«Aqui é preciso esquecer todos os dias, diz Ilie, de mim só sei uma coisa, que penso sempre em ti.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 158/9
terça-feira, 29 de outubro de 2013
«O sono também segue viagem, o suor de inverno tem um cheiro amargo, (...)»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
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Já então a raposa era o caçador
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Gérard de Nerval
«Era um homem que distendia as suas depressões (acabaria no suicídio) ...»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
de A criança em Ruínas
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
5
encostávamos o dorso às paredes da casa
para sentir algo mais forte que nós
contra os medos que a pique nos devoram o
canto do olhar
éramos indefesos rebentos
enxertos que viviam da polpa dos sonhos
e ninguém podia entender-nos
de contra o esquecimento das mãos
João Ricardo Lopes. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 315
37.
psicanálise do Movimento: quem é louco e em que parte do Corpo.
qual o órgão louco?
o espaço louco?
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
qual o órgão louco?
o espaço louco?
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
14.
A história da dança não é, não pode ser, o Percurso dos Movimentos
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Sing me to sleep
à Marjan, onde quer que esteja
o tojo abundava nas vertentes,
havia as rochas, os montes amarelos,
o rumor fundo dos bichos na arcadura
das chãs.
entre o meu silêncio e o teu
cresceu um verso com a tua boca
perto dos meus sentidos.
sabíamos que a chuva regressaria
eventualmente, as tuas cartas
ainda as tenho.
de Geografia das Estações
Rui Pires Cabral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 236
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Dia dos namorados
Vingo com versos os dias em que a tristeza me não deixou fazer nada
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
vingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
primeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
[própria vida
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amarvingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
[ter-te
e sei que jamais saberei a verdade que seria desconhecer o teu rostoprimeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
de A Arma do Rosto
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
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Amor, vi morrer a flor.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 225
Eduquei a sensibilidade para sofrer mais tarde
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 221
«Adina quer ser o caçador, pensa Clara.
Tens mais medo do que eu, diz Adina. Não olhes para lá, não olhes mais para a raposa.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 142
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Já então a raposa era o caçador
« Tens medo, diz Adina, pareces a morte. E Clara assusta-se, o olhar é retilíneo e cortante. Clara vê um rosto que se foi embora. Está distorcido, as faces sozinhas, os lábios sozinhos, a um tempo inanimados e ávidos. Um rosto de perto e de frente igualmente vazio, como uma fotografia sem nada lá dentro.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 141
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Já então a raposa era o caçador
«Desejava a raposa há tanto tempo que a alegria de a receber no dia seguinte era já meia razão para ter medo.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
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Já então a raposa era o caçador
«o que sabemos nós não perguntamos.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 123
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Já então a raposa era o caçador
«Na janela da frente está uma mulher a regar as petúnias. Já não é nova e ainda não é velha, dizia Paul há uns anos atrás. Já então ela tinha o cabelo ruivo-acastanhado de ondas grandes, então, quando Paul ainda vivia em casa de Adina. E o vidro da janela já então tinha aquela rachadura oblíqua. Passaram-se cinco anos, que não tocaram o rosto daquela mulher. O cabelo não ficou mais liso, mais desmaiado. E as petúnias brancas são todos anos outras e, contudo, as mesmas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 120
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Já então a raposa era o caçador
terça-feira, 15 de outubro de 2013
«Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
«o dia mostrou as suas pálpebras tristes»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
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verso solto
« e o sol ferir-se nos espinhos das roseiras»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
«Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 204
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verso solto
«Outra vez sem selos, sem carimbo, sem remetente. Dentro do envelope está outra vez a folha quadriculada do tamanho de uma mão, rasgada de viés, outra vez a mesma frase com a mesma letra EU FODO-TE NA BOCA.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 96
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Já então a raposa era o caçador
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
«O sangue das melancias não consegue amarrar o prazer do oficial, nada resulta contra o prazer, porque ele voa, desenvencilha-se de tudo o que o prende. Voa para outras mulheres, porém, o sangue da melancia deposita-se à volta do coração do homem. Coalha e fecha o coração. O coração do oficial não consegue reter a imagem de outras mulheres, disse a filha da serviçal, o oficial consegue enganar a sua mulher, mas não consegue deixá-la.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 69
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Já então a raposa era o caçador
domingo, 13 de outubro de 2013
«Dentro da retrete jaz algodão inchado. A água está ferrugenta, sorveu o sangue do algodão. A tampa da retrete tem coladas sementes de melancia.
