domingo, 8 de novembro de 2015

«Duros seios que esmago contra o peito»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 27

«Loucas mãos: para o amor violento.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 23

''deslumbramento aceso''


eclusa

''sistema de comportas que permite aos navios vencer a diferença de nível existente num troço de rio, canal ou entre dois lagos ou oceanos''
a toda a brida a toda a pressa, à desfilada
(...)

«Aconselho-vos o amor
cheio de força; os moinhos
girando ao vento desbridado.
Aconselho-vos a liberdade
do amor (que logo passa
- (vão dizer-vos que não  -
para os gestos diários).

ACONSELHO-VOS A LUTA.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 23

«Beberá na boca da amada.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 21

Pessoas bonitas não acontecem por acaso...

“As pessoas mais bonitas que conhecemos são aquelas que conheceram o sofrimento, conheceram a derrota, conheceram o esforço, conheceram a perda e encontraram seu caminho para fora das profundezas. Essas pessoas têm uma apreciação, uma sensibilidade e uma compreensão da vida que as enche de compaixão, gentileza e uma profunda preocupação amorosa. Pessoas bonitas não acontecem por acaso…”

Elisabeth Kübler-Ross

«Sei que vais já morta, ferida no coração
por pedras e nevoeiros, por tarântulas.»

Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 16
"Não é fácil resistir a tudo
o que nos roubam.
Tempo, memória, mundo.
Toleramos o intolerável
com insuportáveis venenos.
Até melhor ordem, se houver.


Noutras casas (lembro-me)
éramos mais, bebíamos
apressadamente a juventude.
Mas a vida - chamemos-lhe
assim - separa os que se juntam,
gosta de abismos fáceis.

Ao quinto ou sexto gin
(lembras-te?) deitávamo-nos
a sorrir para as estrelas,
sobre o pano gasto do bilhar.

A música era esta.
Perdemos quase tudo."

-"A Última Porta" (Antologia)
- Manuel de Freitas

«o cigarro entre os lábios, meio ardido.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 15
“I have Graham Greene’s telephone number,
 but I wouldn’t dream of using it. 
I don’t seek out writers 
because we all want to be alone.”

 Patricia Highsmith

sábado, 7 de novembro de 2015

"À meia-noite, pelo telefone,
conta-me que é fulva a mata do seu púbis.
Outras notícias
do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
Fecha-se em copas:
Se você não vem depressa até aqui,
nem eu posso correr à sua casa,
que seria de mim até ao amanhecer?"

Concordo, calo-me."

-"O Amor Natural"
- Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

«Nada é igual ao que foi antes»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 15

UM VENTO LEVE, UMA ESPUMA


Do beijo fica um sabor,
do sabor uma lembrança,
um vento leve, uma espuma.

Do beijo fica um sereno
olhar, o amor de coisas
minúsculas e humildes,
um pássaro que vai e vem
da nossa boca às palavras.
Do beijo fica, suprema,
a descoberta da morte.
Um vento leve, uma espuma
salgada, à flor dos lábios.


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 14

«Feriste, feriste-me sem remédio.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

«Deste um nome de incêndio a certas palavras.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

«Tentas, de longe, dizer que estás aqui.»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12
(...)

« a tua ternura quer matar-me.
Quem sabe, amor, onde o amor se fere?»


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 12

SENTO-ME NA TUA TERNURA A CHUVA CAI


Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 11
«Os gritos a meio da noite
das amantes a meio da loucura voavam
como facas para o meu peito.»



Fernando Assis Pacheco. A Musa Irregular. Edições Asa. Lisboa, 1991., p. 11

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

"Estamos enterrados debaixo do peso da informação,
que está a ser confundida com conhecimento;
a quantidade está a ser confundida com abundância
e a riqueza com felicidade.
Somos macacos com dinheiro e armas"


Tom Waits

"Deus, o único ateu perfeito"


 Teixeira de Pascoaes

outoniço

"A história acabou ali. O resto é só um caminho para o princípio: a tua morte. Ou mais longe ainda: uma cidade que irias percorrer, que o teu olhar esvaziava de outro olhar.E por outro lado quem sempre te vira, via-te. Atrás das janelas, por entre as cortinas, ou sentados na tabernas ou; não o conheço, ou: boa noite Tonito, ou mudavam de passeio, ou o riso dos pescadores que consertavam as redes: olha o gajo à procura de homem, aquela vergonha, antes ladrão que paneleiro. Há tantos anos. Ou desde sempre.
Um lugar cercado: seria o teu. Um lugar aguarda o homem que lhe dará o cerco. A mágoa. A mácula. A mancha. Não a mancha: o borrão."

