sábado, 14 de novembro de 2015

"Por entre os fios unidos dos cabos, o caminho turvo
Que sobe, que muda com a luz e o voo das cordas, -
Milhas e milhas de luar que vai e vem, tornando sincopada
A agitação murmurada, telepatia de fios.
Lá, no índex da noite, granito e aço -
Malhas tranparentes - imaculados degraus que cintilam -
Vozes sibilinas vacilam, fluxo hesitante
como se das cordas um deus emanasse...
E pelo meio deste cordame, tecendo com o seu apelo
Um arco sinóptico de todas as águas lá em baixo -
As suas gargantas labirínticas da história
Lançam uma resposta como se todosos barcos do mar
Se empenhassem num múrmurio vibrante tornado grito -
«Tem a certeza do teu amor - para lhe teceres a canção que oferecemos!"
- Das represas negras, sons imóveis chamaram,
E do seu sonho responderam sete oceanos."

-"A Ponte"
- Hart Crane

“Não creio que haja maior respeito que chorar por alguém que não se conheceu.” - José Saramago


C’est dans la rosée des petites choses que le cœur trouve son matin et se rafraîchit.
Khalil Gibran

9

não pude amar mais nada
não pude mais ninguém
e mesmo que te minta
é o contrário disso

e mesmo que te minta
é a verdade seca
posta ali às avessas;
não pude amar mais claro


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 110

Praia das Maçãs


Barnett’s debut album, Sometimes I Sit and Think, and Sometimes I Just Sit,





Dead Fox




Jen insists that we buy organic vegetables

And I must admit that I was a little sceptical

At first a little pesticide can't hurt

Never having too much money I get the cheap stuff

At the supermarket but they're all pumped up with shit

A friend told me that they stick nicotine in the apples




If you can't see me I can't see you




Heading down the highway hume

Somewhere at the end of june

Taxidermied kangaroos are littered on the shoulders

A possum jackson pollock is painted on the tar

Sometimes I think a single sneeze could be the end of us

My hay-fever is turning up

Just swerved into a passing truck

Big business over-taking, without indicating

He passes on the right, been driving through the night

To bring us the best price




If you can't see me I can't see you




More people die on the road than they do in the ocean

Maybe we should mull over culling cars

Instead of sharks or just lock them up in parks

Where we can go and view them

There's a bypass over holbrook now

Paid for with burgers no doubt

I've lost count of all the cows

There'll be no salad sandwiches

The law of averages says that we'll stop in the next town

Where the petrol price is down



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

“O máximo, isso é o que sempre me interessou" Josef Koudelka

''dores de Ausência''


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 94

Milan, Italy



«e vejo vê-se
o indicador direito
manchado de nicotina»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 84

beiçola

ISSO, A WALTER


E vivo que me queres - matarás-me
se vivo te disser que me vi morto?
O cano da pistola tenta um vivo.
Assim eu só voltei para contar-te

que entre o vivo e o morto arrefeceu
aquilo que tu chamas céu da boca,
chão da morte no vivo, terrapleno
disposto para a casa duma bala.

Tu vivo me querias? Porém morto
venho de merda, sangue, frio, pó,
que é a vida que fica dessa morte
na pistola arrependida, na pistola.

Cala já. Não perguntes. Tenho medo
que ao som da tua voz acabe a minha.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 69

''breves lágrimas inúteis na almofada''


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 69

'da-se!


quinta-feira, 12 de novembro de 2015

''campo de concentração democrático''


"O anjo não se preocupava muito com a minha revolta.
Eu só era o seu veículo, e ele tratava-me como veículo.
Preparava a sua saída. As minhas crises aceleraram-lhe a cadência, e todas se fizeram uma só crise comparável à aproximação do parto. Mas parto monstruoso, que não beneficiava do instinto maternal e da confiança que daí resulta. Imagine-se uma partogénese, um casal formado por um só corpo e que dá à luz. Depois de uma noite em que pensei no suicídio, a expulsão teve enfim lugar na rua d'Anjoou. Durou sete dias em que o vale-tudo da personagem ultrapassava todos os limites por me forçar a escrever contra vontade."

