quinta-feira, 20 de novembro de 2014
«Mastigava, de olhos postos no prato.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 210
« - O futuro não se adivinha - respondi. - Só se pode dizer, a partir daquilo que se fez, o que se fará.
- Isso é verdade - respondeu. - Fazem-se sempre as coisas já antes feitas.
-Mas tu nem sempre sabes as coisas que fizeste - disse-lhe. - Todos os dias começas uma nova.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 204
António Lobo Antunes: "Não tenho muito jeito para viver"
Não gosta de conversas, de entrevistas então ainda menos. "A única coisa a que os leitores têm direito são os livros", costuma afirmar António Lobo Antunes, 72 anos. Com isto, o escritor quer dizer que o que importa é a literatura. E também que não se esperem grandes revelações sobre a sua vida privada: "Tenho relações de intimidade com duas ou três pessoas." Do dia a dia de Lobo Antunes há apenas algumas coisas que perpassam nas crónicas que publica na VISÃO, sobretudo nas que se aproximam mais do género diário pessoal.
"Eu só sou o António Lobo Antunes com o papel na mão. Sem o papel na mão, sou um chato."
Não, não é um chato. Apesar de todas as angústias, António Lobo Antunes mantém um sentido de humor de que vale a pena falar. Adora uma pequena história, um diálogo sem nexo, uma incongruência divertida. É capaz de se rir até às lágrimas de uma frase possidónia proferida por alguém, não importa quem. E de voltar a contá-la, acrescentando-lhe uma graça que nem todos poderão gabar-se de possuir. Lobo Antunes tem, isso sim, uma vida rotineira, uma vida de dedicação total à escrita. E, ao mesmo tempo que diz escrever porque não sabe fazer mais nada, também é capaz de dizer que está cansado de tudo.
"No princípio só vinha para aqui escrever. Já estou farto, apetece-me mudar de sítio. Nunca aguento muito tempo numa casa. Passado uns tempos, começo a ficar cansado. Não sei o que é e, sobretudo, não sei até que ponto é que quando estou a dizer que estou farto desta casa, não posso estar a dizer 'estou farto de mim'."
Vem aí uma daquelas alturas. António Lobo Antunes já acabou de escrever a primeira versão do livro (o terceiro depois deste que agora chega às livrarias, Caminho Como uma Casa em Chamas, sendo que, pelo meio, ainda terminou outro, que sairá no próximo ano) e tem em cima da sua mesa de trabalho um monte de folhas A4 que é preciso rever e cortar, cortar e rever. Anda às voltas com uma personagem, uma surda-muda que lá aparece. E lembra-se dela, a propósito de nada, antes de, na Avenida de Roma, entrar para o dentista onde há meses passa duas tardes por semana.
"- Não tenho muito tempo livre.
- E o que faz nos intervalos dos livros, quando não está a escrever?
- Coisas inconfessáveis [risos]."
Os dias estão mais frios e, às quintas-feiras, já não há jantar em casa dos pais, em Benfica. A mãe, Margarida, morreu quase há dois meses; um dos irmãos, Pedro, vai fazer um ano. Na semana passada, pela primeira vez depois da morte da mãe, o seu irmão João, o neurocirurgião, convidou os manos para jantar. Da casa da infância, António Lobo Antunes só quis trazer uma fotografia da mãe. Tem-na, emoldurada, nova, bem vestida e elegante, rodeada de estantes com livros até ao teto, de frases escritas na parede, de quadros pintados por Júlio Pomar.
"Nos hospitais, vi muita gente morrer, mas nunca vi ninguém chamar pelo pai. Agora olho para aquele retrato e penso: é a minha mãe. Só com a morte dela é que me dei conta da sua importância. Há aquela frase de Conrad tão dramaticamente verdadeira: tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento sobre ela que chega tarde demais."