Quando as mulheres trazem algodão entre as pernas, carregam no ventre o sangue das melancias. Todos os meses os dias das melancias e o peso das melancias, isso dói.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 68
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Já então a raposa era o caçador
«(...), um morto por quem muito se chora, diz ele, torna-se uma árvore, e um morto por quem ninguém chora torna-se uma pedra. Mas se algures no mundo morre alguém e algures no mundo outros choram por ele, isso de que serve, diz a mulher, todos se tornam pedras.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 66
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Já então a raposa era o caçador
«Nas escadas da catedral está sentada uma velhota, veste meias grossas de lã, uma saia grossa plissada e uma blusa de linho branco. Junto dela está um cesto de vime com um pano molhado estendido por cima. Pavel levanta o pano. Lírios-verdes, ramalhetes da espessura de um dedo alinhados em carreiras, atados com fio branco até cima às flores. Por baixo um pano, e flores, e outra vez um pano, muitas camadas de flores e panos, e fio. Pavel tira dez ramalhetes do cesto, um para cada dedo, diz ele, a velhota puxa de dentro da blusa um cordel, do qual pende uma bolsa. Clara vê-lhe os bicos dos seios, que pendem da pele como dois parafusos. Nas mãos de Clara, as flores cheiram a ferro e a erva. Assim cheira a erva depois da chuva, no pátio traseiro da fábrica de arame.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 62
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Já então a raposa era o caçador
«(...)
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
malogro
nome masculino
1. efeito de malograr; frustração; fracasso
2. acontecimento desfavorável; revés
Os versos
Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
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A casa onde às vezes regresso
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
de A Que Distância Deixaste o Coração
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 147
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«(...)
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
Reconhecimento dos laços
aos meus pais
por todas as razões
agora tuas mãos estranhas ao medo
procuram um brilho mais puro, o lume
agora o tempo se mede por búzios
e os nomes flutuam mais leves que
as algas
podia abrigar duas formigas
e contar-te a história do mundo
desde que foi criado
podia se deixasses
escrever aquela história
da filha louca dos Matildes
a falar horas seguidas
da lucidez assustadora
deste poema
tudo podia
já que
os anjos do vento desenham na água
o fulgor inesperado
do teu gesto
de Os Dias Contados
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 141
«Por vezes estou sobre as facas como quem intenta.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 134
«Trazes a noite encostada às têmporas»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 133
limalha
nome feminino designação dos pequenos fragmentos ou do pó que se desprende de um corpo metálico quando se raspa com uma lima
«Cantam o outono nos olhos húmidos dos cães.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 126
sábado, 12 de outubro de 2013
«aqui, no cabo Espichel, mostrou-me um rochedo o primeiro sinal de que escrever é pouca coisa e que, fechado o livro, é bem maior a abundância da sombra do que o que foi possível iluminar; não porque a perfeição seja calar mas há, talvez, no fim, a paixão do amor sem vestígios, o passeio vagaroso por uma neve que cubra todas as referências e que se ofereça a si própria como a mais alusiva das nossas contemplações.»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições., p. 25
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Maria Gabriela Llansol
«eu conheço apenas algumas coisas, e ignoro outras;»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições
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escritora portuguesa,
Maria Gabriela Llansol
Rising
I got caught in a storm
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