-"(ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?
- Rui Nunes

domingo, 1 de novembro de 2015

"Em nenhuma
parte
da terra
me posso
fixar
A cada
novo
clima
que encontro
descubro
indolente
que
já de uma vez
a ele me tinha
habituado
E assim me afasto sempre
estrangeiro"

-"Sentimento do Tempo"
- Giuseppe Ungaretti

ANONIMATO Diogo Vaz Pinto &etc (2015)


sábado, 31 de outubro de 2015

«O pudor é a última coisa que se perde, dizem.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 94
«O teu coração conservou a inquietude da procura, ou deixou-se sufocar pelas coisas que acabam por o atrofiar.»

Papa Francisco
«De vez em quando surgiam gritos do nada. Eram sons-navalha espetados nos nossos cérebros. Poderiam ser gritos de pureza. Talvez desespero. Talvez nada.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 69



«É preciso perceber, de uma vez por todas, que não há doenças, mas sim doentes, e que cada um de nós tem uma vida vegetativa, uma vida animal e uma vida humana, como humanos que somos. E essas são vidas que merecem e justificam respeito. Não são dissociáveis, mas sim complementares.»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 55
«Vivemos sós, na solidão que nós próprios criamos. A vida é assim.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53


«Havia sol no Inverno das almas e escuridão no inferno da minha existência. Mas de que tamanho era esse inferno quando comparado com as agruras de tanta gente que nem tempo tem para ter inferno?...»



Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 53

«Gritos de desespero e adeus.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 25

fogo-fátuo


« São, também, edifícios sem expressão, construídos pelo homem-adivinho que traça em papel o rumo do que não compreende, nem sabe, mas julga que sabe.
   À direita fica o rio das mágoas gradeadas, onde se inventam diariamente novos seres e que, actualmente, é pouco mais do que o ninho morto e vazio dos pensamentos idos.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

« O primeiro adeus»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 23

«Suprema felicidade, ainda que breve.»


Fernando CorreiaPiso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 21

«Sentado a meu lado está um corpo de mulher, esquálido, ossudo, praticamente inerte, dir-se-ia que traduzindo a morte aparente de quem está, na verdade, morto para a vida.»

Fernando Correia. Piso 3. Quarto 313. Guerra e Paz, 2015., p. 19
'«Quem for homem de carne
tenha um sonho
da brancura do leite que bebeu
(...)»


Miguel Torga
«Em sentido amplo, a palavra ''cultura'' designa tudo aquilo por meio do qual o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu espírito e do seu corpo; se esforça por dominar o universo pelo conhecimento e pelo trabalho; humaniza a vida social, tanto a vida familiar, como o conjunto da sociedade civil, graças ao progresso dos costumes e das instituições; e finalmente, com o decorrer dos tempos, traduz, comunica e conserva, nas suas obras, as grandes experiências espirituais e as aspirações fundamentais do ser humano, para que sirvam ao proveito de muitos e da sociedade inteira.»

in Concílio Vaticano II

terça-feira, 27 de outubro de 2015

«O teu corpo
Magoa-me como o mundo magoa deus.»

Sylvia Plath

segunda-feira, 26 de outubro de 2015


O cínico não tem grandes teorias,
o cínico é a antítese da teoria.
Não acredita em nada, não se compromete com nada,
a não ser, com ele próprio.
O cinismo tem a sua razão, a sua lógica.
Os humanos poderosos pensam cinicamente, são insolentes,
pois dizer a verdade, depende de factores como a coragem e o risco,
e o cínico como não sofre da tensão moral da verdade,
é desinibido, livre e por isso vive uma sexualidade violenta,
típica da aristocracia, e nunca é pornográfico,
não passa de um grande pândego.

in Cassandra Bitter Tongue, breve videoconferência acerca do cinismo, Edições Húmus, 2014.

sábado, 24 de outubro de 2015

"há frutos profundos à superfície
já despidos na base de uma árvore
prontos a ser amados trago a trago
lapidam à nossa fonte amor em bruto
devolvem o diamante à pedra dentro
sabem que vão podando à nossa frente
a amizade como uma arte por instinto
e há ainda uma terra por enquanto"


