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quarta-feira, 13 de março de 2013
«Cesare Pavese, um homem em busca da Morte.»
Manuel de Seabra no prefácio
Cesare Pavese. A Lua e as Fogueiras. Tradução e Prefácio de Manuel Seabra. Livros de bolso. Editora Arcádia, Lisboa., p. 10
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«(...) - Causo-te repugnância, Cate? - disse-lhe baixo, troçando. Sentiu-se apanhada de surpresa e baixou os olhos e a voz. - Porquê? - balbuciou, ela que só truncava as conversas.
-Éramos novos, - recordei. - As coisas nunca acontecem a tempo.»
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa,
p. 154
«-Este governo, - continuava o velho, - não pode durar mais.
-Mas é por isso que dura. Todos dizemos «Está morto» e ninguém faz nada.
- Tu que dizes? Que é que se há-de fazer? - perguntou Cate muito séria.
Calaram-se todos e olharam-me.
- Matar, - disse. - Tirar-lhes o poder. Continuar a guerra aqui em casa, enquanto aquelas cabeças não mudarem. Só ficarão tranquilos quando sentirem as bombas.»
-Mas é por isso que dura. Todos dizemos «Está morto» e ninguém faz nada.
- Tu que dizes? Que é que se há-de fazer? - perguntou Cate muito séria.
Calaram-se todos e olharam-me.
- Matar, - disse. - Tirar-lhes o poder. Continuar a guerra aqui em casa, enquanto aquelas cabeças não mudarem. Só ficarão tranquilos quando sentirem as bombas.»
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 150
«Era doce o barulho da chuva.»
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 95
Uma rapariga como outra qualquer
«-Tão-pouco julgava, desculpe, que você se entendia com Concia.
Giannino ficou um pouco taciturno e voltou aos vidros.
-Uma rapariga como outra qualquer, - disse finalmente. - Mas é muito ignorante. O velho tirou-a do carvoeiro. A velha Spanó
queria apanhá-la em casa.
- É arrogante?
-É uma criada.
-Mas é bem feita, à parte o focinho.
- Diz bem, - anuiu Giannino pensativo. - Esteve tanto tempo nos estábulos a guardar porcos, que tem um pouco o focinho dos animais.
Éramos crianças quando andávamos com o velho Spanó pela montanha, e ela levantava a saia para sentar a pele nua sobre a erva, como os cães. Foi a primeira
mulher que toquei. Sobre as nádegas tinha calo e crosta. »
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa., p. 67
Elena
«Stefano gostaria que ela viesse de manhã e lhe entrasse na cama como uma mulher e não como um sonho que não pede palavras nem compromissos. As pequenas demoras de Elena, a excitação das suas falas, a sua presença simples, davam-lhe desejos.»
Cesare Pavese. Antes que o Galo Cante. Tradução de Fernanda Barreira.Editora Arcádia, Lisboa, p. 39
sexta-feira, 11 de maio de 2012
«Virá um dia em que um olhar tranquilo estabelecerá a ordem e a unidade no laborioso caos que começa amanhã.»
(Fevereiro de 1940
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 311
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«Tu não mudas. És escura.»
Cesare Pavese
Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 325
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A PROPÓSITO DE CERTAS POESIAS AINDA NÃO ESCRITAS
«(...) virá um momento em que faremos poemas cansados, vazios de promessas, aqueles que justamente assinalarão o fim da aventura.»
Cesare Pavese.Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 299
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O Ofício de Poeta
«Tornava-me cada vez mais capaz de subentendidos, de meios tons, duma composição rica, e cada vez menos convencido da necessidade do meu trabalho.»
(...)
«Obstinava-me em narrar e não podia, certamente, perder-me na decoração gratuita.Mas é um facto que as minhas imagens - as minhas relações imaginárias - se complicavam, ramificando-se incessantemente
em atmosferas rarefeitas.»
em atmosferas rarefeitas.»
(Novembro de 1934)
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 299
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''Não há coisa mais amarga do que a aurora dum dia
em que nada acontecerá. Não há coisa mais amarga
do que a inutilidade. Pende cansada no céu
uma estrela esverdeada, surpreendida pela madrugada.
