domingo, 16 de dezembro de 2012
“I meet you. I remember you. Who are you? You’re destroying me. You’re good for me. How could I know this city was tailor-made for love? How could I know you fit my body like a glove? I like you. How unlikely. I like you. How slow all of a sudden. How sweet. You cannot know. You’re destroying me. You’re good for me. You’re destroying me. You’re good for me. I have time. Please, devour me. Deform me to the point of ugliness. Why not you? Why not you in this city and in this night, so like other cities and other nights you can hardly tell the difference? I beg of you.''
Marguerite Duras, Hiroshima mon amour
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Who are you? You’re destroying me. You’re good for me. How could I know this city was tailor-made for love? How could I know you fit my body like a glove? I like you. How unlikely. I like you. How slow all of a sudden. How sweet. You cannot know. You’re destroying me. You’re good for me. You’re destroying me. You’re good for me.
Hiroshima mon amour (Alain Resnais, 1959)
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«Agora basta que oiça relinchar os cavalos e zunir os chicotes e logo me assalta uma trepidação amorosa: em Hipácia tive de entrar nas cavalariças e nas oficinas dos ferradores para ver as belíssimas mulheres que montam nas selas de coxas nuas e polainas nas pernas, e que mal se aproxima um jovem estrangeiro o deitam sobre montes de feno ou de serradura e o apertam com os rijos mamilos.
E quando a minha alma não pede outro alimento e estímulo que não seja a música, sei que de procurá-la nos cemitérios: os tocadores escondem-se nos túmulos; de uma cova para outra correspondem-se trinados de flautas e acordes de harpas.»
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 50
Reconhecei a minha lentidão e o animal que sangra docemente
dentro da minha alma.
(...)
Faríeis melhor residindo em pântanos. Eu já não sou o vosso mestre
mas sim a vossa profundidade a que talvez não chegareis.
(...)
a minha mãe é fértil na cobardia;
o meu coração, temível na doçura.
Antonio Gamoneda. Descrição da Mentira. Tradução de Vasco Gato. Edições Quasi, 2003., p. 14/15
''Estou velho de mim mesmo, (...)''
Antonio Gamoneda. Descrição da Mentira. Tradução de Vasco Gato. Edições Quasi, 2003., p.
AMOR À PORTUGUESA
(...)
«Dá-me os teus lábios. Aperta-me e não penses.
Eu e tu, minha querida, somos fracos
debaixo desta ponte, como de um cenho duro
duas lágrimas que o mundo não vê...»
Yevgeny Yevtushenko. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 165
Lágrimas
(Sliózy)
Lama no bairro dos subúrbios,
Atrás da mata o bater das rodas...
Há muito que esqueci o que é chorar;
Quem me fala do sabor das lágrimas?
Só às vezes de noite,
Não por medo do silêncio,
Por qualquer coisa, correm
Fios de lágrimas doces.
Dantes sabiam emocionadamente
Chorar no ombro uns dos outros.
Mas cada época tem as suas leis,
E nós vivemos outros tempos.
A cada dia a sua tempestade!
As flores abrem em terrível fosso...
As lágrimas humanas,
Nós conhecemos o vosso preço.
Konstantin Vanshenkin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 151
''Queremos do homem não a centelha mas o fogo.''
Margarita Aliger. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 132
ZOYA
(Zoiá)
Nos princípios de Dezembro de 1941, na aldeia de
Petrishchev, perto de Verei, os alemães executaram uma
jovem do Komsomól, conhecida pelo nome de Tatiána.
Verificou-se mais tarde que se tratava de Zoyá
Kosmogemiánskaia, estudante de Moscovo.
(Dos Jornais)
Guarda para sempre o retrato de Zoyá.
Eu certamente nunca a poderei esquecer.
Este corpo de rapariga
não está morto
nem vivo.
É Zoyá em mármore
calada, deitada na neve.
Impiedoso laço apertou o teu pescoço fino.
Um poder desconhecido no teu rosto torcido.
Assim aguardas os namorados
de belos encantos ocultos,
por dentro iluminada com o secreto fogo feminino.
Só tu não recebeste uma carta dele, noiva da neve.
Ele - num capote de soldado,
para ocidente caminha.
