quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Nada.
«Eram tantas as mentiras trocadas entre nós, tantas as palavras por dizer, que lhe respondi ainda desta vez: - Nada.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 121
«O tempo era de mármore e fechei os olhos.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 117
« - Só os apaixonados são capazes de matar - acrescentou Linda.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 109
«(...) Aquilo que disse, aquilo em que acreditei já não existe. Lembro-me duma manhã em que havia um nevoeiro de cortar à faca, autêntico algodão em rama, em que o mundo parecia ter parado. Nem sequer se ouviam os passos...Lembro-me disso.
- Mas com quem saías nessas noites?
-Não chateies - disse Lubrani. - Todos temos as nossas histórias.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 100
terça-feira, 4 de novembro de 2014
BOM CONSELHO
"não procures um pretexto para os olhos:
é assim que se constrói a cegueira. Alguns
perdem-se na doença da luz, nos caminhos
desorientados onde só encontram o desvio.
Não vás pelo território maldoso da vereda,
talvez encontres ameixoeiras, mas a sombra
apodreceu-as, e dão ameixas como pedras
rugosas. Não vás rente às silvas que escondem
os encontros: visita a fronteira: esse lugar
que não repartiu a luz"
-"Ofício de Vésperas"
- Rui Nunes
A FLUTUAR
"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão"
-"O Medo"
- Al Berto
"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão"
-"O Medo"
- Al Berto
UM OLHAR PARA TRÁS
"Somos sobreviventes. A vida que quisemos, não a tivemos. Aquela que temos, não a escolhemos. Veio-se-nos. Faltou-nos só uma vocação, essa para vivermos a única vida que realmente nos importava. Todas as outras permanecem para sempre marcadas por um selo de morte e insuficiência. O tempo que resta, passamo-lo a tentar digerir esse monstruoso fracasso, a evitar transformarmo-nos a nós próprios em monstros de ressentimento. Não, nos não queríamos ser humanos. E agora, não queremos outra coisa, à falta daquilo em que não fomos capazes de nos tornar"
Bénédicte Houart. Há Dias.
"Somos sobreviventes. A vida que quisemos, não a tivemos. Aquela que temos, não a escolhemos. Veio-se-nos. Faltou-nos só uma vocação, essa para vivermos a única vida que realmente nos importava. Todas as outras permanecem para sempre marcadas por um selo de morte e insuficiência. O tempo que resta, passamo-lo a tentar digerir esse monstruoso fracasso, a evitar transformarmo-nos a nós próprios em monstros de ressentimento. Não, nos não queríamos ser humanos. E agora, não queremos outra coisa, à falta daquilo em que não fomos capazes de nos tornar"
Bénédicte Houart. Há Dias.
"Silêncio,e depois
Não disse o principal sobre a sua pessoa, a sua alma, os seus
pés, as suas mãos, o seu riso.
O principal para mim é deixar o seu olhar quando ele está só.
Quando está na desordem do pensamento.
É muito belo. É difícil saber.
Se começo a falar dele, nunca mais paro.
O principal para mim é deixar o seu olhar quando ele está só.
Quando está na desordem do pensamento.
É muito belo. É difícil saber.
Se começo a falar dele, nunca mais paro.
A minha vida é como incerta, mais
incerta, sim, do que a dele diante de mim.
