Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixem-se estar. Deixem-se
estar.
Deixem-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de
completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.
Entretêm-se a estender a vida pelo pensamento.
Se alguém falar, sua voz foge como um pássaro que cai.
E é de tal modo imprevista, desnecessária e surpreendente
que, para a ouvirem bem, talvez gemessem algum ai.
Oh! não gemiam, não...Os mendigos maiores são todos
estóicos.
Puseram sua miséria junto aos jardins do mundo feliz
mas não querem que, do outro lado, tenham notícia da
estranha sorte
que anda por eles como um rio num país.
Os mendigos maiores vivem fora da vida: fizeram-se excluídos.
Abriram sonos e silêncios e espaços nus, em redor de si.
Têm seu reino vazio, de altas estrelas que não cobiçam.
Seu olhar não olha mais, e sua boca não chama nem ri.
E seu corpo não sofre nem goza. E sua mão não toma nem
pede.
E seu coração é uma coisa que, se existiu, já esqueceu.
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai conver-
tendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.
Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 31
quarta-feira, 18 de junho de 2014
terça-feira, 17 de junho de 2014
RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão parada e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 13
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão parada e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
-Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meireles. Antologia Poética. Colecção Poesia e Verdade. Guimarães Editores. Lisboa, 1968, p. 13
segunda-feira, 16 de junho de 2014
A LUME
''Entre os ruídos apaixonantes, deves acrescentar a voz de um ser que se deseja, atrás da sebe,atrás da cortina da liteira, atrás da porta ou da tapeçaria de brocado.
Quando escuto o ruído apaixonante do copo de dados, fico toda ruborizada,o meu coração torna-se uma espécie de odre de vinho que o cabreiro tira da ribeira e leva avidamente à boca."
Pascal Quignard
As Tábuas de Buxo de Apronenia Avitia
Quando escuto o ruído apaixonante do copo de dados, fico toda ruborizada,o meu coração torna-se uma espécie de odre de vinho que o cabreiro tira da ribeira e leva avidamente à boca."
Pascal Quignard
As Tábuas de Buxo de Apronenia Avitia
sábado, 14 de junho de 2014
A CÓLERA DIVINA
Quando fui ferida,
por Deus, pelo diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei -
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos.
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar:
por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
uma tênue sombra ainda sobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.71
por Deus, pelo diabo, ou por mim mesma,
- ainda não sei -
percebi que não morrera, após três dias,
ao rever pardais
e moitinhas de trevo.
Quando era jovem,
só estes passarinhos.
estas folhinhas bastavam
para eu cantar louvores,
dedicar óperas ao Rei.
Mas um cachorro batido
demora um pouco a latir,
a festejar seu dono
- ele, um bicho que não é gente -
tanto mais eu que posso perguntar:
por que razão me bates?
Por isso, apesar dos pardais e das reviçosas folhinhas
uma tênue sombra ainda sobre meu espírito.
Quem me feriu perdoe-me.
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p.71
ISOLATION
People say we've got it made
Don't they Know we're so afraid
Isolation
We've afraid to be alone
Everybody got to have a home
Isolation
Just a boy and a little girl
Trying to change the whole wide world
Isolation
The world is just a little town
Everybody trying to put us down
Isolation
I don't expect you to understand
After you've caused so much pain
But then again you're not to blame
You're just a human
A victim of the insane
We're afraid of everyone
Afraid of the sun
Isolation
The sun will never disappear
But the world may not have many years
Isolation
John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 48
Don't they Know we're so afraid
Isolation
We've afraid to be alone
Everybody got to have a home
Isolation
Just a boy and a little girl
Trying to change the whole wide world
Isolation
The world is just a little town
Everybody trying to put us down
Isolation
I don't expect you to understand
After you've caused so much pain
But then again you're not to blame
You're just a human
A victim of the insane
We're afraid of everyone
Afraid of the sun
Isolation
The sun will never disappear
But the world may not have many years
Isolation
John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 48
sexta-feira, 13 de junho de 2014
É Janeiro muito tempo na noite
(história desse homem antigo)
Um homem muito antigo, caminhando,
ocupando demoradamente a rua.
É de noite. Uma plúmbea noite de Janeiro,
ou o Janeiro denso e severo prostrado numa só noite.
Caminha de forma velha, o homem.
É muito antigo o seu caminhar.
É um homem louco, uma loucura muito atenta.
Caminha durante uma hora inteira
em redor desta mesa. Procura.
Traz ao pescoço as chaves. Todas as chaves.
Uma hora, desta noite dura de Janeiro,
caminhando à volta desta mesa
com as pesadas chaves vergando-lhe as costas.
É muito antigo o caminhar do homem louco e atento, procurando.
É Janeiro nesta aguda noite e ele caminha louco,
muito atento,
com os ferros minguando-lhe a face de muitas estações.
É demasiado tempo para se ter dentro.
Os olhos atentos do homem, procurando no chão
em redor desta mesa.
Encontra. A sua louca atenção
encontra uma fenda no chão, perto desta mesa,
nesta noite muito antiga de Janeiro.
Retira da sua loucura muito atenta
uma chave muito grande
e lança-se longamente ao chão da rua
demoradamente ocupada.
Introduz a chave velha e grande na fenda encontrada,
roda algumas vezes:
primeiro para a direita e depois
para a esquerda da sua atenta loucura, muito antiga.
Chove um pouco
sobre o peito aberto da noite velha de Janeiro…
e o homem muito antigo está deitado
sobre a chave muito grande
cravada na fenda da sua loucura. hoca-a durante semanas. Talvez mesmo anos.
Mas é sempre aquela noite. É sempre Janeiro naquela rua.
Dorme muito tempo, muito antigo, o homem na sua loucura.
Dir-se-ia que descansa ou que aos poucos deixa de ser louco: que morre…
Mas apenas sonha.
Tem em si muito tempo, muito ferro na face.
A atenção da sua loucura vira-se para dentro.
É de noite e ele chegara muito antigo,
caminhando, demoradamente, pelo Janeiro desta rua.
Uma hora inteira em redor desta mesa
muito atento, procurando.
Agora está deitado, há muito tempo,
com a loucura por dentro, sonhando, germinando.
Janeiro é um mês que nunca acaba nesta noite.
Olho para o homem muito antigo
e não sei se voltará à noite dura de Janeiro.
Não sei se o fragor de cavalos batendo, loucos,
com as ferraduras nos olhos
é som de coisa que quer entrar ou sair.
Não sei.
Chove cada vez mais sobre as coisas da rua e nada parece acabar.