Talvez não longe desse lugar terrível,
Onde caíam flocos de neve no teu peito duro de rapariga.
A força e a fraqueza unem-se em ti eternamente.
Tu estás fria, e a mim a tristeza queima-me.
Não rebentes em ti, não se enraiveça em ti a maternidade,
O terno companheiro de infância não tocou no teu ventre
frio de criança.
Tu jazes na neve.
Oh, como agora voltaste para nós,
Para orgulhosamente inclinarmos os nossos belos rostos puros
Ante a armadura do herói,
ante a dura, ferrugenta couraça,
Ante a sagrada beatitude da campa do guerreiro.
A figura da nossa amada, símbolo da verdade e da força.
Para que a nossa felicidade seja alta como a tua morte.
Pela tua campa gravada na neve,
Para Ocidente, para Ocidente! -
marcham,
resolutas,
as tropas.
Margarita Aliger. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 130/1
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
domingo, 9 de dezembro de 2012
«Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Viajas para reviver o teu passado? - era agora a pergunta do Kan, que também podia ser formulada assim: - Viajas para achar o teu futuro?
E a resposta de Marco: - O algures é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá.»
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 31
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(...)
«Nesta altura Kublai Kan interrompia-o ou imaginava interrompê-lo, ou Marco Polo imaginava que era interrompido, com uma pergunta como: - Caminhas sempre de cabeça virada para trás? - ou: - O que vês está sempre nas tuas costas? ou melhor: - A tua viagem só se faz no passado?»
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 30
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«A memória é redundante: repete os sinais para que a cidade continue a existir.»
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 23
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990., p. 23
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As cidades e a memória. 2.
O homem que cavalga longamente por terrenos bravios sente o desejo de uma cidade. Finalmente chega a Isidora, cidade onde os prédios têm escadas de caracol incrustadas de búzios marinhos, onde se fabricam astísticos óculos e violinos, onde quando o forasteiro está indeciso entre duas mulheres encontra sempre uma terceira, onde as lutas de galos degeneram em brigas sangrentas entre os apostantes. Era em todas estas coisas que ele pensava quando desejava uma cidade. Assim Isidora é a cidade dos seus sonhos: com uma diferença. A vida sonhada continha-o jovem; a Isidora chega em idade tardia. Na praça há o paredão dos velhos que vêem passar a juventude; ele está sentado em fila com eles.
Os desejos são já recordações.
Italo Calvino. As Cidades Invisíveis.Tradução de José Colaço Barreiros.Editorial Teorema, Lisboa, 1990
Dor estival
A morte no verão caminha a meu lado:
nunca a minha dor é tão grande
como quando o verão floresce pleno
nem tão seca a minha melancolia
como quando a beleza do verão se oferece:
orgia mortal
A ausência de Deus não a sinto tão dolorosa
como quando contemplo as borboletas
condenadas a morrer
buscando em ziguezague um sítio onde pousas
a sua morte
nem sinto a presença de Deus tão ameaçadora
como quando retumba o trovão
e relâmpagos iluminam o céu
com seus sinais de fogo
Nunca me sinto tão só
como quando no verão as pessoas
aumentam o júbilo da sua companhia
nem tão supérflua
como quando contemplo a exuberância
do verão
Parecem-me tão distantes
as coisas que amo
Nunca o meu desejo de viver é tão frágil!
como no verão:
preciso de lutar
para não conceder a minha mão à morte
Não sei
quantos verões me faltam:
a todos temo
esperando que me salve
o outono.
Maria Wine. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 159
nunca a minha dor é tão grande
como quando o verão floresce pleno
nem tão seca a minha melancolia
como quando a beleza do verão se oferece:
orgia mortal
A ausência de Deus não a sinto tão dolorosa
como quando contemplo as borboletas
condenadas a morrer
buscando em ziguezague um sítio onde pousas
a sua morte
nem sinto a presença de Deus tão ameaçadora
como quando retumba o trovão
e relâmpagos iluminam o céu
com seus sinais de fogo
Nunca me sinto tão só
como quando no verão as pessoas
aumentam o júbilo da sua companhia
nem tão supérflua
como quando contemplo a exuberância
do verão
Parecem-me tão distantes
as coisas que amo
Nunca o meu desejo de viver é tão frágil!
como no verão:
preciso de lutar
para não conceder a minha mão à morte
Não sei
quantos verões me faltam:
a todos temo
esperando que me salve
o outono.