Silêncio, e depois"
Marguerite Duras. É Tudo.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
«Fiz todos os erros que um homem pode fazer e paguei por eles. Sou, por isso, muito mais rico, muito mais aberto, muito mais feliz, se quiseres, do que se tivesse descoberto, através de uma pesquisa ou de uma disciplina, como evitar as ratoeiras e as armadilhas do meu caminho...»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 79
«O que eu não daria para ter sido camarada ou amigo íntimo de figuras como Apollinaire, Douanier, Rousseau, George Moore, Max Jacob, Vlaminck, Utrillo, Derain, Cendrars, Gauguin, Modigliani, Cingria, Picabia, Maurice, Magre, Léon Daudet e outros.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 74
codeína
nome feminino
FARMÁCIA, QUÍMICA alcaloide existente no ópio, do qual se pode extrair, mas que se obtém principalmente a partir da morfina
FARMÁCIA, QUÍMICA alcaloide existente no ópio, do qual se pode extrair, mas que se obtém principalmente a partir da morfina
''longos monólogos cheios de floreados''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 57
O Capricórnio
«O Capricórnio é um animal solitário. Lento, estável, perseverante. Vive em diversos níveis ao mesmo tempo. Pensa em círculos. Sente o fascínio da morte. E prossegue numa escalada constante. Provavelmente à procura do edelweiss. Ou será da immortelle? Não reconhece a sua origem; apenas as suas ascendências. Ri pouco e quase sempre inoportunamente. Colecciona amigos com a mesma facilidade com que os outros juntam selos, mas é um ser insociável. Em vez de ser delicado, fala com toda a franqueza. Metafísica, abstracções, manifestações, electromagnéticas. Perde-se nos abismos. Vê estrelas, cometas e asteroides, onde os outros apenas enxergam manchas, rugas e erupções. Quando se cansa de fingir que é o homem que come tubarões, alimenta-se de si próprio. Um paranóico. Um paranóico ambulatório. Mas de afeições e ódios constantes. Ouai!»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 40
Etiquetas:
astrologia,
Henry Miller,
imagens,
saúde mental,
um diabo no paraíso
«O chovisco transformou-se numa chuva ligeira, numa chuva cinzenta e docemente melancólica.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 39
as pedras são difícies de digerir
«Não digo nada seja contra o que for. Observo. Analiso. Calculo. Destilo. A sabedoria é útil, mas o conhecimento é a certeza das certezas. O escalpelo, para o cirurgião, a picareta e a pá para o coveiro, o livro dos sonhos para o psicanalista, o barrete com guizos para o louco. E, para mim, uma cólica intestinal. A atmosfera demasiado rarefeita e as pedras são difíceis de digerir. »
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 38
Etiquetas:
Henry Miller,
imagens,
saúde mental,
um diabo no paraíso
''a Lua em pânico total''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 37
salsaparrilha brava
«(..); esse frasco contém mirra, incenso e uma pitada de salsaparrilha brava. O cheiro da santidade!»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 37
''acelerados em direcção à morte.''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,
sábado, 18 de outubro de 2014
terça-feira, 14 de outubro de 2014
«Recebi o insulto e dei-me conta de que, provocadas pelo violento golpe, as lágrimas tinham inundado os meus olhos. E assim ficámos, durante algum tempo, sentados e olhando-nos mutuamente. Em seguida levantei-me lentamente. Na minha imaginação perguntava-me se ela alguma vez chegaria a aceitar-me; mas não foi a isto que me referi quando, finalmente falei. Disse-lhe, enquanto alisava o feltro do meu chapéu: «Agora já sei o que pensar. Nada!»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 57
«Ferida e solitária, altamente talentosa e, agora, no seu luto pesado, com a maturidade do seu encanto, com o seu desgosto sem queixas, e incontestavelmente bela - apresentava-se como uma pessoa vivendo uma vida de singular dignidade e beleza.»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 55
«Ouviu, nos vossos poucos dias de felicidade cedo interrompida», escrevi, «alguma coisa do que nós desejávamos ouvir?» Escrevi «nós» para que ela subentendesse a minha insinuação; e ela demonstrou-me que entendera a minha pequena «insinuação» «Ouvi tudo», respondeu-me ela, «e decidi guardar comigo o segredo do mistério!»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 53
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 53
''(...) a escola do diabo, o abismo.»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 50
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
«(...) a cara escondida pela ponta em brasa do cigarro.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 105
SE
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling
terça-feira, 30 de setembro de 2014
«Do ponto de vista psiquiátrico, todos os extremismos políticos derivam de uma única categoria definida por um sistema banal: o desejo de violência e de poder. E também desejo de submissão» (Le fou, p. 93). «O gosto pelo vermelho, cor de sangue, comum ao nazismo e ao bolchevismo, remete sempre, inconscientemente, para a pulsão de morte da máquina. A própria palavra comunismo contém excepcional carga afectiva» (Le fou. p. 244)
Le fou et le prolétaire, Robert Laffont, 1979. L'invention de la France, em colaboração com Hervé Le Bras, Le Livre de Poche, 1981.
«Tentem suicidar-se e tenham o azar de falhar, logo essas bestas dos vivos hão-de desunhar-se para vos forçar a viver, obrigando-vos a partilhar a merda deles.
