domingo, 23 de setembro de 2018

Mariphasa - Filme português de Sandro Aguilar

«Gente perdida, sem saber para onde vai, sem saber o que quer ou o que os espera. O que podem eles fazer contra o destino? Há um acidente. Um funeral. Um homem que já não é bem-vindo. O seu caminho cruza uma mulher e o seu filho, ambos com medo; um outro homem (marido, ex-marido?), caçador, alguém que cria medo. Andam à volta uns dos outros, como animais enjaulados num zoológico. (E às tantas a mulher é veterinária.) Há algo de malsão a trabalhar em Mariphasa, algo de maligno, de mais assustador do que qualquer filme de terror. Mas há também um conforto estranho: o de sabermos que esta gente é como nós. Talvez sejamos nós — gente perdida, transtornada, que já não sabe mais para onde se virar, gente perdida, assustada, à beira de explodir, à beira de libertar algo. O quê? Não sabemos, Sandro Aguilar não no-lo diz. Prefere deixar-nos ali a boiar neste plasma líquido, neste fluido amniótico de vidas com medo, de pesadelos nocturnos, sempre de noite, sempre às escuras, sob o signo do sangue.»

Ver aqui.

paredes-meias

domingo, 16 de setembro de 2018

préstito

prés.ti.to
ˈprɛʃtitu
nome masculino
aglomerado de pessoas em marchacortejoprocissão

''camisola de andorinhas''

«Sobre os pés musicais da minha estrutura de pássaros, hei-de cantar-te até que as bocas desterradas no ódio bebam as lágrimas do anjo escondido na prega de uma obtusa consciência homicida.»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 98

Alec Guinness and Simone Signoret practice a scene from Macbeth at the Royal Court Theater in Chelsea


«Porque como todos aqueles que engolem a espada em chamas do amor eu conheço o medo e digo-vos que o democrático é o nosso medo de haver democracia. Ah, creiam-me, o democrático é, no centro da nossa crisólita de feridas abertas para a liberdade, a sufocação que não deixa haver democracias.»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 92
« Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 89
«não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa»


Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 88
« E eu que me recuso a engendrar verdugos, engolindo-me em vómito de vítima, enriqueci o meu dicionário de heliotrópios com um significado adequado ao curso do sol: camelo - tenaz imobilidade de juiz com o mundo paralítico nas patas.»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 85

So It Goes - Cate Blanchett by Julia Hetta


« O DIRECTOR DA SOCIEDADE PROTECTORA
                DOS ROBOTS DESVALIDOS»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 80
« O CHEFE DO PARTIDO CONSERVADOR O TEMPO
               EM QUE OS HOMENS FALAVAM»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 80
« É PROIBIDO PLANTAR COGUMELOS
       SEM COLHER CADÁVERES»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 77

«E um cu a fazer de altar»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 32

''ventre orgíaco''

«Começam a depor as testemunhas: a primeira é uma SOLTEIRONA arreitada de luxúria e escumando pavor.

                           A SOLTEIRONA

Fez uma magia
Sobre a minha telha
Um pénis que ria
Entrou-me pela orelha.

Em insónias roxas
Vigílias de lama
Arderam-me as coxas
Nas brazas da cama.

Deu-me um lírio preto
Como um diamante
Era um amuleto
Para eu ter um amante.

(...)»


Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 27
«Ficaram mortos sem cemitério
Sem se lembrarem de ter morrido»

Natália CorreiaPoemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 25

QUEIXA DAS ALMAS JOVENS CENSURADAS

Natália Correia. Poemas a Rebate. Poesia Século XX. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975., p. 13
«E a nada mais me entrego,
Apenas decepção e pensamento.»


Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 43

''salgadas searas''


«Anjo de Rosto ausente.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 39
«Sem me creio, existo. Não importa a forma.
Não importa aonde. Se Te creio existes.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 37

«Não sou fácil nem mansa.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 34

«Da terra que é fome e come.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 31

«Em braços de outros Dias.
Em bocas de outro Mar.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 30

«Uma Pátria de angústia»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 30

NÃO OCULTEM MAIS ROSTOS

«Não fechem mais caixões, à hora clara
Em que o dia vai alto.

