domingo, 2 de dezembro de 2012
Sozinho, sozinho, dizes que estás sozinho -
mas o príncipe de Emghion diz:
Primeiro eu amava Sherazade
e os seus contos
depois Dinarsad, a sua irmã mais nova,
depois a criada dela,
depois o amante da criada, um núbio
e então o seu engraxador
E quando me pus de joelhos
e lambi a graxa dos seus dedos
amei a poeira
e bebi uma golfada de ar tão funda
que tudo para mim enegreceu.
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 37
«(...)
Na minha mão a pedra tornou-se um pássaro vivo e
(levantou voo.
Eu fiquei só. Meu pássaro, ido embora
volta por vezes, por dever, por hábito.
Infeliz, canta. E deixa-me de novo.
Canta da sua vida, quer voar e voou!
(Uma luta diplomática pela liberdade)
E eu ficava ligado à pedra, tornava-me uma pedra.
Tudo em mim se revolvia, tudo se transformava.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 30
Na minha mão a pedra tornou-se um pássaro vivo e
(levantou voo.
Eu fiquei só. Meu pássaro, ido embora
volta por vezes, por dever, por hábito.
Infeliz, canta. E deixa-me de novo.
Canta da sua vida, quer voar e voou!
(Uma luta diplomática pela liberdade)
E eu ficava ligado à pedra, tornava-me uma pedra.
Tudo em mim se revolvia, tudo se transformava.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 30
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(...)
«Compram areia como farinha.
Vendem pedras como pão.»
Gunnar Ekelöf . 21 Poetas Suecos. Antologia coord. por Ana Hatherly e Vasco Graça Moura. Vega, Lisboa, p. 29
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quarta-feira, 28 de novembro de 2012
NÓS DESAPRENDEMOS DE DAR AOS MENDIGOS
Nós desaprendemos de dar aos mendigos,
De inspirar sobre o mar o ar salgado.
De saudar o dia e de comprar na loja
Por tuta e meia o ouro dos limões.
É por acaso que até nós vêm os barcos
E os railes levam a sua carga habitual,
Vá, conta aos homens na minha terra -
E verás quantos mortos se erguerão ao apelo!
Mas tudo solenemente desprezamos.
Faca partida não é boa para o trabalho,
Mas esta faca negra e partida
Terá cortado páginas imortais.
Nikolai Tikhonov. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 87
OUVI UMA VOZ
Ouvi uma voz. Falava confiante,
Murmurando: 'Vem,
Deixa a Rússia para sempre.
Eu limpo o sangue das tuas mãos,
Do coração te arranco o negro pejo,
Com outro nome cubro
A injúria e a dor da derrota.'
Tapai os ouvidos com as mãos,
Para que essas palavras indignas
Não profanassem o meu espírito aflito.
Anna Akhmatova. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 77
ADEUS, MEU AMIGO, ADEUS
Adeus, meu amigo, adeus,
Querido amigo, que trago no coração.
A separação predestinada
Para mais tarde promete novo encontro.
Adeus, meu amigo, sem aperto de mão nem palavras.
Não lamentes e não haja dor nem pena, -
Nesta vida morrer não é nada de novo,
Mas também nada de novo é viver.
*Este poema foi encontrado junto do cadáver do poeta. Foi, sem dúvida, o seu último poema.
Sergei Yesenin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 69
«Considerava inevitável que uma pessoa com vida interior movimentada e rica tivesse segredos e lembranças ocultas nas suas gavetas íntimas. Apenas exigia dessa pessoa que mais tarde soubesse usar isso com elevação.
Certa ocasião, quando alguém a quem contara esse episódio da sua adolescência perguntou se essa lembrança não o envergonhava, respondeu sorrindo:
-Não nego que era uma degradação. Porque não? Ela passou. Mas algo dela permaneceu para sempre: aquela mínima porção de veneno necessária para que a alma não fique excessivamente confiante e tranquila, conferindo-lhe qualidades mais refinadas, aguçadas e sábias.
«De qualquer modo, contaríamos as horas de degradação que todas as grandes paixões gravam com fogo a nossa alma?»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 195
"Quando eu morrer, morre a guitarra também. O meu pai dizia que, quando morresse, queria que lhe partissem a guitarra e a enterrassem com ele. Eu desejaria fazer o mesmo. Se eu tiver de morrer.” Carlos Paredes |
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compositor e guitarrista português
domingo, 25 de novembro de 2012
«Era um pensamento....