O tumulto do metal batendo nos olhos…
o som entrando e saindo,
germinando a loucura por dentro.
Penso em levantar-me.
O homem - muito antigo, atento,
demoradamente deitado sobre a chave muito grande,
cravada na fenda do chão molhado da noite louca de Janeiro - está frio.
É cada vez mais noite. Cada vez mais Janeiro. É demasiado, o tempo.
Os cavalos batem, soterrados, a loucura que sabem nos olhos.
Os cavalos aterrados batendo, loucos, o Janeiro eterno da noite.
Um homem muito antigo, deitado
chocando na loucura atenta os sonhos por dentro. Incubando.
Levanto-me.
Caminho demoradamente. Caminho o Janeiro desta rua:
a sua noite interminável.
O peso verga-me as costas. As chaves são muito pesadas ao pescoço.
É muito longa, a louca noite de Janeiro.
Procuro, muito atento, o som dos cavalos loucos,
batendo nos olhos os ferros muito antigos. hove cada vez mais. Caminho.
Já não vejo o homem muito antigo
sonhando, por dentro, a sua loucura.
A rua é muito longa quando se anda à roda.
É sempre Janeiro naquela noite louca.
Procuro pelo chão os cavalos batendo nos olhos
a sua loucura demoradamente nova.
As chaves são muito grandes.
É de noite na rua interminável de Janeiro.
Caminho muito atento, com a loucura procurando,
germinando por dentro…
…muito antigo, demoradamente.
(Tavira, Janeiro)
Nuno Mangas-Viegas
Um homem muito antigo, caminhando,
ocupando demoradamente a rua.
É de noite. Uma plúmbea noite de Janeiro,
ou o Janeiro denso e severo prostrado numa só noite.
Caminha de forma velha, o homem.
É muito antigo o seu caminhar.
É um homem louco, uma loucura muito atenta.
Caminha durante uma hora inteira
em redor desta mesa. Procura.
Traz ao pescoço as chaves. Todas as chaves.
Uma hora, desta noite dura de Janeiro,
caminhando à volta desta mesa
com as pesadas chaves vergando-lhe as costas.
É muito antigo o caminhar do homem louco e atento, procurando.
É Janeiro nesta aguda noite e ele caminha louco,
muito atento,
com os ferros minguando-lhe a face de muitas estações.
É demasiado tempo para se ter dentro.
Os olhos atentos do homem, procurando no chão
em redor desta mesa.
Encontra. A sua louca atenção
encontra uma fenda no chão, perto desta mesa,
nesta noite muito antiga de Janeiro.
Retira da sua loucura muito atenta
uma chave muito grande
e lança-se longamente ao chão da rua
demoradamente ocupada.
Introduz a chave velha e grande na fenda encontrada,
roda algumas vezes:
primeiro para a direita e depois
para a esquerda da sua atenta loucura, muito antiga.
Chove um pouco
sobre o peito aberto da noite velha de Janeiro…
e o homem muito antigo está deitado
sobre a chave muito grande
cravada na fenda da sua loucura. hoca-a durante semanas. Talvez mesmo anos.
Mas é sempre aquela noite. É sempre Janeiro naquela rua.
Dorme muito tempo, muito antigo, o homem na sua loucura.
Dir-se-ia que descansa ou que aos poucos deixa de ser louco: que morre…
Mas apenas sonha.
Tem em si muito tempo, muito ferro na face.
A atenção da sua loucura vira-se para dentro.
É de noite e ele chegara muito antigo,
caminhando, demoradamente, pelo Janeiro desta rua.
Uma hora inteira em redor desta mesa
muito atento, procurando.
Agora está deitado, há muito tempo,
com a loucura por dentro, sonhando, germinando.
Janeiro é um mês que nunca acaba nesta noite.
Olho para o homem muito antigo
e não sei se voltará à noite dura de Janeiro.
Não sei se o fragor de cavalos batendo, loucos,
com as ferraduras nos olhos
é som de coisa que quer entrar ou sair.
Não sei.
Chove cada vez mais sobre as coisas da rua e nada parece acabar.
O tumulto do metal batendo nos olhos…
o som entrando e saindo,
germinando a loucura por dentro.
Penso em levantar-me.
O homem - muito antigo, atento,
demoradamente deitado sobre a chave muito grande,
cravada na fenda do chão molhado da noite louca de Janeiro - está frio.
É cada vez mais noite. Cada vez mais Janeiro. É demasiado, o tempo.
Os cavalos batem, soterrados, a loucura que sabem nos olhos.
Os cavalos aterrados batendo, loucos, o Janeiro eterno da noite.
Um homem muito antigo, deitado
chocando na loucura atenta os sonhos por dentro. Incubando.
Levanto-me.
Caminho demoradamente. Caminho o Janeiro desta rua:
a sua noite interminável.
O peso verga-me as costas. As chaves são muito pesadas ao pescoço.
É muito longa, a louca noite de Janeiro.
Procuro, muito atento, o som dos cavalos loucos,
batendo nos olhos os ferros muito antigos. hove cada vez mais. Caminho.
Já não vejo o homem muito antigo
sonhando, por dentro, a sua loucura.
A rua é muito longa quando se anda à roda.
É sempre Janeiro naquela noite louca.
Procuro pelo chão os cavalos batendo nos olhos
a sua loucura demoradamente nova.
As chaves são muito grandes.
É de noite na rua interminável de Janeiro.
Caminho muito atento, com a loucura procurando,
germinando por dentro…
…muito antigo, demoradamente.
(Tavira, Janeiro)
Nuno Mangas-Viegas
quinta-feira, 12 de junho de 2014
A MAÇÃ NO ESCURO
Era um cômodo grande, talvez um armazém antigo,
empilhado até o meio de seu comprimento e altura
com sacas de cereais.
Eu estava lá dentro, era escuro,
estando as portas fechadas
como uma ilha de sombra em meio do dia aberto.
De uma telha quebrada, ou de exígua janela,
vinha a notícia da luz.
Eu balançava as pernas,
em cima da pilha sentada,
vivendo um cheiro como um rato o vive
no momento em que estaca.
O grão dentro das sacas,
as sacas dentro do cómodo,
o cómodo dentro do dia
dentro de mim sobre as pilhas
dentro da boca fechando-se de fera felicidade.
Meu sexo, de modo doce,
turgindo-se em sapiência,
pleno de si, mas com fome,
em forte poder contendo-se,
iluminando sem chama a minha bacia andrógina.
Eu era muito pequena,
uma menina-crisálida.
