domingo, 4 de novembro de 2012

Gazela da morte sombria


Quero dormir como dormem as maçãs,
fugir do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme aquele moço
que queria cortar o coração no alto mar.

Não quero que me repitam que os mortos não per-
        dem o sangue,
que a boca apodrecida continua a pedir água.
Não quero conhecer os suplícios que nos vêm da
         erva
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.

Quero dormir um pouco,
um pouco, um minuto, um século;
mas que todos saibam que não estou morto;
que há um estábulo de oiro nos meus lábios;
que sou o pequeno amigo do vento oeste;
que sou a imensa sombra das minhas lágrimas.

Cobre-me com um véu pela manhã,
porque me atirará punhados de formigas,
e molha com água dura os meus sapatos
para que neles resvale a pinça do lacrau.

Porque quero dormir como dormem as maçãs
para aprender um pranto que me limpe da terra;
porque quero viver como aquele moço sombrio
que queria cortar o coração no alto mar.



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., pp.139-141

bandarilhas

''pai da tua agonia, camélia da tua morte,''

Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.107

«Nem um só momento, velho e formoso Walt
          Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
nem os teus ombros de pano gastos pelo luar,
nem as tuas pernas de Apolo virginal,
nem a tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a neve
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos pelo pano grosseiro.
Nem um só momento, formusura viril
que entre montes de carvão, anúncios e caminhos
        de ferro
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de inconsciente leopardo.»




Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.103
«(...)

um limite de agulhas cercará a memória
e levar-se-ão ataúdes aos que não trabalham.»


Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.101

Encontro

Nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Tu...pelo que já sabes.
E eu desejei-a tanto!
Segue essa vereda.
Nas mãos
tenho as feridas
dos cravos.
Não vês como estou
sangrando?
Não olhes nunca para trás,
vai devagar
e reza como eu
a São Caetano,
que nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 87

«Aquela tarde foi maravilhosa.»

     «Törless tirou da gaveta todas as suas tentativas poéticas. Sentou-se com elas junto do fogão e permaneceu sozinho e despercebido atrás da chaminé. Folheou um caderno após outro, depois rasgou-os bem devagar, em mil pedacinhos, jogando-os no fogo, saboreando de cada vez a doce emoção da despedida.
      Com isso queria lançar fora de si toda a bagagem antiga, como se agora - sem nenhum impedimento - devesse dar toda a atenção ao futuro.»
   
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 135
«(...), sentiu uma alegria maligna. Sentiu que assimilava os factos mais completamente do que os companheiros, com um significado que eles não alcançavam.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 121

''aborreceu-se com a sua própria timidez''

«Era a falha das palavras que o torturava, a vaga consciência de que as palavras eram apenas subterfúgios transitórios para as coisas realmente experimentadas.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 110

''lagartos lustrosos''

Törless sonhava mais que pensava.

Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 103

Vira imagens que não eram imagens

«Sempre existira alguma coisa de que os seus pensamentos não conseguiam dar conta. Algo simples e estranho. Vira imagens que não eram imagens.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 102
«As coisas cruéis que acontecem servem unicamente  para matar os desejos miseráveis que se dirigem para fora, e que, seja vaidade, fome, alegria ou piedade, apenas nos afastam do fogo que cada pessoa é capaz de acender dentro de si.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 99/100

 
«Num ser humano, ela coloca essa dureza na personalidade, na consciência, na responsabilidade que ele sente por ser parte da alma universal. Se uma pessoa perde essa noção, perde-se a si mesma. E quando um ser humano se perdeu a si mesmo, renunciou a si, perdeu também aquela coisa especial, singular, para qual a Natureza o criou como ser humano. E em nenhum outro caso como neste poderíamos estar tão seguros de que estamos a lidar com algo inútil, com uma forma vazia, algo há muito abandonado pela alma universal.»
 
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 93


(...)

«Para que são essas lágrimas? Porque cobres o rosto com as mãos! Fiz-te sofrer, minha idolatrada? Pois esquece o que te disse que conformar-me-ei com o presente.»