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
«paranóia deambulatória »
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,11/12
«Interiormente, era um ser perturbado, um homem nervoso, caprichoso e obstinado. Habituado a uma determinada rotina, levava a vida disciplinada de um eremita ou de um asceta. Era difícil dizer-se se tinha adoptado livremente este modo de vida ou o tinha aceite pela força das circunstâncias. Nunca se referiu à vida que gostava de ter. Comportava-se como uma pessoa que, escorraçada e humilhada, se conforma com a sua sorte. Como uma pessoa que assimila melhor o castigo que a felicidade. Havia nele qualquer coisa de feminino, que não deixava de ter os seus encantos, mas que explorava contra si mesmo. Era um dandy incurável, que vivia como um mendigo. E vivia completamente no passado.
Talvez que a mais precisa definição que eu possa dar da sua pessoa no começo das nossas relações, seja a de um estóico que arrasta atrás de si o seu caixão.
Contudo, era um homem com múltiplas feições, conforme vim a descobrir gradualmente. Era muito permeável, extremamente susceptível, em particular às emanações perniciosas, e podia mostrar-se tão volúvel e emotivo como uma rapariguinha de dezasseis anos. Embora não fosse um espírito estruturalmente bem formado, fazia o possível por ser correcto, imparcial e justo. E tentava ser leal, embora sentisse que, por natureza, era essencialmente falso. Aliás, foi essa indefinível perfídia a primeira coisa que percebi a seu respeito, embora não tivesse qualquer motivo para justificar este juízo. Lembro-me de ter deliberadamente afastado este pensamento, substituindo-o pela vaga noção que estava em presença de uma inteligência suspeita.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,11/12
Etiquetas:
Henry Miller,
saúde mental,
um diabo no paraíso
domingo, 28 de setembro de 2014
«(...), atentos a um prato de fotografias.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 76
VISIONS & OMENS
"Comecemos então pelos habitantes humanos, ou talvez melhor, sobre-humanos, dessas regiões distantes. Blake chamava-lhes querubins. E, de facto, não há dúvida de que é isso mesmo que eles são: a matriz psicológica daqueles seres que nas teologias das mais variadas religiões servem de intermediários entre o homem e a Luz Clara. As personagens sobrehumanas da experiência visionária nunca estão a fazer isto ou aquilo (do mesmo modo que os bem aventurados, no Céu, também não estão em actividade). Contentam-se com o facto de existir. Estas figuras heróicas da experiência visionária dos homens,sob vários nomes e com uma infinidade de diferentes roupagens, surgiram na arte religiosa de todas as culturas. Por vezes são apresentados em repouso, outras vezes em cenas de acção mitológica. Mas a acção, como já dissemos, não é um atributo natural dos habitantes dos antípodas da mente. Estar ocupado é a lei da nossa existência. A lei da existência deles é não fazer nada."
Aldous Huxley. "O Céu e o Inferno"
Aldous Huxley. "O Céu e o Inferno"
sábado, 27 de setembro de 2014
«(...) gritei para dentro de mim como se falasse.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 53
Fazia frio no meio das árvores.
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 34
E fui-me embora.
«-Não queres que eu fique aqui mais tempo? - perguntou-me Linda, de cenho carregado.
- Não quero coisa nenhuma - disse eu, brusco. - Tenho que me ir embora.
-Isso é comigo? - perguntou Linda.
Encolhi os ombros e pus a guitarra no saco. Tê-la-ia partido em dois pedaços.
-Dá-me ao menos um cigarro - disse Linda.
-Estão em cima da cama. - E fui-me embora.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 30/1
« Quando falava assim é que eu compreendia quem ela era. Contávamos um ror de coisas um ao outro nessa noite, gracejando volta e meia, mas bastava um momento para me encher de medo.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 25
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 25
LUTA PELO FULGOR QUOTIDIANO
"Sem observar, possuí o plano do teu corpo...
e assim se extinguiu uma cidade
se estrangularam as pombas a distância.
Nunca mais direi a cor das veias
como era tecida a teia de membros que propus
- apenas esta rota sem final mas certa,
casualmente um ramo de flores sem sorriso
um fluir de cravos na penumbra
através da tua face triste, sortílega e cigana
a isto se chama saudade
a isto está morto o tacto
sem que a órbita da terra se transtorne
antes que seja tarde muito tarde
Ocorrem-me palavras: lua flutuar sereno.
Deixaram porém a sua direcção exacta
nas folhas que o Outono carboniza
como estar só é a força flexível
de tudo que se toque, e abandone.