Até hoje sei quem me pensa
com pensamento de homem:
a parte que em mim não pensa e vai da cintura aos pés
reage em vagas excêntricas,
vagas de doce quentura
de um vulcão que fosse ameno,
me põe inocente e ofertada,
madura pra olfato e dentes,
em carne de amor, a fruta.
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p. 41
empilhado até o meio de seu comprimento e altura
com sacas de cereais.
Eu estava lá dentro, era escuro,
estando as portas fechadas
como uma ilha de sombra em meio do dia aberto.
De uma telha quebrada, ou de exígua janela,
vinha a notícia da luz.
Eu balançava as pernas,
em cima da pilha sentada,
vivendo um cheiro como um rato o vive
no momento em que estaca.
O grão dentro das sacas,
as sacas dentro do cómodo,
o cómodo dentro do dia
dentro de mim sobre as pilhas
dentro da boca fechando-se de fera felicidade.
Meu sexo, de modo doce,
turgindo-se em sapiência,
pleno de si, mas com fome,
em forte poder contendo-se,
iluminando sem chama a minha bacia andrógina.
Eu era muito pequena,
uma menina-crisálida.
Até hoje sei quem me pensa
com pensamento de homem:
a parte que em mim não pensa e vai da cintura aos pés
reage em vagas excêntricas,
vagas de doce quentura
de um vulcão que fosse ameno,
me põe inocente e ofertada,
madura pra olfato e dentes,
em carne de amor, a fruta.
Adélia Prado. Com Licença Poética. Selecção e prefácio de Abel Barros Baptista. edições Cotovia, Lisboa, 2003., p. 41
terça-feira, 10 de junho de 2014
IV
os namorados mortos não sabiam
e não queriam morrer, nunca ninguém
em verdade o quis já, mas acontece
que quase sempre morte e amor se tocam
dos namorados mortos não se diga
que já não têm destino nem são livres
sequer de os esquecermos mesmo quando
se lhes apaga o rosto o sítio o nome
os namorados mortos não são fáceis
tu, por exemplo, evitas enredar-te
com o que sabes deles, mas que sabes
além de alguma história ou da aparência?
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 74
e não queriam morrer, nunca ninguém
em verdade o quis já, mas acontece
que quase sempre morte e amor se tocam
dos namorados mortos não se diga
que já não têm destino nem são livres
sequer de os esquecermos mesmo quando
se lhes apaga o rosto o sítio o nome
os namorados mortos não são fáceis
tu, por exemplo, evitas enredar-te
com o que sabes deles, mas que sabes
além de alguma história ou da aparência?
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 74
«ó pura dissonância, amor humano,
morte de amantes transformados em beijos
o tempo só de dois corpos unidos
que então conhecem tudo ou pelo menos
conhecem a ilusão de conhecerem.
se é isto o que há a fazer e um breve frémito
perpassa as flores do bosque, das veredas
recomeçadas, se era só isto o tempo
cruzando a origem, a pura dissonância,
um eco triste ao fim do sono escuro,
é cansaço ou ventura ou desespero
esse silêncio íntimo que invade
os que jogam o jogo, o próprio jogo,
os corpos nus e a sua circunstância?
de conhecermos tudo: a tensa sombra
da juventude e os lugares da cinza,
amargurado amor, de termos visto
o amador a transformar-se em sombra
a coisa amada a transformar-se em cinza,
tétanos, podridões, desastres, tudo
o que foi vão e vil, a urina e esta
pobre matéria de alegria póstuma,
os lugares da loucura e da miséria,
os retratos torcidos, tudo visto
contado e dividido, já previsto
por infames motivos.
e de querermos
por conhecermos tudo, dizer tudo.»
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 67
morte de amantes transformados em beijos
o tempo só de dois corpos unidos
que então conhecem tudo ou pelo menos
conhecem a ilusão de conhecerem.
se é isto o que há a fazer e um breve frémito
perpassa as flores do bosque, das veredas
recomeçadas, se era só isto o tempo
cruzando a origem, a pura dissonância,
um eco triste ao fim do sono escuro,
é cansaço ou ventura ou desespero
esse silêncio íntimo que invade
os que jogam o jogo, o próprio jogo,
os corpos nus e a sua circunstância?
de conhecermos tudo: a tensa sombra
da juventude e os lugares da cinza,
amargurado amor, de termos visto
o amador a transformar-se em sombra
a coisa amada a transformar-se em cinza,
tétanos, podridões, desastres, tudo
o que foi vão e vil, a urina e esta
pobre matéria de alegria póstuma,
os lugares da loucura e da miséria,
os retratos torcidos, tudo visto
contado e dividido, já previsto
por infames motivos.
e de querermos
por conhecermos tudo, dizer tudo.»
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 67
«ah, mas estamos vivos! arriscamos
tudo o que somos, tudo o que podemos
nesta vã tarantela.
os amantes também
apostam corpo e alma já sabendo
que perdem de antemão.
magro lucro
o momento do jogo e só ele
a ciência possível.
o jogo e a dança.
tudo o mais é tão pouco e desfigura
a substância dúplice que somos:
vivermos de arriscar e de perder.
também a morte espera paciente
e já cresceu connosco e perde tempo
mas só enquanto nós esbracejamos.»
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 65
tudo o que somos, tudo o que podemos
nesta vã tarantela.
os amantes também
apostam corpo e alma já sabendo
que perdem de antemão.
magro lucro
o momento do jogo e só ele
a ciência possível.
o jogo e a dança.
tudo o mais é tão pouco e desfigura
a substância dúplice que somos:
vivermos de arriscar e de perder.
também a morte espera paciente
e já cresceu connosco e perde tempo
mas só enquanto nós esbracejamos.»
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 65
o sempre aflito envelhecer das rosas
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 51
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Só
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 182
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
E chamei casa a esse lugar
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
Só por inventar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
E deixo o tempo decidir
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Eu sei que nenhuma vai ganhar
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 182
«(...)
Existem mil produtos para encher o vazio
Criámos computadores para ampliar a memória
E todos nós temos disfarces para aumentar a confusão
Só não sabemos como fazer o amor durar
O grande enigma continua a dar-nos cabo do coração.»
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 145
domingo, 8 de junho de 2014
JOHN: O pensamento do Beatle de cabelo comprido no santuário do século XIX. Por favor, parem com esse disparate. Vai para casa. Não gostamos de pessoas como tu. Vai ao médico para seres normal, estás a perceber? Vai ao médico. Nós vamos hoje ao psiquiatra, talvez ele nos ponha bons. Não nos entendemos a certos níveis, como viste. Estava com marijuana. Lindo, lindo. Continua a fumar. Não é ilegal. Lindo, lindo. Hey, aqueles tipos são tão duros como a imprensa real.