Tagore. CHITRA. Poema Lyrico. Editorial Paulista S. Paulo., p. 81

contumaz

contumaz
 
adjetivo de 2 géneros
1. que revela contumácia; teimoso; obstinado; pertinaz
2. DIREITO diz-se da pessoa que, intencionalmente, se recusa a comparecer perante o juiz que a citou; revel
 
(Do latim contumāce-, «idem»)

sábado, 3 de novembro de 2012


«Todo o meu ser será teu, se me disseres, o que e a quem buscas.»


Tagore. CHITRA. Poema Lyrico. Editorial Paulista S. Paulo., p. 31

paulatinamente

 
pouco a pouco; lentamente

MADANA

«Não necessitas instrução, formosa beldade! Os olhos cumprem seu dever sem serem amestrados (...)»



Tagore. CHITRA. Poema Lyrico. Editorial Paulista S. Paulo., p. 17


CHITRA

«(...) Nada sei dos artifícios femininos que conquistam corações. Meus braços têm forças para curvar o arco, porém ignoro a artimanha de Cupido e a arte dos olhos.»



Tagore. CHITRA. Poema Lyrico. Editorial Paulista S. Paulo., p. 17

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

domingo, 28 de outubro de 2012


(...)

«Já vos disse que me deixeis,
neste campo,
chorando.»



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 73
(...)

«eu
vejo o punhal
no coração.»



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 71
«Chora por coisas
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»




Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67

(...)

«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61

''colares de amêndoas''

«Porém eu já não sou eu,
nem minha é já minha casa.»



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 43
(...)

«Ela fica na varanda,
a carne e o cabelo verdes,
sonhando com o mar salgado.»


Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 43

Prelúdio


Partem as alamedas
mas deixam o reflexo.

Partem as alamedas
mas deixam-nos o vento.

Porém, deixam ecos
flutuando à flor dos rios.

Um mundo de pirilampos
invadiu minha lembrança.

E um coração pequeno
vai-me nascendo nos dedos.



Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 37

domingo, 21 de outubro de 2012


Separando os poetas «em pessoas que fazem a sua poesia andando pelos caminhos» e «pessoas que fazem a sua poesia sentados à sua mesa»

Andrée Crabbé Rocha




Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 19

sortilégio


maquinismo

 
«Fui sempre ridículo, mas nem sempre me senti ridículo.»
 
 
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 157
«De resto o que é a loucura e o que é o juízo? Simples pontos de vista e mais nada. O doido pode seguir à vontade o seu sonho, sem que ninguém se meta com ele. Tem quem lhe dê de comer, de vestir e calçar nos manicómios.»
 
 
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 153
«O doido diz tudo quanto lhe passa pela cabeça. (E continuando a falar impertubável faz-lhe sinal que volte para trás e aproxima o dedo da campainha.) Ninguém estranha.
    O doido pode andar de chinelos de ourelo pelo Chiado. Quem tem juízo vive constrangido e está sujeito a mil complicações.»
 
 
 
 
«Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 152/3

pieguices

«Aqui jaz um homem de génio que não teve tempo de se revelar.»
 
 
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 149

«Saiba morrer quem viver não soube.»

Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 147

terça-feira, 16 de outubro de 2012


parvoiçadas


«...Que distância há entre o homem e o homem? entre o homem correcto, o homem de todos os dias e o homem capaz de cometer um crime?...»


Raúl Brandão. O Rei Imaginário. Monólogo..Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 125

«É estranho o que se passa na alma em certos momentos. Estranho e horrível. Uma coisa imunda começa a falar, a pregar, a obrigar-nos a fazer aquilo a que não nos supúnhamos destinados...Julgar? mas julgar o quê?...O homem que tu és? ou o homem que está por detrás de ti? Julgar-te! julgar uma alma! Uma alma!...Foi talvez por isso que Aquele que sabemos disse um dia: - Não julgarás! (...)»


Raúl Brandão. O Rei Imaginário. Monólogo..Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 124/5

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

«Cada noite significava-lhe um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não tinha aprendido a morrer ao fim de cada dia sem se preocupar.»
 
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
««(...), sem poder explicar a ninguém o que já sabia ser, e ansiar por alguém que o compreendesse...Isso é amor! Mas para senti-lo é preciso ser jovem e solitário.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55

sorriso pérfido

A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada

 
«Se Bozena fosse bela e pura, e se nessa época ele fosse capaz de amar, talvez a mordesse toda, exasperado até à dor o seu prazer sexual e o dela. Pois a primeira paixão adolescente não é de amor por uma pessoa, mas sim de ódio a todas as pessoas. Sentir-se incompreendido e não compreender o mundo não é o efeito de uma primeira paixão, mas a sua causa. A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada.»
 