«Depois ainda havia a história do frasquinho de perfume, disse a filha da serviçal. A mulher trazia-o escondido na carteira, há anos que estava vazio. Tinha uma rosa lavrada no vidro, a tampa já um dia fora dourada, mas entretanto estava desgastada pelo uso. No bordo da tampa tinha gravados caracteres cirílicos, o frasco devia ter sido de perfume russo. Há uns anos tinha estado lá em casa um oficial russo de quem nunca se falava, um de olhos azuis. Porque a mulher às vezes dizia que os mais belos oficiais têm olhos azuis. O marido tinha olhos castanhos e às vezes dizia à mulher: tresandas de novo a rosas. Devia haver qualquer coisa de muito especial com o frasquinho, qualquer coisa triste, disse a filha da serviçal, molhou o lábio inferior e deixou a língua parada no canto da boca. Qualquer coisa que abre um desejo e fecha com um estrondo uma porta, disse ela, devia ter sido isso, porque não era a ausência do marido, mas trazer consigo o frasquinho vazio de perfume, o que fazia da mulher uma pessoa solitária. Por vezes, à mãe, até lhe parecia que a cabeça da mulher se afundava pelo pescoço abaixo e se metia pela mulher dentro, como se entre a laringe e os tornozelos houvesse escadas dentro da mulher, como se ela caminhasse com a cabeça por estas escadas, entrando por si dentro. Talvez porque a minha mãe vive na cave, disse a filha da serviçal. A mulher do oficial ficava metade do dia sentada à mesa e tinha os olhos penetrantemente vazios como flores ressequidas de girassol.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 36
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Serviçais
«Quando aparam a relva, têm no branco do olho um espelho onde foice e ancinho brilham como pente e tesoura. Os serviçais não confiam na própria pele, porque as mãos ao agarrar lançam sombras. Os seus crânios sabem que nasceram com as mãos sujas em ruas sujas. Que as suas mãos, agora mergulhadas em silêncio, jamais ficarão limpas. Somente velhas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 32
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Já então a raposa era o caçador
29
(...)
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
à Memória de Maria Antonieta Brito Evangelista
de Rua Trinta e Um de Fevereiro, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
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excerto,
João Luís Barreto Guimarães,
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poetas portugueses
«além-pele com as pálpebras adormecidas»
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 103
4
cheguei há pouco do amor (cidade de gaivotas loucas
e luzes cegas). não concordas? eu sei já sei: vês as coisas
como falésias altas e impossíveis como ameias. cheguei há
pouco do amor e trago comigo esse discurso aprendiz:
o idealismo. desculpe mas o que pensa destas palavras
do recomeço (desse caminho) dóceis letras de promessa?
perdão perdão: há que ganhar o outro lado (uma
chama de cada vez). se bem me lembro em pequeno
as cigarras podiam ser domesticadas e cada adeus era
um veneno. obrigado: obrigado. também me pareceu
ser essa a sua opinião. cheguei há pouco do amor e
vejo as certezas do mundo como uma ilusão. receio
pelo eterno procuro a fantasia mas é sempre no
ventre dessas gaivotas que se dão os primeiros beijos
de Há Violinos na Tribo, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 99
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1967,
João Luís Barreto Guimarães,
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poetas portugueses
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Segredo
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segredou-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
de Às Cegas, 'Poesia Reunida - 1990-2000'
Fernando Pinto do Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 86
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A dormir
As pálpebras fecham-se, cansadas, é quando somos
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
de Nós/Nudos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
de Nocturnos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
«cisne envenenado pelo sangue»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 39
«Existiam as tuas mãos.»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 36
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
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quarta-feira, 9 de outubro de 2013
trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio
«Os clientes habituais diziam que a primeira mulher dele já morrera há muito e que ele não encontrara uma segunda porque trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio. O barbeiro dizia que o latoeiro nunca tivera mulher, que estivera quatro vezes noivo com aquele anel, mas casado nunca.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p.18
domingo, 8 de setembro de 2013
metade da minha vida passou-se no esforço pela tua conquista
«Também eu sempre te amei, Narciso, metade da minha vida passou-se no esforço pela tua conquista. Sabia que também eras meu amigo; mas nunca esperei que mo dissesses, tu, tão orgulhoso. Disseste-mo neste momento em que mais nada possuo, neste momento em que a vida errante e a liberdade, o mundo e as mulheres, me desertaram. »