-"O Livro Branco"/ "O Fantasma de Marselha"
- Jean Cocteau

segunda-feira, 9 de novembro de 2015


"Imagem de juventude e aparente felicidade
ou, pelo menos, de irresponsável alegria,
que regressa tenaz à memória,
mesmo ao recordar que quase tudo foi mentira.
Nem velhos, nem jovens, mas sabíamos
que enganar-nos, que repetir a farsa, era o único,
o mais digno que restava de nós mesmos.
Vodka transparente, os teus olhos escuros,
entreabertos, enquanto te despia,
o ranger da cama e o corpo a quebrar-se.
Depois, meio adormecido, recordo-te a sair
nua, debaixo da trémula lâmpada,
luz verde, escassa, sobre as árvores e a piscina,
sombra na sombra e um baque na água.
Estrondo de palmeiras e pássaros estridentes
enquanto beijo nos teus lábios gotas cálidas,
o teu cabelo húmido, a carícia dos teus dedos.
Os nossos dois corpos juntos, os que chegam agora,
actores sem trabalho, estandartes inúteis,
derrotada ficção na guerra do tempo."


-"Poemas"
- Juan Luis Panero

domingo, 8 de novembro de 2015


"Antes que chegue a noite sobre o mar
e atire o vemto da nortada
as minhas húmidas cinzas para o nada.
Antes que os gastos gestos se dissolvam,
tal como um sorriso que se transforma em esgar
ou os cansados espasmos de um amor extinto.
Antes, ainda, como este sol sobre as ilhas,
tenaz ponto de luz, cor intensa,
que minhas palavras desenhem meu fantasma,
salvo e perdido, na pura intensidade da vida."

-"Poemas"
- Juan Luis Panero

«A minha pele, a minha pele oiço-a a estalar,
Quando de deito...»

António Patrício. Teatro Completo. Assírio & Alvim. Lisboa, 1982., p.

sofrear


«Sei fazer versos mas doem.
Ninguém me conhecia dentro do arame.»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 51

«O único sítio de paz foi cavado anteontem. Entra-se por um lado, caga-se e sai-se pelo outro.»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 50

«Eu sou uma brevíssima pátria de pés esfolados.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 50

6


As bombas - e tu se calhar crês que não - explodiam na mesa de cabeceira. Literalmente. Explodiam às três e às quatro. Morri numa sexta-feira, uma quinta, no dia seguinte davam-se massas ao faxina para recolher tudo para o balde - ossos, tripas, tudo.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 49
«Dei-vos então o poder
de pisardes serpentes,»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 44/5

«Morremos dez vezes
para nascer dez vezes,»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 39

«Sim: tentarei o canto mesmo de gatas.»

José Bação Leal
Todo pasa y todo queda,
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminhos,
caminos sobre la mar

Antonio Machado

«Eras tu, amor? - Era eu, era eu!»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 30

«Não sei
se o que chamam amor é este apaziguamento.
Não sei se comias fogo. (...)»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 29

«A tua nudez inquieta-me.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 28

«Duros seios que esmago contra o peito»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 27

«Loucas mãos: para o amor violento.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 23

''deslumbramento aceso''


eclusa

''sistema de comportas que permite aos navios vencer a diferença de nível existente num troço de rio, canal ou entre dois lagos ou oceanos''
a toda a brida a toda a pressa, à desfilada
(...)

«Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
- (vão dizer-vos que não  -
para os gestos diários).

ACONSELHO-VOS A LUTA.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 23

«Beberá na boca da amada.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 21

Pessoas bonitas não acontecem por acaso...

“As pessoas mais bonitas que conhecemos são aquelas que conheceram o sofrimento, conheceram a derrota, conheceram o esforço, conheceram a perda e encontraram seu caminho para fora das profundezas. Essas pessoas têm uma apreciação, uma sensibilidade e uma compreensão da vida que as enche de compaixão, gentileza e uma profunda preocupação amorosa. Pessoas bonitas não acontecem por acaso…”

Elisabeth Kübler-Ross

«Sei que vais já morta, ferida no coração
por pedras e nevoeiros, por tarântulas.»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 16
"Não é fácil resistir a tudo
o que nos roubam.
Tempo, memória, mundo.
Toleramos o intolerável
com insuportáveis venenos.
Até melhor ordem, se houver.


Noutras casas (lembro-me)
éramos mais, bebíamos
apressadamente a juventude.
Mas a vida - chamemos-lhe
assim - separa os que se juntam,
gosta de abismos fáceis.

Ao quinto ou sexto gin
(lembras-te?) deitávamo-nos
a sorrir para as estrelas,
sobre o pano gasto do bilhar.

A música era esta.
Perdemos quase tudo."

-"A Última Porta" (Antologia)
- Manuel de Freitas

«o cigarro entre os lábios, meio ardido.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 15
“I have Graham Greene’s telephone number,
 but I wouldn’t dream of using it. 
I don’t seek out writers 
because we all want to be alone.”