Deixem que a vida seja sempre a Morte.
Deixem que a Morte seja sempre a Vida.

Que uma e outra, de amor, tão confundidas
Nem saibam do mistério que as transporte.

Deixem colar-se horror e podridão
À nossa pele de vivos verticais.

Não nos deixem esquecer as abissais descidas à Paixão.

(...)»


Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 29

sábado, 15 de setembro de 2018

«Os mortos mais antigos»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 27
«Mentecapta, cega
E taralouca e mouca
Tranco-me até aos dentes.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 26
«O rio comovido
Os dias sossegados.
Após tanta paixão
Os ventos apagados.»


Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 26

«Esta paz tão antiga, de morrer nos teus braços.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 23
« - Despe-te, carne! Despe-te de véus!
Despe os ossos, os nervos, despe a lua
Que te inunda de crimes cintilantes.
Despe-te!»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 21

«Pés de regresso à casa que é vazia.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 14

« E línguas sem gargantas.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p. 12
«O que eu queria não era bem a Morte,
Porque a Morte era eu para além de mim.
Eu queria o fim, o fim...»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., p.11
«Preciso que me esqueçam e me esqueça
Para poder ser eu.
E me esvaziem olhos e cabeça
Até onde o que sou chamei de meu.»


Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda., P. 11

aceitar acriticamente

«Nada foi como queria.
Foi tudo como sou.»

Natércia Freire. Obra Poética. Volume II. Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

Robert Mapplethorpe, Lisa Lyon, 1980


O preço do açúcar

''a natureza-morta, o retrato, a sexualidade''

''ramo de jarros''

a instrumentalização do feminismo

''Poderá a cultura da irritabilidade, com o cinismo?''

quinta-feira, 13 de setembro de 2018


«I can now see everything falling to pieces before my eyes.»

Ian Curtis

Branco, exposição da fotógrafa Luísa Ferreira (na Galeria Monumental, Lisboa)

“Branco é um trabalho desenvolvido a partir do auto-retrato, traçando um percurso que passa pela auto-representação para construir a noção de ficção identitária. Esta, por sua vez, é baseada na expressão “aquilo sou eu”, no sentido em que eu sou as minhas percepções. Refere a inevitabilidade do corpo na criação de espaço. Aborda o conceito de arquivo nas suas formas e propósitos, e assinala a sua importância para a construção da identidade. Reflecte sobre as potencialidades e a finalidade da fotografia no contexto actual”.

Luísa Ferreira
«Se, pelo menos, pudéssemos viver duas vezes; a primeira vez, para cometer todos os inevitáveis erros; a segunda, para lucrar com eles.»

D.H. Lawrence

domingo, 9 de setembro de 2018

«Já visitei muitas vezes o inferno e já cheguei a pensar que se pode morrer de tristeza.»

Eurodeputada Marisa Matias

''só melhoro quando chove''

Adélia Prado

« Mostrar-te-ei medo num punhado de poeira.»

T.S.ELIOT. A Terra sem Vida. Colecção Poesia. Edições Ática. Lisboa., p. 23
«Tu não sabes dizer nem supor, pois apenas conheces
Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate,
E a árvore morta não oferece abrigo, nem o grilo trégua,»


T.S.ELIOT. A Terra sem Vida. Colecção Poesia. Edições Ática. Lisboa., p.

sábado, 1 de setembro de 2018

imperceptível,                  o arado rasga a terra,
o amor dorme,
                       da árvore pende o mais doce fruto,
a casa é branca,              tão branca,          penso eu.


que farei deste silêncio e destas feridas,
que profundo desgosto atraiu o olhar,
que ódio mais necessário envolve as mãos?


sou jeremias,

                                  é certo.
o fugitivo,                            o ermita,
o vagabundo do país de exílio,
da lisboa inerte              onde se morre,
sou o louco impossível,
            o pastor da noite que nunca chegará,

o avô negro que envelheceu entre as plantações
de algodão             no sul,
e através da auto-estrada e do vento da costa,
quando se dirigia para o ocaso,
                                       nas horas de maior calor;

tudo o que amei passou,
                              como as marés que deixam o
ciclo,
                    lua cheia e lua nova,
                                             inverno e estio,
tudo o que amei se abandonou,
como náufrago que o mar abandona à praia,
quase morto,
no fim da viagem subitamente interrompida,

agora que o fascínio das noites do sul se perdeu

e o sul se perdeu,
                                        e o cais se perdeu...