John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 27
GENESIS, CHAPTER 2
21. And the LORD GOD caused a deep sleep to fall upon Adam, and he slept; and he took one of his ribs, and closed up the flesh instead thereof;
22. And the rib, which the LORD GOD had token from man,
made he a woman, and brought her unto the man.
23. And Adam said, This ''is'' now bone of my bonés, and flesh
of my flesh: she shall be called Woman, because she was token
out of man.
24. Therefore shall a man leave his father and his mother, and
shall cleave unto his wife: and they shall be one flesh.
25. And they were both naked, the man and his wife, and went
not ashamed.
John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 8
22. And the rib, which the LORD GOD had token from man,
made he a woman, and brought her unto the man.
23. And Adam said, This ''is'' now bone of my bonés, and flesh
of my flesh: she shall be called Woman, because she was token
out of man.
24. Therefore shall a man leave his father and his mother, and
shall cleave unto his wife: and they shall be one flesh.
25. And they were both naked, the man and his wife, and went
not ashamed.
John Lennon. Canções (1968-1980) Colecção Rock On n.º 5. Centelha., p. 8
segunda-feira, 2 de junho de 2014
domingo, 1 de junho de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
Gaivota de pedra
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 104
TRANSMISSÃO DA NOITE
"Ele diz com os braços que há uma coisa viva que possui a razão no interior da razão.
Ele diz: A luz noite. Diz com os seus braços: o tempo não existe. ...
Diz: se os animais pudessem falar não teriam nada para dizer.
Diz: até na noite a palavra se transmite.
Ele diz: também a palavra transmite a noite com ela.
Também a luz, se deixarmos de falar, acaba e desaparece."
Valère Novarina. Sud- Express : Poesia Fancesa Hoje
Quando um homem tem vida de cão mais lhe vale ser morto
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 105
«(...)
Tu que foste traído
Tu que atraiçoaste
Tu que deixaste cair
Aquilo em que acreditaste
Tu desesperado que andas a monte
Não faltes ao teu encontro
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Leva o teu corpo e leva a dor
Não esqueças os teus desejos
Sê violento se acaso
Te amedrontarem os seus beijos
Mas não te faças rogado, é por ti que ela espera
Vai, corre ao seu encontro
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Amanhã ao fim da tarde
Junto à ponte
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 94/5
domingo, 25 de maio de 2014
BALADA DUM ESTRANHO
Hoje acordaste duma forma diferente dos outros dias
Sentes-te estranho, tens as mãos húmidas e frias
Tentas lembrar-te de algum pesadelo mas o esforço é em vão
Parece-te ouvir passos dentro de casa mas não sabes de quem são
Deixas o quarto e vais à sala espreitar atrás do sofá
Mas aí tu já suspeitas que os fantasmas não estão lá
Vais à janela e ao olhares para fora sentes que perdeste o teu centro
E de repente descobres que chegou a hora de olhares para dentro
Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
Vês o teu nome escrito num envelope que rasgas nervosamente
Tu já tinhas lido essa carta antecipadamente
E os teus olhos ignoram as letras e fixam as entrelinhas
E exclamas: ''Afinal...estas palavras são minhas!''
O caminho para trás está vedado e tens um muro à tua frente
E quando olhas p'rós lados vês a mobília indiferente
E abandonas esta casa onde sentiste o chão a fugir
Arquitectas outra morada mas sabes que estás a mentir
Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 93
Sentes-te estranho, tens as mãos húmidas e frias
Tentas lembrar-te de algum pesadelo mas o esforço é em vão
Parece-te ouvir passos dentro de casa mas não sabes de quem são
Deixas o quarto e vais à sala espreitar atrás do sofá
Mas aí tu já suspeitas que os fantasmas não estão lá
Vais à janela e ao olhares para fora sentes que perdeste o teu centro
E de repente descobres que chegou a hora de olhares para dentro
Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
Vês o teu nome escrito num envelope que rasgas nervosamente
Tu já tinhas lido essa carta antecipadamente
E os teus olhos ignoram as letras e fixam as entrelinhas
E exclamas: ''Afinal...estas palavras são minhas!''
O caminho para trás está vedado e tens um muro à tua frente
E quando olhas p'rós lados vês a mobília indiferente
E abandonas esta casa onde sentiste o chão a fugir
Arquitectas outra morada mas sabes que estás a mentir
Porque há qualquer coisa que não bate certo
Qualquer coisa que deixaste para trás em aberto
Qualquer coisa que te impede de te veres ao espelho nu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
E não podes deixar de sentir que o culpado és tu
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 93
MAL E BEM/ ESTAÇÕES/SÓ MAIS UM BEIJO (COPENHAGA, 78)
Tu tens que estar sempre atento
Se queres sobreviver
Tens de saber travar
Não basta saberes correr
E quando deres por ti na rua errada
Não percas tempo a tentar disfarçar
Apressa-te a encontrar a rua certa
A vida é uma enorme encruzilhada
E qualquer um se pode enganar
Tu tens que ser muito rápido
Senão vais-te afundar
Tens de saber cair
Se é que te queres levantar
E quando tiveres monstros na cabeça
Não penses mais nisso
Há tanta coisa gira para fazer
Não te esqueças que tu és o que tu pensas
Um pensamento feio é como um cancro
Se o guardas, ele não pára de crescer
Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer
E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir
Tens de trazer a cabeça
Bem junto ao coração
Que é para poderes saber
Qual é a tua missão
Tudo o que se passa à tua volta
Está bem ligado ao fundo do teu ser,
E custa vermos tanta gente à espera
De frutos que, afinal, eles não merecem
Quem não semeia, não tem direito a colher
Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e a perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer
E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir
Só mais um beijo
Antes de eu me abrir
Só mais um beijo
Antes de eu partir
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 77
Se queres sobreviver
Tens de saber travar
Não basta saberes correr
E quando deres por ti na rua errada
Não percas tempo a tentar disfarçar
Apressa-te a encontrar a rua certa
A vida é uma enorme encruzilhada
E qualquer um se pode enganar
Tu tens que ser muito rápido
Senão vais-te afundar
Tens de saber cair
Se é que te queres levantar
E quando tiveres monstros na cabeça
Não penses mais nisso
Há tanta coisa gira para fazer
Não te esqueças que tu és o que tu pensas
Um pensamento feio é como um cancro
Se o guardas, ele não pára de crescer
Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer
E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir
Tens de trazer a cabeça
Bem junto ao coração
Que é para poderes saber
Qual é a tua missão
Tudo o que se passa à tua volta
Está bem ligado ao fundo do teu ser,
E custa vermos tanta gente à espera
De frutos que, afinal, eles não merecem
Quem não semeia, não tem direito a colher
Mal e bem
Estamos sempre a mexer
Mal e bem
A ganhar e a perder
Mal e bem
Agora a subir, mais logo a descer
E o que está mal neste instante
Pode estar bem a seguir
E, na verdade, o importante é o que tu estás a sentir
Irmão, tu não sejas tonto
Que tarde ou cedo chega a hora de partir
Só mais um beijo
Antes de eu me abrir
Só mais um beijo
Antes de eu partir
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 77
ALEGORIA SEGUNDA
De poetas e filósofos tu sabes,
sabes também por ti. Por isso eu digo:
esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue.