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 254
«Passaram-se semanas, há muito que o castanheiro florira, há muito que escurecera e endurecera a folhagem verde-láctea da faia, há muito que as cegonhas tinham feito ninho na torre da portada e tinham ensinado a voar as crias.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 248
«Em verdade, teria o homem sido criado para estudar Aristóteles e Tomás de Aquino, saber grego, mortificar a carne e fugir do mundo? Não fora, antes, criado com sentidos e instintos, com as trevas do sangue e o pendor para o pecado, para o prazer e para o desespero?»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 247
engrolar
verbo transitivo
1. cozer levemente
2. assar à pressa
3. figurado dizer ou fazer atrapalhadamente
4. figurado decorar à pressa; empinar
5. figurado intrujar
1. cozer levemente
2. assar à pressa
3. figurado dizer ou fazer atrapalhadamente
4. figurado decorar à pressa; empinar
5. figurado intrujar
«Debateu-se com grandes dificuldades, maiores do que as previstas. A obra dava-lhe cuidados, mas eram suaves cuidados. Lutou por ela, com arroubo e desespero, como se luta pela conquista de uma mulher esquiva, com a obstinação e precaução do pescador à linha empenhado na captura de um peixe de grandes dimensões; todos os obstáculos o ensinavam e lhe afinavam a sensibilidade.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 235
«- Ninguém notava que, nos últimos tempos, se modificava muito e apresentava um envelhecimento precoce: ninguém o conhecera antes. As agruras da vida errante já decerto o teriam minado; depois, o período da peste com os seus sustos e, por fim, a prisão e aquela pavorosa noite na cave do castelo, tinham-no abalado profundamente e deixado vestígios; fios grisalhos na barba loira, finas rugas na pele do rosto, insónias e, por vezes, na alma, um certo esgotamento, um afrouxamento da curiosidade e do prazer, uma morna e cinzenta sensação de fartura e saciedade.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 233
« - Tens toda a razão - disse com calor - desabafa à vontade, diz-me tudo o que te oprime. Há, porém, um ponto em que te enganas muito: julgas que são pensamentos o que estás a comunicar-me. Mas não, são sentimentos! São os sentimentos de alguém a quem o pavor da existência dá que cismar. Não te esqueças, porém, que, em contrapartida desses sentimentos melancólicos e desesperados, há outros completamente diferentes, a compensá-los. Quando te sentes feliz a cavalo, ao atravessar uma linda região, e quando, com razoável leviandade, te introduzires à noite, no palácio do conde para lhe cortejar a amada, o mundo reveste-se para ti, nessa altura, de aspectos bem diferentes; nem as casas pestilentas nem os judeus queimados te impedem de procurar o que te dá prazer. Não será assim?»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 221
terça-feira, 3 de setembro de 2013
«(...), demorou-se especialmente no mercado do peixe onde viu os rudes peixeiros e peixeiras apregoar a mercadoria, tirando das celhas os peixes prateados e húmidos que, de bocas dolorosamente abertas e dourados olhos, fixos e apavorados, se resignavam quietos à morte ou se debatiam furiosos e desesperados contra ela. Sentiu-se possuído, como de outras vezes, de intensa compaixão por aqueles bichos e de entristecido desgosto pelos homens tão obtusos e rudes, tão desmedidamente estúpidos e imbecis; como era possível que fossem assim cegos, os pescadores, as peixeiras e os compradores, que não vissem aqueles olhos mortalmente assustados, os espasmos violentos daquelas caudas, em luta pavorosa e inútil, a intolerável transformação dos peixes misteriosos e maravilhosamente belos, percorridos, antes de morrer, por um ligeiro frémito, e depois, mortos e sem brilho, lamentáveis pedaços de carne para mesa dos glutões. Aquela gente nada via, nada sabia e em nada reparava, nada lhes faltava ao coração! Era-lhes indiferente ver estrebuchar à sua frente um lindo peixe, era-lhes indiferente que tal mestre tivesse manifestado, com verdade arrepiante, toda a esperança, toda a nobreza e todo o sentimento angustioso da vida humana, no rosto de uma santa - nada viam, nada os comovia. Andavam distraídos ou atarefados, afadigados com importantes afazeres, berraram, riam, arrotavam, faziam alarido, diziam chalaças, discutiam por dá cá aquela palha, e sentiam-se felizes, tudo estava em ordem e eles contentes consigo próprios e com o mundo.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 148