Maria Wine. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 159
As pedras
As pedras que lançámos, ouço-as
cair claras como o vidro pelos anos fora. No vale
voam agitados os gestos do momento
gritando de copa para copa, calando-se
ao fino ar desse momento, deslizando
como andorinhas de cume
para cume até alcançarem
os planaltos extremos
ao longo da fronteira da existência. Aí caem,
claros como o vidro
os nossos actos
ao encontro apenas do chão
que nós próprios somos.
Tomas Tranströmer. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 137
cair claras como o vidro pelos anos fora. No vale
voam agitados os gestos do momento
gritando de copa para copa, calando-se
ao fino ar desse momento, deslizando
como andorinhas de cume
para cume até alcançarem
os planaltos extremos
ao longo da fronteira da existência. Aí caem,
claros como o vidro
os nossos actos
ao encontro apenas do chão
que nós próprios somos.
Tomas Tranströmer. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 137
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Prémio Nobel da Literatura em 2011,
TOMAS TRANSTRÖMER
114
Porque é que as noites não têm nome? Porque metade da vida, exactamente metade da vida, é-nos desconhecida. A qualquer um de nós.
(A.H.)
Göran Palm. 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 106
segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
domingo, 2 de dezembro de 2012
Tu e Eu
(Ty so mnói)
Tu e eu - e cada instante me é caro.
Talvez haja muitos anos à nossa frente,
Mas chega sempre a separação, da qual
Não é costume haver novos encontros.
Só as estrelas a qualquer hora se encontram
Correndo atrás das suas luzes pálidas.
Onde poderei, no universo frio,
Querida amiga, encontrar as tuas pegadas?
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 104
QUE EU MORRA E OS ANOS PASSEM
Que eu morra e os anos passem,
Que eu em cinza seja para sempre.
Que venha pelos campos uma rapariga descalça:
Eu erguer-me-ei, vencendo a mortalidade,
Como poeira quente tocando as suas pernas
Que cheiram a margaridas até aos joelhos.
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 104
SABER APRECIAR O AMOR
Saber apreciar o amor,
Especialmente apreciá-lo com os anos.
O amor não são suspiros num banco
Nem passeios ao luar.
Será tudo: lama e as primeiras neves.
E uma vida que é preciso viver juntos.
O amor é parecido com um bom poema:
Um bom poema não se faz sem sofrimento.
Stepan Shchipachyov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 103
A orelha de Van Gogh
Van Gogh corta a orelha
embrulha-a numa toalha
que devagar se tinge de vermelho
e envia-
-ta
(...)
Lars Forssell . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 52
embrulha-a numa toalha
que devagar se tinge de vermelho
e envia-
-ta
(...)
Lars Forssell . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 52
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Sozinho, sozinho, dizes que estás sozinho -
mas o príncipe de Emghion diz:
Primeiro eu amava Sherazade
e os seus contos
depois Dinarsad, a sua irmã mais nova,
depois a criada dela,
depois o amante da criada, um núbio
e então o seu engraxador
E quando me pus de joelhos
e lambi a graxa dos seus dedos
amei a poeira
e bebi uma golfada de ar tão funda
que tudo para mim enegreceu.
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 37
«(...)
Na minha mão a pedra tornou-se um pássaro vivo e
(levantou voo.
Eu fiquei só. Meu pássaro, ido embora
volta por vezes, por dever, por hábito.
Infeliz, canta. E deixa-me de novo.
Canta da sua vida, quer voar e voou!
(Uma luta diplomática pela liberdade)
E eu ficava ligado à pedra, tornava-me uma pedra.
Tudo em mim se revolvia, tudo se transformava.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 30
Na minha mão a pedra tornou-se um pássaro vivo e
(levantou voo.
Eu fiquei só. Meu pássaro, ido embora
volta por vezes, por dever, por hábito.
Infeliz, canta. E deixa-me de novo.
Canta da sua vida, quer voar e voou!
