segunda-feira, 11 de novembro de 2013
«espectros onde sangra ainda o lugar do amor»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 32
« - deixai-o embriagar-se com o triunfo que acaba de obter, pois possui todos os recursos da dialéctica e, com ele, não tereis nunca a última palavra sobre o que quer que seja.»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 19
dialéctica
nome feminino
1. arte de argumentar ou discutir, através do raciocínio e com o objectivo de demonstrar algo
2. pejorativo argumentação enganosa e subtil
3. FILOSOFIA processo de um pensamento que toma consciência de si mesmo e se exprime por afirmações antitéticas que uma síntese englobante procura reduzir
4. FILOSOFIA processo de um pensamento ou de um devir que progride por uma alternância de movimentos de sentido inverso ou por um jogo de causalidade recíproca
5. FILOSOFIA método para compreender o objecto de um estudo, que consiste em colocá-lo de novo na realidade movente, histórica, concreta
6. FILOSOFIA (Aristóteles) dedução a partir de proposições simplesmente prováveis
7. FILOSOFIA (Escolásticos) lógica formal
8. FILOSOFIA (Kant) lógica de aparência
9. FILOSOFIA (Hegel, Marx) processo pelo qual o pensamento (que se confunde com o ser) se desenvolve segundo um ritmo ternário: tese, antítese, síntese
(Do grego dialektiké (tékhne), «a arte de discutir», pelo latim dialectĭca-, «dialética»)
1. arte de argumentar ou discutir, através do raciocínio e com o objectivo de demonstrar algo
2. pejorativo argumentação enganosa e subtil
3. FILOSOFIA processo de um pensamento que toma consciência de si mesmo e se exprime por afirmações antitéticas que uma síntese englobante procura reduzir
4. FILOSOFIA processo de um pensamento ou de um devir que progride por uma alternância de movimentos de sentido inverso ou por um jogo de causalidade recíproca
5. FILOSOFIA método para compreender o objecto de um estudo, que consiste em colocá-lo de novo na realidade movente, histórica, concreta
6. FILOSOFIA (Aristóteles) dedução a partir de proposições simplesmente prováveis
7. FILOSOFIA (Escolásticos) lógica formal
8. FILOSOFIA (Kant) lógica de aparência
9. FILOSOFIA (Hegel, Marx) processo pelo qual o pensamento (que se confunde com o ser) se desenvolve segundo um ritmo ternário: tese, antítese, síntese
(Do grego dialektiké (tékhne), «a arte de discutir», pelo latim dialectĭca-, «dialética»)
« o que não tinha remédio remediado estava»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 173
«Depois, passando do amargo sarcasmo à cólera, fez a singular declaração de que o «verme morde quando é pisado»; e, por fim, entregou-se a um terno pesar dizendo que se, ao menos, os culpados tivessem confiando nela, quantas coisas não lhes poderia ela ter sugerido!»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 172
domingo, 10 de novembro de 2013
Com o tempo, a paixão das grandes viagens apaga-se ...
« Com o tempo, a paixão das grandes viagens apaga-se, a menos que tenhamos viajado tanto tempo que nos tornemos estranhos à pátria. O círculo estreita-se cada vez mais, aproximando-se pouco a pouco do lar. - Não podendo afastar-me muito nesse Outono, formara o projecto de uma simples viagem a Meaux.»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 17
já tive que ferir e defender-me
«Como sabem, não sou de muitas meiguices; já tive que ferir e defender-me. Várias vezes resisti e ataquei - a única forma, afinal, de resistir - sem atender ao preço e para acatar exigências deste género da vida em que fiz a asneira de me meter. Já vi o demónio da violência, o demónio da cupidez, o demónio do mais incendiado desejo, mas - por todas as estrelas do céu!- estes demónios fortes, vigorosos, com o olhar vermelho que domina e atiça os homens - digo homens, reparem lá bem.»
Joseph Conrad. O Coração das Trevas. Tradução e Introdução de Aníbal Fernandes.
Editorial Estampa, Lisboa, 1983., p. 31
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escritor britânico de origem polaca,
Joseph Conrad
sábado, 9 de novembro de 2013
« V. - Não preciso de vo-lo dizer; revelo-me, como já alguém afirmou, pela fronte e pelo olhar e, se alguém me quisesse tomar por Minerva ou pela Sabedoria, desenganá-lo-ia, sem precisar de discursos, com um único olhar, pois o espelho da alma é sempre o menos enganador. Nunca simulo no rosto o que me não vai no coração. Sou sempre igual a mim própria e nunca uso de disfarce, como os que pretendem passar por sábios e se passeiam como macacos vestidos de púrpura ou asnos cobertos com uma pele de leão. Qualquer que seja o disfarce, as orelhas acabam sempre por atraiçoar o velho Midas.»