Impressiona qualquer um, a quantidade de frases que António Lobo Antunes sabe de cor. Poemas, bocados de livros, diálogos, histórias. Sim, memória de elefante. As suas entrevistas estão cheias de citações, como se houvesse sempre uma à medida de cada pergunta jornalística. Já se disse aqui que não gosta de entrevistas, "uma espécie de interrogatório policial" (acha o próprio) durante as quais o alegado suspeito não larga a sua personagem (acrescentamos nós). E este, em concreto, diz apenas o que quer. Nos últimos tempos, por exemplo, tem-lhe apetecido dizer mal do Governo.
"Os portugueses merecem muito melhor, merecem muito mais do que o Governo que têm, muito mais do que a maneira como os obrigam a viver. Já ouviu um discurso do primeiro-ministro? A quantidade de erros de português que ele dá... Como é que podemos ser governados por pessoas que nem sequer sabem falar português? Não posso com esta mediocridade, com este vazio de ideias, com esta mentira constante. 'Decisão irrevogável'? O meu pai nunca admitiria que um filho seu voltasse atrás com a palavra. E isto passa-se no mundo inteiro. Há pouco tempo, George Steiner comentou comigo que nenhum dos bons alunos de Cambridge ia para a política: só os medíocres vão para a política."
António Lobo Antunes sobreviveu a mais um cancro. A dois, um em cada pulmão. O médico que o assistiu disse que o curava - e curou. Faz exames regulares, come rebuçados de mentol para ver se consegue reduzir o número de cigarros que ainda fuma. Fica com a boca impregnada de mentol. E continua a fumar. "Dá-me prazer." Tirando as viagens ao estrangeiro, sempre por causa dos livros, pouco sai de casa. Não vai de férias, nem de fim de semana (houve um tempo em que, como os magalas, tirava as tardes de sábado).
"Não tenho muito jeito para viver. E acho que os livros são a minha redenção."
Escreve dez horas por dia, sete dias por semana, com uma disciplina que poucos escritores no mundo devem ter. E a vida só existe assim. Umas vezes, os livros são tudo. Outras vezes, são "só papéis": "O que é isto comparado com a pavorosa realidade de, daqui a nada, estar no dentista?". É capaz de fazer, de enfiada, seis crónicas, "prosinhas", para depois regressar ao livro sem interrupções (o galope é outro, já explicou várias vezes). Almoça num dos cafés do bairro onde vive, o Conde Redondo. O prato do dia e, muitas vezes, uma sobremesa (tem gostos de garoto, pede leite-creme ou mousse de chocolate). Recebe visitas de meia dúzia de pessoas, três filhas, amigos, a editora Maria da Piedade Ferreira. E telefona a outra meia dúzia. De resto, está sempre ali, a escrever. Contabilidade bibliográfica: 25 livros (não quer que lhes chamem romances), mais cinco volumes de crónicas.
"A presença das pessoas não me incomoda nada. Desde que não falem comigo, escrevo em qualquer sítio. A Agustina dizia que, se fosse preciso, até escrevia numa cabina telefónica."
Conta-se que, quando terminava um livro, Iris Murdoch dava uma volta ao quarteirão e começava logo a escrever outro. No caso de António Lobo Antunes, os intervalos entre os livros duram três ou quatro longos meses. Nessas alturas, lê tudo o que apanha. Romance, ensaio, poesia. O que quer voltar a ler, o que gosta muito de ler (Tolstoi e Dostoievski, ditos com a bonita pronúncia que um amigo, professor de literatura russa, lhe ensinou), o que vai saindo, o que lhe mandam. É um grande leitor.
"Quando uma pessoa tem talento, percebe-se logo. Às vezes até na cara se percebe. As pessoas com talento têm uma certa aura. Marlon Brando pode estar metido num cantinho da tela, mas nós só reparamos nele quando olhamos para lá. Uma vez, vi Chagall a pintar os tetos da ópera de Nova Iorque. Era um homem de 80 e tal anos, pequenino, feiíssimo, estava sentado no chão a trabalhar e, no entanto, eu não consegui tirar os olhos dele."
