terça-feira, 26 de março de 2013

(com esse olhar cheio de desconfiança e manha nunca amará ninguém)


«Você não tem ainda vinte anos mas é já uma velha, uma argumentadora como o seu pai ou o seu tio Jorge, e não ficaria nada espantado se me mandassem chamar para lhe tratar da gota. Mas não vê que não se pode viver assim! Que importa o homem que eu sou? O que é preciso é olhar-me nos olhos, sem pensamentos reservados, sem programa. É preciso primeiro que tudo procurar em mim o ser humano - se não, nunca chegará a ter relações de amizade com os outros. Adeus! E acredite no que lhe digo: com esse olhar cheio de desconfiança e manha nunca amará ninguém.»


Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 81/2

segunda-feira, 25 de março de 2013



«(...), luto contra aqueles que não me compreendem, acontece-me sofrer de modo intolerável...»


Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 79

«Porque terei eu este desgraçado feitio?»



Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 71

Que filosofia maldita é essa que a retém?


«(...) Que espera? Que filosofia maldita é essa que a retém? Quando conseguirá compreender
que ter aprisionado a sua juventude, amordaçado a sua vontade de viver, não é moral nenhuma?»


Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 69

«Não tenho passado. Dissipei-o estupidamente em coisas fúteis. E o presente é de um absurdo horrível. Eis a minha vida e o meu amor. Para que servem? Que hei-de fazer deles? O meu amor inútil morre como um raio de sol dentro de um fosso e eu morro com ele.»


Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 69


SEREBRIAKOV

  Dizem que a gota de Turgueniev se acabou
por transformar em angina do peito. Tenho
muito medo que me aconteça a mesma coisa.
Maldita velhice! É uma coisa odiosa, diabos
a levem! Desde que envelheci que me aborreço
a mim próprio e dá-me a impressão de que vocês
estão fartos de mim.

HELENA

 Quando te ouvimos falar da tua velhice dá
a impressão que nós é que somos responsáveis
por ela.


SEREBRIAKOV

 E tu estás ainda mais farta que todos os
outros.

HELENA

Que aborrecimento! (Levanta-se e vai sentar-se
longe dele)




Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 59

O selvagem


«O selvagem, como é simpático! Vem muitas vezes a nossa casa, mas sou tímida e nunca soube falar-lhe nem acolhê-lo amavelmente. Deve pensar que sou má ou demasiadamente orgulhosa.»



Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 53

por artes de berliques e berloques

por artes diabólicas, como por magia

Hurrah!

''Quem sabe demais envelhece depressa.''

Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 39

''não sei usar as flores da retórica''


Anton Tchekhov. O Selvagem. Tradução de Carlos Grifo. Editorial Presença, Lisboa, 1968., p 21

féerie

féerie [feRi]
nome feminino
1. mundo das fadas
2. história de fadas
3. fantasmagoria
4. encantamento; universo poético

féeries In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-25].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/f%C3%A9eries
>.nome feminino

1. mundo das fadas
2. história de fadas
3. fantasmagoria
4. encantamento; universo poético

«(quando se escreve nada há de mais importante que o ritmo.)»

 
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 65
«O sol ergue-se. Raios verdes e amarelos tombaram sobre a praia dourando os flancos de barco carcomido e arrancando reflexos azul de aço aos cardos marinhos de folhas couraçadas. A luz quase trespassa as frágeis ondas que correm em leque pela praia. A jovem que ao sacudir a cabeça fizera dançar o topázio, a água-marinha, todas as jóias cor de água com cintilações de fogo, afastou os cabelos da fronte e de olhos muito abertos traçou um caminho a direito sobre as ondas.O seu brilho fremente escureceu; as ondas confundiram-se; os seus verdes abismos aprofundaram-se e escureceram, atravessados talvez por cardumes de peixes errantes. Ao recuarem depois de se desfazerem na areia, as ondas deixam na praia uma linha escura de gravetos e pedaços de cortiça, ciscos de palha e pequenos ramos, como se uma frágil chalupa tivesse naufragado e rompido o casco e o seu marinheiro houvesse nadado para a praia e escalado a falésia deixando a sua leve carga ser arrastada pela corrente.
  
