*
29-80 O pensar, e o pensar sempre
Dá-me uma forma íntima e (...)
De sentir, que me torna desumano.
Já irmanar não posso o sentimento
Com o sentimento doutros, misantropo
Inevitavelmente e em minha essência.
Toda a alegria me gela, me faz ódio,
Toda a tristeza alheia me aborrece,
Absorto eu na minha, maior muito
Que outras. E a alegria faz-me odiar
E, conquanto o não queira assim sentir,
Sinto em mim que a minha alma não tolera
Que seja alguém do que ela mais feliz.
O rir insulta-me por existir,
Que eu sinto que não quero que alguém ria
Enquanto eu não poder! Se acaso tenho
Sentir, querer, só quero incoerências
De indefinida aspiração imensa,
Que mesmo no seu sonho é desmedida.
E às vezes com pensar sinto crescer
Em mim loucuras de (...)
E impulsos que me transem de terror
Mais são apenas (...) e passam.
Mais de sempre é em mim (quando não penso
E estou no pensamento obscurecido)
Uma vaga e (...) aspiração
Quiescente, febril e dolorosa
Nascida do (...) pensamento
E acompanhando-o comovidamente
Nas inércias obscuras do meu ser.
Fernando Pessoa. Fausto -Tragégia Subjectiva. Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio por Eduardo Lourenço. Editorial Presença., p. 13
quarta-feira, 10 de junho de 2015
«Só o vazio lugar do pensamento...»
Fernando Pessoa. Fausto -Tragégia Subjectiva. Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio por Eduardo Lourenço. Editorial Presença., p. 10
«SOREN
Não vamos insultar-nos.
D. JOÃO
Tenho o sangue quente.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 86
Não vamos insultar-nos.
D. JOÃO
Tenho o sangue quente.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 86
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«LUÍSA
Quando te ouço, Soren, sinto verdadeiro prazer. Mas quando me afasto de ti, sinto que fui enganada.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 84
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«SOREN
Eros foi o deus do amor, mas não era amado. Regina não me ama. Aproveita-se de mim para amar.(...)»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 60
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«A TIA
As pessoas não querem pensar gravemente nas coisas graves. A angústia tem cem maneiras de escapar. Cem maneiras é pouco, muito pouco. O seu pai matou a mulher para casar com a mãe, que estava grávida de cinco meses. A sua mãe, criada e amante dele, foi quem enrolou um lenço no pescoço da senhora para não se verem as manchas roxas. O senhor, Soren, é filho dum assassino. É por isso que não quer casar, que não quer ter filos. O sangue pede mais sangue; é a lei. Não olhe para mim dessa maneira, Soren.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 58
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SOREN
A profundidade da sua intuição corrige os erros da minha inteligência.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 58
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«Se tivéssemos a certeza de que a eternidade existia, ela tornava-se logo numa estação balnear e mais nada.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 58
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« SOREN
Um filósofo é sempre um canalha, com a agravante de ser mais do que isso: de ser uma pessoa grave. Eu pouco entendo de gravidade; sou um homem de espírito.
A TIA
A certeza é uma coisa grave.
SOREN
A intimidade também. Por isso não aspiro à intimidade com ninguém.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 57
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«SOREN
Para dizer coisas abomináveis é preciso ter autoridade. Não lhe reconheço essa autoridade.
A TIA
Nem eu disse coisas abomináveis. Ainda. Preciso que me autorize. Para si é uma questão de orgulho dar-me autorização.
SOREN
Estou curioso por saber como pretende desmoralizar-me.
A TIA
Espere um pouco, Soren. Estamos aqui como numa selva profunda, só na companhia das mais terríveis possibilidades. Podemos transformá-las em assuntos rasos e sem interesse, e podemos elevá-las a grande altura.
SOREN
A grande altura?
A TIA
À altura dum crime.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 50/1
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«A força de um sedutor é a linguagem, ou seja, a mentira.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 49
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«(...) quis iludir-me com afinidades que afinal não temos.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 48
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SOREN
O meio melhor para escapar dos ataques do espírito é não ter espírito. Amar as mulheres é um remédio contra o espírito.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 47
O meio melhor para escapar dos ataques do espírito é não ter espírito. Amar as mulheres é um remédio contra o espírito.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 47
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«O amor ama o mistério.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 45
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A TIA
Torna-se irritante para uma mulher que um homem esteja tão seguro de não a amar.