Midas - desesperado com as suas orelhas, procurou escondê-las. O segredo foi descoberto pelo barbeiro, que, não podendo guardá-lo, resolveu cavar um buraco e aí o ocultar. Porém, as roseiras que cresceram nesse local repetiam a quem passava, sempre que o vento as abanava, o segredo das orelhas de Midas.
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 18/9
«Agrada-me fazer de sofista à vossa frente, não porém como aqueles que metem na cabeça dos jovens bagatelas enfadonhas e os ensinam a discutir com mais teimosia que as mulheres.»
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 16
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 16
sofisma
nome masculino
1. FILOSOFIA, LÓGICA erro de pensamento em que, deliberadamente, se empregam argumentos falsos, com aparência de verdadeiros; falácia
2. qualquer argumentação que procura induzir alguém em erro
3. popular ato de má-fé usado para enganar alguém; dolo, engano
(Do grego sóphisma, «subtileza de sofista», pelo latim sophisma, «idem»)
«Quando vos vejo agora, ébrios do néctar dos deuses de Homero, misturado a um pouco de nepentes, enquanto, há um momento ainda, estáveis para aí sentados, inquietos e tristes, como se acabásseis de chegar do antro de Trofónio.»
_______________
nepentes - planta, cujo suco, misturado ao vinho, provocaria o esquecimento das preocupações e cuidados.
Trofónio - Legendário assassino, em cujo antro se encontrava um oráculo cuja consulta provocaria a tristeza para toda a vida.
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 15
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
« - Sim, tenciono dar-lhe a maior prova de ternura que me for possível e fazer-lhe a maior reparação. Para conseguir o meu fim, libertá-la-ei do sofrimento diário de um casamento desigual e da luta que lhe impõe o ter de o esconder. Ficará tão livre quanto estiver na minha mão fazê-lo.»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 143
terça-feira, 5 de novembro de 2013
«Pode ser a sua paciente companheira na velhice e nos achaques que a acompanham; a sua desvelada enfermeira na doença, a sua constante amiga no sofrimento e nos desgostos; trabalhar incansavelmente para o ajudar e por amor dele; velar por ele, consolá-lo...sentar-se junto do seu leito e conversar com ele, quando estiver acordado, e pedir a Deus por ele, quando estiver dormindo - que privilégios! Que de oportunidades para lhe provar a lealdade do seu amor. Será ela pessoa para fazer tudo isto?»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 82
« (...) mas os seus desolados pensamentos não se manifestaram em palavras.»
«Três ou quatro vezes sacudiu a cabeça como se lamentasse a perda de qualquer pessoa ou recordação, mas os seus desolados pensamentos não se manifestaram em palavras.»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 78/9
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 78/9
«-Diz o provérbio que, quando um pássaro sabe cantar e não quer, é preciso forçá-lo - rosnou Tackleton. - E que dirá o provérbio do mocho que não sabe cantar, que não deve cantar e que teima em cantar? A esse não há nada que se lhe obrigue a fazer?»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 74
«A sua alma perversa regalava-se com essas fantasias macabras.
Eram o seu único alívio e a sua válvula de segurança, e revelava-se magistral nessas invenções. Tudo o quanto sugerisse monstruosidade, fantasmagoria, bruxedo, deliciava-o. »
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p.
Eram o seu único alívio e a sua válvula de segurança, e revelava-se magistral nessas invenções. Tudo o quanto sugerisse monstruosidade, fantasmagoria, bruxedo, deliciava-o. »
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
domingo, 3 de novembro de 2013
«Clara adormece umas ruas mais à frente com a mesma imagem perfurada. O toque do telefone trespassa-lhe o sono. Os cravos inchados de vermelho erguem-se no escuro, a água brilha dentro da jarra. Estou em Viena, diz Pavel, em breve irá alguém a tua casa e dar-te-á o meu endereço e um passaporte, tens de vir imediatamente, senão já cá não estarei.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 232/3
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Já então a raposa era o caçador
«Eras capaz de abrir os dois cadáveres, perguntou Adina, Paul abriu e fechou a tesoura das unhas, seria pior do que ter de olhar as entranhas da minha mãe e do meu pai, disse ele. O meu pai batia-me muitas vezes, eu tinha medo dele. Às refeições, quando eu via a sua mãe segurar o pão, o meu medo passava. Nesse momento ele era como eu, nesse momento éramos iguais. Mas quando me batia, eu não conseguia imaginar que era também com aquela mão que ele levava o pão à boca.