(Uma luta diplomática pela liberdade)
E eu ficava ligado à pedra, tornava-me uma pedra.
Tudo em mim se revolvia, tudo se transformava.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 30
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(...)
«Compram areia como farinha.
Vendem pedras como pão.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 29
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quarta-feira, 28 de novembro de 2012
NÓS DESAPRENDEMOS DE DAR AOS MENDIGOS
Nós desaprendemos de dar aos mendigos,
De inspirar sobre o mar o ar salgado.
De saudar o dia e de comprar na loja
Por tuta e meia o ouro dos limões.
É por acaso que até nós vêm os barcos
E os railes levam a sua carga habitual,
Vá, conta aos homens na minha terra -
E verás quantos mortos se erguerão ao apelo!
Mas tudo solenemente desprezamos.
Faca partida não é boa para o trabalho,
Mas esta faca negra e partida
Terá cortado páginas imortais.
Nikolai Tikhonov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 87
OUVI UMA VOZ
Ouvi uma voz. Falava confiante,
Murmurando: 'Vem,
Deixa a Rússia para sempre.
Eu limpo o sangue das tuas mãos,
Do coração te arranco o negro pejo,
Com outro nome cubro
A injúria e a dor da derrota.'
Tapai os ouvidos com as mãos,
Para que essas palavras indignas
Não profanassem o meu espírito aflito.
Anna Akhmatova. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 77
ADEUS, MEU AMIGO, ADEUS
Adeus, meu amigo, adeus,
Querido amigo, que trago no coração.
A separação predestinada
Para mais tarde promete novo encontro.
Adeus, meu amigo, sem aperto de mão nem palavras.
Não lamentes e não haja dor nem pena, -
Nesta vida morrer não é nada de novo,
Mas também nada de novo é viver.
*Este poema foi encontrado junto do cadáver do poeta. Foi, sem dúvida, o seu último poema.
Sergei Yesenin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 69
«Considerava inevitável que uma pessoa com vida interior movimentada e rica tivesse segredos e lembranças ocultas nas suas gavetas íntimas. Apenas exigia dessa pessoa que mais tarde soubesse usar isso com elevação.
Certa ocasião, quando alguém a quem contara esse episódio da sua adolescência perguntou se essa lembrança não o envergonhava, respondeu sorrindo:
-Não nego que era uma degradação. Porque não? Ela passou. Mas algo dela permaneceu para sempre: aquela mínima porção de veneno necessária para que a alma não fique excessivamente confiante e tranquila, conferindo-lhe qualidades mais refinadas, aguçadas e sábias.
«De qualquer modo, contaríamos as horas de degradação que todas as grandes paixões gravam com fogo a nossa alma?»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 195
"Quando eu morrer, morre a guitarra também. O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele. Eu desejaria fazer o mesmo. Se eu tiver de morrer.” Carlos Paredes |
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compositor e guitarrista português
domingo, 25 de novembro de 2012
«Era um pensamento....
«Era um pensamento rodeado de emoções como se o cercassem mulheres lascivas em longos vestidos de golas altas, usando máscaras. Törless não conhecia nenhum nome para essas emoções; não sabia o que ocultavam; nisso residia toda a fascinação.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 193
« A experiência que Törless tivera constituíra essa ocasião. Por uma surpresa, um mal-entendido, a interpretação errada de uma sensação, aqueles esconderijos secretos em que se reunira tudo o que a alma de Törless tinha de oculto, proibido, sufocante, inseguro e solitário - rebentou tudo e ele derramou sobre Basini os seus mais obscuros impulsos. Pois aí, estes depararam-se de súbito, com algo quente, que respirava, algo perfumado, algo que era carne, na qual os sonhos indecisos de Törless assumiam forma e tornavam-se parte da beleza, em lugar da ácida fealdade com que Bozena os maculava na solidão. Isso abrira-lhes repentinamente uma porta para a vida, e na penumbra tudo se misturava, desejo e realidade, loucas fantasias e impressões que traziam ainda os rastos ardentes da vida, sensações exteriores que as recebiam no seu interior, envolvendo-as e tornando-as irreconhecíveis.
