Mostrar mensagens com a etiqueta O Mito de Sísifo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta O Mito de Sísifo. Mostrar todas as mensagens

domingo, 22 de dezembro de 2013

Tal como Sísifo

«Tal como Sísifo(1), a rolar o seu rochedo, amontoam textos e mais textos de leis em assuntos que nada têm a ver com eles. Acumulam glosa sobre glosa, opinião sobre opinião, para dar a impressão da extrema dificuldade que possuem. Estão, de facto, convencidos de que é digno de mérito tudo o que exija esforço e trabalho.
    Acrescentemos-lhes os Dialécticos e os Sofistas, raça mais barulhenta do que o bronze de Dodona(2), e dos quais, o menos palrador, conseguiria fazer frente às vinte comadres mais palradoras que se encontrassem. Além de serem linguareiros, são também briguentos, a ponto de se encarniçarem na discussão e puxarem da espada por dá cá aquela palha, perdendo, no calor da contenda, todo o amor à verdade. O Amor-Próprio, apesar de tudo isto, fá-los felizes, pois que três silogismos lhes bastam para os levar a discutir com qualquer pessoa, sobre qualquer assunto. A sua obstinação torna-os invencíveis, mesmo que tivessem de se haver com o próprio Estentor.»
 
 
1 - Rei mítico de Corinto, condenado pelos deuses, como castigo da sua crueldade, a rolar, depois da morte, um rochedo enorme até ao alto de uma montanha, donde voltava novamente a cair.
 
2- Antiga cidade do Epiro, em cujo bosque sagrado, consagrado a Júpiter, os vasos de bronze suspensos nos carvalhos, ao serem batidos pelo vento, tocavam uns nos outros, produzindo um ruído interpretado pelos sacerdotes como um oráculo.



Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 96

terça-feira, 30 de julho de 2013

Mesmo este coração que é o meu ficar-me-á para sempre incompreensível.

«Porque, se tento alcançar este «eu» de que me apodero, se tento defini-lo e resumi-lo, ele não é mais do que a água a escorrer-me por entre os dedos. Posso desenhar um a um todos os rostos que ele sabe tomar, e também todos aqueles que lhes foram dados, a educação, a origem, o ardor ou os silêncios, a grandeza ou a baixeza. Mas não se podem adicionar rostos. Mesmo este coração que é o meu ficar-me-á para sempre incompreensível. O fosso entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa certeza, nunca estará cheio. Serei para sempre estranho a mim mesmo.»



Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 29
   «Acontece que os cenários desabam. Os gestos de levantar-se, o carro-eléctrico, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, carro-eléctrico, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, esta estrada segue-se com facilidade a maior parte do tempo. Só um dia o «porquê» se levanta e tudo recomeça nessa lassidão tingida de espanto. «Começa», isto é importante. A lassidão está no fim dos actos de uma vida maquinal, mas inaugura, ao mesmo tempo, o movimento da consciência.»



Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 24

«Ganhamos o hábito de viver, antes de adquirirmos o pensar.»

Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 20

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O suicídio

«O suicídio nunca foi tratado senão como fenómeno social. Aqui, pelo contrário, para começar, importa a relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este prepara-se, tal como acontece com uma grande obra, no silêncio do coração. O próprio homem o ignora. Uma bela noite, dá um tiro ou atira-se à água. De um gerente de prédios de rendimento que se matara, diziam-me certo dia que ele perdera a filha havia cinco anos, que mudara muito desde então e que essa história « o havia consumido». Não se pode desejar palavra mais exacta. Começar a pensar é começar a ser consumido. A sociedade não tem grande coisa a ver com estes princípios. O veneno está no coração do homem.»



Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 18
«Em todos os problemas essenciais (e por tal entendo os que podem fazer morrer e os que decuplicam a paixão de viver) só há provavelmente dois métodos de pensamento, o de La Palisse e o de Don Quixote.»



Albert Camus. O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo. Tradução de Urbano Tavares Rodrigues. Livros do Brasil, Lisboa., p. 17

domingo, 2 de junho de 2013

Pedra de Sísifo II

Agora medirei o tempo
Pela vara erguida ao meio-dia
Pela areia a descer o coração
E o sono
 
Pela cinza no cabelo de Jacob
Pelas agulhas no colo de Penélope
 
Agora lavarei a minha face
Sem perturbar os círculos da água
Medirei o tempo pelo peso da pedra
De Sísifo, perto do cimo
E pelo musgo que dificulta
A firmeza dos seus pés
 
Partirei sozinho na viagem
Sem nenhuma pedra ou senda repetida
E no tempo repetido acharei uma saída
Uma manhã depois de uma manhã
 
 
Daniel Faria. Poesia. Edição de Vera Vouga. Editora Quasi., p. 70

domingo, 28 de abril de 2013

Powered By Blogger