«Goldmundo não pertencia ao número daqueles inditosos artistas que, possuindo altos dons, não encontram todavia nunca os meios adequados para os exprimir. Muitos são aqueles a quem é dado sentir profundamente a beleza do mundo, que trazem na alma nobres e sublimes imagens, mas que não sabem a maneira de se desfazer delas, de fixá-las e comunica-las para alegria dos outros. Godmundo não sofria dessa carência. Não lhe custava servir-se das mãos e dava-lhe prazer a aprendizagem dos truques e habilidades do ofício;»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 134
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
''passou o serão em longa cavaqueira com ele''
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 122
X
«Voltara o gelo a derivar rios abaixo, voltaram a rescender as violetas sob a folhagem apodrecida, voltara Goldmundo à vida errante, acompanhando as estações do ano, sorvendo com olhos insaciáveis a paisagem das florestas, dos montes e das nuvens, seguindo de herdade em herdade, de terra em terra, de mulher para mulher; passara tardes frias, opresso e de coração magoado, debaixo de janelas por detrás das quais a claridade rósea de uma luz irradiava bela e inatingível, significava para ele toda a felicidade, paz e aconchego que pode haver no mundo. E tudo voltava, tudo o que tão bem julgava conhecer se repetia, mas sempre diversamente: as longas caminhadas por campos, charnecas e estradas pedregosas, o sono estival na floresta, a vadiagem nas aldeias atrás dos ranchos de raparigas que regressavam da ceifa ou da apanha do lúpulo, o primeiro aguaceiro outonal, os primeiros gelos ruins - tudo se repetia, no constante desenrolar da infinda bobina colorida.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 121
Morte
«Jejuas, amigo? Privaste-te do sono? Ela logo te cantará o fadário, a amiga morte despojar-te-á de tudo, até dos ossos. Foge, caríssimo, e mantém os ossos bem juntinhos que eles só querem dispersar-se e não ficarão connosco. Pobres ossos, pobres goelas e pobre papo, pobre pedaço de cérebro sob o crânio! Tudo se separa de nós, tudo quer que o diabo o leve, e os corvos, as sotainas negras, lá estão empoleiradas nas árvores.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 117
Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.
«A porta rangia, o vento chiava e embatia contra o vigamento do telhado. Tudo parecia enfeitiçado, tudo ressumava mistério e ansiedade, promessa e ameaça. Goldmundo não sabia que pensar, nem que fazer. Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 98
Há-de rir-se, quando vir que não aprendeste sem sequer a beijar.
«- Que pena não poder nunca contentar-te. Porque havia eu de ter interesse em fazer-te vaidosa? És bela e gostaria de mostrar-te a gratidão que a tua beleza me inspira. Forças-me a dizê-lo por palavras; poderia dizê-lo mil vezes melhor do que por palavras. Por palavras nada te posso dar! Por palavras nada posso aprender de ti nem tu de mim.
-E que posso eu aprender contigo?
-Eu contigo e tu comigo, Lídia. Mas tu não queres; só queres amar de quem venhas a ser noiva. Há-de rir-se, quando vir que não aprendeste sem sequer a beijar.
-Com que então queria dar-me lições de beijos, senhor magister?
Ele sorriu-lhe. Embora as palavras dela não lhe agradassem, não podia deixar de pressentir a sua feminilidade por detrás daqueles discursos arrebatados e um tanto inautênticos; sentiu que o desejo se apoderava dela e que ela, receosa, lhe resistia.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 95
«- Não julguei nem pensei em nada, Lídia; a verdade é que penso muito menos do que imaginas. Não desejo senão que me beijes uma vez. Falamos tanto. Os amantes não falam. Parece-me que não me amas.»
Em meia hora fez-se muitos anos mais velho.
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 67
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quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Narciso
« - Narciso- disse o abade uma vez, depois de o ter ouvido sem confissão - reconheço-me culpado de um juízo severo a teu respeito. Pareceste-me muitas vezes orgulhoso e talvez tenha sido injusto para contigo. Estás muito só, meu jovem irmão, vives muito isolado, tens admiradores, mas não tens amigos. Gostaria bem que tivesses às vezes qualquer deslize, como é fácil suceder na tua idade. Mas nunca tens deslizes. Preocupas-me um pouco narciso.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 9
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
A criança moderna
«(...) A criança moderna não tem mais nada a que se agarrar ou, para ser mais exacto, nada com que se agarrar. Actualmente aderimos à vida como o último dos nossos músculos - o coração.