Em Törless tudo isso era indistinto, formava uma só emoção, imprecisa e compacta, que, no choque inicial, se podia tomar por amor.
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 190
«Sussurrava: na solidão tudo é permitido.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 187
domingo, 11 de novembro de 2012
ESTOU CANSADO DE VIVER NA MINHA TERRA NATAL
Estou cansado de viver na minha terra natal,
Pensativo nas vastidões do trigo negro,
A minha cabana vou abandonar
E partirei como vagabundo e ladrão.
Seguirei o dia de caracóis brancos
A procurar miserável abrigo.
E o meu melhor amigo afiará
Em mim a navalha tirada da bota.
A estrada atravessa o prado
Amarela de sol e Primavera,
E aquela de quem guardo o nome
Em mim, correr-me-á da sua porta.
E voltarei então à casa paterna,
Com a alegria de outro me consolarei,
E com a manga, uma noite verde,
Da janela me enforcarei.
Os salgueiros cinzentos na cerca
Inclinarão mais ternamente a cabeça.
E enterrar-me-ão sem me lavarem
Ao som dos cães a ladrar.
E a lua há-de vaguear e vaguear,
Deixando cair ramos nos lagos,
E a Rússia como dantes viverá
A dançar e a chorar na cerca.
Sergei Yesenin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 63/4
«A liberdade vem nua»
Alexei Kruchonykh. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 56
numismata
1. | pessoa versada em numismática |
2. | colecionador de moedas ou medalhas antigas; numismatista |
(Do francês numismate, «idem»)
« deitado
cobriu
os olhos cansados
como se
o seu coração
sob as palavras estivesse exausto,
como se
a sua alma
se arrastasse sob as frases.
Mas eu sabia
que aqueles olhos
captavam
verdadeiramente
tudo
o que se dizia -»
Vladimir Mayakovsky. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p.
sábado, 10 de novembro de 2012
«Sinto», anotou, «algo em mim, e não sei ao certo o que é».
Depois riscou depressa a frase e em seu lugar escreveu:
«Devo estar doente...insano!»
Sentiu um calafrio, pois essa palavra era agradavelmente patética. «Insano - o que me faz estranhar mais as coisas que são normais para os outros? E porque é que esta estranheza me atormenta? E porque é que esta estranheza provoca em mim uma sensualidade carnal?»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 153
domingo, 4 de novembro de 2012
Gazela da morte sombria
Quero dormir como dormem as maçãs,
fugir do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme aquele moço
que queria cortar o coração no alto mar.
Não quero que me repitam que os mortos não per-
dem o sangue,
que a boca apodrecida continua a pedir água.
Não quero conhecer os suplícios que nos vêm da
erva
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.
Quero dormir um pouco,
um pouco, um minuto, um século;
mas que todos saibam que não estou morto;
que há um estábulo de oiro nos meus lábios;
que sou o pequeno amigo do vento oeste;
que sou a imensa sombra das minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela manhã,
porque me atirará punhados de formigas,
e molha com água dura os meus sapatos
para que neles resvale a pinça do lacrau.
Porque quero dormir como dormem as maçãs
para aprender um pranto que me limpe da terra;
porque quero viver como aquele moço sombrio
que queria cortar o coração no alto mar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., pp.139-141
''pai da tua agonia, camélia da tua morte,''
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.107
«Nem um só momento, velho e formoso Walt
Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
nem os teus ombros de pano gastos pelo luar,
nem as tuas pernas de Apolo virginal,
nem a tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a neve
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos pelo pano grosseiro.
Nem um só momento, formusura viril
que entre montes de carvão, anúncios e caminhos
de ferro
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de inconsciente leopardo.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.103
Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
nem os teus ombros de pano gastos pelo luar,
nem as tuas pernas de Apolo virginal,
nem a tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a neve
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos pelo pano grosseiro.
Nem um só momento, formusura viril
que entre montes de carvão, anúncios e caminhos
de ferro
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de inconsciente leopardo.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.103
Encontro
Nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Tu...pelo que já sabes.
E eu desejei-a tanto!
Segue essa vereda.
Nas mãos
tenho as feridas
dos cravos.
Não vês como estou
sangrando?
Não olhes nunca para trás,
vai devagar
e reza como eu
a São Caetano,
que nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 87
na disposição
de nos encontrar.
