«-Explique-me só, nosso cabo, o que quer isto dizer! O que é que o homem bebeu?
Ninguém respondia.
-Quem costuma dormir na caserna dele?
-Eu,
messargento!Eu,
Blemaque François do Terceiro! Nunca o vi assim...Há dois anos que está na minha esquadra...Para mais e não para menos. Nunca o vi assim...
-Muito bem! Belíssima resposta, ó
Blemaque.
Vai daí levanta-se toda
tesa, a sentinela, ainda a franzir os
olhos, olha para nós e dá um grito de verdadeiro susto, um rasgar de todo o corpo que nunca mais acaba...E volta a cair, desaba no tabique e recomeça com mais gemidos, aos solavancos.
Todo o posto se junta à volta, por cima dela, a discutir.
O
Rancotte impõe silêncio.
- Olhem-me só estas caretas! Mas este urso imundo o que é que me bebeu? É lá possível que seja do bagaço! Só vinagre, só uma mistela! Só um veneno! Ainda se me fina, a
alimária!
Realmente não era nada agradável ver a sentinela, não
tranquilizava nada a maneira de ela se crispar, de sufocar na palha. Era medonho.
Já ninguém se
atrevia a tocar-lhe.
Mas o
Rancotte, esse chateou-se.
-É só comédia! Merda! Quero lá saber! A minha garrafa, ó porco! Que fizeste dela? Estás-me a ouvir, vadio?
Fazia-lhe a pergunta mas o outro continuava em convulsões e a
estertorar, cada vez mais bravio.
-
Costuma dar-lhe a epiléptica, o «mal-sagrado»? - pergunta assim o
Lambelluch. E depois mete-se em pormenores, em raciocínios.
-O
Bastien, que era alfaiate no Três...Aquele
Arthur que esteve no P.H.R., depois...dava-lhe a coisa dentro da língua...era aqui dois anos mais velho que eu...e quando aquilo lhe dava...Mordia-a toda, à dentada...até lhe vi bocados soltos...Tenho que a pôr de fora, dizia-me ele...Quando me dá, tenho de
pô-la cá fora!...E eu punha-la, com ajuda de um garfo...O
Arthur Bastien...Desatava a andar à volta, todo zonzo...Chupava-me, aquela língua...Enfiava-a toda até ao fundo.»
Louis-Ferdinand Céline in De Três Em Pipa. Trad. de Aníbal Fernandes. Colecção Gato Maltês. Assírio&Alvim, 1985.,
pp. 86/7