela, uma pequena mancha branca no mar aberto,
recoloca o horizonte em seu lugar.
Em meio à escuridão, a luz da vela
cria espaço à sua volta, enquanto queima,
dando forma, contorno e nome ao quarto,
neste momento nasce o seu significado.
Uma palavra rompe o silêncio como a estrela cadente,
traçando seu voo belo e solitário
contra a imensidão do céu,
contra o insondável silêncio da noite.
.
SPACE
For beauty, for significance, it’s space
We need; and since we have no space today
In which to frame the act, the word, the face
Of beauty, it’s no longer beautiful.
A tree’s significant when it’s alone,
Standing against the sky’s wide open face;
A sail, spark-white upon the space of sea,
Can pin a whole horizon into place.
Encompassed by the dark, a candle flowers,
Creating space around it as it towers,
Giving the room a shape, a form, a name;
Significance is born within the frame.
A word falls in the silence like a star,
Searing the empty heavens with the scar
Of beautiful and solitary flight
Against the dark and speechless space of night.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
REVOADA
Observando o contorno dos pássaros em revoada,
seguindo como uma pauta de música, brancos
como pétalas que caem, encontro um breve refúgio.
então, de repente, minha vida assume uma nova forma
e compreendo a menosprezada arte
de ler as palmas das mãos ou as folhas em uma xícara de chá;
lembro-me dos sábios sondando os céus,
percebendo presságios no voo dos pássaros,
e vendo o futuro em linhas ocultas pelas nuvens.
Não é o destino que lemos nesses sinais;
vemos apenas – e, tão somente, a nós mesmos,
transmutados em pássaros, nuvens e árvores,
fragmentos familiares, rearranjados de outro modo;
como num caleidoscópio pequenos pedaços de vidro
colorido se transformam em flor.
Um ato da criação em que, na pedra,
o escultor e o esculpido são um –
aqui, onde arte e artista coincidem,
onde o universo e o mundo interior se fundem,
a mágica da Mandala e do Rorschach se unem;
e mais uma vez a memória da infância faz-nos lembrar:
Ganha a vida quem a perde – Milagre,
o coração renascido em uma revoada de pássaros,
agora pode aceitá-lo e reconhecê-lo em palavras.
.
FLIGHT OF BIRDS
Watching the patterns of these birds in flight,
Fluid as music on a page and white
As falling petals, I find swift escape.
Then all at once my life take sudden shape,
And I can understand the misprized art
Of reading palms or tea leaves in a cup;
Remember wise men searching in the skies,
Looking for omens in the track of birds,
Telling the future in cloud-darkened lines.
It is no fate in these external signs
We read; it is ourselves – ourselves we see,
Transmuted into bird or cloud or tree,
Familiar fragments, here arranged in form;
As a kaleidoscope contains the power
From common specks and straws to make a flower.
Act of creation in which the stone,
The sculptor, and the spectator, are one –
Here, where the art and artist coincide,
Where universe and private world collide,
Magic of Mandala and Rorschach meet;
And childhood memories again repeat
Who loses life shall gain it – Miracle
The heart reborn upon a flight of birds
Can now accept and recognize in words.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
SEGURANÇA
Encontramos refúgio numa concha –
ou numa estrela;
mas entre as duas,
não há.
Encontramos paz na imensidão –
ou nas pequenas coisas;
mas entre as duas,
não há.
O planeta nos céus,
a concha na areia:
e embora os céus e a terra
estejam entre eles,
não encontramos paz
em nenhum outro lugar.
Tu que procuras
um refúgio, aprende
com as mulheres que sempre souberam
os caminhos seguros da vida.
o caminho
seguro de uma agulha – ou de uma estrela;
uma próxima – outra distante.
A que poderíamos comparar
a luz refletida num dedal,
senão ao alto brilho
de Arturo?
Uma próxima – outra distante:
mas entre as duas,
onde
encontrar conforto?
Encontramos refúgio numa concha –
ou em uma estrela:
mas, entre as duas,
em lugar nenhum.
.
SECURITY
There is refuge in a sea-shell –
Or a star;
But in between,
Nowhere.
There is peace in the immense –
Or the small;
Between the two,
Not at all.
The planet in the sky,
The sea-shell on the ground:
And though all heaven and earth
between them lie,
No peace is to be found
Elsewhere.
Oh you who turn
For refuge, learn
From women, who have always known
The only roads that life has shown
To be secure.
How sure
The path a needle follows – or a star;
The near – the far.
With what compare
The light reflected from a thimble’s stare,
Unless, on high,
Arcturus’s eye?
The near – the far:
But in between,
Oh where
Is comfort to be seen?
There is refuge in a sea-shell –
Or a star;
But in between,
Nowhere.
– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.
§
A PEDRA
Há um sofrimento que a mente
nunca percebe nem consegue entender,
como uma pedra, interrompendo o fluxo da minha alegria,
sob a superfície, despercebida,
coberta por um jorro de palavras,
cortando meu caminho e me impedindo de passar,
mesmo contra minha inabalável vontade e que resiste
ao bisturi afiado da minha análise.
Embora imune às lágrimas e opaca à luz,
atiro-me contra ele, murmurando minhas preces.
Nem a beleza pode encobrir ou a música dissolver
dor tão voraz e desconhecida.
Nem o sono dissolve as lanças de pedra
que se erguem nas cavernas inconscientes da noite.
Não há outro diluente senão o amor. De quem? O meu?
Pode-se pedir amar o terrível desconhecido?
Não sou como Francisco que beijaria a boca
dos leprosos. Presa entre as garras
de um mundo sem fé, eu, que mal sei rezar,
deveria amar? Haveria outro caminho?
Num sofrimento sem nome, nem língua, nem face,
cegamente te estreito num desesperado abraço!
.
THE STONE
There is a core of suffering that the mind
Can never penetrate or even find;
A stone that clogs the stream of my delight,
Hidden beneath the surface out of sight,
Below the flow of words it lies concealed.
It blocks my passage and it will not yield
To hammer blows of will, and still resists
The surgeon’s scalpel of analysis.
Too hard for tears and too opaque for light,
Bright shafts of prayer splinter against its might.
Beauty cannot disguise nor music melt
A pain undiagnosable but felt.
No sleep dissolves that stony stalagmite
Mounting within the unconscious caves of night.
No solvent left but love. Whose love? My own?
And is one asked to love the harsh unknown?
I am no Francis who could kiss the lip
Of alien leper. Caught within the grip
Of world un-faith, I cannot even pray,
And must I love? Is there no other way?
Suffering without name or tongue or face,
Blindly I crush you in my dark embrace!