Vê o mar ainda escuro e a mancha de fogo
a que o homem, para fazer alguma coisa, se aquece;
vê e cai de sono entre as pardas montanhas
onde há um leito de neve. A lentidão da hora
não tem piedade de quem já nada espera.''
em que nada acontecerá. Não há coisa mais amarga
do que a inutilidade. Pende cansada no céu
uma estrela esverdeada, surpreendida pela madrugada.
Vê o mar ainda escuro e a mancha de fogo
a que o homem, para fazer alguma coisa, se aquece;
vê e cai de sono entre as pardas montanhas
onde há um leito de neve. A lentidão da hora
não tem piedade de quem já nada espera.''
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 273
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''Depois, na noite que faz desaparecer o mar, escuta-se
o grande vazio que há sob as estrelas.''
o grande vazio que há sob as estrelas.''
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 269
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domingo, 6 de maio de 2012
«Vale a pena ter fome ou ter sido traído
pela boca mais doce, só para sair com aquele céu
e voltar a encontrar no hálito as mais diáfanas recordações.»
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 253
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REVOLTA
O morto está todo torcido e não olha para as estrelas:
tem os cabelos colados ao empedrado. A noite pôs-se mais fria.
Os vivos regressam a casa ainda a tremer.
É difícil acompanhá-los; dispersam-se todos
e um sobe as escadas, outro desce à adega.
E outro caminha até de madrugada e deita-se num prado,
ao sol. Amanhã no trabalho, alguém fará um sorriso
de desespero. Depois, também isto passará.
Quando dormem, parecem o morto: se também há uma mulher,
é mais pesado o odor, mas parecem mortos.
Cada corpo agarra-se, torcido, à cama,
como ao rubro empedrado: o longo cansaço
que dura desde a aurora vale bem uma breve agonia.
Sobre cada corpo coagula uma escuridão suja.
Solitário, o outro corpo morto está estendido às estrelas.
Também parece morto o monte de farrapos que o sol
escalda com força, encostado ao muro. Dormir
na rua demonstra confiança no mundo.
Há uma barba entre os farrapos e percorrem-na
moscas atarefadas; na rua, os transeuntes vão e vêm
como moscas; o pedinte faz parte da rua.
A miséria recobre de barba os sorrisos tensos.
como uma erva, e dá um aspecto pacato. Este velho
que podia morrer todo torcido, em sangue,
parece mais uma coisa e está vivo. Assim,
tirando o sangue, cada coisa é uma parte da rua.
E no entanto as estrelas viram sangue na rua.
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 229
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sábado, 5 de maio de 2012
«De repente gritou
que se o mundo sofria, se a luz do sol
arrancava blasfémias, não era o destino:
o culpado era o homem. Ao menos pudéssemos partir,
rebentar de fome em liberdade, dizer não
a uma vida que utiliza o amor e a piedade,
a família, o bocado de terra, para nos atar as mãos.»
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 229
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« (...) Aprendeu a medir
pela sua própria fadiga a fome dos outros,
e em todo o lado encontrou injustiças.»
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 227
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PAISAGEM IV
(Para a Tina)
Os dois homens fumam na margem. A mulher que nada
sem quebrar a água apenas vê o verde
do seu estreito horizonte. Entre o céu e as árvores
estende-se a água e a mulher desliza nela
sem corpo. No céu pousam nuvens
quase imóveis. O fumo detém-se no ar.
Sob o gelo da água também há erva. A mulher
atravessa-a, suspensa: mas nós calcamo-la,
a erva verde, com o corpo. Em toda aquela água não há
outro peso. Só nós os dois sentimos a terra.
Talvez o seu corpo alongado, submerso,
sinta o gelo voraz absorver-lhe o torpor
dos membros escaldantes de sol, dissolvendo-a viva
no verde imóvel. A sua cabeça não se mexe.
Também ela estava deitada onde a erva está calcada.
O seu rosto semioculto repousava no braço
e olhava a erva. Não falávamos.