- O único músculo da aristocracia é a loucura - lembre-se disto ( o doutor inclinou-se para a frente) - a última criança que nasce à aristocracia é, por vezes, um idiota; por respeito subimos, mas voltamos a cair.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 53/4
domingo, 11 de agosto de 2013
«A voz dele elevou-se acima do fumo negro perante os destroços inflamados da ilha; contagiados por aquela emoção, os outros garotos começaram também a tremer e a soluçar. No meio deles, como o corpo imundo, o cabelo emaranhado e um nariz gotejante, Ralph chorou pelo fim da inocência, pelas trevas no coração do homem e pela queda no vazio do verdadeiro e sensato amigo a que chamavam Piggy.»
William Golding. O Deus das Moscas. Tradução de Manuel Marques, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008., p. 258
sábado, 10 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
«Porque será que sempre que ouço música penso que sou uma mulher casada?»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 47
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«O peito em que batemos quando estamos alegres não é o mesmo em que batemos quando estamos tristes;»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 46
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 46
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O Bosque da Noite
neurastenia
nome feminino
1. MEDICINA estado caracterizado pela debilidade física e psíquica, acompanhada de perturbações psíquicas (tristeza, insónia, angústia, indecisão) e funcionais (digestivas, cardiovasculares, sexuais), e dores em diversos locais do corpo
2. coloquial mau humor acompanhado de irritabilidade
3. coloquial estado de depressão acompanhado de tristeza
(Do grego neũron, «nervo» +asthéneia, «fraqueza»)
o tempo de interiorização
«; tal como o corsage de uma mulher se torna subitamente marcial e doloroso com a rosa lançada entre as flores mais decorosas pela mão de um amante que sente como uma violência o facto da permissão que lhe é dada para um último abraço coincidir com a necessidade de sair, transformando num evanescente, num infinitesimal sinal o que um momento antes era um peito exuberante e luminoso, retirando-lhe o tempo de interiorização (porque um amante conhece dois tempos, o que é dado e aquele que tem de elaborar) - assim também Félix ficou surpreendido ao descobrir que as mais comoventes flores depositadas no altar que tinha erigido à sua imaginação ali haviam sido colocadas por gente de duvidosa reputação e que a mais vermelha de todas devia ser a rosa do doutor.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 44/5
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«É o que lhe digo, minha senhora, se alguém fizesse nascer um coração num prato ele diria «Amor» e agitar-se-ia como uma pata de rã cortada.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 40
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 40
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O Bosque da Noite
«-Vocês discutem demasiado facilmente sobre a dor e a confusão, disse Nora.
-Espere! Respondeu o doutor. A dor de um homem corre com dificuldade, é verdade que lhe é difícil suportá-la, mas é igualmente difícil guardá-la. No que me diz respeito, enquanto médico, sei em que bolso um homem guarda o coração e a alma, e qual é a sacudidela do fígado, dos rins e dos testículos que faz com que esses bolsos sejam visitados. Só existem confusões; a esse respeito dou-lhe toda a razão. Nora, minha filha, confusões e inquietações vencidas - é isso que nos forma a todos e a cada um. Quando se é um gimnosofista é possível passar sem roupas e se tivermos as pernas em alamar sentimos mais vento entre os joelhos do que qualquer outra pessoa; e isso ainda é confusão; a via escolhida por Deus, vai ter a um muro.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 35
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sábado, 3 de agosto de 2013
«Não sou nem um malabarista, nem um frade, nem sequer uma Salomé do século XIII dançando de rabo para o ar sobre um par de lâminas de toledo - experimente fazer isso hoje a uma rapariga com desgosto de amor, macho ou fêmea!»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 32
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''Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio , Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo o meu poder e a minha razão, a promessa que se segue''
Juramento médico
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panacea
«Apoiava, por detrás das costas, as mãos contra a mesa. Parecia constrangida.
-Dizem realmente o que pensam, um e outro, ou estão apenas a manter a conversa?
Depois de falar, o rosto enrubesceu e (...)»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p.
-Dizem realmente o que pensam, um e outro, ou estão apenas a manter a conversa?
Depois de falar, o rosto enrubesceu e (...)»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p.
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O Bosque da Noite
«(...) diz pequenas frases fascinadas, precipitadamente.»
