«O Papalagui tem uma maneira de pensar particularmente confusa. Está sempre a ver como é isto ou aquilo lhe poderá ser útil ou dar-lhe certos direitos. Não se preocupa em pensar nos homens em geral, mas apenas num, o qual acaba sempre por ser ele próprio.
Quando um homem diz: «A minha cabeça é minha e de mais ninguém!» tem razão, tem muita razão, e contra isso ninguém terá nada a objectar. Aquele a quem uma mão pertence, será quem mais direitos tem sobre ela. Até aqui estou de acordo com o Papalagui. Mas ele também diz: « A palmeira é minha!», só porque ela cresce, por acaso, diante a sua cabana. Como se tivesse sido ele a fazê-la crescer! Nunca a palmeira poderá pertencer-lhe, nunca! A palmeira é a mão que Deus nos estende, através da terra; Deus tem muitas mãos. Cada árvore, cada erva, o mar, o céu e as nuvens são outras tantas mãos de Deus. Podemos tocar-lhes e regozijar-nos com isso, mas lá por isso não temos o direito de dizer: «A mão de Deus é a minha mão!» No entanto é isso o que o Papalagui faz.»
O Papalagui. Discursos de Tuiavii Chefe de tribo de Tiavéa nos mares do Sul. Recolhidos por Erich Scheurmann. Trad. Luiza Neto Jorge. 2ª. edição. Edições Antígona. Lisboa, 1983., pp.71