Toca-lhe: saberás
como em segredo florescem as acácias
ao redor dos muros, como fluem
suas concêntricas artérias. Acaricia-as: tocas
a parte mais sensível de ti mesmo.
Dizias ontem que o verão ardia
nesta pedra. Nela
queimavas tuas mãos. Onde
as aqueces hoje? Eu digo:
o verão não morreu, esta pedra é o verão.
E tudo permanece. E tudo é teu.
Tu és o sangue, o verão e a pedra.
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 90
sabes também por ti. Por isso eu digo:
esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue.
Toca-lhe: saberás
como em segredo florescem as acácias
ao redor dos muros, como fluem
suas concêntricas artérias. Acaricia-as: tocas
a parte mais sensível de ti mesmo.
Dizias ontem que o verão ardia
nesta pedra. Nela
queimavas tuas mãos. Onde
as aqueces hoje? Eu digo:
o verão não morreu, esta pedra é o verão.
E tudo permanece. E tudo é teu.
Tu és o sangue, o verão e a pedra.
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 90
Évora, 8 de Setembro de 1967
Ao Manuel Patrício
Os mortos
comem flores
e granadas
e lágrimas
e beijos
que os devoram.
Enxutos,
os olhos
dos mortos
choram.
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 48-49
Os mortos
comem flores
e granadas
e lágrimas
e beijos
que os devoram.
Enxutos,
os olhos
dos mortos
choram.
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 48-49
«Todo o trabalho da arte procura assegurar a aparição de si a si mesmo a colmatar todos os vazios, os escoamentos, as rupturas do eu, as quebras da memória, os espacejamentos da consciência:
« Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida.» Vergílio Ferreira
« Que a distância de ti a ti seja por ti preenchida.» Vergílio Ferreira
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 75
«Valerá a pena destruir Deus, o Deus da Religião ou o Deus da Política? «Derrubar o deus do altar. E depois, o altar. E depois, o sítio dele. E depois, a memória dele. E tudo ficar certo como se não. Derrubar o sinal e o signo. O visível e o invisível. E tudo ser como se. (...) E tudo funcionar como se não. Como se o invisível fosse ainda.»
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 64
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«Procuram no sítio das casas a memória do que lá ficou, dos deuses e da sua ordem com que se organizava a vida e ela tinha sentido e era verdade, da tranquilidade do sono à noite quando o dia se cumprira.»
Vergílio Ferreira
«Esta imagem é tanto mais exaltante quanto a ela se vem contrapor a multiplicidade incontrolada do presente pós-terramoto e pós-revolução: é a desordem instalada no inferno das ideologias e no alarido tempestuoso das opiniões, é a ramificação de cada coisa no seu contrário e no contrário do seu contrário, é a bifurcação demente de todas as evidências em verdades e contraverdades sem prova nem acalmia.» Eduardo Prado Coelho p. 62
«(...) Carolina, a prostituta, o ser mais divinamente animal desta galeria de sonâmbulos, reivindica para sua aldeia a reconstruir: « O que eu penso é que devia ficar tudo como estava. Não é preciso pensar muito. Tal e qual como estava. Eu por mim queria a nossa terra como era.» Vergílio Ferreira
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 62
«Pela primeira vez desde que nos conhecíamos, estendeu-me a mão num gesto envergonhado e eu senti-lhe as escamas da pele. Teve um sorriso breve e, antes de sair, disse: «Espero que os cães não ladrem esta noite. Julgo sempre que é o meu.»
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prémio nobel da literatura 1957
de tempos a tempos zangávamo-nos
«Não fora feliz com a sua mulher, mas, por fim, habituara-se a ela. Quando esta morrera, sentira-se muito só. Pedira então, a um colega de escritório, que lhe desse um cão, e fora-lhe oferecido a este, quase recém-nascido. Tivera que o alimentar a biberão. Mas como o cão vive menos do que o homem, tinham acabado por envelhecer juntos. «Tinha mau feitio», disse Salamanco. «De tempos a tempos zangávamo-nos. «Mas apesar disso, era um bom cão.»
Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 66
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«Instantes depois, perguntou-me se eu a amava. Respondi-lhe que não queria dizer nada, mas que me parecia que não. Ficou com um ar triste.»
Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 58
Albert Camus. O Estrangeiro. Tradução de António Quadros. Editora Livros do Brasil, Lisboa, 2006., p. 58
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quinta-feira, 22 de maio de 2014
«Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram nossas ali!...»
Fernando Pessoa/Bernardo Soares
Fernando Pessoa/Bernardo Soares
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«O tédio...Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer - tudo isto está no tédio sem ser o tédio, nem é dele mais que uma paráfrase ou uma translação. (...) O tédio...Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio...É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma.»
Fernando Pessoa
o humor é a versão diurna do desassossego
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 31
às vezes dizemos
às vezes dizemos
uma jarra
pensando nas flores que lá
poderiam crescer
às vezes dizemos
summertime
como se um negro
nos pudesse ouvir
às vezes dizemos
palavras
como se as prisões
pudessem ter sentido
Vasco Graça Moura. Poemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 36
*
Há em teus olhos, dados ao momento,
uma tristeza de água reprimida,
que é como o pressentimento
duma próxima despedida.
Tristeza que faz lembrar
dias perdidos de outono
com luz pálida a incidir
nas folhas, mortas de sono.
Deixa que a esperança os molhe,
os inunde de alegria.
Cada noite passa e colhe
o gosto de um novo dia.
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 21
Vens cheia de orvalho, lágrimas da noite
Albano Martins. Assim são as Algas. Poesia 1950-2000. Campo das Letras, Porto., p. 18
terça-feira, 20 de maio de 2014
«Sei que estás a sofrer
O teu homem foi-se embora outra vez
Partiu como um furacão
O que só pensas no bem que ele te fez...