-"Há"
- Joaquim Castro Caldas
"A imagem surge no fim do jardim.
É quase só negro, no início da perca de simetria.
Dickinson pede-lhe que não se mostre mais, e coloca um travessão na frase. Teme que esplenda demasiado na sua gravidade de imagem. E ela avança pudica, demasiado pudica para a vibração que os homens pedem. Apenas Aossê desperta. O espartilho da imagem quase negra confere-lhe uma configuração de bilha ou vaso. Volteia sobre si e, no contorno que desenha, Aossê vê ancas rodopiando lentamente. Com esse vocábulo, introduz um princípio de atracção.
Desata a cintura, pede Musil."
-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol

"haverá um objecto de beleza que corresponda a um objecto de amor? E não se pense que estou a referir alguém.
Não. Estou a interrogar-me sobre o sexo da paisagem, tão vivo, complexo e livre como os sexos humanos."
-"Onde Vais, Drama Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
"Falo de fulgor porque a falta de claridade é essencial. a escuridão é propícia ao medo, ao pensamento e ao projectar. O descoberto e o escondido confundem-se, trocam de rosto. Entram em simetria. Quando o meu há é todo o que há que existe."

Viver com as imagens é a nossa arte de viver. Reparem, sem o fulgor não saímos da simetria. E nesta nada vemos. Vamos presumir uma saída. Veremos o que o nosso sexo sonha. E este sonha apenas a parte da simetria que lhe cabe. A outra parte pertence à imagem que vai tomando vida. Avançamos para ela e ela avança sobre nós. Esse movimento torna-nos obsessivos e inconstantes. Não podemos viver sem ele, mas a imagem não se mantém fixa. O fulgor desloca-se. Não podemos desejar o novo e querê-lo sem surpresa. Começa a irradiar do sexo e alteia-se. Do aqui evolui, difunde-se por todo o há que possamos admitir.

O desejo é escuro, diz Rimbaud.
Sujo, queres tu dizer, replica Aossê.
O desejo é divino, diz convictamente Hölderlin."

-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela LLansol
"os dentes na boca ordem a língua: o grito de dor explode,
e onde o prazer acolhia surge o dado amargo
move-se a dúvida que sobre o movimento
lança a interrogação insidiosa: entre suster o oxigénio impulsivo e
quebrar a vida ou queimá-la numa coluna escarpada e
apelas a morte em eco fulminante."


-"Onde Vais, Drama- Poesia?"
- Maria Gabriela Llansol
«JEAN (a falar com Jane como se estivessem sós, plano de meio-conjunto) - Para mim, a felicidade é um estado emocional entre outros estados emocionais.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 87


«O PREDICADOR DA FELICIDADE - Pensa no instante e na coisa próxima. (Pega numa rosa branca.) Porque o segredo da felicidade está em olhar todas as maravilhas do Cosmos e não deixar, ao mesmo tempo, de pensar em regar a flor que murcha ao teu lado.
O HOMEM MASCARADO - Por que não?
IGOR (olha para ele) - Cuidado, com boas palavras se apanha os tolos...»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81
«Quando amas, acaso precisas raciocinar, entender por que amas ou o que aconteceu? Não precisas, porque o que acontece acontece dentro de ti, no teu coração. Porque tudo é uma coisa só.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 81

«IGOR - A palavra êxtase é de origem grega. Significa deixarmo-nos sair de nós mesmos.
O HOMEM MASCARADO - A tua erudição enfastia-me.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

O mistério da tua boca.


«A INTERLOCUTORA (grande plano, a câmara filma-a por detrás, virada para o rosto do Narrador) - O mistério da tua boca. Deixa de a utilizar para contar histórias e dá-me um beijo.»


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 73

«Conheço a tua elocução e conheço-te a ti.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 64

a altura tonal da tua voz

« - A tua pulsação e a tua pressão sanguínea inquietavam-me. Pensei que poderias precisar de mim.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 63

«Os cotovelos colados ao corpo, (...)»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 60
"Domingo pardo e sem gente
a não ser uns vultos rápidos
lisos sobre a rua
Cortinas agressivas, campainhas,
trote de cavalo, buzina,
«Vais lá hoje?», saltos a correr, jornais...
Além uma janela com as portas de vidro e as de pau cruzadas.