Paul respirou fundo do cansaço de tantos dias. No lugar onde outros têm o coração, eles têm um cemitério, disse Adina, só têm mortos entre as suas têmporas, pequenos e sanguinolentos como framboesas enregeladas. Paul esfregou as lágrimas dos olhos, causam-me repugnância e eu sinto-me compelido a chorá-los. De onde vem esta comiseração, pergunta ele.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 232
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Já então a raposa era o caçador
«Para ti, a separação significa que eu esteja sempre disponível, diz Paul, mas nunca durma contigo. O cigarro incandesceu e devorou-se a si mesmo na sua boca.
Não fales, disse Adina, tenho a cabeça a estourar.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 221
Não fales, disse Adina, tenho a cabeça a estourar.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 221
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Já então a raposa era o caçador
«O caminho conhece-se a si próprio, não tem distância. Os passos desfocam-se e são sempre iguais.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 194
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 194
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Já então a raposa era o caçador
O JOGO DAS VESPAS
«No rosto da criança dos olhos muito afastados e das têmporas estreitas é patente logo de manhã a marca da solidão. A criança senta-se no banco no meio de outras crianças e senta-se sozinha. Os globos oculares estão vermelhos, os círculos castanhos lá dentro desbotados.
Duas vezes por aula, Adina sente-se tentada a chamar a criança ao quadro. Vê-lhe nos olhos, que atravessam a janela, que os seus pensamentos não param deste lado do vidro. São olhos de quem tem muito que cismar. Então Adina chama ao quadro uma criança que se senta à frente da criança ausente. E depois uma criança que se senta ao lado da criança ausente. Nas têmporas estreitas da criança, os olhos partiram para tão longe que não dão por nada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 191
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Já então a raposa era o caçador
«Quando a alegria rebenta, fica sozinho consigo mesmo. Torna-se então um estranho.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 189
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Já então a raposa era o caçador
«Quando ela começou a envelhecer, começou o marido a manter-se jovem, disse Clara, remoçando cada vez mais a seu lado. Como se a tivesse espiado, poupado a própria pele à custa dela. Como se a minha mãe, também por ele, se tivesse deixado murchar. Não me quero tornar numa pessoa assim, disse Clara, não se deve ser assim. Depois tudo nele se precipitou. O que com ela era o seu forte, passou a ser o seu fraco. Chegou um verão à cidade, que era para ele como o primeiro. Não conseguiu aguentar-se sem ela nesse primeiro verão e seguiu-a para a sepultura.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188/9
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«Passam sobretudos em lugar de pessoas, é novembro que caminha dentro de sobretudos. Na segunda semana, ele é tão melancólico e velho que já com a manhã chega o entardecer.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
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Já então a raposa era o caçador
«O que a boca molhada grita é uma brasa sobre a língua. A sua cólera é ódio, e tão negro como o seu casaco.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
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Já então a raposa era o caçador
«Está ali na cidade um inverno em que a água nem sequer se resfria em gelo, em que os velhos carregam as vidas passadas como sobretudos. Um inverno em que os novos têm de odiar-se como à infelicidade, quando a suspeita de felicidade lhes sobrevém entre as têmporas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 183
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Já então a raposa era o caçador
'' eu ouvia o espancamento, escrevi tudo.''
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 182
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quarta-feira, 30 de outubro de 2013
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Agradas-me
«Agradas-me, diz ele, e cospe para cima da pedra uma casca de girassol, és boa na cama. Há ali perto um banco e em cima do banco está uma garrafa vazia, és de certeza boa a foder, diz ele, e sobre o próximo banco empinam-se de ferro os pregos despidos onde antes havia uma tábua para sentar. Ela diz: desaparece e senta-se no terceiro banco vazio. Ela chega-se para o meio, ele cospe a casca de girassol para cima do banco, ela encosta-se para trás. Ele senta-se. Não lhe faltam para aí bancos, diz ela e chega-se para a ponta, ele encosta-se para trás e olha-a no rosto. Ela já não está encostada, desapareça ou eu grito, diz ela. Ele levanta-se, não faz mal, diz ele, não faz mal. Ri-se para dentro, abre as calças, segura o seu membro na mão. Então despeço-me, diz ele, e mija para o rio. Ela levanta-se, a língua sobe-lhe até aos olhos, de nojo, ao primeiro passo não vê as lajes de pedra. Sente a cabeça encher-se de água fria pelas duas orelhas. Ele sacode as pingas do membro. Eu pago-te, grita ele atrás dela, eu dou-te cem lei, eu mijo-te na boca.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 178/9
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Já então a raposa era o caçador
«Mas os ramos estalam e as gralhas voam para os ninhos e grasnam, pressentem o nevoeiro que lentamente se derrama sobre as árvores.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 171/2
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 171/2
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Já então a raposa era o caçador
«Despe o casaco e os colãs. Deita-se na cama. Os dedos dos pés estão frios, a camisa de noite, a cama
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
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Já então a raposa era o caçador
«Despe o casaco e os colãs. Deita-se na cama. Os dedos dos pés estão frios, a camisa de noite, a cama
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
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Já então a raposa era o caçador
«E este é um relógio pendurado na parede, e esta é uma chave pousada na mesa, e lá fora um dia quase a nascer, eu não estou louca, agora são oito horas, e todos os dias são oito horas, e eu nunca me embebedei, quero embebedar-me agora, e não só quando forem dez horas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 164/5
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Já então a raposa era o caçador
«Aqui é preciso esquecer todos os dias, diz Ilie, de mim só sei uma coisa, que penso sempre em ti.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 158/9
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 158/9
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Já então a raposa era o caçador
«O sono também segue viagem, o suor de inverno tem um cheiro amargo, (...)»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
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segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Gérard de Nerval
«Era um homem que distendia as suas depressões (acabaria no suicídio) ...»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
de A criança em Ruínas
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
5
encostávamos o dorso às paredes da casa
para sentir algo mais forte que nós
contra os medos que a pique nos devoram o
canto do olhar
éramos indefesos rebentos
enxertos que viviam da polpa dos sonhos
e ninguém podia entender-nos
de contra o esquecimento das mãos
João Ricardo Lopes. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 315
37.