     No jardim, os pássaros que na madrugada cantaram ao acaso, espasmodicamente na penumbra de uma árvore, de um silvado,cantavam agora em coro, em sons nítidos e estridentes, ora juntos como se estivessem conscientes da presença dos seus companheiros, ora solitários, como se se dirigissem ao pálido azul do céu. Voaram todos ao mesmo tempo quando o gato preto se movimentou ao longo dos arbustos e a cozinheira os assustou lançando mais cinzas para o monte. Havia medo no seu canto e suspeita de dor e também a alegria que tem de ser arrancada a cada instante. Depois cantaram todos ao desafio no ar límpido da manhã, voando muito por sobre os olmos, perseguindo-se, escapando-se, bicando-se, volteando no espaço. Em seguida, cansados de se perseguirem, cansados de voar, desceram graciosamenre, baixaram delicadamente, pousaram silenciosos nas árvores, nos muros, com os olhos brilhantes à espreita, as cabeças voltando-se para aqui e para acolá, atentos, despertos, intensamente conscientes de qualquer coisa, de um objecto particular.
    Talvez fosse uma casca de caracol erguida na relva como uma catedral cinzenta, um edifício incendiado marcado por círculos escuros na sombra verde da relva. Ou talvez  vissem o esplendor das flores formando um clarão vermelho sobre os canteiros, enquanto os espaços abertos entre os caules formavam uma série de túneis avermelhados e sombrios. Ou então fitavam as pequenas folhas brilhantes da macieira, dançando de modo contido, cintilando hirtas por entre as flores salpicadas de cor-de-rosa. Ou então viam uma gota de chuva  cair sobre a sebe e aí ficar suspensa, com a imagem de uma casa inteira contida dentro dela e olmos tão altos como torres. Ou então contemplavam o sol de frente e os seus olhos tornavam-se grãos de ouro.
   De olhos voltados para um e outro lado, desciam mais para baixo entre os ramos, nas sombrias áleas desse universo onde as folhas apodrecem e as flores caem. Depois, um deles desceu como uma flecha, num voo certeiro e bicou o corpo mole e monstruoso de um verme indefeso, bicou-o uma e outra vez e deixou-o a apodrecer. Lá em baixo,entre as raízes onde as flores sucumbem, há odores de morte e gotas no flanco intumescido das coisas inchadas. A pele dos frutos apodrecidos estala deixando escapar uma substância demasiado espessa para escorrer. As lesmas deixam atrás de si secreções amarelas e às vezes, aqui e ali, um corpo informe, como uma cabeça em cada extremidade, oscila lentamente de um lado para o outro. Os pássaros de olhos de ouro, saltando entre as folhas, observam ironicamente essa húmida podridão. De vez em quando mergulham selvaticamente a ponta do bico na mistura pegajosa.
   O sol atingiu finalmente a altura da janela, aflorou a cortina bordada a vermelho e revelou círculos e linhas. A claridade da luz nascente instalou-se no fundo do prato e o seu brilho concentrou-se no gume de uma faca. Cadeiras e armários surgiram em segundo plano, mas apesar de separados uns dos outros parecem inexplicavelmente entrelaçados.Tornaram-se mais brancas as águas do espelho na parede. No peitoril da janela a flor real recebeu a companhia de uma flor fantasma. E, no entanto, o fantasma fazia parte da flor verdadeira pois quando um botão abria, um outro botão semelhante desabrochava também na flor mais pálida do espelho.
   O vento soprou. As ondas ressoaram na praia, como guerreiros com turbantes, como homens de turbante brandindo azagaias envenenadas sobre as cabeças e precipitando-se ao encontro de rebanhos de ovelhas brancas.»
 
 
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 60-62
«Quero também aumentar a minha valiosa colecção de observações sobre a verdadeira natureza da vida humana»



Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 56

erva-cidreira

domingo, 24 de março de 2013

Louis Destouches et Edith Follet lors de leur mariage à Quintin le 19 août 1919

 

«É mais difícil renunciar ao amor do que à vida.»

Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 78

«As árvores cresciam na sombra e subiam ao céu para se juntarem à noite.»

Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 78
«Digo-vos, simplórios, vencidos da vida, escorraçados, espoliados, transpirados de sempre, previno-vos: quando os grandes deste mundo resolverem amar-vos é porque vão transformar-vos em carne para canhão.»
 
 
 
 
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 75/6

O roubo do pobre

«O roubo do pobre faz-se uma maliciosa recuperação do poder individual, está a compreender...Aonde iríamos parar? Por isso, repare bem, a repressão dos delitos insignificantes é exercida em todos os climas e com rigor extremo, não só como meio de defesa social, mas também, e acima de tudo, como aviso severo a todos os infelizes para continuarem no seu lugar e na sua casta, mansos, resignadamente satisfeitos por morrer ao longo dos séculos, e indefinidamente, de miséria e de fome...»
 
 
 
Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 75

«(...) as suas perversidades são consagradas pelas leis.»

Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 74

«A maior parte das pessoas só morre no último momento; outras começam a fazê-lo e a agarrar-se a isso com vinte anos de antecedência e às vezes mais. São os felizes do mundo.»



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 46

Nesta profissão de sermos mortos


«Nesta profissão de sermos mortos não devemos mostrar-nos difíceis; temos de proceder como se a vida vá continuar, o mais duro é isto, esta mentira.»



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 45

«Eu próprio cheguei a ver quatro homens, rabo incluído, a dormitar em plena água mortos de sono, até ao pescoço.»



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 45

«Mas a partir de Outubro acabaram-se de vez as pequenas abertas e a geada tornou-se cada vez mais espessa, densa, mais tuberosa, recheada de granadas e balas. Depressa entrámos em plena borrasca, e aquilo que procurávamos não ver, a nossa própria morte, surgia em cheio à frente e já não conseguíamos ver mais nada.»



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 43/44

«Fazia-se bicha para ir morrer. O próprio general já não encontrava acampamentos sem soldados. Acabávamos por nos deitar em pleno campo, generais ou não. Os que ainda tinham um resto de sentimento, perderam-no.»



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 41

rio caudaloso


Miosótis

«Flor Miosótis significa recordação, fidelidade e amor verdadeiro. É também conhecida como “Não-me-esqueças.»
 
(...)
 
 
«Segundo a lenda europeia, o jovem apaixonado era um cavaleiro que ao tentar apanhar a flor Miosótis para oferecer à sua amada, caiu no rio e se afogou devido ao peso da armadura que usava. Desde então, a flor simboliza o amor sincero e desesperado.
 
       A explicação do nome "não-me-esqueças" da flor pode ser explicada por algumas lendas. Uma delas diz que num belo dia de Primavera, dois jovens apaixonados se encontravam à margem de um rio. Nas águas turbulentas, a jovem avistou um ramo de miosótis flutuando e ficou maravilhada pela beleza da flor. O seu amado, mergulhou então para apanhar as flores e oferecê-las à sua namorada. No entanto, quando tentou voltar para a margem, foi arrastado pela forte correnteza. Esta lenda conta que pouco antes de desaparecer ele gritou para a sua amada: "Não me esqueça, me ame para sempre!". A partir desse dia a flor miosótis passou a crescer nas margens dos rios, para que mais ninguém tivesse que morrer por sua causa.
         Uma outra lenda conta que Adão, quando estava no Jardim do Éden dando nome às plantas, esqueceu-se de uma planta muito pequenina, que interpelou Adão para saber qual seria o seu nome. Adão então disse que seria “Não-me-esqueças”, para que ele nunca mais a esquecesse.
 