José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 25/6
«A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.»

António Lobo Antunes in Diário de Notícias (2003)

«entretanto
não conheci cidades senão as onde se morre,»

José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 21

exercícios de sofrimento

«pela estrada de pó havemos de chegar à branca igreja»

José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 16

«depois, seria amanhã,»

José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 14
''Like a painter in front of a new palette, express the red colour on your lips as you never did before with the brand new''

Nova Campanha da Dior

«venha a mim o reino destruído,»

José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 11

« bem aventurados sejam os dias de cólera,»

José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 11
para aqueles cujo coração é o coração da terra e 
do vento e do mar
e por isso são filhos da terra e do vento e do mar,

é este livro.

para os que regressam um dia e tudo se perdeu
enlouquecendo depois pelos caminhos do litoral e da 
noite,

é este livro.

para eliot e pound, whitman e pessoa, shelley e 
algumas gerações,
as belas malditas e perdidas gerações

é este o livro.

para cavalo louco e billy the kid,
vagabundos de sempre              bêbedos ternos    e
mestre desaparecidos,
cantores dos campos                  e tocadores antigos,

é este livro.

para ti                 filho do norte e do sul
de todos os silêncios    de todas as casas      de todas
as tardes,
irmão do fogo e da flor ardente,
companheiro de setembro        e maio           e dezembro,

é este livro.

para aqueles que vão sobre as ondas e no deserto e
no azul
perseguindo a nuvem        e o sol         e a ave,
derradeiros  viajantes de muitas migrações,

é este livro,

daqui lisboa        onde arde e morre           o coração.


José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., pp. 7-8

sexta-feira, 31 de agosto de 2018


«Vai, vai, vai, disse a ave:
O género humano não pode suportar mais realidade.»

T.S. ELIOT

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

UFANAR

Verbo Transitivo
Tornar vaidoso ou ufano

Verbo Pronominal
Sentir vaidade ou ufania

Verbalizar com o corpo.

domingo, 26 de agosto de 2018


o drama da consciência moderna

«A crítica do sujeito tampouco equivale à destruição do poeta ou do artista, mas da noção burguesa de autor. Para os românticos, a voz do poeta era a de todos; para nós é rigorosamente a voz de ninguém. Todos e ninguém são equivalentes e estão a igual distância do autor e de seu eu. O poeta não é “um pequeno deus”, como queria Huidobro. O poeta desaparece atrás de sua voz, uma voz que é sua porque é a voz da linguagem, a voz de ninguém e de todos. Seja qual for o nome que demos a essa voz – inspiração, inconsciente, casualidade, acidente, revelação –, é sempre a voz da outridade. »

Octavio Paz, 2013
''o poeta é um sujeito vazio, “a voz de ninguém”, que se assume enquanto impessoalidade no momento da criação''
«Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nos buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos – sinal de criação – descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável, alheio, com teu rosto e o meu, tu sempre comigo e sempre só. »

Octavio Paz, 2012
«(...) como afirma Paz sobre Campos e Barnabooth (“heterônimo” de Valéry Larbaud), esses poetas “no son Narciso: están fascinados por sus defectos, no por sus perfecciones”

Octavio Paz, 2003
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —

 Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
— Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido “Ah!” para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...

Que Musa!...

Fernando Pessoa, 1972
''A realidade do objeto serve, antes, para contrastar com a irrealidade do próprio sujeito; ou melhor, o objeto torna-se irreal – .''

''limpeza sintática do verso''


“Digo”, “sou” – e a realidade existe.