psicanálise do Movimento: quem é louco e em que parte do Corpo.
qual o órgão louco?
o espaço louco?
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
qual o órgão louco?
o espaço louco?
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
14.
A história da dança não é, não pode ser, o Percurso dos Movimentos
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Sing me to sleep
à Marjan, onde quer que esteja
o tojo abundava nas vertentes,
havia as rochas, os montes amarelos,
o rumor fundo dos bichos na arcadura
das chãs.
entre o meu silêncio e o teu
cresceu um verso com a tua boca
perto dos meus sentidos.
sabíamos que a chuva regressaria
eventualmente, as tuas cartas
ainda as tenho.
de Geografia das Estações
Rui Pires Cabral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 236
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Dia dos namorados
Vingo com versos os dias em que a tristeza me não deixou fazer nada
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
vingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
primeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
[própria vida
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amarvingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
[ter-te
e sei que jamais saberei a verdade que seria desconhecer o teu rostoprimeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
de A Arma do Rosto
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
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Amor, vi morrer a flor.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 225
Eduquei a sensibilidade para sofrer mais tarde
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 221
«Adina quer ser o caçador, pensa Clara.
Tens mais medo do que eu, diz Adina. Não olhes para lá, não olhes mais para a raposa.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 142
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Já então a raposa era o caçador
« Tens medo, diz Adina, pareces a morte. E Clara assusta-se, o olhar é retilíneo e cortante. Clara vê um rosto que se foi embora. Está distorcido, as faces sozinhas, os lábios sozinhos, a um tempo inanimados e ávidos. Um rosto de perto e de frente igualmente vazio, como uma fotografia sem nada lá dentro.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 141
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Já então a raposa era o caçador
«Desejava a raposa há tanto tempo que a alegria de a receber no dia seguinte era já meia razão para ter medo.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
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Já então a raposa era o caçador
«o que sabemos nós não perguntamos.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 123
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Já então a raposa era o caçador
«Na janela da frente está uma mulher a regar as petúnias. Já não é nova e ainda não é velha, dizia Paul há uns anos atrás. Já então ela tinha o cabelo ruivo-acastanhado de ondas grandes, então, quando Paul ainda vivia em casa de Adina. E o vidro da janela já então tinha aquela rachadura oblíqua. Passaram-se cinco anos, que não tocaram o rosto daquela mulher. O cabelo não ficou mais liso, mais desmaiado. E as petúnias brancas são todos anos outras e, contudo, as mesmas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 120
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terça-feira, 15 de outubro de 2013
«Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
«o dia mostrou as suas pálpebras tristes»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
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verso solto
« e o sol ferir-se nos espinhos das roseiras»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
«Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 204
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«Outra vez sem selos, sem carimbo, sem remetente. Dentro do envelope está outra vez a folha quadriculada do tamanho de uma mão, rasgada de viés, outra vez a mesma frase com a mesma letra EU FODO-TE NA BOCA.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 96
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segunda-feira, 14 de outubro de 2013
«O sangue das melancias não consegue amarrar o prazer do oficial, nada resulta contra o prazer, porque ele voa, desenvencilha-se de tudo o que o prende. Voa para outras mulheres, porém, o sangue da melancia deposita-se à volta do coração do homem. Coalha e fecha o coração. O coração do oficial não consegue reter a imagem de outras mulheres, disse a filha da serviçal, o oficial consegue enganar a sua mulher, mas não consegue deixá-la.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 69
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domingo, 13 de outubro de 2013
«Dentro da retrete jaz algodão inchado. A água está ferrugenta, sorveu o sangue do algodão. A tampa da retrete tem coladas sementes de melancia.