 Patricia Highsmith

sábado, 7 de novembro de 2015

"À meia-noite, pelo telefone,
conta-me que é fulva a mata do seu púbis.
Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
Se você não vem depressa até aqui,
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até ao amanhecer?"

Concordo, calo-me."

-"O Amor Natural"
- Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

«Nada é igual ao que foi antes»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 15

UM VENTO LEVE, UMA ESPUMA


Do beijo fica um sabor,
do sabor uma lembrança,
um vento leve, uma espuma.

Do beijo fica um sereno
olhar, o amor de coisas
minúsculas e humildes,
um pássaro que vai e vem
da nossa boca às palavras.
Do beijo fica, suprema,
a descoberta da morte.
Um vento leve, uma espuma
salgada, à flor dos lábios.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 14

«Feriste, feriste-me sem remédio.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

«Deste um nome de incêndio a certas palavras.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

«Tentas, de longe, dizer que estás aqui.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12
(...)

« a tua ternura quer matar-me.
Quem sabe, amor, onde o amor se fere?»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

SENTO-ME NA TUA TERNURA A CHUVA CAI


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 11
«Os gritos a meio da noite
das amantes a meio da loucura voavam
como facas para o meu peito.»



Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 11

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

"Estamos enterrados debaixo do peso da informação,
que está a ser confundida com conhecimento;
a quantidade está a ser confundida com abundância
e a riqueza com felicidade.
Somos macacos com dinheiro e armas"


Tom Waits

"Deus, o único ateu perfeito"


 Teixeira de Pascoaes

outoniço

"A história acabou ali. O resto é só um caminho para o princípio: a tua morte. Ou mais longe ainda: uma cidade que irias percorrer, que o teu olhar esvaziava de outro olhar.E por outro lado quem sempre te vira, via-te. Atrás das janelas, por entre as cortinas, ou sentados na tabernas ou; não o conheço, ou: boa noite Tonito, ou mudavam de passeio, ou o riso dos pescadores que consertavam as redes: olha o gajo à procura de homem, aquela vergonha, antes ladrão que paneleiro. Há tantos anos. Ou desde sempre.
Um lugar cercado: seria o teu. Um lugar aguarda o homem que lhe dará o cerco. A mágoa. A mácula. A mancha. Não a mancha: o borrão."

-"(ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?
- Rui Nunes

domingo, 1 de novembro de 2015

"Em nenhuma
parte
da terra
me posso
fixar
A cada
novo
clima
que encontro
descubro
indolente
que
já de uma vez
a ele me tinha
habituado
E assim me afasto sempre
estrangeiro"

-"Sentimento do Tempo"
- Giuseppe Ungaretti

ANONIMATO Diogo Vaz Pinto &etc (2015)


sábado, 31 de outubro de 2015

«O pudor é a última coisa que se perde, dizem.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 94
«O teu coração conservou a inquietude da procura, ou deixou-se sufocar pelas coisas que acabam por o atrofiar.»

Papa Francisco
«De vez em quando surgiam gritos do nada. Eram sons-navalha espetados nos nossos cérebros. Poderiam ser gritos de pureza. Talvez desespero. Talvez nada.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 69



«É preciso perceber, de uma vez por todas, que não há doenças, mas sim doentes, e que cada um de nós tem uma vida vegetativa, uma vida animal e uma vida humana, como humanos que somos. E essas são vidas que merecem e justificam respeito. Não são dissociáveis, mas sim complementares.»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 55
«Vivemos sós, na solidão que nós próprios criamos. A vida é assim.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53


«Havia sol no Inverno das almas e escuridão no inferno da minha existência. Mas de que tamanho era esse inferno quando comparado com as agruras de tanta gente que nem tempo tem para ter inferno?...»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53

«Gritos de desespero e adeus.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 25

fogo-fátuo


« São, também, edifícios sem expressão, construídos pelo homem-adivinho que traça em papel o rumo do que não compreende, nem sabe, mas julga que sabe.
   À direita fica o rio das mágoas gradeadas, onde se inventam diariamente novos seres e que, actualmente, é pouco mais do que o ninho morto e vazio dos pensamentos idos.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

« O primeiro adeus»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

«Suprema felicidade, ainda que breve.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 21

«Sentado a meu lado está um corpo de mulher, esquálido, ossudo, praticamente inerte, dir-se-ia que traduzindo a morte aparente de quem está, na verdade, morto para a vida.»

Fernando Correia. Piso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 19
'«Quem for homem de carne
tenha um sonho
da brancura do leite que bebeu
(...)»