É cedo...
Por isso agora lentamente,
absortamente,
os primeiros anjos aparecem
e simples, nem mais sujos nem mais limpos,
vão a percorrer um campo de visão e vidro...
De quando em quando param...
as mãos espalmam-se-lhes baixas,
brancas oscilando
com um dedo a menos...
outros passos... costas... asas... e uma esquina.

Só os primeiros anjos
são anjos verdadeiros, totais...
Os outros que passarem
já encontram lembranças de hoje nos meus olhos...
E não poderão ter asas."

-"Post- Scriptum II"
- Jorge de Sena

Eduardo Lourenço fala sobre Jorge de Sena


O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português, 1978 Lisboa, Publicações D. Quixote

“É essa reconciliação com a imagem de nós próprios que Eduardo Lourenço nos vem propor em Labirinto da Saudade. Imagem que temos de redescobrir primeiro, sem a distorcer, hiperbolizar ou diminuir, para nos reencontrarmos como povo numa hora em que a perplexidade e a confusão podem tornar Portugal “impensável e invisível”. Bem alto e obsessivamente proclama-se ali em vários tons: “Chegou o tempo de nos vermos tais quais somos, o tempo de uma nacional redescoberta das nossas verdadeiras riquezas, potencialidades, carências, condição indispensável para que algum dia possamos conviver connosco mesmos com um mínimo de naturalidade. (p.80). O livro apresenta um discurso crítico sobre as imagens que forjámos de nós mesmos. Essa imagiologia engloba tanto a imagem condicionante do agir colectivo – o nosso “esquema corporal” – como os inúmeros retratos delineados e impostos na consciência comum por aqueles que mais determinam as perspectivas da autognose colectiva. Artistas, poetas, romancistas e historiadores. A imagiologia portuguesa que o autor nos oferece, centra-se quase exclusivamente sobre imagens de origem literária e, em particular, sobre aquelas que, na época moderna, “alcançaram uma espécie de estatuto mítico, pela voga, autoridade e irradiação que tiveram ou continuam a ter” (p.14) […] Eduardo Lourenço elabora com mestria o “discurso crítico” das sucessivas imagens literárias, até aqui apresentadas, da maneira de ser português. Através dessa análise crítica não assistimos apenas a uma pura dissecação da imagologia portuguesa nas suas diferentes inflexões; somos iniciados também a uma espécie de enteroscopia delicada das qualidades imponderáveis deste Portugal perdido no labirinto de si mesmo. […] Pensados e escritos fora de Portugal, os textos deste livro beneficiaram, sem dúvida, do distanciamento do seu autor, para lá do aparente excesso de fixação na temática agitada. Essa circunstância ajudou Eduardo Lourenço a ajuizar, com mais sangue-frio intelectual, o reverso dos fenómenos e das situações vividos no Portugal distante. […] Por todo o mundo de questões que levanta, o livro de Eduardo Lourenço tem sido qualificado como um dos mais importantes publicados sobre Portugal, de 1974 para cá. Não hesitamos em reconhecer-lhe idêntica importância, e em salientar, além disso, a sua flagrante actualidade num momento em que o ser e o destino de Portugal a todos nos preocupam e constituem objecto de reflexão de alguma “intelligentzia” que escapa à abulia e ao demissionismo suicidário”.
 
In Ribeiro da Silva “À procura da nossa imagem no Labirinto da Saudade”, Brotéria – Agosto-Setembro 1979.
“As emoções são cada vez mais intensas. Logo de seguida impõe-se “A Primavera”, também de Botticelli, e é este o momento de Eduardo Lourenço falar do Renascimento como forma ideal do destino. Se o Renascimento, diz, “se converteu num mito pictórico do Ocidente, não o deve apenas ao génio plástico das suas criações, mas à visão que nelas se plasmou, que não foi e não é outra que não seja a reinvenção do paraíso. Em versão florentina, a “Primavera” de Botticelli. Em versão veneziana, a “Vénus de Urbino” de Tiziano. Temos aí todo o percurso que vai do Adão e Eva expulsos do Paraíso, de Masaccio, a esta metamorfose do amor divino em erótica mais ou menos platónica. Mas também do amor antigo em paradigma de todos os amores futuros” 

Ao deter-se em frente ao quadro de Botticelli numa espécie de religiosidade contemplativa, deteta-se um especial brilho vertido sobre a face de Eduardo Lourenço. Há pouca luz na sala. Ao fundo, uns técnicos do museu trabalham numa nova foto de um óleo de Hugo van der Goes. A “Primavera” enfeitiça. Lourenço fixa-se na deusa das flores, ao lado de Vénus, e deixa as mãos numa quietude comprometida, suspenso da beleza daquele rosto imbuído de uma feminilidade extrema. O corpo do ensaísta petrifica na sua imobilidade, mas tudo quento nele é espírito divaga pela sensualidade contida naquela cena. Mesmo se tivesse todas as manhãs do mundo para a contemplar, jamais conseguiria beber por inteiro o arco-íris de sensações, sentidos e sentimentos nela contidos.” 