Tentas dormir
Mas o teu sono parece ter voado com ele
E a noite colou-se às tuas costas
Ai, disforme como um pesadelo
Mas, ouve bem, meu amor:
Não é tarde para sorrires outra vez
Ainda há estrelas no teu olhar
(...)»
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 53
O VELHO NO JARDIM
Está um velho no jardim
Com cabelos de algodão
Tem dois olhos cor de mar
E uma cruz em cada mão
Uma cresce dum altar
Outra é a uma ilusão
Continuo a subir
Vejo um milhão de ideias falsas
Num crucifixo conjectural
Concebido para salvar almas
Da asfixia existencial
Está um velho no jardim
Que me olha com rancor
Tem dois olhos de marfim
Afiados no pudor
Mas as coisas que ele faz
Não parecem ter calor
Continuo a subir
Vejo uma vela adulterada
Feita de sangue e de cetim
Garantida por dois mil anos
Mas que está a chegar ao fim
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 51
Com cabelos de algodão
Tem dois olhos cor de mar
E uma cruz em cada mão
Uma cresce dum altar
Outra é a uma ilusão
Continuo a subir
Vejo um milhão de ideias falsas
Num crucifixo conjectural
Concebido para salvar almas
Da asfixia existencial
Está um velho no jardim
Que me olha com rancor
Tem dois olhos de marfim
Afiados no pudor
Mas as coisas que ele faz
Não parecem ter calor
Continuo a subir
Vejo uma vela adulterada
Feita de sangue e de cetim
Garantida por dois mil anos
Mas que está a chegar ao fim
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 51
DIZEM QUE NÃO SABIAM QUEM ERA
Ah! Dizem que fazia amor com qualquer um
E que se drogava...
Ah! Dizem que foi apanhada a ver o mar
Com outra mulher...
Ah! Dizem que foi encontrada morta
Os pulsos cortados...
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 43
VIAGEM (MULHER)
Abre o portão e improvisa a partida
Leva emoções e alguns livros na mão
Deixa o destino e vai recomeçar
Do outro lado do espelho
Não vende nada, o que tem é para dar
Agora é mulher
Já não é flor pisada
Tu és a tal há tanto tempo deitada
Sempre a sofrer, sempre a morrer por amor
Mas já é tempo de abandonares de vez
Esse teu berço-memória
Vais ter orgulho no teu nome de mulher
Agora estás de pé
Já não és flor pisada
Saltaste o muro e vais continuar
Do outro lado da vida
Rompeste as grades do teu jardim-prisão
Agora estás de pé
Agora és mulher
E o teu nome é liberdade!
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 36
Leva emoções e alguns livros na mão
Deixa o destino e vai recomeçar
Do outro lado do espelho
Não vende nada, o que tem é para dar
Agora é mulher
Já não é flor pisada
Tu és a tal há tanto tempo deitada
Sempre a sofrer, sempre a morrer por amor
Mas já é tempo de abandonares de vez
Esse teu berço-memória
Vais ter orgulho no teu nome de mulher
Agora estás de pé
Já não és flor pisada
Saltaste o muro e vais continuar
Do outro lado da vida
Rompeste as grades do teu jardim-prisão
Agora estás de pé
Agora és mulher
E o teu nome é liberdade!
Jorge Palma. Na terra dos sonhos [poemas]. Organização de João Carlos Callixto. Edições Quasi., p. 36
domingo, 18 de maio de 2014
(«Passagens de zarzuela e trechos avulsos entoados pelo chefe da brigada Elias Santana durante o seu passeio nocturno:
-La Violetera
-O último Couplet
-Carmen, de Bizet
-Oh, Sole Mio
Os Sinos de Corneville.)
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 250
-La Violetera
-O último Couplet
-Carmen, de Bizet
-Oh, Sole Mio
Os Sinos de Corneville.)
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 250
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música
Estevais
«Estevais é o que há à volta deles, estevais e pedras, ausência de árvores. E sol. O sol a rebrilhar no verniz das folhas das estevas e o cheiro morno que elas deitam e que tem o denso do suor íntimo, carnal.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 225
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 225
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fuma com a boca colada ao joelho
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 209
«Elias vigia-a espalmado na superfície da porta, olho quedo. Ali a tem ao real e por inteiro. Fechada num círculo de vidro, ali a tem. A pedir com um corpo daqueles uma boa verga que entrasse toda, que a explodisse com descargas de esperma a ferver, daquele que é grosso e pesado, do que cresta, e que a encharcasse de alto a baixo desde os olhos até às nádegas, o que ela queria era isso, que lhe fossem pela espinha acima e a pusessem a berrar pela mãe, era o que a cabrona estava a pedir, e dá-me, ai dá-me, dá-me mais, assim, assim, pois então. Mesmo distanciada e reduzida pelo vidro panorâmico do ralo é uma provocação, uma agressão da natureza, a grandacabrona.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 208
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romance
«Vive entre estrangeiros, mas para eles é também um estrangeiro. Por isso alguns hão-de amá-lo, como Maria, sua amante, que lhe dá importância «porque é bizarro»; e outras detestá-lo-ão por isso, como aquela multidão do tribunal, cujo ódio ele sente de súbito subir contra si.»
Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 12)
Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 12)
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o estrangeiro
«O homem absurdo não se suicidará: quer viver, sem abdicar de nenhuma das suas certezas, sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões, e também sem resignação. O homem absurdo afirma-se na revolta. Fixa a morte com uma atenção apaixonada e esta fascinação liberta-o: conhece a «divina disponibilidade» do condenado à morte. Tudo é permitido, visto que Deus não existe e visto que se morre. Todas as experiências são equivalentes, convém somente adquirir a maior quantidade possível delas.»
Introdução de Jean-Paul Sartre ao livro O Estrangeiro de Albert Camus. (p. 11)
Durmo e desdurmo
«Durmo e desdurmo. Do outro lado de mim, lá para trás onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, a nenhuma gota que cai se ouve cair.[...] Sinto a cabeça materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da fronha tem com a minha pele um contacto de gente na sombra. A própria orelha, sobre a qual me encosto, grava-se matematicamente contra o cérebro. Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo, inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece - não é minha.»
Fernando Pessoa
um passo atrás
«um passo antes do clímax, um passo antes da revolução, um passo antes do que se chama amor. Um passo antes de minha vida - que, por uma espécie de forte íman ao contrário, eu não transformava em vida»
Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. p. 30
Clarice Lispector. A paixão segundo G.H. p. 30
Floresta do Alheamento
«Que horas, ó companheira inútil do meu tédio, que horas de desassossego feliz se fingiram ali!...Horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores de paisagem externa...»
