Ah, compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e
necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a
banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é tudo
para mim por fora. E, se o escritório da Rua dos Douradores representa para
mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma Rua dos
Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte, que mora na mesma
rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem
aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar
diferente. Sim, esta Rua dos Douradores compreende para mim todo o
sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem
enigmas, que é o que não pode ter solução .»
(PESSOA, F., Livro do Desassossego p. 350)
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