Manuel Gusmão. Dois sóis, A rosa. A arquitectura do mundo. Editorial Caminho, Lisboa, 2ª Edição, 1990., p. 44
palimpsesto
nome masculino
1. pergaminho cujo manuscrito os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os caracteres primitivos
2. figurado texto que existe sob outro texto
(Do grego palímpsestos, «raspado de novo», pelo latim palimpsestu-, «idem»)
terça-feira, 30 de julho de 2013
Mesmo este coração que é o meu ficar-me-á para sempre incompreensível.
«Porque, se tento alcançar este «eu» de que me apodero, se tento defini-lo e resumi-lo, ele não é mais do que a água a escorrer-me por entre os dedos. Posso desenhar um a um todos os rostos que ele sabe tomar, e também todos aqueles que lhes foram dados, a educação, a origem, o ardor ou os silêncios, a grandeza ou a baixeza. Mas não se podem adicionar rostos. Mesmo este coração que é o meu ficar-me-á para sempre incompreensível. O fosso entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa certeza, nunca estará cheio. Serei para sempre estranho a mim mesmo.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 29
«Acontece que os cenários desabam. Os gestos de levantar-se, o carro-eléctrico, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, carro-eléctrico, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, esta estrada segue-se com facilidade a maior parte do tempo. Só um dia o «porquê» se levanta e tudo recomeça nessa lassidão tingida de espanto. «Começa», isto é importante. A lassidão está no fim dos actos de uma vida maquinal, mas inaugura, ao mesmo tempo, o movimento da consciência.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 24
«Ganhamos o hábito de viver, antes de adquirirmos o pensar.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 20
segunda-feira, 29 de julho de 2013
O suicídio
«O suicídio nunca foi tratado senão como fenómeno social. Aqui, pelo contrário, para começar, importa a relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este prepara-se, tal como acontece com uma grande obra, no silêncio do coração. O próprio homem o ignora. Uma bela noite, dá um tiro ou atira-se à água. De um gerente de prédios de rendimento que se matara, diziam-me certo dia que ele perdera a filha havia cinco anos, que mudara muito desde então e que essa história « o havia consumido». Não se pode desejar palavra mais exacta. Começar a pensar é começar a ser consumido. A sociedade não tem grande coisa a ver com estes princípios. O veneno está no coração do homem.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 18
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«Em todos os problemas essenciais (e por tal entendo os que podem fazer morrer e os que decuplicam a paixão de viver) só há provavelmente dois métodos de pensamento, o de La Palisse e o de Don Quixote.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 17
O absurdo e o suicídio
«Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, depois.»
Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 17
domingo, 28 de julho de 2013
«-Há casais que têm quartos separados - dizia Stefan. - Eu preciso de um lugar onde possa fechar-me de quando em quando sem que ninguém saiba onde estou.
-...Imaginas que lá, no teu quarto secreto, eu não posso acompanhar-te em espírito...Como se eu não tivesse adivinhado...Como se eu não soubesse que te fechas lá para fazer outra coisa que não seja ler romances!...
Stefan evitava falar de literatura quando estavam sós. Ao entrar em casa, a meio da noite, encontrava-a muitas vezes a ler. Ioana notava às vezes que ele lançava um olhar ao título, mas nunca lhe perguntava o que lia. Em casa, junto dela, Stefan nunca lia romances. E no entanto a sua cultura espantava Ioana. Ela não podia avaliá-la senão por acaso, quando paravam em frente de uma montra ou então quando ela folheava uma revista e lia o título de um livro.
«Não presta», dizia ela, ou então: «Já li. É bastante interessante. Empresto-te, se quiseres.»
«Ele pensa que gosto de romances porque estive noiva de Partenie», pensava ela.
-...Claro! - continuara Ioana - adivinhei há muito tempo o que tu fazes lá no teu quarto secreto...Não devia dizer-to. Mas tu julgas-me mesmo assim muito ingénua. Há muito tempo que adivinhei! Adivinhei, na noite em que tu entraste com um cheiro de terebintina nas nãos. Tens lá um laboratório. Até é possível que não seja um quarto de hotel. Tu trabalhas num laboratório...»