«Era um pensamento rodeado de emoções como se o cercassem mulheres lascivas em longos vestidos de golas altas, usando máscaras. Törless não conhecia nenhum nome para essas emoções; não sabia o que ocultavam; nisso residia toda a fascinação.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 193
« A experiência que Törless tivera constituíra essa ocasião. Por uma surpresa, um mal-entendido, a interpretação errada de uma sensação, aqueles esconderijos secretos em que se reunira tudo o que a alma de Törless tinha de oculto, proibido, sufocante, inseguro e solitário - rebentou tudo e ele derramou sobre Basini os seus mais obscuros impulsos. Pois aí, estes depararam-se de súbito, com algo quente, que respirava, algo perfumado, algo que era carne, na qual os sonhos indecisos de Törless assumiam forma e tornavam-se parte da beleza, em lugar da ácida fealdade com que Bozena os maculava na solidão. Isso abrira-lhes repentinamente uma porta para a vida, e na penumbra tudo se misturava, desejo e realidade, loucas fantasias e impressões que traziam ainda os rastos ardentes da vida, sensações exteriores que as recebiam no seu interior, envolvendo-as e tornando-as irreconhecíveis.
Em Törless tudo isso era indistinto, formava uma só emoção, imprecisa e compacta, que, no choque inicial, se podia tomar por amor.
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 190
«Sussurrava: na solidão tudo é permitido.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 187
domingo, 11 de novembro de 2012
ESTOU CANSADO DE VIVER NA MINHA TERRA NATAL
Estou cansado de viver na minha terra natal,
Pensativo nas vastidões do trigo negro,
A minha cabana vou abandonar
E partirei como vagabundo e ladrão.
Seguirei o dia de caracóis brancos
A procurar miserável abrigo.
E o meu melhor amigo afiará
Em mim a navalha tirada da bota.
A estrada atravessa o prado
Amarela de sol e Primavera,
E aquela de quem guardo o nome
Em mim, correr-me-á da sua porta.
E voltarei então à casa paterna,
Com a alegria de outro me consolarei,
E com a manga, uma noite verde,
Da janela me enforcarei.
Os salgueiros cinzentos na cerca
Inclinarão mais ternamente a cabeça.
E enterrar-me-ão sem me lavarem
Ao som dos cães a ladrar.
E a lua há-de vaguear e vaguear,
Deixando cair ramos nos lagos,
E a Rússia como dantes viverá
A dançar e a chorar na cerca.
Sergei Yesenin. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 63/4
«A liberdade vem nua»
Alexei Kruchonykh. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p. 56
numismata
1. | pessoa versada em numismática |
2. | colecionador de moedas ou medalhas antigas; numismatista |
(Do francês numismate, «idem»)
« deitado
cobriu
os olhos cansados
como se
o seu coração
sob as palavras estivesse exausto,
como se
a sua alma
se arrastasse sob as frases.
Mas eu sabia
que aqueles olhos
captavam
verdadeiramente
tudo
o que se dizia -»
Vladimir Mayakovsky. Antologia da Poesia Soviética. Trad. de Manuel Seabra. Editorial Futura, Lisboa, 1973, p.
sábado, 10 de novembro de 2012
«Sinto», anotou, «algo em mim, e não sei ao certo o que é».
Depois riscou depressa a frase e em seu lugar escreveu:
«Devo estar doente...insano!»
Sentiu um calafrio, pois essa palavra era agradavelmente patética. «Insano - o que me faz estranhar mais as coisas que são normais para os outros? E porque é que esta estranheza me atormenta? E porque é que esta estranheza provoca em mim uma sensualidade carnal?»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 153
domingo, 4 de novembro de 2012
Gazela da morte sombria
Quero dormir como dormem as maçãs,
fugir do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme aquele moço
que queria cortar o coração no alto mar.
Não quero que me repitam que os mortos não per-
dem o sangue,
que a boca apodrecida continua a pedir água.
Não quero conhecer os suplícios que nos vêm da
erva
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.
Quero dormir um pouco,
um pouco, um minuto, um século;
mas que todos saibam que não estou morto;
que há um estábulo de oiro nos meus lábios;
que sou o pequeno amigo do vento oeste;
que sou a imensa sombra das minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela manhã,
porque me atirará punhados de formigas,
e molha com água dura os meus sapatos
para que neles resvale a pinça do lacrau.
Porque quero dormir como dormem as maçãs
para aprender um pranto que me limpe da terra;
porque quero viver como aquele moço sombrio
que queria cortar o coração no alto mar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., pp.139-141
''pai da tua agonia, camélia da tua morte,''
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.107
«Nem um só momento, velho e formoso Walt
Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
nem os teus ombros de pano gastos pelo luar,
nem as tuas pernas de Apolo virginal,
nem a tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a neve
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos pelo pano grosseiro.