Quando as mulheres trazem algodão entre as pernas, carregam no ventre o sangue das melancias. Todos os meses os dias das melancias e o peso das melancias, isso dói.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 68
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Já então a raposa era o caçador
«(...), um morto por quem muito se chora, diz ele, torna-se uma árvore, e um morto por quem ninguém chora torna-se uma pedra. Mas se algures no mundo morre alguém e algures no mundo outros choram por ele, isso de que serve, diz a mulher, todos se tornam pedras.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 66
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Já então a raposa era o caçador
«Nas escadas da catedral está sentada uma velhota, veste meias grossas de lã, uma saia grossa plissada e uma blusa de linho branco. Junto dela está um cesto de vime com um pano molhado estendido por cima. Pavel levanta o pano. Lírios-verdes, ramalhetes da espessura de um dedo alinhados em carreiras, atados com fio branco até cima às flores. Por baixo um pano, e flores, e outra vez um pano, muitas camadas de flores e panos, e fio. Pavel tira dez ramalhetes do cesto, um para cada dedo, diz ele, a velhota puxa de dentro da blusa um cordel, do qual pende uma bolsa. Clara vê-lhe os bicos dos seios, que pendem da pele como dois parafusos. Nas mãos de Clara, as flores cheiram a ferro e a erva. Assim cheira a erva depois da chuva, no pátio traseiro da fábrica de arame.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 62
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Já então a raposa era o caçador
«(...)
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
malogro
nome masculino
1. efeito de malograr; frustração; fracasso
2. acontecimento desfavorável; revés
Os versos
Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
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A casa onde às vezes regresso
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
de A Que Distância Deixaste o Coração
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 147
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«(...)
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
Reconhecimento dos laços
aos meus pais
por todas as razões
agora tuas mãos estranhas ao medo
procuram um brilho mais puro, o lume
agora o tempo se mede por búzios
e os nomes flutuam mais leves que
as algas
podia abrigar duas formigas
e contar-te a história do mundo
desde que foi criado
podia se deixasses
escrever aquela história
da filha louca dos Matildes
a falar horas seguidas
da lucidez assustadora
deste poema
tudo podia
já que
os anjos do vento desenham na água
o fulgor inesperado
do teu gesto
de Os Dias Contados
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 141
«Por vezes estou sobre as facas como quem intenta.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 134
«Trazes a noite encostada às têmporas»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 133
limalha
nome feminino designação dos pequenos fragmentos ou do pó que se desprende de um corpo metálico quando se raspa com uma lima
«Cantam o outono nos olhos húmidos dos cães.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 126
sábado, 12 de outubro de 2013
«aqui, no cabo Espichel, mostrou-me um rochedo o primeiro sinal de que escrever é pouca coisa e que, fechado o livro, é bem maior a abundância da sombra do que o que foi possível iluminar; não porque a perfeição seja calar mas há, talvez, no fim, a paixão do amor sem vestígios, o passeio vagaroso por uma neve que cubra todas as referências e que se ofereça a si própria como a mais alusiva das nossas contemplações.»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições., p. 25
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«eu conheço apenas algumas coisas, e ignoro outras;»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições
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Rising
I got caught in a storm
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
«Depois ainda havia a história do frasquinho de perfume, disse a filha da serviçal. A mulher trazia-o escondido na carteira, há anos que estava vazio. Tinha uma rosa lavrada no vidro, a tampa já um dia fora dourada, mas entretanto estava desgastada pelo uso. No bordo da tampa tinha gravados caracteres cirílicos, o frasco devia ter sido de perfume russo. Há uns anos tinha estado lá em casa um oficial russo de quem nunca se falava, um de olhos azuis. Porque a mulher às vezes dizia que os mais belos oficiais têm olhos azuis. O marido tinha olhos castanhos e às vezes dizia à mulher: tresandas de novo a rosas. Devia haver qualquer coisa de muito especial com o frasquinho, qualquer coisa triste, disse a filha da serviçal, molhou o lábio inferior e deixou a língua parada no canto da boca. Qualquer coisa que abre um desejo e fecha com um estrondo uma porta, disse ela, devia ter sido isso, porque não era a ausência do marido, mas trazer consigo o frasquinho vazio de perfume, o que fazia da mulher uma pessoa solitária. Por vezes, à mãe, até lhe parecia que a cabeça da mulher se afundava pelo pescoço abaixo e se metia pela mulher dentro, como se entre a laringe e os tornozelos houvesse escadas dentro da mulher, como se ela caminhasse com a cabeça por estas escadas, entrando por si dentro. Talvez porque a minha mãe vive na cave, disse a filha da serviçal. A mulher do oficial ficava metade do dia sentada à mesa e tinha os olhos penetrantemente vazios como flores ressequidas de girassol.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 36
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Serviçais
«Quando aparam a relva, têm no branco do olho um espelho onde foice e ancinho brilham como pente e tesoura. Os serviçais não confiam na própria pele, porque as mãos ao agarrar lançam sombras. Os seus crânios sabem que nasceram com as mãos sujas em ruas sujas. Que as suas mãos, agora mergulhadas em silêncio, jamais ficarão limpas. Somente velhas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 32
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Já então a raposa era o caçador
29
(...)