Depois, há um dia em que marca uma data no calendário, para se obrigar a si próprio a começar. Não faz concessões de espécie nenhuma. As personagens não têm nome, os livros não obedecem a um plano organizado, têm o número de páginas que precisam de ter. Nas entrevistas, fala pouco ("Não tenho nada para dizer") e quase nada sobre o livro que é suposto ser promovido. Tem por hábito citar D. Francisco Manuel de Melo: "De que trata o livro? O livro trata do que vai escrito dentro."
"Gosto das pessoas que têm cara de quem vive. E isso não tem a ver com beleza. Normalmente, as pessoas que eu acho atraentes não são bonitas, têm um charme lento, que eu não sei explicar. Acontece-me o mesmo com as cidades. Não gostei nada de Paris nas primeiras vezes que lá fui, mas depois, a pouco e pouco, aquilo vai entrando dentro de nós. Não há nada a fazer, o talento é como um berlinde na mão, ou se nasce com ele ou não se nasce. O grande Curro Romero (conhece Curro Romero, o imortal toureiro?) tinha uma frase que explicava isto: o que não se pode não se pode e, além disso, é impossível."
Lobo Antunes mudou-se para o Conde Redondo há meia dúzia de anos. Começou por escrever num rés do chão transformado em ateliê de design que pertencia a um primo bastante mais novo (José Maria Nolasco, que, entretanto, morreu). Era um sítio escuro e frio, no inverno chegava a escrever de luvas e casaco. Depois, Tereza Coelho, a sua antiga editora, que também já morreu, descobriu a casa onde hoje vive ("onde estou", prefere dizer) e insistiu em que ele viesse para aqui.
"Comprei esta casa com o dinheiro de uma tradução de um livro que vendi para Espanha."
A casa - num prédio recuperado, com grandes janelas a toda a largura da fachada - não fica longe do Hospital Miguel Bombarda, onde, quando ainda exercia psiquiatria, passava muito do seu tempo. Isso, agora, já não lhe diz nada. Entra e sai da garagem e, quando sai a pé, não passa do virar da esquina (isto não se devia divulgar, mas atravessa a estrada fora da passadeira, quase sem olhar). Quando alguém, seu leitor, se aproxima, fica satisfeito.
"É agradável as pessoas gostarem do nosso trabalho. Temos uma sede infinita de amor. E de reconhecimento. Por muito certos que estejamos do nosso talento e da nossa capacidade de escrever."
E agora que - graças a um superaparelho que lhe "ressuscitou" um ouvido quase morto - ouve melhor, já nem tem a desculpa da surdez para fingir que não ouve.
Ler mais: http://visao.sapo.pt/antonio-lobo-antunes-nao-tenho-muito-jeito-para-viver=f802105#ixzz3JeTtu46R
DA AUSÊNCIA POR VIR
"Antes que chegue a noite sobre o mar
e atire o vento da nortada
as minhas húmidas cinzas para o nada.
Antes que os gastos gestos se dissolvam,
tal como um sorriso que se transforma em esgar
ou os cansados espasmos de um amor extinto.
Antes, ainda, como este sol sobre as ilhas,
tenaz ponto de luz, cor intensa,
que minhas palavras desenhem meu fantasma,
salvo e perdido, na pura intensidade da vida."
Juan Luis Panero
''Poemas''
terça-feira, 18 de novembro de 2014
A seguir, Andrew afastou-se a coxear, deitou-se e morreu.
«Depois, de repente, Andrew ferrava os dentes numa das patas traseiras do inimigo e nunca mais o largava. Não lhe dava dentadas, compreende? Não; somente não o largava durante o tempo que fosse necessário e pelo menos até os espectadores declararem o combate acabado. Quanto a Andrew, seria capaz de se aguentar um ano, se fosse preciso.