Nem um só momento, formusura viril
que entre montes de carvão, anúncios e caminhos
de ferro
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de inconsciente leopardo.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.103
Whitman,
deixei de olhar a tua barba cheia de borboletas,
nem os teus ombros de pano gastos pelo luar,
nem as tuas pernas de Apolo virginal,
nem a tua voz como uma coluna de cinza;
ancião formoso como a neve
que gemias como um pássaro
com o sexo atravessado por uma agulha.
Inimigo do sátiro.
Inimigo da vide
e amante dos corpos ocultos pelo pano grosseiro.
Nem um só momento, formusura viril
que entre montes de carvão, anúncios e caminhos
de ferro
sonhavas ser um rio e dormir como um rio
com aquele camarada que poria no teu peito
uma pequena dor de inconsciente leopardo.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p.103
Encontro
Nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Tu...pelo que já sabes.
E eu desejei-a tanto!
Segue essa vereda.
Nas mãos
tenho as feridas
dos cravos.
Não vês como estou
sangrando?
Não olhes nunca para trás,
vai devagar
e reza como eu
a São Caetano,
que nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 87
na disposição
de nos encontrar.
Tu...pelo que já sabes.
E eu desejei-a tanto!
Segue essa vereda.
Nas mãos
tenho as feridas
dos cravos.
Não vês como estou
sangrando?
Não olhes nunca para trás,
vai devagar
e reza como eu
a São Caetano,
que nem tu nem eu estamos
na disposição
de nos encontrar.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 87
«Aquela tarde foi maravilhosa.»
«Törless tirou da gaveta todas as suas tentativas poéticas. Sentou-se com elas junto do fogão e permaneceu sozinho e despercebido atrás da chaminé. Folheou um caderno após outro, depois rasgou-os bem devagar, em mil pedacinhos, jogando-os no fogo, saboreando de cada vez a doce emoção da despedida.
Com isso queria lançar fora de si toda a bagagem antiga, como se agora - sem nenhum impedimento - devesse dar toda a atenção ao futuro.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 135
Törless sonhava mais que pensava.
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 103
Vira imagens que não eram imagens
«Sempre existira alguma coisa de que os seus pensamentos não conseguiam dar conta. Algo simples e estranho. Vira imagens que não eram imagens.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 102
«As coisas cruéis que acontecem servem unicamente para matar os desejos miseráveis que se dirigem para fora, e que, seja vaidade, fome, alegria ou piedade, apenas nos afastam do fogo que cada pessoa é capaz de acender dentro de si.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 99/100
«Num ser humano, ela coloca essa dureza na personalidade, na consciência, na responsabilidade que ele sente por ser parte da alma universal. Se uma pessoa perde essa noção, perde-se a si mesma. E quando um ser humano se perdeu a si mesmo, renunciou a si, perdeu também aquela coisa especial, singular, para qual a Natureza o criou como ser humano. E em nenhum outro caso como neste poderíamos estar tão seguros de que estamos a lidar com algo inútil, com uma forma vazia, algo há muito abandonado pela alma universal.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 93
contumaz
contumaz
adjetivo de 2 géneros
1. | que revela contumácia; teimoso; obstinado; pertinaz |
2. | DIREITO diz-se da pessoa que, intencionalmente, se recusa a comparecer perante o juiz que a citou; revel |
(Do latim contumāce-, «idem»)
sábado, 3 de novembro de 2012
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
domingo, 28 de outubro de 2012
«Chora por coisas
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
longínquas.
Areia quente do Sul
que pede camélias brancas.
Chora a flecha sem alvo,
a tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto
sobre os ramos.
Oh, guitarra!
Coração despedaçado
por cinco espadas.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 67
(...)
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
«Chora Rosa, a dos Cambórios,
sentada na sua porta
com seus dois seios cortados
e postos numa bandeja.
Outras raparigas correm
perseguidas pelas tranças,
enquanto no ar rebentam
rosas de pólvora negra.»
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 61
Prelúdio
Partem as alamedas
mas deixam o reflexo.
Partem as alamedas
mas deixam-nos o vento.
Porém, deixam ecos
flutuando à flor dos rios.
Um mundo de pirilampos
invadiu minha lembrança.
E um coração pequeno
vai-me nascendo nos dedos.