Valdemar Cruz “Eduardo Lourenço e o regresso à inocência nos Uffizi em Florença”, in The Economist, Outono 2010, p.

O Espelho Imaginário Pintura, Anti-Pintura, Não-Pintura, 1981 Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda

“Penso que muitos de nós entendem ter uma dívida para com Eduardo Lourenço. Eu tenho. Uma dívida das que não se pagam, que assenta mais numa consciência ética que num dever mensurável em diferença ou quantidade. O mínimo que se pode dizer é que ele nos tem dado tudo o que um ser humano pode dar aos seus contemporâneos: reflexão contante e partilhada, empenho afectivo e sensibilidade às emoções, cometimento do cidadão desperto que nunca enjeita solicitações, mesmo se incómodas, para se manifestar; e, sobretudo – e de que forma! – um ensino que é exemplo e é prática de agir pensando, ou de pensar agindo. 

Devemos-lhe, fundamentalmente, ao longo de meio século, ter-nos vindo ajudando a pensar, a ver melhor as coisas – e essa lição colhi-a num dos seus livros menos conhecidos e mais fascinantes, O Espelho Imaginário, no qual faz do discurso sobre o visual um suporte para a consideração de que a arte é parte integrante e inalienável do social. Com um pensamento que se apoia em mestres, e nos faz pressupor que sem o conhecimento os clássicos a vida é pouca, ele cria o seu próprio modelo, que é o de uma filosofia colhida na generalidade das Ciências Humanas, em que arte e comportamento não se dissociam.” 


Maria Alzira Seixo “Lourenço, espelho de contemporâneos (poesia, riso e sociedade)” in Relâmpago, revista de poesia, n.º 22, 4/2008, pp.145-46.

Poesia e Metafísica Camões, Antero, Pessoa, 1983 Lisboa, Sá da Costa Editora


«Inverosímil, dizias?


José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 55

dia ensolarado

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

"Não perguntem nada: as razões são longas.
Não perguntem nada: as razões são tristes.
Não perguntem nada: nós estamos contra.
E talvez perdidos.

E talvez perdidos."

-"Os Quatro Cantos do Tempo"
- David Mourão- Ferreira
- Guimarães Editora, 1963 (1a edição)

domingo, 18 de outubro de 2015


«O homem da máscara veneziana acende um cigarro. Leva-o aos lábios de cartão. Um eclipse de fumaça branca liberta-se.»

José Morais. A beleza e a felicidade. Fantasia Científica. Campo das Letras, Porto, 2003., p. 49

«Morrer de Amor em 1880 em S. Miguel.»


"O Actor" de Herberto Hélder:


O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça
de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente
como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira
o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma,
e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.
Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.
O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente
do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.
Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.
Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.
O actor em estado geral de graça.

Herberto Hélder

«ALLMERS   (lentamente, com um olhar duro)   Daqui por diante, deve haver sempre uma barreira entre nós.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 207

USA. Tulare, California. 2014. Birds. Tulare has a population of 59,278 and 21.4% live below the poverty level. Matt Black is the 2015 recipient of the W. Eugene Smith Memorial Award



«RITA (em tom de reprovação)    Tu não devias ter semeado a dúvida no meu espírito.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 204
« E agora aquilo a que chamamos sofrimento, luto, é apenas remorso, o remorso que nos rói. Nada mais.»


Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 204

«Roído por uma dor dilacerante...»


Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 196

«Ela atraiu-o para o abismo.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 192

«A vida, a existência, o destino não podem ser completamente desprovidos de sentido.»