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
O espaço literário
« O espaço literário começa por ser um lugar de solidão essencial anterior a qualquer obra: «A solidão do escritor, esta condição que é o seu risco, viria do facto de ele pertencer, na obra, ao que existe sempre antes da obra. Através dele, a obra realiza-se, adquire firmeza do começo, mas ele próprio pertence a um tempo onde reina a indecisão do recomeço. A obsessão que o liga a um tema privilegiado, que o obriga a voltar a dizer o que já disse, por vezes com o poder de um talento enriquecido, mas por vezes com a prolixidade de uma repetição extraordinariamente empobrecedora, sempre com menos força, sempre com maior monotonia, ilustra esta necessidade de voltar ao mesmo ponto, de repassar pelas mesmas vias, de perseverar recomeçando o que para ele nunca começa, de pertencer à sombra dos acontecimentos, e não à sua realidade, à imagem, e não ao seu objecto, ao que faz que as próprias palavras se possam tornar imagens, aparências - e não signos, valores, poderes de verdade»
Blanchot, L'espace littéraire, p. 14
crítico fetichista
«Digamos que o universitário tende para a figura do crítico fetichista, isto é, aquele que, observemo-lo sem má intenção, tendo verificado a ausência de pénis na mãe, se recusa a admitir essa realidade, pela ameaça de castração que ela faz recair sobre ele próprio, e cria uma realidade substitutiva que é fétiche. Qual a função do fétiche? Por um lado, ele está no lugar da mãe. Mas, por outro, este objecto substituto, na medida em que pretende negar uma ausência, é em si mesmo o signo dessa ausência. O «universitário» procura cercar a obra literária com todo um ritual sádico em que o saber funciona, na sua acumulação ilimitada, como forma de predação. E isto tanto se pode verificar nas antiquíssimas práticas de um greimasianismo selvagem. O texto crítico está no lugar do texto criticado. Mas este processo de substituição é a marca da definitiva ausência do texto criticado. Tal ausência, geradora de alguma angústia que circula nos corredores do ensino da literatura, tende a ser anulada pela acumulação maciça de um saber sem fim - o fetichista coleciona no campo do finito na convicção de que a quantidade poderá assegurar o salto para o lado do infinito poético.»
Eduardo Prado Coelho. A Mecânica dos Fluidos. Literatura, cinema, teoria. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. p. 15
sobre a crítica literária
«mas o tribunal de toda a escrita está em toda a parte e em parte alguma»
Eduardo Lourenço
Eduardo Lourenço
sábado, 17 de maio de 2014
«O que vale é que as putas dão para tudo, diz. Não houve aquela Madalena que depois de morta foi santinha?»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 201
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 201
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por entre as iluminações do Whisky
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 200
sendo de mau esquecer e de pior perdoar
«Dita margarida essa que em data para olvidar tinha um dos seus desentendimentos com a Judite por causa de um baile de facadas e que, sendo de mau esquecer e de pior perdoar, passara aviso às restantes margaridas e respectivos interessados.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 199
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«O comodismo dos generais portugueses sujeita-os à chacota e à degradação.» Gen. Humberto Delgado, Carta aos Generais.
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 196
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 196
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«Elias só guardará dessa noite a nódoa que lhe assinala o pijama masturbado. Uma lágrima crestada que ele irá levar à torneira.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187
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José Cardoso Pires
Elias masturba-se.
«Elias masturba-se. Sempre de olhar parado, vendo para dentro a desfocar-se (o olhar de quem se deixa ir de viagem) enquanto a mão, o rosto e a boca dela o trabalham lá em baixo, e tudo se concentra, Elias vai num espaço fechado, numa caixa de espelhos, a cabeça solta, desligada dele. Tem o corpo tenso, em arco. O pénis recurvo não pára de ser percorrido por uma cadência saboreada e insistente, e ele de olhar imóvel diante dum vidro (que já não é de espelho, mas transparente) diante dum para-brisas, um autocolante, um espelho retrovisor, para baixo e para cima, de mãos no volante, ele para baixo e para cima, as molas do assento a rangerem num movimento mecânico e igual. Sempre.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 189
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«Vagueei todos estes anos por um mundo de mulheres procurando-te, Morte.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 188
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Morte
« sr santana no me dá governo vir às sigundas que é dia do óspital ódepois espelico Lucinda.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 187
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PAGELA DA IRMÃ MARIA
DO DIVINO CORAÇÃO
Fixe os 4 pontos que se vêem na imagem
e conte até 20 sem desviar o olhar,
diante duma parede branca.
Feche os olhos e abra-os imediatamente.
Verá aparecer na parede a Miraculosa
Irmã Maria do Divino Coração,
Escrava do Senhor.
(Proibida a reprodução)
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 105
DO DIVINO CORAÇÃO
Fixe os 4 pontos que se vêem na imagem
e conte até 20 sem desviar o olhar,
diante duma parede branca.
Feche os olhos e abra-os imediatamente.
Verá aparecer na parede a Miraculosa
Irmã Maria do Divino Coração,
Escrava do Senhor.
(Proibida a reprodução)
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 105
quarta-feira, 14 de maio de 2014
"Não penses nas coisas que foram e passaram,
meditar no passado aviva o sofrimento.
Não penses no que vai acontecer,...
meditar no futuro enche-te de incerteza.
Melhor, de dia, sentado na cadeira como um saco,
de noite, deitado no leito como uma pedra.
Quando a comida chega, abre a boca,
quando o sono vem, fecha os olhos.
Estas as coisas úteis ao teu corpo,
quanto ao subir e descer,
vida breve ou vida longa,
não penses, deixa tudo ao acaso.
Eu tenho ainda um luxo,
quando meu espírito se agita,
canto uma canção louca
sobre uma taça de vinho."
Bai Juyi. Poemas
meditar no passado aviva o sofrimento.
Não penses no que vai acontecer,...
meditar no futuro enche-te de incerteza.
Melhor, de dia, sentado na cadeira como um saco,
de noite, deitado no leito como uma pedra.
Quando a comida chega, abre a boca,
quando o sono vem, fecha os olhos.
Estas as coisas úteis ao teu corpo,
quanto ao subir e descer,
vida breve ou vida longa,
não penses, deixa tudo ao acaso.
Eu tenho ainda um luxo,
quando meu espírito se agita,
canto uma canção louca
sobre uma taça de vinho."
Bai Juyi. Poemas
« Ninguém poderia suspeitar a tempestade que, no seu íntimo, o ia transformar noutro homem.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 99
terça-feira, 13 de maio de 2014
segunda-feira, 12 de maio de 2014
TAMBORES NA NOITE #2
"Vivo,na verdade, em tempos sombrios.