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 37
domingo, 21 de outubro de 2012
Separando os poetas «em pessoas que fazem a sua poesia andando pelos caminhos» e «pessoas que fazem a sua poesia sentados à sua mesa»
Andrée Crabbé Rocha
Frederico García Lorca. Antologia Poética. Selecção de Eugénio de Andrade com um estudo de Andrée Crabbé Rocha e um poema de Miguel Torga. Coimbra Editora, 1946., p. 19
«De resto o que é a loucura e o que é o juízo? Simples pontos de vista e mais nada. O doido pode seguir à vontade o seu sonho, sem que ninguém se meta com ele. Tem quem lhe dê de comer, de vestir e calçar nos manicómios.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 153
«O doido diz tudo quanto lhe passa pela cabeça. (E continuando a falar impertubável faz-lhe sinal que volte para trás e aproxima o dedo da campainha.) Ninguém estranha.
O doido pode andar de chinelos de ourelo pelo Chiado. Quem tem juízo vive constrangido e está sujeito a mil complicações.»
«Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 152/3
«Saiba morrer quem viver não soube.»
Raúl Brandão. O Doido e a Morte. Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 147
terça-feira, 16 de outubro de 2012
«É estranho o que se passa na alma em certos momentos. Estranho e horrível. Uma coisa imunda começa a falar, a pregar, a obrigar-nos a fazer aquilo a que não nos supúnhamos destinados...Julgar? mas julgar o quê?...O homem que tu és? ou o homem que está por detrás de ti? Julgar-te! julgar uma alma! Uma alma!...Foi talvez por isso que Aquele que sabemos disse um dia: - Não julgarás! (...)»
Raúl Brandão. O Rei Imaginário. Monólogo..Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 124/5
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
«Cada noite significava-lhe um nada, uma sepultura, uma extinção. Ele ainda não tinha aprendido a morrer ao fim de cada dia sem se preocupar.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
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««(...), sem poder explicar a ninguém o que já sabia ser, e ansiar por alguém que o compreendesse...Isso é amor! Mas para senti-lo é preciso ser jovem e solitário.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
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A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada
«Se Bozena fosse bela e pura, e se nessa época ele fosse capaz de amar, talvez a mordesse toda, exasperado até à dor o seu prazer sexual e o dela. Pois a primeira paixão adolescente não é de amor por uma pessoa, mas sim de ódio a todas as pessoas. Sentir-se incompreendido e não compreender o mundo não é o efeito de uma primeira paixão, mas a sua causa. A paixão é apenas um refúgio, no qual estar com o outro significa solidão duplicada.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 48
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domingo, 14 de outubro de 2012
fome interior
«À noite, sabemos que vivemos mais um dia, que aprendemos isto e aquilo, cumprimos o horário, mas permanecemos vazios, quero dizer, vazios por dentro, e continuamos com uma fome interior...»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 35
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«Há sempre um momento em que já não sabemos mais se estamos a mentir, ou se o que inventamos é mais verdadeiro do que nós próprios. Bom, não quero dizer, textualmente. Nós sempre sabemos que estamos a mentir; apesar disso, a coisa de repente parece tão plausível, que, de certa forma, nós parecemos enredados nos nossos próprios pensamentos.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 34
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«Os seus olhos não eram sonhadores, mas impassíveis e duros. O hábito de ler livros em que nenhuma palavra podia ser tirada do seu lugar sem alterar o significado oculto do texto, a avaliação prudente de cada frase em busca do seu sentido e até do seu duplo sentido, deram aos seus olhos essa expressão particular.
Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.»
Robert Musil. O Jovem Törless. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 28/9
«Neste mundo onde se grita, ninguém ouve os gritos dos que sofrem?»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 93
«Há duas noites que não durmo. Que reflicto e comparo...A nossa vida humilde, fazendo todos os dias as mesmas coisas talvez inúteis, é a vida? A resignação é a vida? É a pobreza e a desgraça - ou há outra vida?»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 91
Sofia, num grito abafado.
Nenhum de nós se conhece. Nenhum de nós se conhece! Temos aqui vivido há muitos anos dominados por uma sombra. Eu já não posso mais!...
Gebo
Filha!
Sofia
Tenho-lhe medo! Tenho-me medo! Antes o não tornasse a ver! O seu coração pôs-se pedra. De noite acorda aos gritos e o seu riso gela-me.
Gebo
Oh!
Sofia
Se o pai visse como eu o vejo!...Se o ouvisse!...
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 90
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
O AMOR
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pr'a saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..
Fernando Pessoa
sábado, 6 de outubro de 2012
anuência
nome feminino
acto de anuir; consentimento; aquiescência |
(Do latim annuentĭa, particípio presente neutro plural de annuĕre, «consentir»)
ver tudo
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
«(....) Gastou-se a sonhar, gastou-se a sofrer.»