– Anne Morrow Lindbergh, no livro “O Unicórnio e outros poemas” (Ibis Libris, a sair).. [tradução e apresentação de Thereza Christina Rocque da Motta]. Rio de Janeiro: Editora Ibis Libris, 2015.

“Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não possui os meios, sofre uma terrível agonia porque são livros, livros, muitos livros o que necessita e onde estão estes livros?
“Livros! Livros! Aqui está uma palavra mágica que equivale a dizer: «amor, amor», e que deveriam pedir os povos como pedem pão ou como desejam a chuva para suas colheitas. Quando o insigne escritor russo Fiodor Dostoievski, pai da revolução russa muito mais que Lênin, estava prisioneiro na Sibéria, afastado do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro em carta a sua família distante, somente dizia: «Envia-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!». Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água: pedia livros, ou seja, horizontes, escadas para subir a montanha do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura a vida inteira.
“Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República deve ser: «Cultura». Cultura porque somente através dela se pode resolver os problemas que hoje debate o povo, cheio de fé, porém falto de luz”.
Setembro de 1931.
—–
{tradução Antonio de Freitas – com contribuição de Dr. Gonzalo Velasco, do Uruguai}
:: Fonte: Periscópio – Antonio de Freitas. 
Acessado aqui
“We’re all going to die, all of us, what a circus! That alone should make us love each other but it doesn’t. We are terrorized and flattened by trivialities, we are eaten up by nothing.”

