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domingo, 7 de julho de 2013
Solidão
«Deus seja louvado por nos ter dado a solidão...Agora estou só.»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 236
«É estranho que nós, que somos capazes de sofrer tanto, possamos infligir aos outros tanto sofrimento.»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 236
«Mas como descrever um mundo de que o eu está ausente?»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 231
sem peso e sem ilusões
«Fui uma sombra ocupada a registar sombras. Mas como prosseguir agora, sem um eu, sem peso e sem ilusões, num mundo sem ilusões e sem peso?»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 229
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 229
«Separamo-nos, perdemo-nos na escuridão das árvores, (...)»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 223
Os nossos amigos
«Os nossos amigos, como os visitamos pouco, como os conhecemos pouco - é verdade.»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 221
continuo sentado na solidão
«Visitei cada um dos meus amigos, tentando com dedos inseguros abrir os seus pequenos cofres fechados. Expus-lhes a minha dor - não, não a dor, mas o sentimento do incompreensível mistério da vida - e pedi-lhes que a examinassem comigo. Alguns procuram os sacerdotes; outros a poesia. Eu refugio-me junto dos meus amigos, vou procurar o meu próprio coração, busco qualquer coisa intacta entre frases e fragmentos, eu a quem o contacto de uma pessoa com outra é tudo, mas que nem sequer isso consigo estabelecer, permanentemente imperfeito, frágil e indizivelmente solitário. E por isso, continuo sentado na solidão.»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 214
''a erva queimada pela geada''
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 214
O que era ardente e furtivo...
«Crescemos pela acumulação de sucessivas camadas até nos tornarmos robustos. O que era ardente e furtivo como um punhado de grãos lançados no ar e dispersos em todas as direcções pelos desordenados ventos da vida, é agora metódico e ordenado, semeado com um objectivo. Ou pelo menos assim parece.»
Virgínia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p. 210
quarta-feira, 3 de julho de 2013
As ondas de escuridão
O sol descera finalmente no horizonte, e era agora impossível distinguir o céu do mar. Ao desfazerem-se, as ondas espalhavam na praia os seus grandes leques, enviavam sombras brancas para as profundezas das cavernas e refluíam suspirando sobre os seixos.
A árvore sacudiu os ramos espargindo folhas pelo chão. As folhas pousaram com perfeito rigor no local onde vão esperar a sua decomposição. O vaso quebrado, que antes contivera a luz vermelha, derramava agora no jardim tons cinzentos e negros. Escuras sombras enegreciam ainda mais os túneis abertos entre os caules das plantas. O tordo estava agora silencioso e o verme encolhido no seu pequeno buraco. Às vezes, uma palha esbranquiçada, arrancada a algum ninho abandonado, caía na erva escura onde as maçãs apodreciam. A luz desaparecera da casa das ferramentas e a pele de víbora pendia de um prego. Todas as cores do quarto tinham transbordado os seus limites. As pinceladas do artista tinham-se tornado demasiado cheias e oblíquas: os armários e as cadeiras misturavam as massas castanhas numa vasta obscuridade. Do soalho ao tecto, pendiam grandes cortinados de trémula escuridão. O espelho estava pálido como a entrada de uma caverna sombreada por trepadeiras.
As sólidas colinas pareciam ter perdido substância. Luzes errantes arrastavam os seus penachos por invisíveis estradas submersas. Mas nem uma só luz surgia por entre as asas dobradas das colinas e nenhum som se ouvia além do grito do pássaro procurando uma árvore solitária. Na borda da falésia, o murmúrio do vento que atravessara as florestas encontrava-se com o da água arrefecida nas inumeráveis e vítreas profundidades do oceano.