  A flor Miosótis (Não-me-esqueças) é conhecida também em outras línguas como: “Forget-me-not” (Inglês), “Vergissmeinnicht” (Alemão), “Nomeolvides” (Espanhol), “Nontiscordardimé” (Italiano).
 
      A flor Miosótis foi utilizada como emblema secreto da Maçonaria, para que os maçons pudessem se identificar durante as perseguições às lojas maçônicas na Alemanha.
É uma flor que simboliza a caridade e a fraternidade.
Dizem que as lágrimas derramadas nas pétalas pela Virgem Maria deram a cor azul à flor. Existem Miosótis também nas cores branca e rosada. São plantas rasteiras que se dão bem em baixas temperaturas e surgem na primavera.»
 

vidoeiro-prateado

trouxe-mouxe


elemento da locução adverbial

a trouxe-mouxe a torto e a direito, confusamente, a esmo, atabalhoadamente

sábado, 23 de março de 2013

Balkan Epic, (Skira, 2006).


Um minuto de silêncio
 
"Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver.

23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e... Foi assim."

(Traduzido por Rodrigo Robleño)
 
 
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

''cabelos entrançados''


«As flores inclinam a cabeça contra a janela. Vejo pássaros selvagens. E instintos mais selvagens que o mais selvagem dos pássaros vibram no meu coração.» 


Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 49

insinceridade


''Durante toda a minha vida - queira Deus que não seja longa - realizarei a gigantesca amálgama dessas contradições tão cruelmente evidentes em mim.»




Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água.,

erva-toira

gostar do penacho

 procurar ou gostar de lugares de representação

AVES CLANDESTINAS


Há aves de quem nos queremos lembrar
ou que nunca vimos, aves desempossadas
cobertas por campanários de literatura

Aves clandestinas numa curva adjacente
imponderadas pelo desgaste das palavras
como veias carregadas de tinta subversiva

Aves que espalhavam ideias como sangue
e escondiam tipografias por turnos
na encenação decisiva dos incêndios


Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 42



«O que dizes só é verdadeiro aqui, só é verdadeiro agora.»


Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 20

«Odeio coisas instáveis, coisas nevoentas. Odeio andar por aí a confundir as coisas.»




Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 17

«O sol não nascera. O mar apenas se distinguia do céu pelo leve preguear das águas, semelhantes a um tecido finamente enrugado. Lentamente, à medida que o céu clareava, uma barra de sombra desceu no horizonte, separando o céu do mar, e o grande tecido cinzento ficou marcado por grossas linhas que se agitavam sob a superfície, perseguindo-se num ritmo infindável.
  Ao aproximarem-se da praia as ondas erguiam-se, tomavam forma e desfaziam-se arrastando pela areia um ténue véu de espuma branca. A ondulação detinha-se, partia de novo, suspirando como alguém que dorme e cujo sopro vai e vem sem que a sua consciência o saiba. Pouco a pouco, a barra escura do horizonte clareou como as impurezas de um vinho antigo que se depositassem numa garrafa, deixando transparecer o seu vidro. Lá ao fundo, também o céu se tornou translúcido, como se nele se houvesse desprendido um sedimento branco, ou o braço de uma mulher reclinada no horizonte erguesse ao alto uma lâmpada. Faixas de branco, amarelo e verde alongaram-se sob o céu como longas folhas de um leque. Depois a mulher ergueu a lâmpada ainda mais alto: o ar inflamado pareceu cindir-se em fibras vermelhas e amarelas, elevando-se da superfície verde num frémito ardente, como as chamas envoltas em fumo de uma fogueira. Pouco a pouco, todas as fibras se fundiram numa única massa incandescente e o cinzento do céu transformou-se num milhão de átomos de um suave azul. A superfície do mar tornou-se transparente e as grandes linhas escuras quase desapareceram no ondular das águas e na sua cintilação. O braço que sustinha a lâmpada continuou a subir devagar até que uma grande labareda surgiu.
  Um disco de fogo ardeu no rebordo do horizonte e o mar à sua volta tornou-se um esplendor de ouro.
  A luz feriu as árvores no jardim, e as folhas agora transparentes iluminaram-se uma a uma. Um pássaro cantou alto. Houve uma pausa. Depois outro pássaro retomou, mais baixo, o mesmo canto. O Sol deu contornos às paredes da casa e poisou como a ponta de um leque numa persiana branca, deixando uma dedada de sombra azul sob a folhagem próxima da janela de um quarto. A persiana estremeceu ao de leve, mas dentro de casa tudo permaneceu vago e sem substância. Lá fora, os pássaros cantavam as suas melodias vazias.»
 