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 48

domingo, 14 de outubro de 2012

fome interior

«À noite, sabemos que vivemos mais um dia, que aprendemos isto e aquilo, cumprimos o horário, mas permanecemos vazios, quero dizer, vazios por dentro, e continuamos com uma fome interior...»
 
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 35

alardear

 
«Há sempre um momento em que já não sabemos mais se estamos a mentir, ou se o que inventamos é mais verdadeiro do que nós próprios. Bom, não quero dizer, textualmente. Nós sempre sabemos que estamos a mentir; apesar disso, a coisa de repente parece tão plausível, que, de certa forma, nós parecemos enredados nos nossos próprios pensamentos.»
 
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 34

despudorado

«Os seus olhos não eram sonhadores, mas impassíveis e duros. O hábito de ler livros em que nenhuma palavra podia ser tirada do seu lugar sem alterar o significado oculto do texto, a avaliação prudente de cada frase em busca do seu sentido e até do seu duplo sentido, deram aos seus olhos essa expressão particular.
   Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.»
 
 
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 28/9

Nurses



Sofia
Para o que a gente nasce!...Só para sofrer.


Candidinha
Só! Quem é pobre é para o que nasce. Depois vem a velhice e ainda é pior. E se a gente pede pão dão-nos escárnio.

Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 106
«...Tenho o coração negro como a noite...É uma coisa tão funda que não sei donde vem.»

Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 100

«Neste mundo onde se grita, ninguém ouve os gritos dos que sofrem?»

Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 93
 
«Há duas noites que não durmo. Que reflicto e comparo...A nossa vida humilde, fazendo todos os dias as mesmas coisas talvez inúteis, é a vida? A resignação é a vida? É a pobreza e a desgraça - ou há outra vida?»






Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 91

Sofia, num grito abafado.
Nenhum de nós se conhece. Nenhum de nós se conhece! Temos aqui vivido há muitos anos dominados por uma sombra. Eu já não posso mais!...

Gebo
Filha!

Sofia
Tenho-lhe medo! Tenho-me medo! Antes o não tornasse a ver! O seu coração pôs-se pedra. De noite acorda aos gritos e o seu riso gela-me.

Gebo
Oh!

Sofia
Se o pai visse como eu o vejo!...Se o ouvisse!...



Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 90

João

«Que te posso eu dizer da minha vida e de mim mesmo que tu entendas?»



Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 73

espalhafato

 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Soldier embracing (tenderly kissing) his girlfriend while saying goodbye

 


O AMOR


O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..

Fernando Pessoa

''Amadureçam as ilusões da vida''

sábado, 6 de outubro de 2012

anuência

nome feminino
 
acto de anuir; consentimento; aquiescência
 
(Do latim annuentĭa, particípio presente neutro plural de annuĕre, «consentir»)

indemne

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

«(....) Gastou-se a sonhar, gastou-se a sofrer.»

Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 41

Gebo

Todas as vidas são assim.

Doroteia

Mas tão monótona, tão fria que me pesa! Às vezes não sei se estou viva se estou morta. Às vezes nem o sonho que sonho me é possível. Está no fio.



Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 38

segunda-feira, 1 de outubro de 2012


»(...) quantas vezes me tenho lembrado de morrer.»



Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 31

acinte

 
nome masculino
acção praticada com a intenção de contrariar, irritar ou provocar alguém; teima; pirraça
 
advérbio
intencionalmente;
 
por acinte de propósito, de caso pensado
 

ervaçal

desesperação

Tremia, mas não corava de pejo.


 
«Casimiro amava Cristina, Cristina ia chorar com ele, e sabia em que sombras de árvores, ou margens de ribeiras o moço ia chorar.
    E ela ia, tremendo de medo e paixão, e a pedir resguardo às asas dos anjos, buscá-lo onde ele estivesse. Tremia, mas não corava de pejo. As flores, que a viam, invejavam-lhe a pureza. Arquejava-lhe o seio cansado de retrair-se: cuidava a doce criatura que o espirar alto a denunciava. Era o ofegar daquele seio como o da avezinha ansiada, que bisca, de fronde em fronde, o ninho que lhe desfizeram. As lágrimas têm seu odor: só lho não pressentem os que as deixam gotejar sem misericórdia, sem dó.»



Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 41

domingo, 30 de setembro de 2012


«Não sei que mistério santo e dulcíssimo está no falarmos da nossa mãe falecida à mulher que bem nos quer. Pode ser que venha esta sensibilidade de recebermos de uma o coração, que damos a outra. Ou, talvez, seja de nos faltarem carinhos de mãe, e cuidar a gente que a esposa no-los há-de reviver.» 



Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 26

'' a saudade escura dos que ficaram''


«Costuma ser a desgraça quem antecipa, com a precoce experiência, a reflexão; porém, observa-se que o juízo - o que comummente se chama siso -, proveniente das lições do infortúnio, é um recolhimento melancólico, misantropo, desumano às vezes, e quase sempre intolerante.»




Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 22

''Mais tenho que aprender que ensinar.''

Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 21.

Que extensos poemas de lágrimas...


«Que extensos poemas de lágrimas costuma a saudade fazer depois com as reminiscências de uns momentos tão fugitivos!»


Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 20/1.

''moças aldeãs''

sábado, 29 de setembro de 2012

«ai! as barreiras entre um coração humano e outro, são impenetráveis. A nossa alma permanece eternamente solitária...»


Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 233

«(...) Tive sempre que guardar todos os meus pensamentos - não tinha a quem os confiar e isso torna-me difícil exprimi-los; muita gente toma a minha reserva por orgulho.»


Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 230
«Os obstáculos foram postos no nosso caminho para nos tornar fortes; não deve desesperar.»


Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 211

« - É estranho - disse Akshay com um suspiro de tristeza - que quanto mais virtuosa uma mulher é, tanto pior é tratada; parece que o céu reserva as suas mais duras provações àqueles que menos as merecem.»



Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 209

Ulyana Sergeenko


 
«Ah, quem me dera nunca ter conhecido o seu beijo traiçoeiro
E tivesse ficado na obscuridade para sempre, falhado e vencido.»
 
 
 
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.109
 
 
«Sê paciente pois o lobo é paciente.
Os gritos e as mágoas da noite têm todos o seu lugar.»
 
 
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.97

EM MEMÓRIA: INGVALD BJORNDAL E O SEU CAMARADA

 
para Nordahl Grieg
 
 
Enquanto navegamos e rimos, brincamos e lutamos, a morte vem
E é o fim. Um homem labuta a bordo;
A sua vida apaga-se como um sopro:
Quem saberá dos seus sonhos agora que o mar ruge:
Amei-te, meu amor, mas agora estou morto,
Por isso arranja outra pessoa e esquece-me.
Meus irmãos, eu era tolo, como disseram;
E tolos são quase todos os que põem o seu destino nas mãos do mar.
Muitas lágrimas derramaram por mim, em vão.
Tomem a minha paga. Mãe, Pai, percorri
Um longo caminho para morrer sangrando à chuva.
Comprem-me alguma terra no cemitério do meu país.
Adeus. Por favor lembrem-se como estas palavras
Para os verdes prados e os fiordes azuis.
 
 
 
 
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.87

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Brassaï, Matisse dessinant un nu couché dans l'atelier que lui avait prêté Mrs. Callery a la Villa d'Alesia, 1939


O RUGIDO DO MAR E A ESCURIDÃO

 
Ele pediu ao seu fantasma uma visão do mar,
Que pudesse ancorá-lo no meio do pensamento
Para sempre, para que ele pudesse resignar~se
E não fosse perseguido eternamente;
O fantasma inclinou a cabeça e disse gravemente:
Ó Desolado, ó Esquecido, devias abandonar a tua única dor, e saber
Que edificaste as tuas lágrimas, que fechaste em terra o teu coração;
Devias implorar o rugido do vento e do mar,
E a escuridão, e, tenhamos razão ou não,
Deves pedir sempre o seu desassossego e a sua monotonia;
A sua bruma sobre o teu peito - O seu barco no porto
Carregando as doces madeiras amontoadas no cais.
Ele olhou-a longamente, e depois, com uma gargalhada,
Saltou para o bordo e nunca mais ninguém o viu.
 