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
à Memória de Maria Antonieta Brito Evangelista
de Rua Trinta e Um de Fevereiro, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
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excerto,
João Luís Barreto Guimarães,
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poetas portugueses
«além-pele com as pálpebras adormecidas»
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 103
4
cheguei há pouco do amor (cidade de gaivotas loucas
e luzes cegas). não concordas? eu sei já sei: vês as coisas
como falésias altas e impossíveis como ameias. cheguei há
pouco do amor e trago comigo esse discurso aprendiz:
o idealismo. desculpe mas o que pensa destas palavras
do recomeço (desse caminho) dóceis letras de promessa?
perdão perdão: há que ganhar o outro lado (uma
chama de cada vez). se bem me lembro em pequeno
as cigarras podiam ser domesticadas e cada adeus era
um veneno. obrigado: obrigado. também me pareceu
ser essa a sua opinião. cheguei há pouco do amor e
vejo as certezas do mundo como uma ilusão. receio
pelo eterno procuro a fantasia mas é sempre no
ventre dessas gaivotas que se dão os primeiros beijos
de Há Violinos na Tribo, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 99
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1967,
João Luís Barreto Guimarães,
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poetas portugueses
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Segredo
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segredou-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
de Às Cegas, 'Poesia Reunida - 1990-2000'
Fernando Pinto do Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 86
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A dormir
As pálpebras fecham-se, cansadas, é quando somos
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
de Nós/Nudos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
de Nocturnos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
«cisne envenenado pelo sangue»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 39
«Existiam as tuas mãos.»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 36
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
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quarta-feira, 9 de outubro de 2013
trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio
«Os clientes habituais diziam que a primeira mulher dele já morrera há muito e que ele não encontrara uma segunda porque trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio. O barbeiro dizia que o latoeiro nunca tivera mulher, que estivera quatro vezes noivo com aquele anel, mas casado nunca.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p.18
domingo, 8 de setembro de 2013
metade da minha vida passou-se no esforço pela tua conquista
«Também eu sempre te amei, Narciso, metade da minha vida passou-se no esforço pela tua conquista. Sabia que também eras meu amigo; mas nunca esperei que mo dissesses, tu, tão orgulhoso. Disseste-mo neste momento em que mais nada possuo, neste momento em que a vida errante e a liberdade, o mundo e as mulheres, me desertaram. »
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 254
«Passaram-se semanas, há muito que o castanheiro florira, há muito que escurecera e endurecera a folhagem verde-láctea da faia, há muito que as cegonhas tinham feito ninho na torre da portada e tinham ensinado a voar as crias.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 248
«Em verdade, teria o homem sido criado para estudar Aristóteles e Tomás de Aquino, saber grego, mortificar a carne e fugir do mundo? Não fora, antes, criado com sentidos e instintos, com as trevas do sangue e o pendor para o pecado, para o prazer e para o desespero?»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 247
engrolar
verbo transitivo
1. cozer levemente
2. assar à pressa
3. figurado dizer ou fazer atrapalhadamente
4. figurado decorar à pressa; empinar
5. figurado intrujar
1. cozer levemente
2. assar à pressa
3. figurado dizer ou fazer atrapalhadamente
4. figurado decorar à pressa; empinar
5. figurado intrujar
«Debateu-se com grandes dificuldades, maiores do que as previstas. A obra dava-lhe cuidados, mas eram suaves cuidados. Lutou por ela, com arroubo e desespero, como se luta pela conquista de uma mulher esquiva, com a obstinação e precaução do pescador à linha empenhado na captura de um peixe de grandes dimensões; todos os obstáculos o ensinavam e lhe afinavam a sensibilidade.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 235
«- Ninguém notava que, nos últimos tempos, se modificava muito e apresentava um envelhecimento precoce: ninguém o conhecera antes. As agruras da vida errante já decerto o teriam minado; depois, o período da peste com os seus sustos e, por fim, a prisão e aquela pavorosa noite na cave do castelo, tinham-no abalado profundamente e deixado vestígios; fios grisalhos na barba loira, finas rugas na pele do rosto, insónias e, por vezes, na alma, um certo esgotamento, um afrouxamento da curiosidade e do prazer, uma morna e cinzenta sensação de fartura e saciedade.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 233