Tu...pelo que já sabes.
E eu desejei-a tanto!
Segue essa vereda.
Nas mãos
tenho as feridas
dos cravos.
Não vês como estou
sangrando?
Não olhes nunca para trás,
vai devagar
e reza como eu
a São Caetano,
que nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 87
«Aquela tarde foi maravilhosa.»
«Törless tirou da gaveta todas as suas tentativas poéticas. Sentou-se com elas junto do fogão e permaneceu sozinho e despercebido atrás da chaminé. Folheou um caderno após outro, depois rasgou-os bem devagar, em mil pedacinhos, jogando-os no fogo, saboreando de cada vez a doce emoção da despedida.
Com isso queria lançar fora de si toda a bagagem antiga, como se agora - sem nenhum impedimento - devesse dar toda a atenção ao futuro.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 135
Törless sonhava mais que pensava.
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 103
Vira imagens que não eram imagens
«Sempre existira alguma coisa de que os seus pensamentos não conseguiam dar conta. Algo simples e estranho. Vira imagens que não eram imagens.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 102
«As coisas cruéis que acontecem servem unicamente para matar os desejos miseráveis que se dirigem para fora, e que, seja vaidade, fome, alegria ou piedade, apenas nos afastam do fogo que cada pessoa é capaz de acender dentro de si.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 99/100
«Num ser humano, ela coloca essa dureza na personalidade, na consciência, na responsabilidade que ele sente por ser parte da alma universal. Se uma pessoa perde essa noção, perde-se a si mesma. E quando um ser humano se perdeu a si mesmo, renunciou a si, perdeu também aquela coisa especial, singular, para qual a Natureza o criou como ser humano. E em nenhum outro caso como neste poderíamos estar tão seguros de que estamos a lidar com algo inútil, com uma forma vazia, algo há muito abandonado pela alma universal.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 93
contumaz
contumaz
adjetivo de 2 géneros
1. | que revela contumácia; teimoso; obstinado; pertinaz |
2. | DIREITO diz-se da pessoa que, intencionalmente, se recusa a comparecer perante o juiz que a citou; revel |
(Do latim contumāce-, «idem»)
sábado, 3 de novembro de 2012
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
«Chora por coisas
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
(...)
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
Prelúdio
Partem as alamedas
mas deixam o reflexo.
Partem as alamedas
mas deixam-nos o vento.
Porém, deixam ecos
flutuando à flor dos rios.
Um mundo de pirilampos
invadiu minha lembrança.
E um coração pequeno
vai-me nascendo nos dedos.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 37
domingo, 21 de outubro de 2012
Separando os poetas «em pessoas que fazem a sua poesia andando pelos caminhos» e «pessoas que fazem a sua poesia sentados à sua mesa»
Andrée Crabbé Rocha
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 19
«De resto o que é a loucura e o que é o juízo? Simples pontos de vista e mais nada. O doido pode seguir à vontade o seu sonho, sem que ninguém se meta com ele. Tem quem lhe dê de comer, de vestir e calçar nos manicómios.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 153
«O doido diz tudo quanto lhe passa pela cabeça. (E continuando a falar impertubável faz-lhe sinal que volte para trás e aproxima o dedo da campainha.) Ninguém estranha.
O doido pode andar de chinelos de ourelo pelo Chiado. Quem tem juízo vive constrangido e está sujeito a mil complicações.»
«Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 152/3
«Saiba morrer quem viver não soube.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 147
terça-feira, 16 de outubro de 2012
«É estranho o que se passa na alma em certos momentos. Estranho e horrível. Uma coisa imunda começa a falar, a pregar, a obrigar-nos a fazer aquilo a que não nos supúnhamos destinados...Julgar? mas julgar o quê?...O homem que tu és? ou o homem que está por detrás de ti? Julgar-te! julgar uma alma! Uma alma!...Foi talvez por isso que Aquele que sabemos disse um dia: - Não julgarás! (...)»
Raúl Brandão. O Rei Imaginário. Monólogo..Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 124/5
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
«Cada noite significava-lhe um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não tinha aprendido a morrer ao fim de cada dia sem se preocupar.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
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