 
 
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.61

''Raparigas tristes com blusas azuis''

Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.51

domingo, 23 de setembro de 2012


«Ficaram assim até à hora do crepúsculo; o orvalho da noite caía sobre eles como lágrimas.»



Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 148

Que teria sucedido para sentir tanta a sua solidão?


«Donde vinham esses soluços que lhe subiam à garganta? Porque recordava ela as tristezas da sua jovem existência? Na véspera tinha-se esquecido que era órfã, de que não tinha mais ninguém no mundo senão o seu esposo. Que teria sucedido para sentir tanta a sua solidão?»



Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 99/100

sábado, 22 de setembro de 2012

A tableau of Tennyson's poem, The Passing of Arthur, photographed by Julia Margaret Cameron in 1875


''sem meios-termos''

UM RIO SECO É COMO A ALMA

Um rio seco é como a alma
De um poeta que não pode escrever, embora conheça
Quase perfeitamente o tema e as mágoas
Da morte ressequida como o estio. Mas o que queria,
E foi outrora um mar puro do mais puro cristal
Recua, torna-se sombrio como arbustos amoniacais, como
                         se as folhas antigas do amor,
E abandona o pensamento. Não imagina
Nada que o possa substituir: só no pólo
Da memória oscila uma absurda bússola.
Por isso o rio, entre as lamentáveis árvores sombrias,
É uma agonia de pedras, de horrores submersos
Agora revelados descoloridos. Por isso existem estas,
Estas pedras, estas ninharias
Quando o rio é uma estrada e a mente um vazio.
 
 
 
 
 
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.33

''horas mortas''

«E a música abriga o sonho do amante»

Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.17

oração


«A rapariga volta a enchê-lo, enche um copo de verdadeira morte.
E se há morte nela também há em mim.»



Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p. 11
«Mas por que tens de ouvir, ouvir e não reconhecer esta tempestade,»



Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.9

synekdokhé

«compreensão de várias coisas ao mesmo tempo»

tiquetaque

domingo, 9 de setembro de 2012

Um grande azul sem fim e sem distância.
Um doce vento simples sem motivo.
Uma terra fecunda de mistério.
O Universo flutuante, e sem limites.

Só há em mim perguntas sem resposta,
Instinto para amar, para durar.
A grande porta abrir-se-á um dia,
E tudo será noite, ou vida, ou luz.

Quero apenas durar e perguntar,
Nada mais tem resposta, nada mais.
Eis a curta canção da minha vida
Eis a curta canção de todos nós.


António Quadros. Além da Noite. Poemas. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1949., p. 31


Muda é a noite, cega a madrugada.
Meu silêncio, perdão! A minha voz
Violando a lei apenas pressentida,
É tímida a voz do viajante,
Suplicando guarida na jornada...




António Quadros. Além da Noite. Poemas. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1949., p. 23

NÃO ENTRES DOCILMENTE NESSA NOITE SERENA

Não entres docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia;
odeia, odeia a luz que começa a morrer.

No fim, ainda que os sábios aceitem as trevas,
porque se esgotou o raio nas suas palavras, eles
não entram docilmente nessa noite serena.

Homens bons que clamaram, ao passar a última onda, como podia
o brilho das suas frágeis acções ter dançado na baía verde,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E os loucos que colheram e cantaram o voo do sol
e aprenderam, muito tarde, como o feriram no seu caminho,
não entram docilmente nessa noite serena.

Junto da morte, homens graves que vedes com um olhar que cega
quando os olhos cegos fulgiriam como meteoros e seriam alegres,
odiai, odiai a luz que começa a morrer.

E de longe, meu pai, peço-te que nessa altura sombria
venhas beijar ou amaldiçoar-me com as tuas cruéis lágrimas.
Não entre docilmente nessa noite serena.
Odeia, odeia a luz que começa a morrer.





Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 41

E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO


«E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio»

(...)


Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 39

''porque vem a pedra feri-lo e é suave a seda.''

Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 35
«  este meu vinho que bebes, este pão de que te alimentas.»