«O “Paganismo Absoluto” de Caeiro finca suas raízes em recusas; é a busca de um caminho contra a corrente, numa direção diversa da que trouxe Fernando Pessoa, da que nos trouxe, ao que somos: ocidentais acidentados, fraturados entre o objetivismo e o subjetivismo, o intelectualismo e o sentimentalismo, a ciência e a metafísica. »

PERRONE-MOISÉS, 2001
“O regresso ao tempo do começo, ao tempo anterior à ruptura, implica uma ruptura. Não há como negar, por mais surpreendente que tal proposição nos pareça, que só a modernidade pode realizar a operação de volta ao princípio original, porque só a idade moderna pode negar a si mesma”

Octavio Paz, 2013
“Procuro encostar as palavras à ideia | E não precisar dum corredor | Do pensamento para as palavras”

Fernando Pessoa, 1972.
“O mais natural e simples dos heterónimos é o menos real. Isto se dá por excesso de realidade. O homem, sobretudo o homem moderno, não é de todo real. Não é um ente compacto como a natureza ou as coisas; a consciência de si é sua realidade insubstancial”

Octavio Paz. (2012b). “O desconhecido de si mesmo: Fernando Pessoa”, in Signos em rotação. Trad. de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 3.ª ed., pp. 211.
 “Digo de mim ‘sou eu’. | E não digo mais nada. Que mais há a dizer?”

Fernando Pessoa, 1972.

outridade

«Experiência feita do tecido de nossos atos diários, a outridade é antes de mais nada a percepção de que somos outros sem deixar de ser o que somos e que, sem deixar de estar onde estamos, nosso verdadeiro ser está em outra parte. Somos outra parte. Em outra parte quer dizer: aqui, agora mesmo enquanto faço isto ou aquilo. E também: estou só e estou contigo, em um não sei onde que é sempre aqui. Contigo e aqui: quem és tu, quem sou eu, onde estamos quando estamos aqui?»

Octavio Paz
“El hombre es hombre gracias al lenguaje, gracias a la metáfora original que lo hizo ser otro y lo separó del mundo natural. El hombre es un ser que se ha creado a sí mismo al crear un lenguaje. Por la palabra, el hombre es una metáfora de sí mismo”

Octavio Paz

''a distância entre o sentir e o pensar, o ser e o falar, o homem e o mundo.''

pensador da modernidade

“Os poetas não têm biografia. Sua obra é sua biografia”

Octavio Paz

polaridades poéticas


Entre mis encuentros imaginarios, el de 
Fernando Pessoa fue uno de los más profundos. 

Octavio Paz

Poema – “Luz do sol, luz da razão” (Antero de Quental)

Luz do sol, luz da razão
Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim...
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim...

Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz...
Ergo-os acima - e embora
Cegue, recebo-a a flux!

Crepúsculos são sonhos...
E sonhos é morrer...
Sonhar é para a noite:
Mas, para o dia, ver!

Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!

Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,

É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!

Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!

Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida...
Vida - calor e luz!

Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!

Bata-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!

Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu...

E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!

Em baixo! O que é em baixo?
Em baixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!

Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais

Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões...
E têm os próprios cegos
Um céu... nos corações!

Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê...

Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!

E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!

Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu...

Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo...
Tu, sol, e tu, razão!

Antero de Quental

lâminas de vidro


«Dois olhos como há só dois. »

Pedro Homem de Mello

«Santa Marta saias negras
 Tem vidrilhos de luar. »

Pedro Homem de Mello
«Quem dorme na minha cama,
E tenta sonhar meus sonhos? »

Luís de Macedo

''vida doentinha''

''- Donde vens, oh minha alma,
que já mal te conhecia? ''
''Memória do bem cortado em flores, ''
''Com que voz, chorarei meu triste fado
que em tão dura paixão me sepultou. ''

“ És tu tão única como a noite é um astro”

 JORGE, Luísa Neto, Terra Imóvel, Lisboa, Portugália editora, 1964, pp. 87-94.
“ O Portugal deste fim de século já não é o de Amália. Enterrá-la-á segundo o seu ritual, não o dela. Arrebatá-la-á, com cantos e flores a uma morte sobre quem ela vogou intrepidamente sob a máscara de nossa senhora da tristeza. O século não vai para tristezas. Demais as teve”

Eduardo Lourenço In, O Público, A morte de Amália Rodrigues: Portugal despede-se de si mesmo, Lisboa, 1999, p.3.