Miguel Torga
«Em sentido amplo, a palavra ''cultura'' designa tudo aquilo por meio do qual o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar o universo pelo conhecimento e pelo trabalho; humaniza a vida social, tanto a vida familiar, como o conjunto da sociedade civil, graças ao progresso dos costumes e das instituições; e finalmente, com o decorrer dos tempos, traduz, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes experiências espirituais e as aspirações fundamentais do ser humano, para que sirvam ao proveito de muitos e da sociedade inteira.»

in Concílio Vaticano II

terça-feira, 27 de outubro de 2015

«O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa deus.»

Sylvia Plath

segunda-feira, 26 de outubro de 2015


O cínico não tem grandes teorias,
o cínico é a antítese da teoria.
Não acredita em nada, não se compromete com nada,
a não ser, com ele próprio.
O cinismo tem a sua razão, a sua lógica.
Os humanos poderosos pensam cinicamente, são insolentes,
pois dizer a verdade, depende de factores como a coragem e o risco,
e o cínico como não sofre da tensão moral da verdade,
é desinibido, livre e por isso vive uma sexualidade violenta,
típica da aristocracia, e nunca é pornográfico,
não passa de um grande pândego.

in Cassandra Bitter Tongue, breve videoconferência acerca do cinismo, Edições Húmus, 2014.

sábado, 24 de outubro de 2015

"há frutos profundos à superfície
já despidos na base de uma árvore
prontos a ser amados trago a trago
lapidam à nossa fonte amor em bruto
devolvem o diamante à pedra dentro
sabem que vão podando à nossa frente
a amizade como uma arte por instinto
e há ainda uma terra por enquanto"


-"Há"
- Joaquim Castro Caldas
"A imagem surge no fim do jardim.
É quase só negro, no início da perca de simetria.
Dickinson pede-lhe que não se mostre mais, e coloca um travessão na frase. Teme que esplenda demasiado na sua gravidade de imagem. E ela avança pudica, demasiado pudica para a vibração que os homens pedem. Apenas Aossê desperta. O espartilho da imagem quase negra confere-lhe uma configuração de bilha ou vaso. Volteia sobre si e, no contorno que desenha, Aossê vê ancas rodopiando lentamente. Com esse vocábulo, introduz um princípio de atracção.
Desata a cintura, pede Musil."
-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol

"haverá um objecto de beleza que corresponda a um objecto de amor? E não se pense que estou a referir alguém.
Não. Estou a interrogar-me sobre o sexo da paisagem, tão vivo, complexo e livre como os sexos humanos."
-"Onde Vais, Drama Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
"Falo de fulgor porque a falta de claridade é essencial. a escuridão é propícia ao medo, ao pensamento e ao projectar. O descoberto e o escondido confundem-se, trocam de rosto. Entram em simetria. Quando o meu há é todo o que há que existe."

Viver com as imagens é a nossa arte de viver. Reparem, sem o fulgor não saímos da simetria. E nesta nada vemos. Vamos presumir uma saída. Veremos o que o nosso sexo sonha. E este sonha apenas a parte da simetria que lhe cabe. A outra parte pertence à imagem que vai tomando vida. Avançamos para ela e ela avança sobre nós. Esse movimento torna-nos obsessivos e inconstantes. Não podemos viver sem ele, mas a imagem não se mantém fixa. O fulgor desloca-se. Não podemos desejar o novo e querê-lo sem surpresa. Começa a irradiar do sexo e alteia-se. Do aqui evolui, difunde-se por todo o há que possamos admitir.

O desejo é escuro, diz Rimbaud.
Sujo, queres tu dizer, replica Aossê.
O desejo é divino, diz convictamente Hölderlin."

-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela LLansol
"os dentes na boca ordem a língua: o grito de dor explode,
e onde o prazer acolhia surge o dado amargo
move-se a dúvida que sobre o movimento
lança a interrogação insidiosa: entre suster o oxigénio impulsivo e
quebrar a vida ou queimá-la numa coluna escarpada e
apelas a morte em eco fulminante."


-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
«JEAN (a falar com Jane como se estivessem sós, plano de meio-conjunto) - Para mim, a felicidade é um estado emocional entre outros estados emocionais.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 87


«O PREDICADOR DA FELICIDADE - Pensa no instante e na coisa próxima. (Pega numa rosa branca.) Porque o segredo da felicidade está em olhar todas as maravilhas do Cosmos e não deixar, ao mesmo tempo, de pensar em regar a flor que murcha ao teu lado.
O HOMEM MASCARADO - Por que não?
IGOR (olha para ele) - Cuidado, com boas palavras se apanha os tolos...»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81
«Quando amas, acaso precisas raciocinar, entender por que amas ou o que aconteceu? Não precisas, porque o que acontece acontece dentro de ti, no teu coração. Porque tudo é uma coisa só.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81

«IGOR - A palavra êxtase é de origem grega. Significa deixarmo-nos sair de nós mesmos.
O HOMEM MASCARADO - A tua erudição enfastia-me.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

O mistério da tua boca.