Charles Bukowski
“Não só de pão vive o homem. Eu se tivesse fome e estivesse à míngua na rua não pediria um pão; pediria meio pão e um livro.”

García Lorca

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017





I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now


I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now


In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?


Two lovers entwined pass me by
And heaven knows I'm miserable now


I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now


In my life
Oh, why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?


What she asked of me at the end of the day
Caligula would have blushed


"Oh, you've been in the house too long" she said
And I naturally fled


In my life
Why do I smile
At people who I'd much rather kick in the eye?


I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now


"Oh, you've been in the house too long" she said
And I naturally fled


In my life
Oh, why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die?

Written by Steven Morrissey, Johnny Marr

''anjo desfolhado''

«Sou um anjo utilitário.»


Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 51

«P'ra quê meter um tiro na cabeça
Se há veneno no ar que respiramos?!»


Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 47

''o medo de se ofenderem mutuamente não existia''

Vida Activa: O Espírito de Hannah Arendt, documentário de Ada Ushpiz, é um retrato do mundo que herdámos.

'' Ousadia de uma autora que ainda não sabemos em que gaveta colocar.''

o auxílio da solidariedade e do amor

fenómeno do totalitarismo

proselitismo

É a nossa atitude no início de uma tarefa difícil,
 que, mais do que qualquer outra coisa,
 vai afetar o seu resultado bem-sucedido.

 William James

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017


«Dentro de ti se constrói
Um mundo que aos outros falta.»




Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 19
«O leite quando o ferviam
Demorava muito menos.»


Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 17

Embuçar


verbo transitivo
1.cobrir o rosto com embuço
2.disfarçar
3.esconder, encobrir
verbo pronominal
1.envolver-se em capa
2.disfarçar-se

''Eu mordo a tua boca''


Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 15


«Cumprindo o fadário
Do nosso suor»


Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 13



dia sideral

período de tempo que decorre entre duas passagens consecutivas doponto vernal pelo semimeridiano superior de um lugar com a duração de24 horas siderais
«Faz tão bem chorar
Se for por instinto.»

Henrique Segurado. Ressentimento dum ocidental. Galeria Panorama, 1970., p. 12

c-l-e-p-s-i-d-r-a

Paliar

«O termo “paliar”, significa “adiar” e “atenuar”, neste caso, significa uma conciliação de estratégias e métodos capazes de adiar o sofrimento e assegurar aos doentes, e respetivas famílias, uma qualidade de vida digna e reconfortante.»

terça-feira, 3 de janeiro de 2017


A felicidade é uma coisa que não se mede.

José Luís Pio Abreu

Raciocínio, escrita, pensamento crítico, isso não há.



«No meu tempo existia actividade, trabalhos manuais, desporto, música. A falta de investimento no ensino reduziu-o ao papel e lápis e para isso as raparigas estão muito mais bem preparadas. Estamos numa época em que ninguém raciocina profundamente porque só lêem no Facebook, apanham tudo de ouvido. Raciocínio, escrita, pensamento crítico, isso não há.»