Smiley ganhou todas as apostas que fez com este cão, até ao dia em que se lhe deparou um cão que não tinha as patas traseiras, as quais lhe haviam sido cortadas por uma serra circular. Quando o combate já durava há algum tempo e as apostas já tinham subido muito, o buldogue lançou-se sobre a presa favorita, mas percebeu imediatamente que o haviam enganado e que estava à mercê do adversário. Pareceu surpreendido e , desencorajado, não fez qualquer outra tentativa para vencer, nem sequer se defendeu e foi severamente derrotado. Lançou a Smiley um olhar triste, como que para lhe dar a entender que tinha o coração despedaçado, e por culpa do dono, que o tinha feito combater com um cão que tinha as patas traseiras, o seu alvo principal num combate. A seguir, Andrew afastou-se a coxear, deitou-se e morreu. Era um bom cão, esse Andrew Jackson. Se tivesse vivido mais tempo, teria sido famoso, pois possuía estofo e génio.
Mark Twain. Contos Humorísticos Anglo-Saxónicos. Edições Amigos do Livro, Lisboa., p. 16/17
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
« - O que é que tens para me dizer? - perguntei.
-Nada - respondeu - se consideras assim o nosso encontro. É disparatado, mas tenho muito prazer em ver-te de novo e saber que vives contente.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 198
-Nada - respondeu - se consideras assim o nosso encontro. É disparatado, mas tenho muito prazer em ver-te de novo e saber que vives contente.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 198
«(...), fingindo depois o velho amuo. - Interessa-te assim tanto ver-me de novo? Então vai-te embora.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 198
«A noite mergulhava o quarto na penumbra.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 192
terça-feira, 11 de novembro de 2014
"All great art comes from people who are either ugly or have a terrible inferiority complex."
- Richard Burton, born on this day in 1925
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
«A Loura nunca me convidara para comer com ela em casa. Via-se que se comprazia no seu isolamento; volta e meia, vinha até à entrada e fumava. Parecia um rapaz, com aquela blusa de quadrados. Escura como era, nunca apanhava sol. Havia dias em que me punha a imaginar velhas coisas: que ela não era Loura e que estávamos juntos.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 163
«A Loura era uma viúva - o Louro morrera tempos atrás. Tratava-os com poucas palavras e com maus modos; via-se que receava dar confiança às pessoas; era o género de mulher que põe o marido no olho da rua para depois chorar por ele à noite. Pippo dizia que era sonâmbula - tinha, na verdade, o rosto descarnado e olheiras, próprias das viúvas e das sonâmbulas. Passava todo o tempo nos fundos do quintal, donde nos espiava através dum buraco feito na parede da casa. À noite, tinha por hábito fazer as contas em cima duma mesa do seu quarto, e pagava-me à percentagem. Dormia num canto escuro, onde cheirava a petróleo e a bafio. Quando chegava, de manhã, esperava-me à porta; desaparecia mal eu entrava, sem dizer sequer «bom dia». Andaria pelos trinta anos de idade.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 152
« - As pedras a mim não me dizem nada - respondi.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 146
« - Tens um vício. Não levas as coisas até ao fim.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 134
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Nada.
«Eram tantas as mentiras trocadas entre nós, tantas as palavras por dizer, que lhe respondi ainda desta vez: - Nada.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 121
«O tempo era de mármore e fechei os olhos.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 117
« - Só os apaixonados são capazes de matar - acrescentou Linda.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 109
«(...) Aquilo que disse, aquilo em que acreditei já não existe. Lembro-me duma manhã em que havia um nevoeiro de cortar à faca, autêntico algodão em rama, em que o mundo parecia ter parado. Nem sequer se ouviam os passos...Lembro-me disso.
- Mas com quem saías nessas noites?
-Não chateies - disse Lubrani. - Todos temos as nossas histórias.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 100
terça-feira, 4 de novembro de 2014
BOM CONSELHO
"não procures um pretexto para os olhos:
é assim que se constrói a cegueira. Alguns
perdem-se na doença da luz, nos caminhos
desorientados onde só encontram o desvio.
