Um rio seco é como a alma
De um poeta que não pode escrever, embora conheça
Quase perfeitamente o tema e as mágoas
Da morte ressequida como o estio. Mas o que queria,
E foi outrora um mar puro do mais puro cristal
Recua, torna-se sombrio como arbustos amoniacais, como
se as folhas antigas do amor,
E abandona o pensamento. Não imagina
Nada que o possa substituir: só no pólo
Da memória oscila uma absurda bússola.
Por isso o rio, entre as lamentáveis árvores sombrias,
É uma agonia de pedras, de horrores submersos
Agora revelados descoloridos. Por isso existem estas,
Estas pedras, estas ninharias
Quando o rio é uma estrada e a mente um vazio.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.33