No ar paira ainda aquela primeira comoção
das águas que a acolheram. Por cima de nós paira o fumo.
Agora alcançou a margem e fala, o seu corpo escuro,
gotejante, ergue-se entre os troncos.
A sua voz é bem o único som que se ouve por sobre a água
-rouca e fresca, é a mesma voz de antes.
Pensemos, deitados
na margem, naquele verde mais escuro e mais fresco
que submergiu o seu corpo. Depois, um de nós
mergulha na água e atravessa, mostrando os ombros
em braçadas espumosas, o verde imóvel.
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 199
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sexta-feira, 4 de maio de 2012
JANTAR TRISTE
É por baixo da ramada, depois do jantar.
Em baixo há água que corre dócil.
Estamos calados, a escutar e a olhar para o rumor
que faz a água ao passar no rego lunar.
Este tempo suspenso é o momento mais doce.
A minha companheira goza o momento
e parece ainda morder o cacho de uvas,
tão cheia de vida é a sua boca: e o sabor perdura,
têm a doçura das uvas, mas os ombros firmes
e as faces bronzeadas encerram todo o Verão.
Na toalha branca ficaram pão e uvas.
Vazias, as duas cadeiras olham-se cara a cara.
Quem sabe que coisa ilumina o rego lunar
com aquele seu lume doce, nos bosques distantes.
Talvez antes da aurora um sopro mais frio
extinga a lua e os vapores e apareça alguém.
Uma frágil claridade mostraria a garganta
sobressaltada e as mãos febris fecharem-se
em vão sobre os alimentos. Continua o sobressalto da água,
mas no escuro. As uvas e pão continuam no mesmo sítio.
Os sabores atormentam a sombra esfomeada,
que nem sequer consegue lamber no cacho
o orvalho que já se condensa. E com todas as coisas perladas
na aurora, as cadeiras olham-se solitárias.
Por vezes, à beira da água, um cheiro,
como de uvas, de mulher, paira sobre a erva,
e a lua esvai-se em silêncio. Aparece alguém.
mas atravessa incorpóreo o arvoredo e lamenta-se
com aquele gemido rouco dos que não têm voz
e se estendem na erva e não encontram a terra:
tremem-lhe as narinas, somente. Está frio quando o dia nasce,
e estreitar um corpo seria a vida.
Mais difusa que o amarelo lunar, que tem horror
e filtrar-se nos bosques, é esta ânsia sôfrega
de contactos e sabores que macera os mortos.
Outras vezes no solo atormenta-os a chuva.
Na toalha branca ficaram pão e uvas.
Vazias, as duas cadeiras olham-se cara a cara.
Quem sabe que coisa ilumina o rego lunar
com aquele seu lume doce, nos bosques distantes.
Talvez antes da aurora um sopro mais frio
extinga a lua e os vapores e apareça alguém.
Uma frágil claridade mostraria a garganta
sobressaltada e as mãos febris fecharem-se
em vão sobre os alimentos. Continua o sobressalto da água,
mas no escuro. As uvas e pão continuam no mesmo sítio.
Os sabores atormentam a sombra esfomeada,
que nem sequer consegue lamber no cacho
o orvalho que já se condensa. E com todas as coisas perladas
na aurora, as cadeiras olham-se solitárias.
Por vezes, à beira da água, um cheiro,
como de uvas, de mulher, paira sobre a erva,
e a lua esvai-se em silêncio. Aparece alguém.
mas atravessa incorpóreo o arvoredo e lamenta-se
com aquele gemido rouco dos que não têm voz
e se estendem na erva e não encontram a terra:
tremem-lhe as narinas, somente. Está frio quando o dia nasce,
e estreitar um corpo seria a vida.
Mais difusa que o amarelo lunar, que tem horror
e filtrar-se nos bosques, é esta ânsia sôfrega
de contactos e sabores que macera os mortos.
Outras vezes no solo atormenta-os a chuva.
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 195-197
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quinta-feira, 3 de maio de 2012
«Não há cama mais solitária para quem ao romper do dia
ainda dorme estendido, sonhando com a escuridão.»
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 179
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