Henrik IbsenPeças escolhidas 1. O pequeno Eyolf. Edições Cotovia, Lda, Lisboa, 2006., p. 191

manhosices

panhonhice

Ora, neste nosso tempo de ruídos, grunhidos e seringas palrantes há, mais que a tendência, o imperativo categórico de considerar que dizer muito, palrar carradas de tanto, entornar-se por inúmeros púlpitos, palcos e pedestais, é dizer alguma coisa e é ser muito livre a todas as horas e minutos. Confunde-se liberdade com mera incontinência crónica; mascara-se opinião com mero despejo; trafica-se a mais gritante ignorância e, não raro, a mais rotunda falta de educação ou resquício de vértebra moral como sendo expressão de alguma coisa. Na verdade, a expressão duma ausência não exprime coisa nenhuma nem significa nada que seja. Assim sendo, não é livre nem deixa de o ser: pura e simplesmente, não é. É zero ou abaixo disso. E todavia, protagoniza, às escâncaras, o mais ubíquo dos fenómenos actuais, com devido patrocínio, impingência e promoção de meia dúzia de agências globosas. Mais até que avanço desbordante, adquire já contornos de enxurrada. "Podeis dizer tudo o que vos apeteça, desde que não digais coisa nenhuma", constitui o lema. É a cultura do solta-aleive como antídoto para a sempre indesejável inflamação da inteligência. Castra-se hoje a mente através da saturação noticiosa, como dantes se procurava exaurir através da escassez. Só que com bem maior perversidade e eficácia. A vítima da logocastração dispensa até torcionários sempre dispendiosos: automutila-se. Acaba esterilizada no seu próprio verbo hipersalivado. Sucumbe ao seu próprio vesúvio emissor. Enquanto palra, não pensa. Enquanto debita, não reflecte. Enquanto pasta notícia, ou gargareja sensação, ou cospe palpite, não digere (nem, vagamente, assimila). Quanto mais imerge no palanfrório desatado, mais se impermeabiliza a qualquer tipo de ponderação, equilíbrio ou ideia. Em bom rigor, nem opiniões ostenta, porque, à falta de esqueleto próprio, nem cabide ortopédico tem onde pendurá-las. Se tanto, resume-se ao esfregão mental, à amálgama de desperdícios de plantão a óleos, sordidezes e gorduras de garagem ou estação de serviço mediática. Porque se não despeja, convencem-no todos os dias, não existe. Mas se não absorve, pior ainda: não tem.
Contudo, este primado da quantidade não impera apenas no universo mediático: a própria literatura, a música, as artes enfim, também já cumprem os seus preceitos campeões. Ainda mais formatada e passevitada que a "expressão jornalística" anda a "expressão artística". Confundem-se até, expressão política, jornalística, artística e até científica, num puré uníssono, numa papa milupa comum. Cumprem o mesmo critério editorial: os mesmos que determinam quem escreve nos jornais ou aparece nas televisões, condiciona e filtra quem escreve nos romances, nos compêndios e CDs, ou seja, quem é catapultado nas editoras e embandeirado nos media. Mas não se pense que são apenas os donos do harém quem torce e distorce a seu bel-prazer: os próprios eunucos policiam-se, emulam-se, lambuzam-se, envazelinam-se, promovem-se e catam-se uns aos outros. No fundo, tudo se degrada doravante a mera xaropada publicitária, e não é apenas o jornal que se relaxa a pasquim imarcescível: é a própria linguagem literária (onde podemos incluir a "científica", na sub-cave) que estiola ao nível da mera bacoralalia efervescente de slogans, receitas, telegramas e anedotas. De tal modo que, se a ficção mediática raramente excede a prosopopeia ranhosa, já a literária, por seu turno, sem vergonha nem remorso, desalambica-se pelo algeroz duma contínua onomatopeia dodot.



às escâncaras


coutada


nome feminino
1. terra defesa
2. mata onde se criava caça para os reis e senhores ou seus convidados

parlapatão

Diário de Cefaleia


[sábado à noitinha]
Acolher a dor antes dos trinta revela-se amoral,
i.e., ninguém prepara o tormento, 
a inaptidão generalizada faz-nos pares,
senhorios deste condomínio de osso,
insuportável e tornado crónico.
Que se foda a terapêutica, enfermo; fé na resiliência.

(inédito.)

Cláudia Lucas Chéu


sábado, 17 de outubro de 2015



«Em mim, também; coisa nenhuma
pudera até então ser entendida.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 149
«Agora são lumes o que escorre?
Ou céu parado e nervo
entrega a tua boca?»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 147

«Agora eu estou em ti e tu em mim.»


Pedro TamenRetábulo das Matérias (1956-2001). Gótica, 2000, Lisboa., p. 146
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