José Luís Pio Abreu

palatabilidade

lixo alimentar

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A Imagem Paradoxal

Exposição retrospetiva da obra fotográfica em estereoscopia do eminente naturalista açoriano Francisco Afonso Chaves
I miss your kissin' and I miss your head
And a letter in your writing doesn't mean you're not dead 

CARTOGRAFÍA EMOCIONAL: EL MAPA DEL CORAZÓN DE UNA MUJER DE 1833


LA RELACIÓN ENTRE LA ANSIEDAD Y LA CREATIVIDAD SEGÚN KIERKEGAARD

El filósofo danés nos ofrece un valioso punto de vista acerca de cómo la ansiedad (esa cosa indefinida y aterratora) está estréchamente relacionada con la creatividad y por qué nuestra productividad depende de cómo nos relacionemos con ella.
Para Kierkegaard, la ansiedad es una fuerza dual que puede ser tanto destructiva como generativa, dependiendo de cómo lidiemos con ella. En su tratado El concepto de la ansiedad, el filósofo danés explica la ansiedad como el efecto mareador de la libertad y la inmensidad de la existencia humana: una posibilidad que o te paraliza o te invita a actuar. Escribe:

La ansiedad es completamente diferente al miedo y a conceptos similares que se refieren a algo definitivo; la ansiedad es la realidad de la libertad como la posibilidad de la posibilidad.
[…]
La ansiedad puede compararse al mareo. Aquél que por casualidad se encuentre mirando hacia el ancho abismo se mareará. Pero, ¿cuál es la razón para esto? Está tanto en su propio ojo como en el abismo, porque supón que no hubiera mirado hacia abajo. Es así como la ansiedad es el mareo de la libertad, que emerge cuando el espíritu quiere proponer la síntesis y la libertad se asoma al abismo hacía su propia posibilidad, echando mano de la finitud para soportarse a sí misma. La libertad se rinde ante el mareo. En ese preciso momento todo ha cambiado, y la libertad, cuando vuelve a surgir, se encuentra con culpa. Entre estos dos momentos está el salto, que ninguna ciencia ha explicado y que ninguna ciencia puede explicar. Aquél que se vuelve culposo en la ansiedad se vuelve tan ambiguamente culposo como es posible volverse.


Stocksy

Quizá sin tantos conceptos figurativos podamos entender que la ansiedad de la que habla Kierkegaard es esa parálisis ante lo indefinido. Estamos educados a actuar y tomar decisiones basados en lo limitado, lo finito, lo mesurable. O al menos eso creemos. Pero cuando estamos parados frente al acaso, entonces surge el mareo. Y el mareo es la ansiedad. Pero el filósofo lleva ese concepto un paso más allá diciendo que una vez que hemos sentido ese mareo y esa parálisis ante la libertad, cuando volvemos a sentirlo ya va cargado de culpa. Y la combinación de la culpa y la ansiedad, apunta, “es el peligro de caer; en otras palabras, el suicidio”.
Sin embargo, para Kierkegaard la ansiedad también es una gran educación para los hombres, y argumenta que el fracaso o la fecundidad dependen de cómo nos orientemos en la ansiedad. “Quien esté educado [en la posibilidad] se queda con ansiedad; no se permite a sí mismo ser engañado por su falsificación incontable y recuerda claramente el pasado. Así los ataques de ansiedad, incluso si son aterradores, no lo serán tanto como para que corra de ellos. Para él, la ansiedad se vuelve un espíritu de servicio que contra su voluntad lo lleva a donde realmente desea ir”.
Así, para Kierkegaard la relación entre la creatividad y la ansiedad es muy estrecha. Es precisamente porque es posible crear (crearnos a nosotros mismos, crear nuestras innumerables actividades diarias, escoger un camino y seguirlo) que uno siente ansiedad. Nadie sentiría ansiedad si no hubiera posibilidades. Y naturalmente crear significa destruir algo previo. La culpa de la que habla Kierkegaard tiene mucho que ver con defraudarnos a nosotros mismos al paralizarnos ante las posibilidades y no atrevernos a destruir y crear.

domingo, 1 de janeiro de 2017


“ter presente no espírito, recordar-se”

fazer como se

fingimento

como um fazer de conta que...

“ser criado” ou “criatura”

operatividade da mente

“A nossa mente olha o Eterno e o faz Tempo”; “A nossa mente olha o Vazio e o faz Espaço”

Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p.161
pensa quem pensa que pensa


Agostinho da Silva

Patricia McCall by Charles Brittin 1958


''Não há pensador por detrás do pensamento. O pensamento é ele próprio o pensador.''