As torres destinaram-se ruínas
-tudo se consumou sem assistência.
Onde a vida me vá eu a prossiga
com um indício irracional perfeito,
pois com o tempo os remos submergem
sempre ao mesmo nível fatigado
transeunte e rítmico
musical, nem triste, e concludente."
Manuel de Castro. Bonsoir, Madame
e assim se extinguiu uma cidade
se estrangularam as pombas a distância.
Nunca mais direi a cor das veias
como era tecida a teia de membros que propus
- apenas esta rota sem final mas certa,
casualmente um ramo de flores sem sorriso
um fluir de cravos na penumbra
através da tua face triste, sortílega e cigana
a isto se chama saudade
a isto está morto o tacto
sem que a órbita da terra se transtorne
antes que seja tarde muito tarde
Ocorrem-me palavras: lua flutuar sereno.
Deixaram porém a sua direcção exacta
nas folhas que o Outono carboniza
como estar só é a força flexível
de tudo que se toque, e abandone.
As torres destinaram-se ruínas
-tudo se consumou sem assistência.
Onde a vida me vá eu a prossiga
com um indício irracional perfeito,
pois com o tempo os remos submergem
sempre ao mesmo nível fatigado
transeunte e rítmico
musical, nem triste, e concludente."
Manuel de Castro. Bonsoir, Madame
domingo, 21 de setembro de 2014
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
«Em dias de alma como hoje, eu sinto bem, em toda a consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe valer isto.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América p. 20
Etiquetas:
Bernardo Soares,
Fernando Pessoa / heterónimos
«Deixo ao cego e ao surdo
A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.»
...
«E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.»
....
«Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América P. 17
A alma com fronteiras,
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras.»
...
«E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.»
....
«Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América P. 17
Etiquetas:
Fernando Pessoa / heterónimos,
Livro do desassossego
«A despersonalização imaginativa, onírica e intelectual, é nele permanente: Depois, ao passar diante de casa, chalés, vou vivendo em mim todas as vidas ao mesmo tempo. Sou o pai, a mãe, as filhas, as primas, a criada e o primo da criada...»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América., p. 17
« Uma tal proliferação de máscaras, de disfarces, de duplos, de outros eus, que são simultaneamente o mesmo e o outro, numa prodigiosa demiurgia, não pode deixar de sugerir que estamos muito para lá de uma simples mistificação literária, que todo este mundo fictício de pseudónimos, sub-heterónimos, semiheterónimos não releva de uma contingência, mas de uma necessidade.»
Obra em prosa de Fernando Pessoa. Livro do Desassossego por Bernardo Soares 1ª parte. Introdução e nova organização de textos de António Quadros. Publicações Europa-América
Etiquetas:
Fernando Pessoa,
Fernando Pessoa / heterónimos
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
AQUILO
"Aquilo de que gosto no teu corpo é o sexo.
Aquilo de que eu gosto no teu sexo é a boca.
Aquilo de que eu gosto na tua boca é a língua.
Aquilo de que eu gosto na tua língua é a palavra."...
Julio Cortázar. "Papéis Inesperados"
sábado, 6 de setembro de 2014
«(...) com a tristeza mais estudada que eu já vira em rosto humano.»
Diderot. A religiosa. Tradução de João Gaspar Simões. Círculo de Leitores, p. 8
sexta-feira, 5 de setembro de 2014
«Que poderia colher de tais excessos o homem que perseguia o prazer com tamanha violência? O desgosto pela vida, o profundo desprezo por si próprio. Arquejante, esgotado, nada tendo diante de si, Nero evocou as recordações e voltou-se para o alvo das suas primeiras afeições: Acteia voltou-lhe, sem dúvida, à memória, assim como o entusiasmo ingénuo e o enlevo sincero desse primeiro amor.»
«Depois de ter experimentado tudo e de tudo abusado, sentia a sede dos prazeres aumentar com a importância dos sentidos e do coração. Assim, fatigado pelos excessos de toda a espécie, que embotam as faculdades sem acalmar os apetites, Nero agitava-se numa saciedade voraz, que só podia alimentar-se de sombras e arrastava-se da falta de apetite incurável à insaciável avidez. Até mesmo onde a tudo podia atrever-se como um deus, tinha tudo a temer como um homem.»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 230
«(...) despojada dos floreados da eloquência, e dos artifícios da linguagem»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 221
domingo, 31 de agosto de 2014
Não ser amado é não ser!