Como se existissem ondas de escuridão, a noite avançava cobrindo as casas, as colinas e as árvores, como as ondas do mar varrem os flancos de um navio naufragado. A escuridão cobria as ruas, rodeava os seres isolados e submergia-os. Envolvia também os amantes abraçados à sombra da folhagem densa dos olmos de Verão. As ondas de escuridão avançavam pelos caminhos cobertos de erva e pela terra ressequida, envolvendo o espinheiro solitário e as casas vazias dos caracóis. Depois a escuridão subiu, soprando pelos flancos nus das colinas e atingindo os eruditos cumes das montanhas onde a neve se aloja na dura rocha, mesmo quando os vales estão repletos de arroios e de folhas amarelas das videiras e as raparigas sentadas nas varandas olham a neve protegendo o rosto com leques. Depois a escuridão cobriu também as raparigas.
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.189/190
domingo, 16 de junho de 2013
O sol baixava no horizonte. O dia estilhaçara-se como uma pedra dura e a luz derramava-se pelas suas fendas. Como rápidas flechas emplumadas de trevas, os raios vermelhos e dourados trespassavam as ondas. Cintilações luminosas erravam no espaço como sinais de ilhas que se afundavam ou dardos lançados através das folhas de um loureiro por rapazes sorridentes e desavergonhados. Mas as ondas revestiam-se de um ruído prolongado e surdo, como o de um muro desabando, um muro de pedras cinzentas que nenhuma luz poderia atravessar.
Uma brisa ergueu-se; um frémito percorreu as folhas que perderam a sua compacta cor castanha, tornando-se cinzentas ou brancas, quando a árvore se moveu, perdendo a forma da cúpula. O falcão pousado no ramo mais alto bateu as pálpebras, elevou-se nos ares e ficou a planar ao longe. A tarambola silvestre gemeu nas terras pantanosas, fugindo, traçando círculos e gritando cada vez mais longe, na solidão. O fumo dos comboios e das chaminés subia no ar e desfazia-se convertendo-se em parte do dossel que parecia pairar sobre o mar e os campos.
O trigo já fora ceifado. Agora, das suas ondulações, só restava aqui e ali, o restolho cintilante. Lentamente, uma enorme coruja pousada no olmo, balouçou-se e elevou-se numa sucessão de curvas até ao cimo do cedro. Sombras lentas alargavam-se e estreitavam-se ao passar sobre as colinas. O charco no meio das terras pantanosas repousava sem vida. Nenhum rosto hirsuto fitava a sua imagem, nenhum casco chapinava nele, nenhum focinho quente agitava as suas águas. Um pássaro pousado num ramo cinzento bebeu um sorvo de água fria. Não havia sons de colheitas, nem ruídos de rodas, mas apenas o clamor do vento enchendo as velas e varrendo as ervas. Um osso jazia no solo, gasto pela chuva e esbranquiçado pelo sol, brilhando como um ramo polido pelo mar. A árvore que na Primavera se recobria de reflexos vermelhos e no Verão deixava as folhas ondularem ao vento sul, estava agora negra e nua como o ferro.
O horizonte estava tão distante que já não se podiam ver os telhados brilhantes e as janelas cintilantes. A terrível densidade da terra envolta em sombras, tinha absorvido esses frágeis grilhões, esses obstáculos tão frágeis como as conchas dos caracóis. Subsistia apenas a sombra líquida de uma nuvem, o ruído da chuva, um isolado raio de sol, ou a brusca aparição da tempestade. Nas colinas distantes, as árvores erguiam-se como obeliscos.
O sol do entardecer, difuso e sem calor, dava suavidade às cadeiras e às mesas e marcava-as com losangos castanhos e amarelos. Duplicados pelas próprias sombras os objectos pareciam mais pesados, como se a cor tivesse escorrido obliquamente para um dos lados. As facas, os copos e os garfos davam a ilusão de ser mais longos, mais maciços, adquirindo um aspecto majestoso. Debruado no seu círculo dourado, o espelho parecia olhar a cena como se a quisesse fixar para a eternidade.