Raúl Brandão. O Gebo e a Sombra.Edição de A «Renascença Portuguesa», Porto, 1923., p. 41
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
acinte
nome masculino
acção praticada com a intenção de contrariar, irritar ou provocar alguém; teima; pirraça |
advérbio
intencionalmente;
por acinte de propósito, de caso
pensado
|
Tremia, mas não corava de pejo.
«Casimiro amava Cristina, Cristina ia chorar com ele, e sabia em que sombras de árvores, ou margens de ribeiras o moço ia chorar.
E ela ia, tremendo de medo e paixão, e a pedir resguardo às asas dos anjos, buscá-lo onde ele estivesse. Tremia, mas não corava de pejo. As flores, que a viam, invejavam-lhe a pureza. Arquejava-lhe o seio cansado de retrair-se: cuidava a doce criatura que o espirar alto a denunciava. Era o ofegar daquele seio como o da avezinha ansiada, que bisca, de fronde em fronde, o ninho que lhe desfizeram. As lágrimas têm seu odor: só lho não pressentem os que as deixam gotejar sem misericórdia, sem dó.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 41
domingo, 30 de setembro de 2012
«Não sei que mistério santo e dulcíssimo está no falarmos da nossa mãe falecida à mulher que bem nos quer. Pode ser que venha esta sensibilidade de recebermos de uma o coração, que damos a outra. Ou, talvez, seja de nos faltarem carinhos de mãe, e cuidar a gente que a esposa no-los há-de reviver.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 26
«Costuma ser a desgraça quem antecipa, com a precoce experiência, a reflexão; porém, observa-se que o juízo - o que comummente se chama siso -, proveniente das lições do infortúnio, é um recolhimento melancólico, misantropo, desumano às vezes, e quase sempre intolerante.»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 22
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''Mais tenho que aprender que ensinar.''
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 21.
Que extensos poemas de lágrimas...
«Que extensos poemas de lágrimas costuma a saudade fazer depois com as reminiscências de uns momentos tão fugitivos!»
Camilo Castelo Branco. O Bem E O Mal. Obras Completas. Publicadas sob a direcção de Justino Mendes de Almeida. Vol. IV Romances/Novelas. Lello & Irmão Editores, Porto, 1985., p. 20/1.
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sábado, 29 de setembro de 2012
« - É estranho - disse Akshay com um suspiro de tristeza - que quanto mais virtuosa uma mulher é, tanto pior é tratada; parece que o céu reserva as suas mais duras provações àqueles que menos as merecem.»
Rabindranath Tagore. O Naufrágio. Tradução de Telo de Mascarenhas. Editorial Inquérito, Lisboa., p. 209
EM MEMÓRIA: INGVALD BJORNDAL E O SEU CAMARADA
para Nordahl Grieg
Enquanto navegamos e rimos, brincamos e lutamos, a morte vem
E é o fim. Um homem labuta a bordo;
A sua vida apaga-se como um sopro:
Quem saberá dos seus sonhos agora que o mar ruge:
Amei-te, meu amor, mas agora estou morto,
Por isso arranja outra pessoa e esquece-me.
Meus irmãos, eu era tolo, como disseram;
E tolos são quase todos os que põem o seu destino nas mãos do mar.
Muitas lágrimas derramaram por mim, em vão.
Tomem a minha paga. Mãe, Pai, percorri
Um longo caminho para morrer sangrando à chuva.
Comprem-me alguma terra no cemitério do meu país.
Adeus. Por favor lembrem-se como estas palavras
Para os verdes prados e os fiordes azuis.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.87
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
O RUGIDO DO MAR E A ESCURIDÃO
Ele pediu ao seu fantasma uma visão do mar,
Que pudesse ancorá-lo no meio do pensamento
Para sempre, para que ele pudesse resignar~se
E não fosse perseguido eternamente;
O fantasma inclinou a cabeça e disse gravemente:
Ó Desolado, ó Esquecido, devias abandonar a tua única dor, e saber
Que edificaste as tuas lágrimas, que fechaste em terra o teu coração;
Devias implorar o rugido do vento e do mar,
E a escuridão, e, tenhamos razão ou não,
Deves pedir sempre o seu desassossego e a sua monotonia;
A sua bruma sobre o teu peito - O seu barco no porto
Carregando as doces madeiras amontoadas no cais.
Ele olhou-a longamente, e depois, com uma gargalhada,
Saltou para o bordo e nunca mais ninguém o viu.
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.61
''Raparigas tristes com blusas azuis''
Malcolm Lowry. As cantinas e outros poemas do álcool e do mar. Selecção e Tradução José Agostinho Baptista. Assírio &Alvim, Lisboa, 2008., p.51
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