«Tu não sabes dizer nem supor, pois apenas conheces
Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate,
E a árvore morta não oferece abrigo, nem o grilo trégua,»
T.S.ELIOT. A Terra sem Vida. Colecção Poesia. Edições Ática. Lisboa., p.
domingo, 9 de setembro de 2018
sábado, 1 de setembro de 2018
imperceptível, o arado rasga a terra,
o amor dorme,
da árvore pende o mais doce fruto,
a casa é branca, tão branca, penso eu.
que farei deste silêncio e destas feridas,
que profundo desgosto atraiu o olhar,
que ódio mais necessário envolve as mãos?
sou jeremias,
é certo.
o fugitivo, o ermita,
o vagabundo do país de exílio,
da lisboa inerte onde se morre,
sou o louco impossível,
o pastor da noite que nunca chegará,
o avô negro que envelheceu entre as plantações
de algodão no sul,
e através da auto-estrada e do vento da costa,
quando se dirigia para o ocaso,
nas horas de maior calor;
tudo o que amei passou,
como as marés que deixam o
ciclo,
lua cheia e lua nova,
inverno e estio,
tudo o que amei se abandonou,
como náufrago que o mar abandona à praia,
quase morto,
no fim da viagem subitamente interrompida,
agora que o fascínio das noites do sul se perdeu
e o sul se perdeu,
e o cais se perdeu...
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 25/6
o amor dorme,
da árvore pende o mais doce fruto,
a casa é branca, tão branca, penso eu.
que farei deste silêncio e destas feridas,
que profundo desgosto atraiu o olhar,
que ódio mais necessário envolve as mãos?
sou jeremias,
é certo.
o fugitivo, o ermita,
o vagabundo do país de exílio,
da lisboa inerte onde se morre,
sou o louco impossível,
o pastor da noite que nunca chegará,
o avô negro que envelheceu entre as plantações
de algodão no sul,
e através da auto-estrada e do vento da costa,
quando se dirigia para o ocaso,
nas horas de maior calor;
tudo o que amei passou,
como as marés que deixam o
ciclo,
lua cheia e lua nova,
inverno e estio,
tudo o que amei se abandonou,
como náufrago que o mar abandona à praia,
quase morto,
no fim da viagem subitamente interrompida,
agora que o fascínio das noites do sul se perdeu
e o sul se perdeu,
e o cais se perdeu...
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 25/6
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«A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos.»
António Lobo Antunes in Diário de Notícias (2003)
António Lobo Antunes in Diário de Notícias (2003)
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«entretanto
não conheci cidades senão as onde se morre,»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 21
não conheci cidades senão as onde se morre,»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 21
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«pela estrada de pó havemos de chegar à branca igreja»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 16
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«depois, seria amanhã,»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 14
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«venha a mim o reino destruído,»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 11
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« bem aventurados sejam os dias de cólera,»
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., p. 11
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para aqueles cujo coração é o coração da terra e
do vento e do mar
e por isso são filhos da terra e do vento e do mar,
é este livro.
para os que regressam um dia e tudo se perdeu
enlouquecendo depois pelos caminhos do litoral e da
noite,
é este livro.
para eliot e pound, whitman e pessoa, shelley e
algumas gerações,
as belas malditas e perdidas gerações
é este o livro.
para cavalo louco e billy the kid,
vagabundos de sempre bêbedos ternos e
mestre desaparecidos,
cantores dos campos e tocadores antigos,
é este livro.
para ti filho do norte e do sul
de todos os silêncios de todas as casas de todas
as tardes,
irmão do fogo e da flor ardente,
companheiro de setembro e maio e dezembro,
é este livro.
para aqueles que vão sobre as ondas e no deserto e
no azul
perseguindo a nuvem e o sol e a ave,
derradeiros viajantes de muitas migrações,
é este livro,
daqui lisboa onde arde e morre o coração.
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., pp. 7-8
do vento e do mar
e por isso são filhos da terra e do vento e do mar,
é este livro.
para os que regressam um dia e tudo se perdeu
enlouquecendo depois pelos caminhos do litoral e da
noite,
é este livro.
para eliot e pound, whitman e pessoa, shelley e
algumas gerações,
as belas malditas e perdidas gerações
é este o livro.
para cavalo louco e billy the kid,
vagabundos de sempre bêbedos ternos e
mestre desaparecidos,
cantores dos campos e tocadores antigos,
é este livro.
para ti filho do norte e do sul
de todos os silêncios de todas as casas de todas
as tardes,
irmão do fogo e da flor ardente,
companheiro de setembro e maio e dezembro,
é este livro.
para aqueles que vão sobre as ondas e no deserto e
no azul
perseguindo a nuvem e o sol e a ave,
derradeiros viajantes de muitas migrações,
é este livro,
daqui lisboa onde arde e morre o coração.