SOREN
É a melhor maneira de ela nos chegar a amar a nós.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 44
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« O diabo tem aqui muitos motivos de estudo. Eu só tenho motivos de queixa.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 32
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SOREN
A perfídia está nisso. O que não nos agrada está muito perto de nos seduzir.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 32
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PAUL
Adeus, Soren. Não te compreendo. E o que compreendo não me agrada.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 31
Adeus, Soren. Não te compreendo. E o que compreendo não me agrada.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 31
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SOREN
Em tudo há uma profunda ironia. O homem liberta, a mulher escolhe. A mulher julga ser conquistada; o homem julga ser o vencedor. A libertar, o homem faz a pergunta, e a escolha da mulher é a resposta.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 27
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«Não é atrevido este teólogo que cheira a flores?»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 25
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«(...) A ideia mais simples pode tornar-se num labirinto escuro, num bosque encantado. A palavra pode ser um príncipe que se disfarça de corvo e de repente voa e percebemos que é uma estrela.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 24
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«Eu tive que suportar o sofrimento de não ser como os outros.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 23
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SOREN
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 15
Nunca fiz uma promessa de casamento a uma mulher, nem mesmo por negligência. Só os sedutores insignificantes se servem desses meios. Um homem destes há-de ser sempre um desastrado. Eu sou alguém que apanhou a natureza do amor como quem apanha uma gripe, e que o conhece a fundo. Reservo-me a opinião pessoa de quem uma aventura galante não dura mais de seis meses. Mas o último dos prazeres é o de ser amado, ser amado acima de tudo. Entrar como um sonho no espírito duma rapariga é uma arte, sair é uma obra-prima.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 15
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«(...) No mundo do corpo pode-se morrer pela mão dum outro. No mundo espiritual só se pode morrer por si mesmo.»
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 15
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SOREN
Cada um vinga-se do mundo como pode. A minha maneira consiste em trazer a minha dor e o meu desgosto no fundo de mim mesmo enquanto o meu riso distrai os outros.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992., p. 14
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MORADAS
"Eu não conheço os homens. Há já anos
Que os procuro e lhes fujo, mas em vão.
Não os entendo? Ou entendo-os, porventura,
Demasiado? Mais que nestas formas
Evidentes, de áspera carne e osso,
De súbito partidas por uma débil mola
Se os reúne alguém apaixonado,
mortos na lenda entendo-os
Melhor. E deles volto aos vivos,
Fortalecido amigo solitário,
Como quem vai do manancial latente
Ao rio que sem alento desagua."
Que os procuro e lhes fujo, mas em vão.
Não os entendo? Ou entendo-os, porventura,
Demasiado? Mais que nestas formas
Evidentes, de áspera carne e osso,
De súbito partidas por uma débil mola
Se os reúne alguém apaixonado,
mortos na lenda entendo-os
Melhor. E deles volto aos vivos,
Fortalecido amigo solitário,
Como quem vai do manancial latente
Ao rio que sem alento desagua."
-"Sete Poemas"
- Luís Cernuda
- Editorial Inova, 1981
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Kierkegaard
«(...) foi um homem extraordinário, sofrendo do mal de ''ter sido um génio numa cidade da província''.
Agustina Bessa-Luís. Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkegaard. Guimarães Editores, 1992
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O Barão é um camaleão emocional. É a contradição corporizada. Ora é um “autómato de ferro e de lata que me fazia calafrios de terror”, ora se apresenta dócil, ou irascível, um homem-javali, “uma pura besta”. Esmagava as mulheres mas defendia que “Mulher de quem a gente não tenha medo não vale nada”. Vivia um amor aprisionado, dentro e fora de si. O Barão é um Drácula decadente. Um vampiro reformado compulsivamente. O Barão denunciava o “arquétipo de uma degradação do nosso pathos colectivo”. Porque Branquinho da Fonseca era um “retratista psicológico do homem português”. Retratista universal, aliás. A persona patética e medieval do Tirano, do Cacique Caprichoso, persiste, globalizada. E o grito marialva do Barão ainda ecoa nos lares das sociedades hodiernas. Sentado na sua poltrona, o Chefe de Família é um homem frustrado, desrealizado, sem amor nem esperança. Para Branquinho da Fonseca é o “duplo que há em nós, de violência de combate, contra os desacertos da vida.” Um ser complexo, quixotesco e mesquinho. Branquinho não caricaturava. O Barão é uma caricatura de si mesmo. Teatro moribundo.
“Quem manda aqui sou eu!” vocifera o Barão, pressentindo a sua queda iminente. O Inspector-
-Narrador é o Espetador Involuntário. É o mundo à espera da mudança. “Quem manda aqui sou eu!” teima o Barão.
Edgar Pêra in Prefácio, edição extraordinária de O Barão.
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segunda-feira, 8 de junho de 2015
«É possível que tenhas esquecido
quem sou
e quais são
os meus tormentos.»
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 211
quem sou
e quais são
os meus tormentos.»
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 211
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«Mas não deixes que os outros leiam à sua vontade no teu coração e nunca te separes da tua dignidade.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 194
Letargo
nome masculino
Do grego léthargos, «ócio que faz esquecer», pelo latim lethargu-, «letargia»
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Arak drinkin'
Card playin'
Racehorse cheerin'
Pigeon huntin'
The essence of Beirut
Seduction crowd
Cruisin' around
Foolin' about
Tis' all there is on the minds
Of the citizens of Beirut
Beirut
A flower off its terrain
Beirut
Oh her beauty, her good old days
Beirut
That dire end, all a waste
Withering
All unemployed
Hopeless
Ruined and rusted
Jinxed and accursed
Those dealers of Beirut
Oh the strutting
That fancy livin'
Excess of splurging
Exploded vanity
Smothering Beirut
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Yasmine Hamdan
«Quando falo em matar-me, contenta-se em perguntar:
''E quem cuidará das tuas rosas?''