Dylan Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel. Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 33

'' e eu, preso pelas garras do sol, caminho sobre as chamas''

incréu

A FORÇA QUE IMPELE ATRAVÉS DO VERDE RASTILHO A FLOR

A força que impele através do verde rastilho a flor
impele os meus verdes anos; a que aniquila as raízes das árvores
é o que me destrói.
E não tenho voz para dizer à rosa que se inclina
como a minha juventude se curva sob a febre do mesmo inverno.

A força que impele a água através das pedras
impele o meu rubro sangue; a que seca o impulso das correntes
deixa as minhas como se fossem de cera.
E não tenho voz para que os lábios digam às minhas veias
como a mesma boca suga as nascentes da montanha.

A mão que faz oscilar a água no pântano
agita mais ainda a areia; a que detém o sopro do vento
levanta as velas do meu sudário.
E não tenho voz para dizer ao homem enforcado
como da minha argila é feito o lodo do carrasco.

Como sanguessugas, os lábios do tempo unem-se à fome;
fica o amor intumescido e goteja, mas o sangue derramado
acalmará as suas feridas.
E não tenho voz para dizer ao dia tempestuoso
como as horas assinalam um céu à volta dos astros.

E não tenho voz para dizer ao túmulo da amada
como sobre o meu sudário rastejam os mesmos vermes.



Dylan  Thomas. A Mão Ao Assinar Este Papel.  Edição bilingue. Trad. e prefácio de Fernando Guimarães. Assírio & Alvim, 2.ª edição, Lisboa, 1998., p. 21

domingo, 2 de setembro de 2012



À janela, nova, a vida velha:
mexem as folhas e vem a mim a luz.
Estou só, cheio de mim, como aquela nuvem
que tem lá dentro a calma de ali estar.
Meu Deus, como aqui nos alegramos com tão pouco!
Assim seria a vida, sem a ânsia
dos homens que parece terem pressa de matar,
dessa raça de mastim que rouba o tempo,
os anos, o fôlego e a memória,
e sem ciúmes nem amores ocultos
que murcham a flor do respirar.
Estou só e canto, e olho aquela nuvem
cheia de mim e do seu antigo olhar-me.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 53
Quietas, belas árvores, e tu detém-te, terra!
Falta-me o ar ao penetrar em ti.
A noite cruza o mar e esconde a aldeia,
as estrelas lá em cima e à nossa volta o bosque.
Como está perto o céu e que mover adverso
o dos homens que as mulheres abraçam, sombrio
uivar dos cães, que sobe de Maestrale para o meu peito!
Aguda água de distância é para mim de cinza
e chama-me, talvez me queira até
uma dor agarra-me as entranhas,
tristeza de estar ali, silvos de vento,
e a memória que o bosque habita,
o corpo que cansado olha o que sente.
Oh, como o ar se retarda, e como a água
funda vai passando e quase não se ouve.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 43

Eva Green as Milo's Venus in Bertolucci's movie "The dreamers''



«Ontem a minha juventude morria nos teus braços».


Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 42

Mas quantos amores parecem de tristeza / dentro de um que tanta dor nos dá.

Devesse eu ter duas dores, e eu
uma só sentiria, como todos sentem;
pois tantas são as dores que dão a forma
àquele que se queixa, que uma lhe parece;
e se ainda falar de amor devesse,
de um me roería pela beleza
que busca a forma no parar do sol...
Mas quantos amores parecem de tristeza
dentro de um que tanta dor nos dá.




Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 41

Oh, quanta gente que, morta por aí,
passou por ela a história sem a ver,
sem ver o frio de esperança generosa
de que a minha própria sombra seja maior que ela,
oh, quanta gente que, morta por aí,
parece à espera e já não espera mais;
e passa o ar e afasta-se para longe,
lá onde se imagina estar a vida
que se esconde, mas que regressará.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 30

Inclino a cabeça entre pensamentos
e de longe me vem a melancolia,
o rio devagar, sem porquê, mas rio,
olho depois uma árvore que treme pela morte
que passa rente a mim. Será engano?
ou era o vento? Alheio à minha sorte,
de mim próprio inimigo, caminho estrada fora.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 28