 
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 7/8

quinta-feira, 21 de março de 2013

'' o enterro das ribeiras''

OS PINTASSILGOS DE MIRANDELA

Nasci numa casa com gaiolas brancas
espalhadas pelo Verão
Era o meu pai vivo e o meu avô estival
entrava pela hora mais terna
enquanto encarregado das gaiolas
e a minha infância inteira decrescia
no canto da casa dos pássaros

O alpendre era de uma inclinação natural
com avô e pássaros encostados à sombra dos álamos
e as gaiolas casas que os abrigavam
do frio, da fome e dos gatos bravos
A minha alegria era quente como a terra
e contava ensinar ao meu filho bisneto
a tracção pelos grilos, caracóis
e pintassilgos na doçura das borboletas
Em Mirandela havia um vale junto a um rio
com pomares e o cheiro de figos fáceis
Os pintassilgos divididos na abundância
eram como crianças atrás das amoras
que inspiram as flores de uma música sucessiva

O Pintassilgo é a mais bela ave silvestre
e se não pudesse manter as gaiolas em casa
era como se não houvesse onde permanecer
Eles amotinavam-se nas minhas barbas
desalojam corvos e os dragões dos poemas
fazem a tarde parecer tão antiga e adormecer
como a infanta primavera em que o meu avô
era o estio e os bisnetos existiam mesmo
e os nossos olhos acariciavam os pássaros,
que é tão tarde agora para dizer aqueles que morriam
exaustos a contar os meses atrás das grades



Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 33/4

[Frances Benjamin Johnston, full-length self-portrait dressed as a man with false moustache, posed with bicycle, facing left]


cabotino


nome masculino


 1. cómico ambulante
2. actor pouco competente na sua profissão
3. figurado indivíduo que alardeia qualidades que não tem

(Do francês cabotin, «idem»)

«Os caçadores são os mais ferozes amantes das aves» 



Tiago Patrício. O Livro das Aves. Edições Quasi, 2009,.p. 17

colar negro

serpente-pássaro


«(...)»
Mas por vezes o travesso vento primaveril,
Ou a combinação das palavras num livro de acaso,
Ou o sorriso de alguém puxavam-me de repente
Para a vida que não se realizou.
Nesse ano teria acontecido isso e aquilo,
Nessoutro - isto: viajar, ver, pensar
E lembrar, e em novo amor
Entrar, como num espelho, com a consciência obtusa
Da traição e com, ainda ontem não a tinha,
Uma pequena ruga...




Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992.

3


Anoitece, e no céu azul muito escuro
Onde há pouco a igreja de Jerusalém
Resplandecia com misteriosa magnificiência,
Apenas duas estrelas sobre a confusão dos ramos,
E a neve esvoaça de algures sem ser do alto,
Mas como se da terra se erguesse,
Preguiçosa, terna, com cautela.
O meu passeio foi-me estranho nesse dia.
Quando saí, ofuscou-me
O limpo reflexo sobre coisas e rostos,
como se por todo o lado as pétalas pousadas
Dessas rosas pouco grandes amarelo-rosadas,
Cujo nome eu esqueci.
O frio ar seco e sem vento de Inverno
De tal modo acariciava e guardava cada som
Que me parecia: o silêncio não existe.
E na ponte, pela balaustrada ferrugenta
Enfiavam as mãos com pequenas luvas
As crianças, para alimentar patos sôfregos e matizados
Que mergulhavam na brecha cor de tinta.
E eu pensei: não pode ser
Que um dia eu esqueça isto.
E se um caminho difícil está à minha frente,
Eis um leve peso, que posso
Carregar comigo para na velhice, na doença,
Quem sabe, na miséria - recordar
O pôr do sol exaltado, e a plenitude
Das forças da alma, e o fascínio da vida querida.


1914-1916

Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 47

«Há sempre um chinelo velho para um pé doente.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 484

carpideira

nome feminino

 1. pessoa a quem se paga para chorar os defuntos durante os funerais
2. figurado mulher que anda sempre a lastimar-se
3. figurado lamúria; choradeira

«Desgraçados dos que possuem o juízo todo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 477


«(...) aflorava o assunto, mas com muitos rodeios a fim de ver se conseguia levar a águia ao seu moinho.»




Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 466


«Os últimos cartuchos, ó minha perdiz,
Desperdicei-os com as cotovias.
E agora cheio de despeito
Só me resta olhar para ti.»








Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 444

deferência


nome feminino

1. atenção respeitosa
2. condescendência respeitosa
3. acatamento




«     Senhora do sangue do meu altar
Sangue do sacrifício no monte sagrado
O do nosso filho - o sangue do cordeiro - corre no monte
                                                sagrado:
              sangue do teu ventre...sangue do sacrifício...!»


Turcsány Péter.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 63



«depois de vós, não é permitido ter frio.»



Tóth Erzsébet.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 61

COMO SE



meia-noite no quarto a luz pisca
abro esta janela para mim
o sonho bruxuleia quase extinto
faço como se não tivesse frio

faço tudo como se fosse amanhã
porquê acreditar quando se discursa
porquê acreditar que aqui agora é Verão
a palavra esquarteja-se na minha boca

juntam-se estorninhos por cima de mim
-céus o que eu também estou a dizer -
só aranha caça moscas de Outono
será que alcanço uma morte digna


1974


Pátkai Tivadar.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p. 47

Luto Branco


a Cskonai Attila

Acumula-se, como nos lábios fria
nicotina, nos arbustos o amarelo de morte,
em roto casaco as árvores envoltas:
nevoeiro: - luto branco do nosso parque!


Os lagos são máscaras de prata geladas,
como a calma no rosto de minha mãe!
Distintivos - murchar das folhas, das equimoses
na folhagem do bosque, no meu rosto.


Unha escavadora, a Lua sob os olhos nossos;
flores do Dia dos Mortos:
caem-nos crisântemos nos braços
-consoladores!- na neve dos nossos ossos!


Troncos em fila para um Deus severidade,
pensamentos desarmados
-deforma-se a máscara de prata do lago:
degelo - soluça síroco.