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 176
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«atirei-me sobre a sua boca como quem se mata,»
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 176
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«Tínha-me dito que esperaria naquele lugar
onde nos havíamos amado tanto.»
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 172
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Os assaltos de um mesmo vento
dão à árvore mais robusta uma inclinação definitiva.
Como a árvore se defende das rajadas,
tenho resistido à dor; mas conservo desta luta
uma tristeza que só Ela poderia curar.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 170
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A que foi Daula repousa aqui.
Morreu na terceira noite do mês de Djemazi-el-Akhir,
que é o mês funesto para as flores.
Nós amámo-la.
Seus lábios eram saborosos. A sua alma, tenra.
Se o seu nome te recorda tê-la também acariciado,
evoca pelos dois essa antiga felicidade,
porque a noite dos mortos não conhece o ciúme.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 168
Morreu na terceira noite do mês de Djemazi-el-Akhir,
que é o mês funesto para as flores.
Nós amámo-la.
Seus lábios eram saborosos. A sua alma, tenra.
Se o seu nome te recorda tê-la também acariciado,
evoca pelos dois essa antiga felicidade,
porque a noite dos mortos não conhece o ciúme.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 168
«Ainda ontem nasci, mas o tempo
corre tão depressa que estou no fim da vida.»
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 155
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domingo, 7 de junho de 2015
"Continuamos a temer o que ingerimos das formas mais absurdas. Ainda me lembro do tempo em que leite e ovos eram saudáveis e não havia super-alimentos nem sumos detox nem a dieta da Lua. Parece que, entretanto, os ovos foram perdoados e o glúten, mais tarde ou mais cedo, será ilibado de provocar todas as doenças conhecidas. Os egípcios faziam clisteres e purgas eméticas, métodos que, apesar de tudo, deveriam ser mais eficientes na putativa desintoxicação do organismo do que um sumo de aipo com gengibre."
Afonso Cruz escreveu e ilustrou para o número 5 da revista XXI Ter Opinião, um Breve Dicionário dos Medos.
sábado, 6 de junho de 2015
« NICOLAU É um ser solitário porque é um homem íntegro, mortal.»
Jacinto Lucas Pires. Escrever, falar. Cotovia, Lisboa, 2002., p. 75
« HUGO Um baldio sem ninguém. Um baldio sem ninguém, nem animais nem plantas, num dia de sol às três e meia - às três e meia quando não acontece nada. Um baldio sem ninguém, só com uma árvores morta lá ao longe. Ele pensa nesse lugar, onde um dia sofreu o seu grande amor. Sentou-se numa pedra e fumou um maço inteiro para aprender a gostar. Um a um, com sofreguidão - para apanhar o vício, para ficar com uma coisa dentro dele. Para não se sentir assim oco. Um a um, com força. E quando acabou doía-lhe a cara, a boca, e desatou a chorar e caiu ao chão - agarrava-se às ervas secas e sentia o cheiro a podre, a cinzas, a suor - e era como se tivesse um novelo no peito e na garganta, um novelo que ele desfiava e desfiava sem conseguir chegar ao fim.»
Jacinto Lucas Pires. Escrever, falar. Cotovia, Lisboa, 2002., p. 51
«NICOLAU Somos seres solitários porque temos amor.»
Jacinto Lucas Pires. Escrever, falar. Cotovia, Lisboa, 2002., p. 37
«NICOLAU As ondas quando batem na areia.
HUGO São enormes.
NICOLAU Devíamos aprender com elas.
HUGO Metem medo.
NICOLAU São o que há de mais verdadeiro.
HUGO Trazem os afogados.
NICOLAU Voltam sempre.
HUGO E os mortos matam-nos por dentro.
NICOLAU As ondas, as ondas.
HUGO Um dia vou desaparecer. Um dia há-de ser o meu último dia. Um dia há-de ser o primeiro dia em que não estou aqui, e então tudo continuará tal e qual, sem tirar nem pôr, o céu azul, os pássaros a cantar, etcétera...
NICOLAU Uma onda grande quando bate -
HUGO Sim, não há coisa mais bela.»
Jacinto Lucas Pires. Escrever, falar. Cotovia, Lisboa, 2002., p. 32
O ÚLTIMO CASO DO INSPECTOR
O lugar do crime
não é ainda o lugar do crime:
é por enquanto um quarto cheio de penumbra
onde duas sombras nuas se beijam.
O assassino
não é ainda o assassino:
é só um homem cansado
que chega a casa um dia antes do previsto
depois de uma longa viagem.
A vítima
ainda não é a vítima:
é somente uma mulher ardendo
noutros braços.
A testemunha de excepção
não é ainda a testemunha da excepção:
apenas um inspector espadaúdo
que se goza da mulher do próximo.
A arma do crime
ainda não é a arma do crime:
é apenas um candeeiro de bronze apagado,
tranquilo, inocente
sobre uma mesa de cabeceira.
Joaquim Pessoa. Os Herdeiros do Vento. Antologia Apocrifa. LITEXA Portugal, 1984., p. 49
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