Eu venho de longe, sou o das ostras e das blasfémias,
o mercador de maravilhas e dos caroços de pêssego,
o que compra a amargura dos humildes
e doce a espalha limpa como um pássaro voando...
Eu vi dos pobres a cidade dos mortos,
os plátanos ali, especados, com os homens sós
que gritavam com os pés e cuja cabeça à banda
cortava oscilando a corda nos nós do tronco,
vi os campos de erva, onde os braços calcavam
com fúria a terra, como se catarrentos
quisessem soterrar-se, ou desesperados
pôr-se de cu para aquele céu... Oh, escarpas
de fuzilados, exangues, ar de tragédia,
freixos selvagens que já não tendes céu, mendigos de que sopros!
Vi gente gotejando, em fuga ofegante,
e aquelas sirenes, atrás, com as mãos a gritar:
foge, foge, corre!, vem por aí abaixo
uma porradaria de bombas, que metralham e ceifam,
e os rapazes que escarvam, cães como bandos de rapazes,
e mães que berram  - Meninos, quem pode fugir do vento?...
Ah, se eu venho de longe...Péssima raça!
Quando penso que morrer não é nada,
que temos medo de uma sombra, que louca
é esta nossa vida, e que os homens parecem caminhar...
Caminhar? Ou é este o empurrão do ar que os colhe
e os arrasta pra onde quer, para onde vão finar-se?




Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

«Talvez sejas um outchitel muito culto, mas, como pessoa, és terrivelmente estúpido.»

Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 178

«O que te disseram aqueles judeus? O principal é a coragem, e essa não te falta.»


Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 166

«Olha, je suis bonne enfant, já te aviso, tu veras des étoiles.»

Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 164

«a vaidade levava-a a não acreditar em mim e a ofender-me, ainda que, possivelmente, não tivesse muita consciência disso.»

Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 157/8

«Elle est tombée en enfance - repetiu De Grillet ao general: - seule, elle fera des bêtises...»



Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 95

domingo, 26 de agosto de 2012

«As mulheres são todas iguais! As mais orgulhosas acabam sempre por ser as mais vis escravas! A única coisa de que Polina é capaz é de amar apaixonadamente!»


Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 77

The execution of women by the Nazis during World War II



«Não há nada como evitar os equívocos e comportarmo-nos francamente. Além disso, de que serve enganarmo-nos a nós próprios? É a preocupação mais inútil e a menos compensadora.»



Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 21

«Agora, perguntava-me de novo: amo-a?

 
«E não sabia responder. Ou melhor, respondi-me novamente, pela centésima vez, que a detestava. Sim, odiava-a! Havia momentos (sobretudo depois das nossas conversas) em que teria dado metade da minha vida para estrangulá-la! Juro-o. Se tivesse sido possível, ainda há momentos, cravar-lhe no peito um punhal bem afiado, julgo que o teria empunhado de boa vontade. E ao mesmo tempo, juro também, pelo que tenho de mais sagrado, que no Schlangenberg, no pico mais frequentado, se me tivesse dito: ''atire-se daqui'', ter-me-ia atirado imediatamente, até com prazer. Tinha a certeza disso. De qualquer modo, tinha que tomar uma decisão. Ela sabe-o muito bem e a ideia de que eu a compreendo, perfeita e precisamente, a distância que nos separa, a impossibilidade absoluta de ver realizadas as minhas fantasias, essa ideia, estou convencido, proporciona-lhe um prazer extraordinário. De contrário, como se compreende que, sendo discreta e inteligente, possa ter comigo estas intimidades?»



Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 17
«Odeio-o pelo muito que lhe consenti, e ainda mais pela necessidade que tenho de si. Por isso, enquanto precisar de si, terei que tratá-lo bem.»


Dostoievski. O Jogador. Editorial Verbo - Livros RTP, Lisboa, p. 16

sábado, 18 de agosto de 2012

Photodynamic portrait of Anton Giulio Bragaglia, 1912-1913



«Um dia as minhas palavras consolar-te-ão, como as tuas a mim
           nunca o poderão fazer.»




Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 127

'mancha de sangue no teu pão'


«Nesse ano a canção estava em toda a parte, e o seu absurdo refrão:
É que parece tão longo, mas não é.
É que parecem tantos anos,
mas talvez seja apenas um.
Quando as árvores lá estavam preocupava-me que lá estivessem,
e agora desapareceram.
Ao sair usávamos o caminho que existe à volta do pântano.
Quando regressávamos a maré tinha subido.
Havia outro caminho, mas era muito longe e difícil de lá chegar.
E por isso esperávamos aqui, e tudo continua igual.