 “Só o sofrimento existe, mas não se encontra nenhum sofredor; / Os actos são, mas não se encontra actor” – Visuddhimagga, Londres, Pali Text Society, p.513
 “Primeiro há um pensamento / que pensa sem pensador / e logo pensa quem pensa / que pensa tudo ao redor”

 Agostinho da Silva, Quadras Inéditas, p.102
«Escrevendo “ao que a mim me criou porque eu o crio”, a visão agostiniana, transgredindo a comum ideia da unilateral e extrínseca relação entre um Deus criador e as criaturas, abre duas possibilidades de interpretação, não de todo exclusivas: ou o Deus criador é uma mera representação do Deus absoluto, do Deus-“nada que é tudo” (...)»

Paulo BorgesDo “nada que é tudo”. A poesia pensante e mística de Agostinho da Silva

cisão existencial

“claustro de ser eu”

ecos pessoanos

cosmicização

''a simultaneidade do existir e não existir''

densidade pensante

“Crente é pouco sê-te Deus
 e para o nada que é tudo
inventa caminhos teus”

 Agostinho da Silva, Uns Poemas de Agostinho

sábado, 31 de dezembro de 2016

Tragédia da incomunicabilidade


"o cancro da técnica seria, não a rebelião romântica, mas o cepticismo dentro da técnica.''
«a Terra não deixa de ser selvagem, em qualquer lugar, como no nosso "coração"»

Edmundo Cordeiro
''pessoa singular (Einzelne) - em oposição ao indivíduo (das Individuum) ''

modus vivendi


"mundos prévios"

A figura do trabalhador (Gestalt des Arbeiters)

Diz Ernst Jünger em Der Waldgang que a nossa época é pobre em grandes homens, mas produz figuras.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

''anarquia frutífera''

''El lado oscuro del corazón'' filme de Eliseo Subiela, 1992.


''a voz do demónio alemão''

         «Hoje nós já vemos, através das fendas e das rachaduras da torre de Babel, um mundo todo gelado, cuja visão faz estremecer mesmo o coração mais corajoso. Em breve, o tempo do progresso nos parecerá enigmático como os segredos de uma dinastia egípcia. Mas, naquela época, o mundo comemorou cada um dos seus triunfos, que emprestavam ao vencedor, por um instante, a centelha da eternidade. Com punhos demasiado violentos, mais ameaçadores que Hanibal, aqueles exércitos, cuja imagem se perde no tempo, haviam batido nos portões das grandes cidades e dos estreitos fortificados do mundo.»


Ernst Jünger. A mobilização total (Ensaio). Tradução e notas de Vicente Sampaio. Natureza Humana 4(1): 189-216, jan.-jun. 2002

 «Por trás de toda solução salvadora em que esteja desenhado o símbolo da felicidade, espreitam a dor e a morte. »



Ernst Jünger. A mobilização total (Ensaio). Tradução e notas de Vicente Sampaio. Natureza Humana 4(1): 189-216, jan.-jun. 2002
«Ao mesmo tempo cresce o valor das massas. A medida de assentimento, a medida de publicidade, torna-se o fator decisivo da política. Em particular o socialismo e o materialismo são as duas grandes moendas entre as quais o progresso tritura o resto do velho mundo e, por fim, a si mesmo. Por mais de um século, a “direita” e a “esquerda”, como que em um jogo de bola, lançaram de lá para cá as massas deslumbradas pela ilusão de óptica do direito ao voto. Sempre pareceu que uma das partes acreditava poder responder de maneira diferente às reivindicações da outra parte. Mas hoje, em todos os países, revela-se, de modo sempre mais evidente, o fato de que a identidade deles e mesmo o sonho de liberdade desvanecem como que espremidos entre as garras de aço de um alicate. É um espetáculo grandioso e terrível ver os movimentos das massas, que se configuram de maneira cada vez mais uniforme e sobre as quais o espírito do mundo lança a sua rede de arrasto. »