« - Tens toda a razão - disse com calor - desabafa à vontade, diz-me tudo o que te oprime. Há, porém, um ponto em que te enganas muito: julgas que são pensamentos o que estás a comunicar-me. Mas não, são sentimentos! São os sentimentos de alguém a quem o pavor da existência dá que cismar. Não te esqueças, porém, que, em contrapartida desses sentimentos melancólicos e desesperados, há outros completamente diferentes, a compensá-los. Quando te sentes feliz a cavalo, ao atravessar uma linda região, e quando, com razoável leviandade, te introduzires à noite, no palácio do conde para lhe cortejar a amada, o mundo reveste-se para ti, nessa altura, de aspectos bem diferentes; nem as casas pestilentas nem os judeus queimados te impedem de procurar o que te dá prazer. Não será assim?»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 221
terça-feira, 3 de setembro de 2013
«(...), demorou-se especialmente no mercado do peixe onde viu os rudes peixeiros e peixeiras apregoar a mercadoria, tirando das celhas os peixes prateados e húmidos que, de bocas dolorosamente abertas e dourados olhos, fixos e apavorados, se resignavam quietos à morte ou se debatiam furiosos e desesperados contra ela. Sentiu-se possuído, como de outras vezes, de intensa compaixão por aqueles bichos e de entristecido desgosto pelos homens tão obtusos e rudes, tão desmedidamente estúpidos e imbecis; como era possível que fossem assim cegos, os pescadores, as peixeiras e os compradores, que não vissem aqueles olhos mortalmente assustados, os espasmos violentos daquelas caudas, em luta pavorosa e inútil, a intolerável transformação dos peixes misteriosos e maravilhosamente belos, percorridos, antes de morrer, por um ligeiro frémito, e depois, mortos e sem brilho, lamentáveis pedaços de carne para mesa dos glutões. Aquela gente nada via, nada sabia e em nada reparava, nada lhes faltava ao coração! Era-lhes indiferente ver estrebuchar à sua frente um lindo peixe, era-lhes indiferente que tal mestre tivesse manifestado, com verdade arrepiante, toda a esperança, toda a nobreza e todo o sentimento angustioso da vida humana, no rosto de uma santa - nada viam, nada os comovia. Andavam distraídos ou atarefados, afadigados com importantes afazeres, berraram, riam, arrotavam, faziam alarido, diziam chalaças, discutiam por dá cá aquela palha, e sentiam-se felizes, tudo estava em ordem e eles contentes consigo próprios e com o mundo.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 148
«Goldmundo não pertencia ao número daqueles inditosos artistas que, possuindo altos dons, não encontram todavia nunca os meios adequados para os exprimir. Muitos são aqueles a quem é dado sentir profundamente a beleza do mundo, que trazem na alma nobres e sublimes imagens, mas que não sabem a maneira de se desfazer delas, de fixá-las e comunica-las para alegria dos outros. Godmundo não sofria dessa carência. Não lhe custava servir-se das mãos e dava-lhe prazer a aprendizagem dos truques e habilidades do ofício;»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 134
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
''passou o serão em longa cavaqueira com ele''
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 122
X
«Voltara o gelo a derivar rios abaixo, voltaram a rescender as violetas sob a folhagem apodrecida, voltara Goldmundo à vida errante, acompanhando as estações do ano, sorvendo com olhos insaciáveis a paisagem das florestas, dos montes e das nuvens, seguindo de herdade em herdade, de terra em terra, de mulher para mulher; passara tardes frias, opresso e de coração magoado, debaixo de janelas por detrás das quais a claridade rósea de uma luz irradiava bela e inatingível, significava para ele toda a felicidade, paz e aconchego que pode haver no mundo. E tudo voltava, tudo o que tão bem julgava conhecer se repetia, mas sempre diversamente: as longas caminhadas por campos, charnecas e estradas pedregosas, o sono estival na floresta, a vadiagem nas aldeias atrás dos ranchos de raparigas que regressavam da ceifa ou da apanha do lúpulo, o primeiro aguaceiro outonal, os primeiros gelos ruins - tudo se repetia, no constante desenrolar da infinda bobina colorida.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 121
Morte
«Jejuas, amigo? Privaste-te do sono? Ela logo te cantará o fadário, a amiga morte despojar-te-á de tudo, até dos ossos. Foge, caríssimo, e mantém os ossos bem juntinhos que eles só querem dispersar-se e não ficarão connosco. Pobres ossos, pobres goelas e pobre papo, pobre pedaço de cérebro sob o crânio! Tudo se separa de nós, tudo quer que o diabo o leve, e os corvos, as sotainas negras, lá estão empoleiradas nas árvores.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 117
Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.
«A porta rangia, o vento chiava e embatia contra o vigamento do telhado. Tudo parecia enfeitiçado, tudo ressumava mistério e ansiedade, promessa e ameaça. Goldmundo não sabia que pensar, nem que fazer. Quando acordou no dia seguinte, depois de um sono agitado, tinha a almofada húmida de lágrimas.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 98
Há-de rir-se, quando vir que não aprendeste sem sequer a beijar.