Havia muitas coisas que queria dizer-te
antes de partires. Agora não as direi.
Embora a luz caia sobre a varanda
lançando as mesmas sombras dos mesmos lugares,
só eu as posso ver, só eu posso ouvir o vento
cujo som é demasiado alto.


O mundo ferve com plantas. Perdoa-me.
Amo-te, mas não devo pensar em ti.
Essa é a lei. Nem todos lhe obedecem.
Ainda que o tempo passe e o ar nunca seja o mesmo
não mudarei. Essa é a lei, e está certa.»





Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 125

Love Is the Devil : Study for a Portrait of Francis Bacon

«O vento cai em pedaços
pelos caminhos da montanha.
Temos de gritar sem tréguas -
aquele que pára está perdido.»



Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 87

«Chegará o dia em que as linhas do céu
Se desprenderão das torres
E em que tu, que tremes pela noite
Partirás para lugares sombrios ao lado de um desconhecido.»



Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 79

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


«(...) os lagartos correm ao longo da gravilha junto às rosas.»



Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 67

''A roda do moinho gira incessantemente e o mocho senta-se no carvalho à espera da escuridão.''

Paul Bowles. Poemas. Selecção e tradução José Agostinho Baptista. Assírio&Alvim, 2008, Lisboa., p. 65
« - Vamos, como podem tratá-lo assim? - protestou Adelaida, que se aproximou solicitamente do príncipe e lhe estendeu a mão.
     Ele sorriu-lhe com ar perturbado. De súbito, um sussurro precipitado causou-lhe no ouvido uma espécie de queimadura, era Aglaia que lhe murmurava:
   - Se não põe imediatamente esses infames na rua, odiá-lo-ei toda a vida, toda a vida, e só a si!»




Fëdor Mixajlovič Dostoevskij. O Idiota. Tradução de Jorge Sampaio. Círculo de Leitores, Lisboa, 1978., p. 296
«Ó alma», disse eu, «que pareces tão desejosa de falar comigo, faz de maneira que eu te entenda; e a ti e a mim o teu falar satisfaça.»
 
 
Dante. A Divina Comédia (Tomo II). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 35

''mas fala-me tu de ti com verdade''

Dante. A Divina Comédia (Tomo II). Tradução Rui Viana Pereira. Ediclube., p. 32

quinta-feira, 16 de agosto de 2012



«sinto que sinto como sentiria sendo eles e isso me perturba como o mundo inteiro que me envolve e transcende. só através da memória me é permitido ver até ao fundo ou até àquilo que imagino o fundo da verdade dos entes solitários»


Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 160

um homem sem memória seria um homem feliz.

«um homem sem memória seria um homem feliz. não tanto por não a ter o que poderia dar-lhe a plenitude do instante mas por nem ter a memória de a ter tido, e a memória do futuro e o futuro para ele seriam letra morta.»

Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 159

''gritaste para dentro''

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

''cálice com cicuta que bebera por engano''


«sentia numa onda o torpor de quem lentamente adormece; é o veneno, pensou; veneno não da aranha mas do cálice, do cálice com cicuta que bebera por engano, não tanto por engano como os outros poderiam pensar, mas ele cuspia no que os outros fossem dizer ou pensar, só que se antecipara, vira o líquido tão belo, tão fascinante colorindo o cálice e não resistira e quando quis impedir a boca de beber tinha já pelo veneno refrescados os lábios e quando ainda quis obstar a que a garganta engolisse já o estômago arrefecera com as primeiras gotas e todo ele se sentia do líquido que o convertia na sua cor, a cor daquele líquido tão belo, tão fascinante aquele líquido; o escravo viera interromper a conversa com os discípulos, o escravo trazia um cálice em sua negra mão, o escravo era o ponteiro do relógio que marcava a hora;»



Almeida Faria. Rumor Branco. Portugália Editora, Lisboa, 1962., p. 134

cicuta


nome feminino
 
BOTÂNICA planta venenosa, da família das Umbelíferas, espontânea em Portugal e também conhecida por cegude e ansarinha-malhada; embude
(Do latim cicūta-, «idem»)
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