“Não tive de lutar nada. Tudo na vida me aconteceu “

Amália Rodrigues, fadista.

ofício de bordadeira

 «Tornou-se lendário o romance que terá envolvido Maria Severa Onofriana (1820-1846), que dirigia uma taberna com sua mãe, Ana Gertrudes Severa, uma célebre prostituta da Mouraria conhecida pelo sobrenome de ‘Barbuda’, onde se cantava o Fado, e o Conde de Vimioso, que a levaria pontualmente a cantar em salões de titulares.

Nasceria desta forma o mito da Severa, uma prostituta que por tanto amar e sofrer, morreu nova. Teria sido este o seu destino, o seu Fado: morrer de e por amor : “ (...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa já morreu: e fadista como ela nunca no mundo apareceu(...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa se finou. O gosto que tinha o Fado, tudo com ela acabou”.»

NERY,Rui Vieira, Para uma História do Fado, 1ª edição, Lisboa, Público, Comunicação Social, S.A, e Corda Seca, Edições de Arte, S.A, Outubro de 2004, pp.64-66.

marialvas

Fadista que pertence a família tradicional distinta ou que o aparenta.

''mulheres de má nota''

“ Para nós o Fado tem uma origem marítima (...) O Fado nasceu a bordo, aos ritmos infinitos do mar...”.


CARVALHO, Pinto de, (Tinop), História do Fado, 1ª edição, Lisboa, Empreza da História de Portugal, Sociedade editora, 1903.

“ Amália/ quis Deus que fosse o meu nome/ Amália/ Acho-lhe um jeito engraçado/ Bem nosso e popular/ Quando oiço alguém gritar/ Amália/ Canta-me o Fado...”

 Fado AMÁLIA de José Galhardo e de Frederico Valério

«…é fascinante a água nos lábios das crianças…»

Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 55

« o amor aumenta com o amarelecimento do linho»

Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 54

«…no fundo, eu atravessava-te sem me deter
nada sabia ou sei acerca da morte
nem das ruínas deste outro corpo que o mel é capaz de
ressuscitar…»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 44

«ambos conhecíamos o sabor do sangue e das açucenas
tardias»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 43

«a fuga é possível, dizias
Estávamos sentados em frente ao lume, falávamos baixo»

Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 42

«(….), sem saber por
Onde fugir-me…»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 33

Nick Cave & The Bad Seeds - Henry Lee




Get down, get down, little Henry Lee
And stay all night with me
You won't find a girl in this damn world
That will compare with me
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
I can't get down and I won't get down
And stay all night with thee
For the girl I have in that merry green land
I love far better than thee
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
She leaned herself against a fence
Just for a kiss or two
And with a little pen-knife held in her hand
She plugged him through and through
And the wind did roar and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Come take him by his lilly-white hands
Come take him by his feet
And throw him in this deep deep well
Which is more than one hundred feet
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Lie there, lie there, little Henry Lee
Till the flesh drops from your bones
For the girl you have in that merry green land
Can wait forever for you to come home
And the wind did howl and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee

Artista: Nick Cave and the Bad Seeds
Álbum: Murder Ballads
Data de lançamento: 1996

TRUQUE DO MEU AMIGO DA RUA

   ao acaso encontrei-me encostado a uma esquina
   olhar vazio varrendo a multidão, parei
   sorri e tu vieste, fomos andando
   os ombros tocavam-se, em direcção a casa

   pediste-me para tomar um duche, eu deitei-me
   ouvi o barulho da água resvalando pelo teu corpo sujo de
cidade e de engates
   sujo pelos dias e noites e mais dias que não te tive
   esperei-te deitado, outro cigarro
   e ainda espero...
   ...gosto dos corpos que riem, frescos
   rasgam-se à ternura nocturna dos dedos, e ao desejo
   húmido da boca, que sempre percorre e descobre...

   tacteio-te de alto a baixo
   reconhecendo-te num gemido que também me pertence, no
escuro
   contaste-me uma improvável aventura de tarzan, ouvia-te
    e no silêncio do quarto fulguravam aves que só eu via...

