domingo, 26 de agosto de 2018

TRUQUE DO MEU AMIGO DA RUA

   ao acaso encontrei-me encostado a uma esquina
   olhar vazio varrendo a multidão, parei
   sorri e tu vieste, fomos andando
   os ombros tocavam-se, em direcção a casa

   pediste-me para tomar um duche, eu deitei-me
   ouvi o barulho da água resvalando pelo teu corpo sujo de
cidade e de engates
   sujo pelos dias e noites e mais dias que não te tive
   esperei-te deitado, outro cigarro
   e ainda espero...
   ...gosto dos corpos que riem, frescos
   rasgam-se à ternura nocturna dos dedos, e ao desejo
   húmido da boca, que sempre percorre e descobre...

   tacteio-te de alto a baixo
   reconhecendo-te num gemido que também me pertence, no
escuro
   contaste-me uma improvável aventura de tarzan, ouvia-te
    e no silêncio do quarto fulguravam aves que só eu via...

    ...sorri ao enumerar os restos que a manhã encontraria
pelo chão
    manchas de esperma, ténis esburacados, calças sujíssimas,
blusão cheio de auto-colantes, peúgas encortiçadas pelo suor
as cuecas rotas, sujas de merda...

e tuas mãos, recordo-me
sobretudo de tuas mãos imensas sobre as coxas
teu corpo nu, à beira da cama, em sossegado sono...


Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 32

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