«A INTERLOCUTORA (grande plano, a câmara filma-a por detrás, virada para o rosto do Narrador) - O mistério da tua boca. Deixa de a utilizar para contar histórias e dá-me um beijo.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

«Conheço a tua elocução e conheço-te a ti.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 64

a altura tonal da tua voz

« - A tua pulsação e a tua pressão sanguínea inquietavam-me. Pensei que poderias precisar de mim.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 63

«Os cotovelos colados ao corpo, (...)»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 60
"Domingo pardo e sem gente
a não ser uns vultos rápidos
lisos sobre a rua
Cortinas agressivas, campainhas,
trote de cavalo, buzina,
«Vais lá hoje?», saltos a correr, jornais...
Além uma janela com as portas de vidro e as de pau cruzadas.

É cedo...
Por isso agora lentamente,
absortamente,
os primeiros anjos aparecem
e simples, nem mais sujos nem mais limpos,
vão a percorrer um campo de visão e vidro...
De quando em quando param...
as mãos espalmam-se-lhes baixas,
brancas oscilando
com um dedo a menos...
outros passos... costas... asas... e uma esquina.

Só os primeiros anjos
são anjos verdadeiros, totais...
Os outros que passarem
já encontram lembranças de hoje nos meus olhos...
E não poderão ter asas."

-"Post- Scriptum II"
- Jorge de Sena

Eduardo Lourenço fala sobre Jorge de Sena


O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português, 1978 Lisboa, Publicações D. Quixote

“É essa reconciliação com a imagem de nós próprios que Eduardo Lourenço nos vem propor em Labirinto da Saudade. Imagem que temos de redescobrir primeiro, sem a distorcer, hiperbolizar ou diminuir, para nos reencontrarmos como povo numa hora em que a perplexidade e a confusão podem tornar Portugal “impensável e invisível”. Bem alto e obsessivamente proclama-se ali em vários tons: “Chegou o tempo de nos vermos tais quais somos, o tempo de uma nacional redescoberta das nossas verdadeiras riquezas, potencialidades, carências, condição indispensável para que algum dia possamos conviver connosco mesmos com um mínimo de naturalidade. (p.80). O livro apresenta um discurso crítico sobre as imagens que forjámos de nós mesmos. Essa imagiologia engloba tanto a imagem condicionante do agir colectivo – o nosso “esquema corporal” – como os inúmeros retratos delineados e impostos na consciência comum por aqueles que mais determinam as perspectivas da autognose colectiva. Artistas, poetas, romancistas e historiadores. A imagiologia portuguesa que o autor nos oferece, centra-se quase exclusivamente sobre imagens de origem literária e, em particular, sobre aquelas que, na época moderna, “alcançaram uma espécie de estatuto mítico, pela voga, autoridade e irradiação que tiveram ou continuam a ter” (p.14) […] Eduardo Lourenço elabora com mestria o “discurso crítico” das sucessivas imagens literárias, até aqui apresentadas, da maneira de ser português. Através dessa análise crítica não assistimos apenas a uma pura dissecação da imagologia portuguesa nas suas diferentes inflexões; somos iniciados também a uma espécie de enteroscopia delicada das qualidades imponderáveis deste Portugal perdido no labirinto de si mesmo. […] Pensados e escritos fora de Portugal, os textos deste livro beneficiaram, sem dúvida, do distanciamento do seu autor, para lá do aparente excesso de fixação na temática agitada. Essa circunstância ajudou Eduardo Lourenço a ajuizar, com mais sangue-frio intelectual, o reverso dos fenómenos e das situações vividos no Portugal distante. […] Por todo o mundo de questões que levanta, o livro de Eduardo Lourenço tem sido qualificado como um dos mais importantes publicados sobre Portugal, de 1974 para cá. Não hesitamos em reconhecer-lhe idêntica importância, e em salientar, além disso, a sua flagrante actualidade num momento em que o ser e o destino de Portugal a todos nos preocupam e constituem objecto de reflexão de alguma “intelligentzia” que escapa à abulia e ao demissionismo suicidário”.
 
In Ribeiro da Silva “À procura da nossa imagem no Labirinto da Saudade”, Brotéria – Agosto-Setembro 1979.
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