    ...sorri ao enumerar os restos que a manhã encontraria
pelo chão
    manchas de esperma, ténis esburacados, calças sujíssimas,
blusão cheio de auto-colantes, peúgas encortiçadas pelo suor
as cuecas rotas, sujas de merda...

e tuas mãos, recordo-me
sobretudo de tuas mãos imensas sobre as coxas
teu corpo nu, à beira da cama, em sossegado sono...


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 32

«volto ao quarto de pensão, fumo até ao vómito
Isto é: drogo-me…»

Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 30

AUTO-RETRATO COM REVÓLVER

as palavras foram alinhavadas pelos preguiçosos dedos
o texto transparece na claridade das manchas de tinta
...teço a ausência dum corpo que me é absolutamente ne-
cessário, doem-me estes gestos
estas coisas cobertas de pó sobre a mesa: papéis amar-
rotados, fotografias, cartas interrompidas, objectos quebrados,
sinais ténues de gordura e de fundos de chávena
   lápis, cigarros esboroados, o revólver


  num dos cantos inacessíveis da casa, as aranhas vão cons-
truindo ninhos diáfanos
  segregam sábios labirintos em perigosa baba...
  ...sinto-me vazio, hoje
  a compreensão do mundo escapa-me, pouco me importo
com isso
  está tudo mais calmo, em redor da casa, o jardim quieto
  poderia passar o dia a ler, por desfastio, à maneira dos
príncipes persas
  a tarde torna as madeiras rubras, aquece
  os livros parecem de pedra em seu arrumo cauteloso

  ...ao alcance está o revólver
  perto da mão que nunca aprendeu a escrever, aquece ao
simples contacto dos dedos
   a outra mão, a direita, definhou um pouco quando aprendeu
o silencioso ofício...

  eu explico: hoje deve ser domingo
  e a mão esquerda masturba enquanto a direita escreve com
destreza, sem cessar
  ...mais tarde, escrevia eu
  poderiam as mãos trocar de ofício
  o revólver tingir-se-ia de tinta permanente, o papel apresen-
taria o terrível sulco de uma bala...

Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 25

sábado, 25 de agosto de 2018


John Cale - Dying On The Vine



I've been chasing ghosts and I don't like it
I wish someone would show me where to draw the line
I'd lay down my sword if you would take it
And tell everyone back home I'm doing fine
I was with you down in Acapulco
Trading clothing for some wine
Smelling like an old adobe woman
Or a William Burroughs playing for lost time
I was thinking about my mother
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying on the vine
Who could sleep through all that noisy chatter
The troops, the celebrations in the sun
The authorities say my papers are all in order
And if I wasn't such a coward I would run
I'll see you me when all the shooting's over
Meet me on the other side of town
Yes, you can bring all your friends along for protection
It's always nice to have them hanging around
I was thinking about my mother
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying, dying on the vine
Compositores: John Davies Cale / Larry J. Sloman


«poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito inter-
rogar-se acerca da melancolia das mãos…»




Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 24

«…há sempre um rio no fundo de casa sonho»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 14

«a solidão tem dias mais cruéis»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 14

«não possuo a morte no coração, mas sim pouco de
chuva  que lentamente apaga o fogo doutros dias mais simples»


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 13

sábado, 18 de agosto de 2018


"If you want a do-right-all-day woman/ You've got to be a do-right-all-night man"

padrões domésticos convencionais

bravata

nome feminino
1.ameaça arrogante
2.fanfarronice; bazófia; jactância

"Sock it to me"

Aretha Franklin

"Frankly, my dear, I don’t give a damn"

Clark Gable

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

desindividualização


finitude prosaica

“textos blindados” (armored texts)

impressão fantasmagórica

«(...) Nada restava naquela voz a não ser uma grande indiferença; ela havia sido calcinada pelo fogo. Com homens assim se pode lutar.»