Calma severa no rosto de minha mãe;
planta árvores de folha-distintivo
na colina sagrada de crisântemos:
que eles se elevem aos país-ave.


E acumula-se ainda, como nos lábios fria
nicotina, nos arbustos o amarelo de morte,
e em roto casaco as árvores envoltas
-nevoeiro! - luto branco do nosso parque!

Géczi János.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.23

quarta-feira, 20 de março de 2013



«-A pobreza precisa de alegria, meu filho - disse a velha. - A dor necessita de distracção, senão devora-nos. Mais vale nós a devorarmos.- Enquanto falava, batia com o punho numa pedra. - A mim, que estou a divertir-me, a Morte já me fez sobrer bem. Como vingar-me daquele miserável?
já não posso conceber filhos, senão ela havia de ver.» 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 437



«Morremos por ser homens sem lenda, sem grandeza, sem mistério», dirá por sua vez o próprio Céline. E talvez seja esta a fonte das desgraças do homem moderno.



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 13

bípedes em busca de uma côdea

 
«Céline fala pelos não-judeus e faz-se vítima: « Nada tenho de especial contra os Judeus enquanto judeus, ou seja, galfarros como os outros bípedes em busca de uma côdea...Não me incomodam nada. Um judeu vale tanto como um bretão, assim em bloco, em igualdade de circunstâncias, como um tipo de Auvergne, um franco-monhé, um 'filho de Maria''...É possível...Contra o racismo judaico é que me revolto, é que sou mau e fervo até às profundezas das cuecas!...Vocifero! Faço estrondo! parêntesis  Para o Judeu, lembrem-se disto...quem não for judeu é animal!»  



Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 10

Louis-Ferdinand Céline


«Mas em Céline, homem de obcecações e ódios irreprimíveis, nunca existiu meio termo. Céline não hesitou em mostrar-se desabrido e fanático.»

Aníbal Fernandes


Louis-Ferdinand Céline. Viagem ao Fim da Noite. Tradução, apresentação e notas Aníbal Fernandes, Edição Babel, 2010, Lisboa p. 10

tartufo

tartufo
nome masculino
indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido
(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)

tartufo In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-20].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/tartufo
>.
tartufo
nome masculino
indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido
(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)

tartufo In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-20].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/tartufo
>.
nome masculino

 indivíduo hipócrita; velhaco; devoto fingido

(Do italiano Tartufo, antropónimo, personagem da comédia italiana, aproveitada por Molière, pelo francês Tartufe, «idem»)


«O poeta rouba onde pode.»


Méliusz József
«no fogo do relâmpago galopa o cavalo,»


Géczi János.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.21

terça-feira, 19 de março de 2013

''camomila-da-morte''

CADA VEZ MAIS LINDO




O espelho de gelo todo ensanguentado
                        significa amor
distância
o pátio da prisão
                       coberta de neve

                    vejo
o luar desenterrado
e cai               cai
sobre a minha sombra
cai a neve sem parar



Biró József.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.15

''a noite de LUAR cheira a PÃO''


Biró József.Novíssima Poesia Húngara. Tradução de Ernesto José Rodrigues. Bico d'Obra,.p.13



«Colocou palavras milagrosas
No tesouro da minha memória.»



Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 43







3


SOMBRA
                                                                                                     


                                                                                                          Que sabe certa mulher
                                                                                                                                Sobre a hora da morte?

                                                                                                                 O. Mandelshtam



Sempre mais elegante, mais rosada, mais alta que todas,
Para que vens ao de cima do fundo dos anos tombados
E a memória rapace diante de mim faz tremular
O teu perfil transparente por trás dos vidros do coche?
Como se discutia nessa altura - tu, anjo ou pássaro!
Uma pequena palha te chamou o poeta.
Para todos por igual através das negras pestanas
Dos olhos em abismo fluía a terna luz.
Oh sombra! Perdoa-me, mas o tempo claro,
Flaubert, a insónia e os lilases tardios
De ti - bela de 1913 -
E do teu dia indiferente e sem nuvens
Me fizeram lembrar ...Mas tais recordações
A mim não me ficam bem. Oh sombra!


9 de Agosto de 1940. De noite.

Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992., p. 33

AOS DEFENSORES DE ESTALINE


São estes que gritavam «Solta
Barrabás para nós na festa», estes
Que mandaram a Sócrates beber
Veneno na estreiteza muda da prisão.

Despejar-lhes a mesma bebida
Na boca inocentemente difamatória,
A estes queridos amantes das torturas,
Peritos na fabricação de órfãos.


1962


Anna Akhmatova. Poemas. Edição Bilingue. Tradução do russo, selecção e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitrier. Edições Cotovia, Lisboa, 1992

sábado, 16 de março de 2013

aguaçal


baús

«O coração de Kosmas era ainda uma gruta escura, povoada de visões.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 417

apoquentações

Homem cretense


«Haviam-se sentado num banco. «Como te chamas?», indagou o rapaz. «Noémia». «Fala, Noémia, a vida deve ser-te difícil. Tem confiança em mim, sou cretense.» «Que é isso de cretense?» « Um homem ardente.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 415

«A vida é curta, digamos o que temos a dizer enquanto é tempo.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 414

«-Crêem em Deus? Isso é que me interessa saber.
 -Crêem numa nova divindade, cruel e poderosa, e que pode chegar a ser omnipotente.
-Qual?
-A Ciência, Reverendíssimo Padre.
-Um espírito impiedoso, isto é, o diabo.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 412

sexta-feira, 15 de março de 2013


´´cavando ao sol nos vinhedos''

« -Não deves ter medo - dizia-me. - Só se aprende, fazendo. Basta ter vontade...Se me engano, corrige-me.»


Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 85

«Tinha já aqueles olhos tristes, de gato, e sempre que falava, concluía: «Se me engano, corrige-me.»



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 84

'' braçado de erva''


«Não sabia que crescer queria dizer partir, envelhecer, ver morrer(...)»



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 71

quarta-feira, 13 de março de 2013

«Nunca encontrei uma rapariga que soubesse o que é a música...»


Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 19


«Nós não somos do século d'inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século d'inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.»



 José de Almada-Negreiros

ancinho



«Cesare Pavese, um homem em busca da Morte.»

Manuel de Seabra no prefácio



Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 10



All is the same.
Time has gone by.
Some day you came,
some day you 'll die.


Some one has died
long time ago.

Consulta o teu coração e decide o que te parecer melhor.

«Lê esta carta e faze o que Deus te inspirar. Não há esperança. Ainda desta vez se luta para nada. Consulta o teu coração e decide o que te parecer melhor.»
   Franziu as sobrancelhas, o lábio superior arregaçou-se-lhe, descobrindo o dente rebelde.
  «Grande desgraça há-de haver se consultar o coração», resmungou. «O mundo explodirá».  



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 376

títere


nome masculino

 1. boneco que se move por meio de cordéis e articulações; marioneta
2. figurado, pejorativo pessoa que se deixa manipular por outrem; bonifrate
3. popular aquele que gosta de provocar o riso; palhaço; bufão
4. popular janota; casquilho

(Do castelhano títere, «idem»)


«-Compreendi que, tendo-se medo de qualquer coisa, seja um leão, ou um homem, ou uma miragem, nos devemos lançar de cabeça, sempre em frente. Logo o medo desaparece. Deixa-nos e vai pegar-se a outro, ao leão, ao homem, ou à miragem. Eis aqui o segredo.»  


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 356

«farrapos de nuvens róseas.»


«(...) a morte parecia tê-la esquecido.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 346

á-bê-cê


«-A velhice nunca vem só, meus filhos - lamentava-se. - Como já não posso lutar com os braços, luto com a cabeça...até que se faça em pó.»  


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 342

«Não tinha desejo nem vagar para conviver com ninguém.» 



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 177


«(...) e como Deus iria ainda sofrer pela mão dos homens.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 165

The Rosebud Garden of Girls (June,1868)




«(...) - Causo-te repugnância, Cate? - disse-lhe baixo, troçando. Sentiu-se apanhada de surpresa e baixou os olhos e a voz. - Porquê? - balbuciou, ela que só truncava as conversas.
  -Éramos novos, - recordei. - As coisas nunca acontecem a tempo.»




Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
p. 154
«-Este governo, - continuava o velho, - não pode durar mais.
 -Mas é por isso que dura. Todos dizemos «Está morto» e ninguém faz nada.
 - Tu que dizes? Que é que se há-de fazer? - perguntou Cate muito séria.
  Calaram-se todos e olharam-me.
  - Matar, - disse. - Tirar-lhes o poder. Continuar a guerra aqui em casa, enquanto aquelas cabeças não mudarem. Só ficarão tranquilos quando sentirem as bombas.»

 
 
 
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 150

«Agradava-me cear, só e esquecido, na casa escurecida, ouvindo a noite, sentindo o tempo passar.»




Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 121


«É idiota não nos vermos quando temos esse direito (É melhor queimar depois o papel.) Desejava conhecê-lo e ter consigo uma franca conversa. Passe no domingo pela estrada da montanha e sente-se no muro do último atalho. Saudações de solidariedade.»
 
 

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
 p. 98

«Era doce o barulho da chuva.»

Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 95

indócil

revérbero
nome masculino
1. ato ou efeito de reverberar; reflexo luminoso; resplendor
2. parte do forno que faz refletir o calor
3. lâmina metálica curva, refletora
4. aparelho destinado à iluminação da via pública
(Derivação regressiva de reverberar)


revérbero In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-03-13].
Disponível na www: http://www.infopedia.pt/pesquisa-global/rev%C3%A9rbero

Uma rapariga como outra qualquer



«-Tão-pouco julgava, desculpe, que você se entendia com Concia.
   Giannino ficou um pouco taciturno e voltou aos vidros.
  -Uma rapariga como outra qualquer, - disse finalmente. - Mas é muito ignorante. O velho tirou-a do carvoeiro. A velha Spanó
queria apanhá-la em casa.
   - É arrogante?
   -É uma criada.
   -Mas é bem feita, à parte o focinho.
   - Diz bem, - anuiu Giannino pensativo. - Esteve tanto tempo nos estábulos a guardar porcos, que tem um pouco o focinho dos animais.
     Éramos crianças quando andávamos com o velho Spanó pela montanha, e ela levantava a saia para sentar a pele nua sobre a erva, como os cães. Foi a primeira
mulher que toquei. Sobre as nádegas tinha calo e crosta. » 



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa., p. 67

Elena


«Stefano gostaria que ela viesse de manhã e lhe entrasse na cama como uma mulher e não como um sonho que não pede palavras nem compromissos. As pequenas demoras de Elena, a excitação das suas falas, a sua presença simples, davam-lhe desejos.»



Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 39

sábado, 9 de março de 2013



«Ainda que o seu coração seja de pedra», pensava, «ela sempre se há-de enternecer». 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162/3

«Sentado na cama, fumava, com o olhar mergulhado na noite através da janela do quarto.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 162

«Deus muitas vezes fala por meio de sonhos.» 


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 159

escada carunchosa



«Todos vós, pessoas importantes e ajuizadas,
sujais as calças com medo.» 




Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 156

o olho de vidro


«O capitão Elias era também um sobrevivente da revolução de 1821, espécie de torre fendida e coberta de ervas, empoleirada num monte, sem portas nem janelas, com as seteiras em ruínas. As balas tinham-lhe transformado em crivo o corpo atarracado. Falava com voz selvática, tonitruante. Um simples bom-dia bastava para assustar. Certo paxá arrancara-lhe o olho de vidro, o primeiro que apareceu em Creta. Era com esse olho que ele fitava as pessoas que não lhe agradavam. Mas, nas horas solenes, tirava-o, punha-o num copo de água e apresentava-se unóculo perante Paxá ou o Metropolita, para lhes lembrar (diziam) a revolução de 1821. Zarolho nesse dia, encaminhava-se para casa de Metropolita, entre dois outros notáveis e apoiando-se pesadamente à bengala.»

Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148/9

tabefe


«Discutia muito mas ninguém o compreendia, e ficava na dúvida se o homem perdera o juízo ou se  falava uma língua estrangeira.»


Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 148
(...)

«A folha de erva salvaga,
o meu fio.»




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 63

A FIDELIDADE DAS PALAVRAS

A fidelidade das palavras
já não sonho com ela, vão
e vêem, fogem, troçam,
que terias, se não fôssemos nós,
na tua boca branca de calcário, na tua
língua seca, selas zumbem, sibilam,
até eu lhes dizerm a essas traidoras,
sonoras, ciciadas, mudas, que seríeis
vós se eu não insistisse
em seguir-vos o rasto leviano?




Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 58

PRIMEIRO AMOR


Uma boca que me tocava
Que me arrastava para as silvas
Aqui decapitei borboletas e moscas
Enterrei sob a erva daninha três desejos
Frios de gelo só eu os conheço



Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 56

quinta-feira, 7 de março de 2013

DESCOBERTA


Sentir? Nunca senti nada
Manhã nem noite
Alguma vivi
Sangro de uma ferida inventada
Que em mim próprio abri

Nada me vai ferir do que fizerdes
Nem o beijo nem o pontapé
Que podeis dar-me
Se em mil pedaços me despedaçardes
Eu é que não vou dilacerar-me





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 46

NAS MARGENS DO DORDOGNE


Os cães uivam
chamam a noite. Com todo
o desespero dos animais.
O rio arrasta-se até
às estrelas. Nós pomos
as pedras no barco.

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 43

«O sofrimento mais profundo, o tédio, (...)»

Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 32


(...)

«Esfregamo-nos até doer
nos lençóis salgados.»





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 23

REGRAS DA CASA


Nunca omitir os infortúnios
e contar cada história até
ao fim. Tapar com panos
os espelhos; facas debaixo
da mesa. Consolar a coruja e
trinchar o morcego.
Nunca perder a raiva, aconteça
o que acontecer. Deixar entrar
quem quer que seja.





Hans-Ulrich Treichel. Como se fosse a minha vida. Tradução colectiva (Mateus, Outubro de 1993) revista, completada e apresentada por João Barrento. Quetzal Editores., p. 16

terça-feira, 5 de março de 2013

L'Atelier Julian de la rue du Dragon


Epicuro (341-270 a.C)


 "Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que, igualmente, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então a existência dos males? Por que Deus não os impede?"

Ésquilo (525-456 a.C.)



O Pai da Tragédia



"O dever do poeta, diz Ésquilo a respeito do mito de Fedra, é ocultar o vício, não propagá-lo e trazê-lo à cena. Com efeito, se para as crianças o educador modelo é o professor, para os jovens o são os poetas. Temos o dever imperioso de dizer somente coisas honestas".

domingo, 17 de fevereiro de 2013


«Como seria bom ter no bosque um pequeno túmulo sossegado. Talvez ouvisse por cima de mim o canto das aves e o sussurro das árvores.»





Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 47

Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.


«Uma dor infinita tinha expressão no cansaço e lassidão dos seus movimentos. Não estava morto, mas não era vivo, não era velho, mas também não era novo. A mim parecia-me ter centenas de milhares de anos, mas também me parecia que devia estar vivo eternamente, e eternamente morto-vivo. Em cada instante ele morria e, no entanto não conseguia morrer.»


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 45


«Naquele Inverno tinha havido pouco peixe. A aldeia das dunas tinha ficado despovoada. Os tectos de zinco e palha deixavam entrar a chuva. Um dia, o mar invadiu a taberna. Eu bebia aguardente. Segurei-me a uma mesa de junco, e conheci N. Andava nua nas noites de temporal. Os barcos conheciam-na. O último olhar dos afogados ia para ela.»

 

Nuno Júdice. Poesia Reunida. 1967-2000 Prefácio de Teresa Almeida. Publicações Dom Quixote, Lisboa., p. 65

longas pestanas orvalhadas


«A viúva ergueu os olhos de longas pestanas orvalhadas e fitou-o. Queria interrogá-lo e tinha medo, ouvi-lo e sentia vergonha.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 67

''moo-te de pancada''

enxota-moscas


«(...) Mastrapas libertou o infeliz marido, que ela todas as noites prendia a uma coluna do leito, por era ciumenta e receava (oh, conhecia bem os homens!) que ele se escapulisse à socapa e fosse encontrar-se na cozinha com a gorda Amezina, de úberes de vaca. Amarrava-o à hora de se deitarem e desatava-o quando ele queria ir urinar durante a noite. Mas levava ainda a corda em volta do tornozelo, enquanto a mulher segurava a outra ponta, bem apertada na mão, com medo que o marido se desviasse do bom caminho.»



