«(...)
Por isso digo:
Isto será preciso para mim?
Não se poderá buscar outra grandeza?
Ser homem terá de ser isso somente,
alguém que vai deixando no seu banho
a pele antiga?
Que deixou de ter cheiro de pessoa,
de ter o cheiro da humanidade?
Porque se confundiu com a higiene
tal desamor? Não quero confundir-me.
Não quero nada, nada, dessas gentes
que me rodeiam. Quero um fogo santo.
Quero crer, crer, em quanto quero
crer, na amizade, nesse privilégio
desta ambição humana de ser homem.
Crer nesta luz da minha consciência
que nunca deixa, nunca, de alumiar-me,
como uma tocha viva, como um dardo
que acabam de lançar cada manhã
de sobre uma açoteia silenciosa.
Quero crer que está repleto o homem
de um projecto divino e misterioso,
de um projecto que não estará jamais escrito
em nenhuma parede, crer que existe
a razão de viver humanamente
sem que nos mande ninguém, sem que ninguém
levante mais a voz, crer que é verdade
que cada homem é dono de si mesmo
qual de uma parte umbrosa e pensativa:
crer em mim.»
Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 303