Mircea Eliade. Bosque Proibido. Tradução de Maria Leonor Buescu. Editora Ulisseia, Lisboa, 1963., p. 18-19
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«Uma vez li um livro», prosseguira ele, como se não tivesse ouvido, « um livro em que falava de um rapaz que chamava as serpentes pelo nome e conversava com elas. Tenho a certeza de que essas coisas são possíveis». Mas é preciso que alguém as ensine...O meu ouriço, por exemplo, rebolava-se na minha presença, encolhia os espinhos e deixava-me fazer-lhe festas. Tenho a certeza de que eu podia ter aprendido muitas coisas com ele, mas não sabia falar-lhe...»
Mircea Eliade. Bosque Proibido. Tradução de Maria Leonor Buescu. Editora Ulisseia, Lisboa, 1963., p. 15
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romancista romeno
imperecível
1. que não perece ou deixa de existir; eterno; imortal
2. que dura muito tempo; imorredoiro
(De in-+perecível)
«Fechava os olhos quando sorria, por coquetterie. Sempre que Stefan a tinha encontrado na escada, tinha-a surpreendido a puxar a blusa, tentando dar algum relevo ao peito ressequido.
-Que gostaria eu de ser? Eu? - respondeu Vadastra levantando a voz. - Deputado? Qualquer pode sê-lo. Até um tipo como Voinea pode vir a ser deputado...
-Então, ministro?
-Talvez - respondeu Vadastra depois de curta hesitação. - Mas para que serve ser ministro? Hoje é-se ministro, amanhã já não. Depois passa-se para a opisição, à espera que torne a vir a nossa vez!...Sim, ministro não é mau...talvez eu lá chegue. Mas, de qualquer maneira, que é isso? Há tantas coisas a fazer! ...
Mircea Eliade. Bosque Proibido. Tradução de Maria Leonor Buescu. Editora Ulisseia, Lisboa, 1963., p. 9-10
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FOSSES TU
Fosses tu uma ave ou uma folha
E o Outono te viria desprender
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 423
PÓRTICO
Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda.
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 389
eremitério
masculino
1. lugar ou casa onde vive um eremita
2. figurado lugar afastado do povoado; ermo
(De eremita+-tério, por influência de cemitério)
1. lugar ou casa onde vive um eremita
2. figurado lugar afastado do povoado; ermo
(De eremita+-tério, por influência de cemitério)
náiade
nome feminino
NA MITOLOGIA
Divindade secundária que presidia às fontes e aos rios, na mitologia greco-romana; ninfa dos rios e das fontes
Ítaca
O que dói
É não poder apagar a tua existência
e repetir dia após dia os mesmos gestos
O que dói
é o teu nome que ficou como mendigo
Descoberto em cada esquina dos meus versos
O que dói
é tudo e mais aquilo que desteço
Ao tecer para ti novos regressos
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 369
8
Prometo-te a palma da minha mão para a escrita.
Cerca-a de magnólias, cerca-me. Podes fechar a escrita
No interior da mão ou na boca dos livros
Podes esquecê-la ou libertá-la dos mil botões
Que ela sopra no interior dos homens.
Podes mandá-la àqueles que mais amas
Ou como pétalas e mensagens nas anilhas das aves
Aos teus próprios inimigos.
Podes desarmá-la para propagares as chamas.
Dou-te, como desde sempre, o poder
De escreveres na pele da minha mão
As promessas que te fiz. Sabes que existo
E que vou repetir-te todas as coisas outra vez.
As estações, por exemplo - não sou o único que o digo -,
Não rodam à maneira dos carrosséis no largo. No Outono
A magnólia é pensativa como o homem
Que te olha por detrás da janela onde te escrevo.
No Inverno os vidros vão embaciando - aproxima
A tua mão da paisagem que resta
Como se fora o lado do verbo que encarnou. Repara
No banco de pedra - ele está
Sobre ti.
Tu és a criança sentada
Que olha para o céu. Há um tesouro
No céu - um coração novo. Reconheces
A magnólia estelar? O interstício solar
Da pupila celeste? Ela está sobre ti
E contempla - é verdade que é pelas lágrimas
Que começam as visões
Sim. Agora posso explicar-te o mistério das águas
Debruça-te como ele quando escreveu no chão
Irás entender - elas jorram das palavras.
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 332/3
sábado, 27 de julho de 2013
«Sei que não posso chamá-la das margens»
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 312
Etiquetas:
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