«O Papalagui adora o metal redondo e o papel forte, gosta de encher a barriga com uma série de líquidos provenientes de frutos mortes, e com carne de porco, boi e outros horríveis animais, mas acima de tudo gosta de uma coisa que não se pode agarrar e que no entanto existe: o tempo. Leva-o muito a sério e conta com toda a espécie de tolices acerca dele. Embora não possa haver mais tempo do que o medeia do nascer ao pôr do sol, isso para o Papalagui nunca é o bastante.» (pp.63)
«Dizia eu que se deve tratar de uma espécie de doença...Suponhamos, com efeito, que um Branco tem vontade de fazer qualquer coisa e que o seu coração arde em desejo por isso; que, por exemplo, lhe apetece ir deitar-se ao sol, ou andar de canoa no rio, ou ir ver a sua bem-amada. Que faz ele então? Na maior parte das vezes estraga o prazer com esta ideia fixa: « não tenho tempo para ser feliz». Mesmo dispondo de todo o tempo que queira, nem com a melhor boa vontade o reconhece. Acusa mil e uma coisas de lhe tomarem o tempo e, de mau grado e resmungando, debruça-se sobre o trabalho que não tem vontade nenhuma de fazer, que não lhe dá qualquer prazer e que ninguém, a não ser ele próprio, o obriga a fazer. Quando de repente se dá conta de que tem tempo, que tem realmente todo o tempo à sua frente, ou quando alguém lhe dá tempo - os Papalaguis dão frequentemente tempo uns aos outros, é mesmo a acção que mais apreciam -, nessa altura, ou já não tem vontade, ou já se cansou desse trabalho sem alegria. E geralmente deixa para o dia seguinte o que podia fazer no próprio dia.» (pp.65)
O Papalagui. Discursos de Tuiavii Chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul. Recolhidos por Erich Scheurmann. Trad. Luiza Neto Jorge. 2ª. edição. Edições Antígona. Lisboa, 1983