Ernst Jünger. A mobilização total (Ensaio). Tradução e notas de Vicente Sampaio. Natureza Humana 4(1): 189-216, jan.-jun. 2002
O Desenhador de Sóis IV. (Poema de Vida)


A vida irrompe, brota nos teus olhos. O poema é uma coisa que treme, uma coisa quente, fechada entre as mãos, em concha, uma coisa viva que é urgente soltar (Uma nascente de pássaros). As palavras vêm em ondas de fogo. A sua vibração quente e segura. O seu silêncio mágico. Há um canto muito antigo, um nadador que atravessa o sol a nado, os seus braços, de nervo e fogo; vistos a esta luz, (visto sempre de cima) tudo é um poema de vida, como a voz humana, o canto, a dança, os beijos, o sol. Tudo aqui é fogo. Poema de Vida. Batimento. Canto. Sopro. Somos intermináveis. Intermináveis e belos. Sabemos, como toda a nascente, o nosso caminho. Sabemos com o coração, que não param nunca de se misturarem as águas, que elas cruzam os seus fogos, que nos dão as coisas pequenas, o milagre das coisas pequenas, (os grãos de areia, os poemas de amor). Não esquecer essa força primeira: (O silêncio do abraço mais puro, o coração das árvores antigas). Viver é um movimento de liberdade nunca acabado. Viver é um canto do fogo. Os poemas vêm com as suas ondas. O seu sopro quente. O seu sopro primeiro. (Nascente) Só ver a vida como poema de vida. Impessoal. Quente. Honesta. Ela ganha sempre. Duas meninas arménias dão as mãos numa praia de luz. As ondas e a sua música. O coração e as células em dança. O fogo. O seu silêncio mineral. A nossa terra treme à passagem de tantos colossos, há um canto das montanhas, há um canto dos desertos, o mar noturno também canta, cantam e riem os olhos, as mãos, os braços, pernas entrelaçados. As fontes cantam. Os rios cantam. No fundo tudo isto pode ser um símbolo da nossa esperança. Tudo isto é um símbolo da nossa esperança, (Um só símbolo para a vida). Único, Primordial, Eterno. Nadamos juntos em direção à nascente de tudo, a corrente segura de um canto Antigo: os braços em bruços. Potentes, Perfeitos: Os Olhos. As Mãos. O Coração... O seu silêncio branco: (Nascente) … (Nascente) ... (Nascente).

Nuno Brito, 28 de Dezembro de 2016.

carreira poética

Cantos para la coral de un hombre solo

Joan Margarit

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

6 year old Carrie Fisher watching from the wings as her mother Debbie Reynolds performs on stage at the Riviera Hotel in Las Vegas - 1963



«Uma vida de lobo...Nenhuma alegria; enterro-me na lama, sem me poder agarrar; tudo o que apanho está podre...»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 138

NATACHA

  Mas...ir contigo para quê? Para te amar?...Francamente, não te amo assim muito, muito. Às vezes parece que me agradas...Outras, só de te olhar me revolto...Sem dúvida que não te amo...Quando se ama verdadeiramente, não se vêem os defeitos do amado...E eu vejo-os bem...



Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 137

sou-o




«Só sinto uma coisa: é preciso viver doutra maneira...Melhor: é preciso viver...de maneira que um homem se possa estimar a si próprio...»



Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 136

NATACHA

Não pôde suportar a verdade, quando lhe tiraram a ilusão.



Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 134

«Tu dizes: a verdade...Mas isso nem sempre é remédio para todos os sofrimentos...A alma nem sempre se cura com a verdade...»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 131

«Todos têm as almas um pouco escuras...»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 126

Nathan Lerner, Kiyoko and Curtain, Canada, 1983


Escritora Teolinda Gersão conquista prémio literário Vergílio Ferreira 2017
«Ruy Belo é o grande rio do Tempo, Herberto Helder é omnifágico, o grande devorador das experiências humanas. Cesariny é o grande destruidor dos lugares comuns. E hoje, nesta atmosfera opressiva em que vivemos, é preciso mais e mais irreverência. É preciso não esquecer que dentro do grande estômago deste mundo do consumo tudo cabe. Tudo está na iminência de ser digerido e desaparecer.»

João Barrento (em entrevista)

Ruy Belo, Mário Cesariny, Herberto Helder

'' três grandes rios da poesia portuguesa'', na opinião de João Barrento

apócrifo


adjetivo


1. não autêntico ou cuja autenticidade não foi provada
2. dizse dos escritos que a Igreja Católica não reconhece como pertencentesao cânone bíblico; não canónico

“baldio de afetos”

Joaquim Manuel Magalhães
«A poesia, como a arte em geral, é sempre a consequência de um tempo e de uma circunstância.»


João Barrento

''novas direções poéticas''

Poetas Sem Qualidades

pop art

“É do silêncio de uma época que a poesia se alimenta”

Eduardo Lourenço


«Criou até uma série de siglas que usa para classificar essa nova “literatura realista” de que fala. Começou com RUST, para Margarida Rebelo Pinto. Que categorias são essas?

RUST significa Realismo Urbano Sentimental Total e criei esta sigla para a Margarida Rebelo Pinto, mas agora também lá colocaria o Valter Hugo Mãe dos últimos romances. Depois Tenho o Realismo Rural Não Total, RRNT, onde coloco o José Luís Peixoto e o Afonso Cruz, que é aquele rural exótico. Tenho ainda o Realismo Fantástico Total, o RFT dos romances do José Rodrigues dos Santos. Mas há outros, a lista seria infindável. Há agora também a moda da violência espetacular de um autor de quem já gostei mas que hoje não acho nada interessante que é o Paulo José Miranda. Na mesma linha li um livro do Valério Romão e achei que apesar de tudo ele tem mais recursos. De entre estes novos e mediáticos escritores o único cuja obra eu considero original é o Gonçalo M. Tavares. É um escritor douto, capaz de abarcar um largo espectro de temas, de formas de linguagem, é imensamente culto e consegue trazer essa cultura para dentro dos seus livros.»

João Barrento
«No seu livro escreve que voltámos a uma ficção conservadora, que “parece estar totalmente refém da linguagem televisiva, do videoclip, e totalmente incapaz de interrogar criticamente a consciência do leitor e o mundo em redor”. Porquê?

A imposição do romance quase como sinónimo de literatura apagando a poesia e o conto, o realismo de cariz conservador e banal, a pobreza da linguagem, são sintomas de um mundo sem memória, onde a cultura, a arte e a literatura se regem por paradigmas economicistas. O único lugar onde ainda existem valores é na Bolsa. A vida das pessoas gira em torno do consumo e das vivências do corpo mas apenas na sua perspetiva hedonista. Logo, o simbólico, a letra, a palavra saem a perder. A tecnologia apaga a palavra. A literatura foi totalmente contaminada pela acumulação de atualidade, de informação, abdicando do espaço da História, da memória. Obriga-nos a um eterno presente onde imperam as imagens.

Sob esses escritores e poetas permanentemente sob os holofotes espreita a perda da capacidade de ler, o enfraquecimento da capacidade de enfrentar e decifrar enigmas, porque toda a sua capacidade simbólica está enfraquecida pelas mensagens dominantes, demasiado ruidosas e demasiado simplistas. Uma das grandes perdas do nosso tempo é essa capacidade imaginante só alcançável através da palavra, de uma imaginação que progride a partir da força da palavra.»