Nikos Kazantzaki. Liberdade ou Morte. Estúdios Cor., p. 50

timorato


adjetivo

1. que receia ofender alguém
2. tímido
3. que receia errar ou falhar; cuidadoso; escrupuloso
4. receoso; medroso


(Do latim timorātu-, «idem»)

sinal-da-cruz

«Em que mundo estonteante vivemos, ou vamos viver, se a comunidade, os cidadãos e a opinião pública não só admitem, mas, infelizmente, ainda aplaudem abertamente o que ofende a sensibilidade  requintada, o sentido do gosto, da beleza e da mediania, o que se impõe de forma doentia e, dando-lhe um ar ridiculamente acanalhado como que brada a mais de cem metros em redor, aos quatro ventos: ‘’Eu sou fulano tal. Tenho tanto e tanto dinheiro e posso permitir-me dar nas vistas com grosseria. É claro que, com as minhas exibições de fausto idiota, não passo de um labrego e dum simplório sem sensibilidade; mas ninguém pode proibir-me de ser grosseiro e presunçoso’’. Será que os caracteres dourados, brilhando e refulgindo ao longe de forma ignóbil, mantêm alguma relação aceitável e sinceramente plausível, ou algum laço de parentesco normal – com o pão? De modo nenhum! Mas o que acontece é que a odiosa jactância e a ostentação já começaram um pouco  por toda a parte e, com uma lamentável e terrível inundação, foram sempre acumulando progressos, arrastando consigo a insensatez, a impureza e a tolice, espalhando-as pelos quatros cantos do mundo, até que levaram na maré o meu honrado padeiro, corrompendo-lhe o bom gosto que até então manifestara e minando a sua tradicional modéstia. Não hesitaria em dar muito, em sacrificar mesmo o meu braço ou a minha perna esquerda, se assim pudesse contribuir para recuperar o antigo e bom sentido da probidade, a antiga e boa fragilidade, se pudesse devolver ao país e às pessoas aquela modéstia e honradez que, com pesar de todos os que sinceramente se importam, se perderam consideravelmente. Maldita seja a mórbida fantasia de se querer parecer mais do que se é. »


Robert Walser. O passeio e outras histórias. Granito Editores e Livreiros, 1ª edição, Porto, 2001, p., 31/32

frugalidade


nome feminino

1. moderação na alimentação
2. temperança; sobriedade
3. simplicidade de costumes

(Do latim frugalitāte-, «idem») frugalidade

''infantilmente feliz''


La, la, la.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

ÁRIA I



Para onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas,
a noite iluminava-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.


Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh, noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.





Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 93
XV.

Tem o seu triunfo a morte, o amor é festejado,
e o grande Tempo e o tempo futuro.
A nós nenhum triunfo é dado.


À nossa volta só um afundar de astros. Eco de luz, sem voz.
Mas, sobre o pó, a canção do futuro
soará além de nós.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87

secret kiss


VI.



Instruída no amor
por dez mil livros,
ensinada pela transmissão
de gestos pouco mutáveis
e juras tolas –


mas só aqui
iniciada no amor –


quando a lava descia
e o seu bafo nos tocava
no sopé do monte,


quando por fim a cratera exausta
revelou a chave
para estes corpos fechados –


Entrámos em quartos amaldiçoados
e iluminámos o escuro
com as pontas dos dedos.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85-87


‘’Ninguém me ama, nem por mim
acendeu uma candeia.’’




Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 85

SOMBRAS ROSAS SOMBRAS



Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 81
*
Quando alguém parte, tem de deitar
ao mar o chapéu com as conchas
apanhadas ao longo do Verão,
e ir-se com o cabelo ao vento,
tem de lançar ao mar
a mesa que pôs para o seu amor,
tem de deitar ao mar
o resto de vinho que ficou  no copo,
tem de dar o seu pão aos peixes
e misturar no mar uma gota de sangue,
tem de espetar bem a faca nas ondas
e afundar o sapato,
coração, âncora e cruz,
e ir-se com o cabelo ao vento!
Depois, regressará,
Quando?
          Não perguntes.




Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 75

4.

Coloca uma palavra
no vale da minha mudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.


 Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 59

domingo, 10 de fevereiro de 2013


«Os carniceiros sustêm, enluvados,
a respiração dos despidos,
no umbral a lua cai ao chão.»



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 55

«Uma mão cheia de dor perde-se para lá da colina.»

Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 51

«(...)           Nos campos
crescemos ou morremos ao Deus dará,
obedientes à chuva e por fim também à luz.»


Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 43

DESPRENDE-TE, CORAÇÃO

Desprende-te, coração, da árvore do tempo,
soltai-vos, folhas, dos ramos esfriados,
outrora abraçados pelo sol,
soltai-vos como lágrimas de olhos largos de longes.

Esvoaça ainda a madeixa dias inteiros ao vento
na fronte tisnada do deus do campo,
sob a camisa aperta o punho
já a ferida aberta.

Por isso resiste, quando o dorso macio das nuvens
voltar a curvar-se para ti,
não te iludas se o Himeto te encher
de novo os favos.

De pouco vale o lavrador uma erva na seca,
de pouco um verão, face à nossa grande estirpe.

E que testemunha afinal o teu coração?
Entre ontem e amanhã balança,
silencioso e estranho,
e o seu bater
é já a sua queda para fora do tempo.



Ingeborg Bachmann. O Tempo Aprazado. Edição bilingue. Selecção, tradução e introdução Judite Berkemeier e João Barrento. Assírio & Alvim, Lisboa, 1992., p. 25

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

boa-fé

Há muitas viagens onde podemos nascer,
noutras, encostar o rosto numa noite de inverno e morrer.
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