Entretanto, as sombras alongavam-se sobre a praia e a escuridão aumentava. O velho sapato, de um negro cor de ferro, era agora uma sombria mancha de azul. As rochas perdiam a sua dureza. A água em volta do velho barco era negra, como se estivesse repleta de mexilhões. A espuma tornava-se lívida e, aqui e ali, deixava brancas cintilações de pérola na praia envolta em bruma.
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.166/7
''Viver tem sido terrível para mim.''
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.161
O sol declinara no horizonte. As ilhas de nuvens haviam-se feito mais densas e deslizavam diante do sol. Os rochedos tornavam-se subitamente sombrios. O trémulo cardo marinho passava de azul a prateado e sombras impelidas pelo vento deslizavam sobe o mar como pedaços de tecido cinzento. As ondas já não atingiam as poças mais distantes, nem alcançavam a linha negra que estendia o seu traçado irregular sobre a praia. A areia tinha uma cor de pérola, suave e brilhante.
Os pássaros volteavam em pleno céu. Alguns deslizavam velozmente nos corredores de vento, giravam e separavam-se como se fossem mil fragmentos de um mesmo corpo. Tombavam do cimo das árvores como uma rede. Um deles voou solitariamente em direcção aos campos e pousou numa estaca branca, abrindo e fechando as asas.
No jardim, algumas pétalas tinham caído. Repousavam sobre a terra como conchas. A folha morta já não jazia na beirada; o vento apoderara-se dela, elevando-a e deixando-a cair e tinha-a largado junto dum silvado. Em todas as flores passava a mesma onda de luz, num repentino frémito e esplendor, como se uma barbatana fendesse o verde cristal de um lago. Às vezes uma forte rajada de vento fazia balouçar simultaneamente as inumeráveis folhas; depois, quando o vento passava, cada folha recuperava a sua identidade. Os claros discos das flores brilhavam ao sol; afastavam-se da luz ao serem agitadas pelo vento e algumas cabeças demasiado pesadas para voltarem a erguer-se ficavam ligeiramente inclinadas.
O sol da tarde aquecia os campos, azulava as sombras. avermelhava o trigo. Os campos brilhavam ao sol como se tivessem sido envernizados. Uma carroça , um cavalo, um bando de gralhas, tudo o que se movia sob a luz do sol parecia banhado a ouro. Ao moverem as patas, as vacas provocavam ondulações de ouro avermelhado e os seus chifres pareciam revestidos de luz. Feixes de trigo louro jaziam nas sebes, perdidos pelos carros baixos e primitivos que chegavam dos campos. As nuvens arredondadas no céu sem perderem sequer o átomo da sua forma. Ao passarem numa aldeia colhiam-na por inteiro na sua rede de sombras e ao afastarem-se deixavam-na de novo livre. Longe, muito longe no horizonte, entre milhões de grãos de poeira de um azul-cinza, via-se arder um vidro ou destacar-se uma silhueta solitária de um campanário ou de uma árvore.
As cortinas vermelhas e as persianas brancas agitavam-se embatendo no rebordo da janela e a luz que entrava em convulsões irregulares tinha um tom acastanhado e um certo ar de abandono ao passar pelas cortinas atormentadas pelo vento. Dava um tom acastanhado a um armário, avermelhava uma cadeira e fazia a janela ondular no flanco do jarro verde.
Por um instante tudo vacilou, tudo mergulhou numa atmosfera de ambígua incerteza, como se uma grande mariposa flutuando no quarto tivesse ensombrecido com as suas asas trementes a imensa solidez das cadeiras e das mesas.
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.146/7
«É um grande alívio ter alguém a quem podemos chamar a atenção para qualquer coisa. Ou então com que se possa estar em silêncio. Ou com ele seguir as obscuras veredas da mente e penetrar no passado, visitar livros, afastar os seus ramos e colher os frutos.»
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.144
''um pôr do sol invernal na extensão dos campos''
Virginia Woolf. As ondas. Tradução de Francisco Vale. Relógio D'Água., p.144
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