«- Que pena não poder nunca contentar-te. Porque havia eu de ter interesse em fazer-te vaidosa? És bela e gostaria de mostrar-te a gratidão que a tua beleza me inspira. Forças-me a dizê-lo por palavras; poderia dizê-lo mil vezes melhor do que por palavras. Por palavras nada te posso dar! Por palavras nada posso aprender de ti nem tu de mim.
-E que posso eu aprender contigo?
-Eu contigo e tu comigo, Lídia. Mas tu não queres; só queres amar de quem venhas a ser noiva. Há-de rir-se, quando vir que não aprendeste sem sequer a beijar.
-Com que então queria dar-me lições de beijos, senhor magister?
Ele sorriu-lhe. Embora as palavras dela não lhe agradassem, não podia deixar de pressentir a sua feminilidade por detrás daqueles discursos arrebatados e um tanto inautênticos; sentiu que o desejo se apoderava dela e que ela, receosa, lhe resistia.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 95
«- Não julguei nem pensei em nada, Lídia; a verdade é que penso muito menos do que imaginas. Não desejo senão que me beijes uma vez. Falamos tanto. Os amantes não falam. Parece-me que não me amas.»
Em meia hora fez-se muitos anos mais velho.
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 67
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quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Narciso
« - Narciso- disse o abade uma vez, depois de o ter ouvido sem confissão - reconheço-me culpado de um juízo severo a teu respeito. Pareceste-me muitas vezes orgulhoso e talvez tenha sido injusto para contigo. Estás muito só, meu jovem irmão, vives muito isolado, tens admiradores, mas não tens amigos. Gostaria bem que tivesses às vezes qualquer deslize, como é fácil suceder na tua idade. Mas nunca tens deslizes. Preocupas-me um pouco narciso.»
Hermann Hesse. Narciso e Goldmundo. Tradução de Manuela de Sousa Marques. Guimarães Editores, Lisboa, 2005., p. 9
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
A criança moderna
«(...) A criança moderna não tem mais nada a que se agarrar ou, para ser mais exacto, nada com que se agarrar. Actualmente aderimos à vida como o último dos nossos músculos - o coração.
- O único músculo da aristocracia é a loucura - lembre-se disto ( o doutor inclinou-se para a frente) - a última criança que nasce à aristocracia é, por vezes, um idiota; por respeito subimos, mas voltamos a cair.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 53/4
domingo, 11 de agosto de 2013
«A voz dele elevou-se acima do fumo negro perante os destroços inflamados da ilha; contagiados por aquela emoção, os outros garotos começaram também a tremer e a soluçar. No meio deles, como o corpo imundo, o cabelo emaranhado e um nariz gotejante, Ralph chorou pelo fim da inocência, pelas trevas no coração do homem e pela queda no vazio do verdadeiro e sensato amigo a que chamavam Piggy.»
William Golding. O Deus das Moscas. Tradução de Manuel Marques, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2008., p. 258
sábado, 10 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
«Porque será que sempre que ouço música penso que sou uma mulher casada?»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 47
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«O peito em que batemos quando estamos alegres não é o mesmo em que batemos quando estamos tristes;»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 46
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 46
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escritora norte-americana,
O Bosque da Noite
neurastenia
nome feminino
1. MEDICINA estado caracterizado pela debilidade física e psíquica, acompanhada de perturbações psíquicas (tristeza, insónia, angústia, indecisão) e funcionais (digestivas, cardiovasculares, sexuais), e dores em diversos locais do corpo
2. coloquial mau humor acompanhado de irritabilidade
3. coloquial estado de depressão acompanhado de tristeza
(Do grego neũron, «nervo» +asthéneia, «fraqueza»)
o tempo de interiorização
«; tal como o corsage de uma mulher se torna subitamente marcial e doloroso com a rosa lançada entre as flores mais decorosas pela mão de um amante que sente como uma violência o facto da permissão que lhe é dada para um último abraço coincidir com a necessidade de sair, transformando num evanescente, num infinitesimal sinal o que um momento antes era um peito exuberante e luminoso, retirando-lhe o tempo de interiorização (porque um amante conhece dois tempos, o que é dado e aquele que tem de elaborar) - assim também Félix ficou surpreendido ao descobrir que as mais comoventes flores depositadas no altar que tinha erigido à sua imaginação ali haviam sido colocadas por gente de duvidosa reputação e que a mais vermelha de todas devia ser a rosa do doutor.»
Djuna Barnes. O Bosque da Noite. Tradução de Paula Castro e Manuel Alberto. Relógio D'Água Editores, Lisboa, p. 44/5
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