Não vás pelo território maldoso da vereda,
talvez encontres ameixoeiras, mas a sombra
apodreceu-as, e dão ameixas como pedras
rugosas. Não vás rente às silvas que escondem
os encontros: visita a fronteira: esse lugar
que não repartiu a luz"
-"Ofício de Vésperas"
- Rui Nunes
A FLUTUAR
"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão"
-"O Medo"
- Al Berto
"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira-mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão"
-"O Medo"
- Al Berto
UM OLHAR PARA TRÁS
"Somos sobreviventes. A vida que quisemos, não a tivemos. Aquela que temos, não a escolhemos. Veio-se-nos. Faltou-nos só uma vocação, essa para vivermos a única vida que realmente nos importava. Todas as outras permanecem para sempre marcadas por um selo de morte e insuficiência. O tempo que resta, passamo-lo a tentar digerir esse monstruoso fracasso, a evitar transformarmo-nos a nós próprios em monstros de ressentimento. Não, nos não queríamos ser humanos. E agora, não queremos outra coisa, à falta daquilo em que não fomos capazes de nos tornar"
Bénédicte Houart. Há Dias.
"Somos sobreviventes. A vida que quisemos, não a tivemos. Aquela que temos, não a escolhemos. Veio-se-nos. Faltou-nos só uma vocação, essa para vivermos a única vida que realmente nos importava. Todas as outras permanecem para sempre marcadas por um selo de morte e insuficiência. O tempo que resta, passamo-lo a tentar digerir esse monstruoso fracasso, a evitar transformarmo-nos a nós próprios em monstros de ressentimento. Não, nos não queríamos ser humanos. E agora, não queremos outra coisa, à falta daquilo em que não fomos capazes de nos tornar"
Bénédicte Houart. Há Dias.
"Silêncio,e depois
Não disse o principal sobre a sua pessoa, a sua alma, os seus
pés, as suas mãos, o seu riso.
O principal para mim é deixar o seu olhar quando ele está só.
Quando está na desordem do pensamento.
É muito belo. É difícil saber.
Se começo a falar dele, nunca mais paro.
O principal para mim é deixar o seu olhar quando ele está só.
Quando está na desordem do pensamento.
É muito belo. É difícil saber.
Se começo a falar dele, nunca mais paro.
A minha vida é como incerta, mais
incerta, sim, do que a dele diante de mim.
Silêncio, e depois"
Marguerite Duras. É Tudo.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
«Fiz todos os erros que um homem pode fazer e paguei por eles. Sou, por isso, muito mais rico, muito mais aberto, muito mais feliz, se quiseres, do que se tivesse descoberto, através de uma pesquisa ou de uma disciplina, como evitar as ratoeiras e as armadilhas do meu caminho...»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 79
«O que eu não daria para ter sido camarada ou amigo íntimo de figuras como Apollinaire, Douanier, Rousseau, George Moore, Max Jacob, Vlaminck, Utrillo, Derain, Cendrars, Gauguin, Modigliani, Cingria, Picabia, Maurice, Magre, Léon Daudet e outros.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 74
codeína
nome feminino
FARMÁCIA, QUÍMICA alcaloide existente no ópio, do qual se pode extrair, mas que se obtém principalmente a partir da morfina
FARMÁCIA, QUÍMICA alcaloide existente no ópio, do qual se pode extrair, mas que se obtém principalmente a partir da morfina
''longos monólogos cheios de floreados''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 57
O Capricórnio
«O Capricórnio é um animal solitário. Lento, estável, perseverante. Vive em diversos níveis ao mesmo tempo. Pensa em círculos. Sente o fascínio da morte. E prossegue numa escalada constante. Provavelmente à procura do edelweiss. Ou será da immortelle? Não reconhece a sua origem; apenas as suas ascendências. Ri pouco e quase sempre inoportunamente. Colecciona amigos com a mesma facilidade com que os outros juntam selos, mas é um ser insociável. Em vez de ser delicado, fala com toda a franqueza. Metafísica, abstracções, manifestações, electromagnéticas. Perde-se nos abismos. Vê estrelas, cometas e asteroides, onde os outros apenas enxergam manchas, rugas e erupções. Quando se cansa de fingir que é o homem que come tubarões, alimenta-se de si próprio. Um paranóico. Um paranóico ambulatório. Mas de afeições e ódios constantes. Ouai!»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 40
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«O chovisco transformou-se numa chuva ligeira, numa chuva cinzenta e docemente melancólica.»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 39
as pedras são difícies de digerir
«Não digo nada seja contra o que for. Observo. Analiso. Calculo. Destilo. A sabedoria é útil, mas o conhecimento é a certeza das certezas. O escalpelo, para o cirurgião, a picareta e a pá para o coveiro, o livro dos sonhos para o psicanalista, o barrete com guizos para o louco. E, para mim, uma cólica intestinal. A atmosfera demasiado rarefeita e as pedras são difíceis de digerir. »
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 38
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''a Lua em pânico total''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 37
salsaparrilha brava
«(..); esse frasco contém mirra, incenso e uma pitada de salsaparrilha brava. O cheiro da santidade!»