Ernst Jünger
«(...) por vezes, quando de repente a tempestade dos martelos e das rodas que nos rodeia se silencia, a tranquilidade que se esconde atrás da desmedida do movimento parece contrariar-nos quase corporalmente, e é bom o costume do nosso tempo, para honrar os mortos ou para gravar na consciência um instante de significado histórico, declara suspenso o trabalho por um intervalo de minutos, como por um comando supremo. Pois este movimento é uma alegoria da força mais íntima, no sentido em que o significado misterioso de um animal se manifesta o mais claramente possível no seu movimento. Mas o espanto sobre a sua suspensão é, no fundo, o espanto sobre o ouvido julgar perceber, por um instante, as fontes mais profundas que alimentam o curso temporal do movimento, e isso eleva este ato a uma dignidade de culto.»

Ernst Jünger
«Esse produto das fábricas americanas de distração já não é mais constituído por garotas individuais, mas complexos indissolúveis de garotas, cujos movimentos são demonstrações matemáticas. Enquanto elas se condensam em figuras nos teatros de revistas, espetáculos da mesma precisão geométrica acontecem no mesmo estádio sempre lotado na Austrália e na Índia, para não falar na América. A menor das localidades, na qual esse espetáculo ainda não foi divulgado, será informada por meio do cinejornal da semana. Basta um olhar na tela para entender que os ornamentos consistem em milhares de corpos, assexuados, em roupas de  banho. A regularidade de seus desenhos é aplaudida pela massa, disposta ordenadamente nas tribunas.»

KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa. In: KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa: ensaios. Tradução Carlos Eduardo Jordão Machado e Marlene Holzhausen. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 92


A Change Is Gonna Come
Aretha Franklin
There's an old friend that
I once heard say
Something that touched my heart
And it began this way
I was born by the river
In a little tent
And just like the river
I've been runnin ever since
He said it's been a long time comin'
But I know my change is gonna come
Oh yeah
He said it's been too hard livin'
But I'm afraid to die
I might not be if I knew
What was up there
Beyond the sky
It's been a long, a long time comin'
But I know my change has got to come
Oh yeah
I went, I went to my brother
And I asked him, brother
Could you help me, please?
He said, good sister
I'd like to but I'm not able
And when I, when I looked around
I was right back down
Down on my bended knees
Yes I was, oh
There've been times that I thought
I thought that I wouldn't last for long
But somehow right now I believe
That I'm able, I'm able to carry on
I tell you that it's been along
And oh it's been an uphill journey
All the way
But I know, I know, I know
I know my change is gonna come
Sometimes I had to cry all night long
Yes I did
Sometimes
I had to give up right
For what I knew was wrong
Yes it's been an uphill journey
It's sure's been a long way comin
Yes it has
It's been real hard
Every step of the way
But I believe, I believe
This evenin' my change is come
Yeah I tell you that
My change is come
Compositores: Sam Cooke
Letras de A Change Is Gonna Come


«Aquilo que à partida se mostra, de um modo puramente fisionómico, é a rigidez do rosto, como uma máscara, que é tanto adquirida como acentuada e aumentada através de meios exteriores, como a ausência de barba, o penteado e um chapéu justo. Que neste carácter de máscara, que desperta nos homens uma impressão metálica, nas mulheres uma impressão cosmética, venha à luz um processo muito incisivo, pode-se concluir já de ele mesmo conseguir polir as formas através das quais o carácter dos sexos se torna fisionomicamente visível. Não é por acaso, diga-se de passagem, o papel que desde há pouco a máscara recomeça a desempenhar na vida quotidiana. Ela aparece de modos variados em locais onde irrompe o carácter especializado do trabalho, seja como máscara de rosto para o desporto e para altas velocidades, tal como a possui qualquer automobilista, seja como máscara de protecção no trabalho num espaço ameaçado por radiações, explosões ou difusão de narcóticos.»

 JÜNGER, Ernst. O trabalhador. Domínio e figura, op. cit., §13, p. 77.
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