''Existir é ter um relevo no espaço e uma sombra caída aos pés, quando o sol nasce. Mas viver é ser uma alma em outras almas. Sem comunhão não há vida; há só existência. Nós amamos para ser amados, para ser... A indiferença da pessoa querida congela-nos o coração, como se a Morte o apertasse entre os dedos descarnados. Não ser amado é não ser!”
Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, 1919
Teixeira de Pascoaes, Os Poetas Lusíadas, 1919
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Tu disseste
Tu disseste "quero saborear o infinito"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos
segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os
dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo.
recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da
porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que
nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro
por descobrir"
Eu disse "..."
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às
vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num
murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon.
escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.
depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para
uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as
suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu
continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma
conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Eu disse "a frescura das maçãs matinais revela-nos
segredos insondáveis"
Tu disseste "sentir a aragem que balança os
dependurados"
Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"
Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo.
recusava-me a abrir a janela, a transpôr o limiar da
porta"
Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que
nos suspende a fala"
Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro
por descobrir"
Eu disse "..."
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida. às
vezes penso encontrá-lo num bater de asas, num
murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon.
escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.
depois queimo tudo e prossigo a minha busca"
Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para
uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as
suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu
continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma
conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"
Penso que penso
Caminho em silêncio
Distraído por um pensar
Que me turba o andar
Penso que penso
E fico a ouvir-me a pensar
Que penso que penso
Este pensamento
Torna-se um tormento
Penso que penso
Que penso que penso
Sempre o mesmo a dobrar
Como vozes a segredar
Penso que penso
Que penso que penso
Que ainda vou flipar
Flipar
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
Já não posso mais andar
Com tanta voz a murmurar
Levado pelo vento
Penso que penso
Que penso que penso
Que penso que penso
E se penso em parar
É mais um pensamento
Que me fica a ecoar
Outra voz a segredar
Outra voz a murmurar
Murmurar...
Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar
Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
Distraído por um pensar
Que me turba o andar
Penso que penso
E fico a ouvir-me a pensar
Que penso que penso
Este pensamento
Torna-se um tormento
Penso que penso
Que penso que penso
Sempre o mesmo a dobrar
Como vozes a segredar
Penso que penso
Que penso que penso
Que ainda vou flipar
Flipar
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
Já não posso mais andar
Com tanta voz a murmurar
Levado pelo vento
Penso que penso
Que penso que penso
Que penso que penso
E se penso em parar
É mais um pensamento
Que me fica a ecoar
Outra voz a segredar
Outra voz a murmurar
Murmurar...
Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar
Murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar murmurar
murmurar
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
ESTOU FARTO DE MIM ESTOU FARTO DE MIM
«Nero pode fazer-me morrer, mas não saberia fazer-me mal.»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 162
«Nero deu a imortalidade à frágil criatura, à qual não tinha podido sequer assegurar a vida. Estes arrebatamentos, os únicos que se podem desculpar e compreender, servem pelo menos para fazer-vos ver Nero em toda a extensão do seu carácter, excessivo de desordenado em todas as suas paixões.»
Latour Saint-Ybars. Nero. Edição Amigos do Livro, Lisboa., p. 160
segunda-feira, 21 de julho de 2014
domingo, 20 de julho de 2014
MANUEL DA SILVA
Tinha-se-te metido na cabeça que, se fechasses os olhos, nunca mais os poderia abrir e, durante dezassete dias e dezassete noites, ninguém teve um momento de sossego nesta casa.
LEONOR
E afinal, graças a Deus, tens adormecido e acordado centenas de vezes desde então ... (Um pequeno silêncio.)
Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 39
MANUEL SILVA
A tua mãe adorava-te, estava sempre a temer que um sopro te levasse...Quando eras pequeno, tinhas um feitio infeliz... Não sabias brincar como as outras crianças e choravas em silêncio, como um homem. Foi tudo isto, com certeza, que a inquietou e lhe deu ideias absurdas...No fundo, creio que tinha pena de ti por ver que sofrias, como ela, dum excesso de sensibilidade. Como vês, nada disto tem a mínima importância.
Fernanda de Castro. Obras Completas. Teatro. A Pedra no Lago. Peça em Quatro Actos, 1943. Círculo de Leitores, Lisboa, 2006., p. 38/9
Subscrever:
Mensagens (Atom)