João Barrento (em entrevista)
«A literatura e a poesia são sobretudo um trabalho de estruturação de um olhar sobre o mundo e depois a colocação desse olhar sob a forma de linguagem. Uma linguagem que não se limite a contar factos (isso, lá está, é o que fazem os media) mas que dê a ver o invisível através do visível. Isto não é uma questão de rejeitar o realismo mas sim da forma como se pode dar a ver esse realismo. Não há certamente escritor mais realista que o Beckett e no entanto olhe-se para a linguagem dos livros dele…»


João Barrento

German model Elfi Wildfeuer is wearing a hat by Adele List, c,1950s


Myra

Maria Velho da Costa

autoreferencialidade

grupos do Cartucho

(Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge, Helder Moura Pereira, António Franco Alexandre)


«Tenho uma solidão parecida com a tua
Vejo-te ao longe, uma ilha
(dei-te o meu coração) cercada
Pelo mundo, crianças assassinas.
As ondas rebentam contra o paredão
Flutuo em Lisboa num amor sem fim
Na melancolia fria.»


João-Paulo Esteves da Silva
«Tâmaras», Douda Correria, 2016.

Quarto 105


«Foi à tarde. Deviam ser quatro horas. Escrevera o meu último verso. Dirigi-me para o meu quarto. Por acaso olhei para o espelho do guarda-vestidos e não me vi reflectido nele! (...) Via tudo em redor de mim, via tudo quanto me cercava projectado no espelho. Só não via a minha imagem. (...) A sensação misteriosa que me varou...quer saber? Não foi uma sensação de pavor, foi uma sensação de orgulho.»

Mário de Sá-Carneiro, «Confissão de Lúcio», Tip. do Comércio, 1914.

«Bem dizem eles que quem lê muito fica com o cérebro avariado!...»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 119

«nasce-se, vive-se uns tempos e depois morre-se.»



Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 112


«Ninguém pode fazer-se amar à força...E não está no meu feitio mendigar amor...»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 96/7


«A morte é o descanso, costuma dizer-se e é bem certo; na verdade, como se pode descansar neste mundo?»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 84


«Toda a gente tem paciência e sofre a sua vida. Cada um sofre à sua maneira.»



Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 74

«Senhor! Terei também de sofrer no outro mundo...no Céu também?»


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 74

"Quando eu, amor, ao certo em mim souber
que força te consente a minha imagem
e qual das dores que, nela, há por paisagem
te alegra, ao ser maior, e me não fere,

e porque o que de ti pura mulher
me é tão amargo em ventres de passagem,
embora os risos, que ouço maus, me ultrajem,
precisamente o amor com que eu tiver,

isento de maldade, o teu carinho
e o desses tristes ventres renovados,
e lembrem que não só por estar sozinho
apenas choro os seres nunca gerados,

ao certo saberei que imagem tenho
e a qual Amor, de mim a ti, eu venho."


 Jorge de Sena. "Visão Perpétua"

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


"Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos
Há beleza bastante em estar aqui
e não noutra parte qualquer"
Alberto Caeiro
Cesariny “os gatos são os únicos burgueses/ com quem ainda é possível pactuar –/ vêem com tal desprezo esta sociedade capitalista!/ Servem-se dela, mas do alto, desdenhando-a…/ Não, a probabilidade do dinheiro ainda não estragou inteiramente o gato/ mas de gato para cima – nem pensar nisso é bom!”

BUBNOV

Que estás tu a resmungar?

SÁTINE

Palavras...ainda há mais: transcendental!.

BUBNOV

Que quer isso dizer?

SÁTINE

Não sei...Já me esqueci...

BUBNOV

Então para que dizes essas coisas?

SÁTINE

Olha, meu caro amigo, pelo seguinte: estou farto dessas palavras que toda a gente diz, das nossas palavras...Sim, já estou enjoado...Tenho-as ouvido mais de mil vezes.


Máximo Gorki. Albergue Nocturno. Livros de Bolso Europa América. p. 20/1

Diary of a mad old man


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