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso, p. 37
''acelerados em direcção à morte.''
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,
sábado, 18 de outubro de 2014
terça-feira, 14 de outubro de 2014
«Recebi o insulto e dei-me conta de que, provocadas pelo violento golpe, as lágrimas tinham inundado os meus olhos. E assim ficámos, durante algum tempo, sentados e olhando-nos mutuamente. Em seguida levantei-me lentamente. Na minha imaginação perguntava-me se ela alguma vez chegaria a aceitar-me; mas não foi a isto que me referi quando, finalmente falei. Disse-lhe, enquanto alisava o feltro do meu chapéu: «Agora já sei o que pensar. Nada!»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 57
«Ferida e solitária, altamente talentosa e, agora, no seu luto pesado, com a maturidade do seu encanto, com o seu desgosto sem queixas, e incontestavelmente bela - apresentava-se como uma pessoa vivendo uma vida de singular dignidade e beleza.»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 55
«Ouviu, nos vossos poucos dias de felicidade cedo interrompida», escrevi, «alguma coisa do que nós desejávamos ouvir?» Escrevi «nós» para que ela subentendesse a minha insinuação; e ela demonstrou-me que entendera a minha pequena «insinuação» «Ouvi tudo», respondeu-me ela, «e decidi guardar comigo o segredo do mistério!»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 53
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 53
''(...) a escola do diabo, o abismo.»
Henry James. O Desenho no Tapete. Tradução de Luzia Maria Martins. Relógio D'Água, Lisboa, p. 50
quarta-feira, 1 de outubro de 2014
«(...) a cara escondida pela ponta em brasa do cigarro.»
Cesare Pavese. A guitarra quebrada. Traduzida pelo italiano por José da Fonseca Costa. Editorial Minerva, Lisboa, p. 105
SE
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
Rudyard Kipling
terça-feira, 30 de setembro de 2014
«Do ponto de vista psiquiátrico, todos os extremismos políticos derivam de uma única categoria definida por um sistema banal: o desejo de violência e de poder. E também desejo de submissão» (Le fou, p. 93). «O gosto pelo vermelho, cor de sangue, comum ao nazismo e ao bolchevismo, remete sempre, inconscientemente, para a pulsão de morte da máquina. A própria palavra comunismo contém excepcional carga afectiva» (Le fou. p. 244)
Le fou et le prolétaire, Robert Laffont, 1979. L'invention de la France, em colaboração com Hervé Le Bras, Le Livre de Poche, 1981.
«Tentem suicidar-se e tenham o azar de falhar, logo essas bestas dos vivos hão-de desunhar-se para vos forçar a viver, obrigando-vos a partilhar a merda deles.
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
Sei que em certos momentos na vida parecem de felicidade; questão de humores, como o desespero, e nem um nem outro assentam sobre algo sólido. Tudo isso é asquerosamente provisório. O instinto de conservação é uma nojeira.»
«Vive la Mort», Chaval (reproduzido in Carton, Les Cahiers du dessin d'humour, nº2, 1975)
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
«paranóia deambulatória »
Henry Miller. Um diabo no paraíso. Tradução de Estevão Sasportes. Livros do Brasil, livros Unibolso,11/12
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