É insensata a palavra ingénua. Uma fronte lisa
revela insensibilidade. Aquele que ri...
é porque ainda não recebeu a notícia terrível.
Que tempos estes
em que falar sobre uma árvore é quase um crime
porque equivale a cantar tantas perfídeas!
Esse homem que vai tranquilamente pela rua,
conseguirão os amigos encontrá-lo
quando precisarem?
É verdade que ainda ganho a vida
Mas, creiam, é pura casualidade. Nada
do que faço me dá direito a fartar-me.
Libertei-me por acaso. (Estaria perdido se a sorte se me acabasse).
Dizem-me:«Come e bebe! Goza o que tens!»
Mas como posso comer e beber
se estou a roubar ao faminto aquilo que como
e o meu copo de água faz falta ao sedento?
E mesmo assim, como e bebo.
Gostaria de ser também sábio.
Os velhos livros explicam a sabedoria:
fugir das lutas do mundo e deixar passar
sem inquietação o nosso curto tempo.
Libertar-se da violência,
responder ao mal com o bem,
não satisfazer os desejos e até
esquecê-los; é essa a sabedoria.
Mas não posso fazer nada disto;
vivo na verdade em tempos sombrios."
Bertolt Brecht. "Poesia, Textos, Teatro"
"Vivo,na verdade, em tempos sombrios.
É insensata a palavra ingénua. Uma fronte lisa
revela insensibilidade. Aquele que ri...
é porque ainda não recebeu a notícia terrível.
Que tempos estes
em que falar sobre uma árvore é quase um crime
porque equivale a cantar tantas perfídeas!
Esse homem que vai tranquilamente pela rua,
conseguirão os amigos encontrá-lo
quando precisarem?
É verdade que ainda ganho a vida
Mas, creiam, é pura casualidade. Nada
do que faço me dá direito a fartar-me.
Libertei-me por acaso. (Estaria perdido se a sorte se me acabasse).
Dizem-me:«Come e bebe! Goza o que tens!»
Mas como posso comer e beber
se estou a roubar ao faminto aquilo que como
e o meu copo de água faz falta ao sedento?
E mesmo assim, como e bebo.
Gostaria de ser também sábio.
Os velhos livros explicam a sabedoria:
fugir das lutas do mundo e deixar passar
sem inquietação o nosso curto tempo.
Libertar-se da violência,
responder ao mal com o bem,
não satisfazer os desejos e até
esquecê-los; é essa a sabedoria.
Mas não posso fazer nada disto;
vivo na verdade em tempos sombrios."
Bertolt Brecht. "Poesia, Textos, Teatro"
domingo, 11 de maio de 2014
«(...) não fez mais do que atravessar uma casa estranha sem prender o coração nem o espírito. O lar doméstico não teve para ela senão aborrecimentos (...)»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 23
«Rodeiam o amo de cuidados assíduos e de atenções incessantes, que o dispensam de toda e qualquer preocupação do menor esforço. Transportam-no, alimentam-no, deitam-no como a uma criança. Os seus desejos são adivinhados, os seus prazeres são preparados, perde o hábito de pensar e de querer.»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 15
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 15
«(...) para os homens as dádivas das mulheres são imprudência.»
William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 63
PÉRICLES
«Eu trato de esquecer o que fui, mas o que sou força-me a pensar em mim. Estou transido de frio; tenho as veias geladas, e da vida só me resta o alento suficiente para vos pedir auxílio; se mo recusais, rogo-vos que, em atenção a eu ser homem, me enterreis quando tiver morrido.»
William Shakespeare. Péricles, Príncipe de Tiro. Lello&Irmão, Editores Porto, 1976., p 46
«O dinheiro compra a mulher, mas não a prende a nós, percebeste tu? Não compra a simpatia.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 65
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 65
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sábado, 3 de maio de 2014
quarta-feira, 30 de abril de 2014
DA POSSIBILIDADE POÉTICA
"O poema da mente no acto de encontrar
Quanto baste. Nem sempre teve
Que encontrar:a cena estava montada, repetia o que
Estava no guião.
Então o teatro foi mudado
Para outra coisa. Seu passado era uma lembrança.
Ele tem que estar vivo,que aprender o discurso do sítio.
Tem que enfrentar os homens do tempo e encontrar-se com
As mulheres do tempo. Tem que pensar sobre a guerra
E tem que encontrar quanto baste. Tem
Que construir um novo palco. Tem que estar nesse palco
E,como um actor insaciável, vagarosamente e
Com meditação, dizer palavras que ao ouvido,
Ao mais delicado ouvido da mente, repitam,
Exactamente, o que ele quer ouvir, ao som
Das quais, uma audiência invisível escuta,
Não a peça, mas a si mesma, expressa
Numa emoção como de duas pessoas,como de duas
Emoções a tornarem-se uma. O actor é
Um metafísico no escuro,tangendo
Um instrumento, tangendo uma corda de metal que dá
Sons a passarem por súbitas exactidões,na totalidade
A conter a mente, abaixo da qual não pode descer,
Além da qual não quer elevar-se.
Deve
Ser o encontrar uma satisfação, e pode
Ser de um homem patinando, uma mulher dançando,
uma mulher
Penteando-se. O poema do acto da mente."
Quanto baste. Nem sempre teve
Que encontrar:a cena estava montada, repetia o que
Estava no guião.
Então o teatro foi mudado
Para outra coisa. Seu passado era uma lembrança.
Ele tem que estar vivo,que aprender o discurso do sítio.
Tem que enfrentar os homens do tempo e encontrar-se com
As mulheres do tempo. Tem que pensar sobre a guerra
E tem que encontrar quanto baste. Tem
Que construir um novo palco. Tem que estar nesse palco
E,como um actor insaciável, vagarosamente e
Com meditação, dizer palavras que ao ouvido,
Ao mais delicado ouvido da mente, repitam,
Exactamente, o que ele quer ouvir, ao som
Das quais, uma audiência invisível escuta,
Não a peça, mas a si mesma, expressa
Numa emoção como de duas pessoas,como de duas
Emoções a tornarem-se uma. O actor é
Um metafísico no escuro,tangendo
Um instrumento, tangendo uma corda de metal que dá
Sons a passarem por súbitas exactidões,na totalidade
A conter a mente, abaixo da qual não pode descer,
Além da qual não quer elevar-se.
Deve
Ser o encontrar uma satisfação, e pode
Ser de um homem patinando, uma mulher dançando,
uma mulher
Penteando-se. O poema do acto da mente."
-"Ficção Suprema"
- Wallace Stevens
- Wallace Stevens
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