José Agostinho Baptista. Jeremias o louco. Centelha/Poesia. Coimbra, 1978., pp. 7-8
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sexta-feira, 31 de agosto de 2018
«Vai, vai, vai, disse a ave:
O género humano não pode suportar mais realidade.»
T.S. ELIOT
O género humano não pode suportar mais realidade.»
T.S. ELIOT
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quinta-feira, 30 de agosto de 2018
UFANAR
Verbo Transitivo
Tornar vaidoso ou ufano
Verbo Pronominal
Sentir vaidade ou ufania
Tornar vaidoso ou ufano
Verbo Pronominal
Sentir vaidade ou ufania
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segunda-feira, 27 de agosto de 2018
domingo, 26 de agosto de 2018
«A crítica do sujeito tampouco equivale à destruição do poeta ou do artista, mas da noção
burguesa de autor. Para os românticos, a voz do poeta era a de todos; para nós é
rigorosamente a voz de ninguém. Todos e ninguém são equivalentes e estão a igual
distância do autor e de seu eu. O poeta não é “um pequeno deus”, como queria Huidobro.
O poeta desaparece atrás de sua voz, uma voz que é sua porque é a voz da linguagem, a
voz de ninguém e de todos. Seja qual for o nome que demos a essa voz – inspiração,
inconsciente, casualidade, acidente, revelação –, é sempre a voz da outridade. »
Octavio Paz, 2013
Octavio Paz, 2013
«Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro
caso, nos buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos – sinal de criação –
descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável,
alheio, com teu rosto e o meu, tu sempre comigo e sempre só. »
Octavio Paz, 2012
Octavio Paz, 2012
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
— Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido “Ah!” para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa!...
Fernando Pessoa, 1972
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação.
— Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido “Ah!” para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
É uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa!...
Fernando Pessoa, 1972
«O “Paganismo Absoluto” de Caeiro finca suas raízes em recusas; é a busca de um caminho
contra a corrente, numa direção diversa da que trouxe Fernando Pessoa, da que nos trouxe,
ao que somos: ocidentais acidentados, fraturados entre o objetivismo e o subjetivismo, o
intelectualismo e o sentimentalismo, a ciência e a metafísica. »
PERRONE-MOISÉS, 2001
PERRONE-MOISÉS, 2001
“O mais natural e simples dos heterónimos é o menos real. Isto se dá
por excesso de realidade. O homem, sobretudo o homem moderno, não é de todo
real. Não é um ente compacto como a natureza ou as coisas; a consciência de si é
sua realidade insubstancial”
Octavio Paz. (2012b). “O desconhecido de si mesmo: Fernando Pessoa”, in Signos em rotação. Trad. de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 3.ª ed., pp. 211.
Octavio Paz. (2012b). “O desconhecido de si mesmo: Fernando Pessoa”, in Signos em rotação. Trad. de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Perspectiva, 3.ª ed., pp. 211.
outridade
«Experiência feita do tecido de nossos atos diários, a outridade é antes de mais nada a
percepção de que somos outros sem deixar de ser o que somos e que, sem deixar de estar
onde estamos, nosso verdadeiro ser está em outra parte. Somos outra parte. Em outra parte
quer dizer: aqui, agora mesmo enquanto faço isto ou aquilo. E também: estou só e estou
contigo, em um não sei onde que é sempre aqui. Contigo e aqui: quem és tu, quem sou eu,
onde estamos quando estamos aqui?»
Octavio Paz
Poema – “Luz do sol, luz da razão” (Antero de Quental)
Luz do sol, luz da razão
Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim...
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim...
Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz...
Ergo-os acima - e embora
Cegue, recebo-a a flux!
Crepúsculos são sonhos...
E sonhos é morrer...
Sonhar é para a noite:
Mas, para o dia, ver!
Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!
Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,
É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!
Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!
Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida...
Vida - calor e luz!
Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!
Bata-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!
Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu...
E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!
Em baixo! O que é em baixo?
Em baixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!
Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais
Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões...
E têm os próprios cegos
Um céu... nos corações!
Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê...
Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!
E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!
Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu...
Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo...
Tu, sol, e tu, razão!
Antero de Quental
|
“ És tu tão única como a noite é um astro”
JORGE, Luísa Neto, Terra Imóvel, Lisboa, Portugália editora, 1964, pp. 87-94.
“ O Portugal deste fim de século já não é o de Amália. Enterrá-la-á segundo
o seu ritual, não o dela. Arrebatá-la-á, com cantos e flores a uma morte sobre
quem ela vogou intrepidamente sob a máscara de nossa senhora da tristeza.
O século não vai para tristezas. Demais as teve”
Eduardo Lourenço In, O Público, A morte de Amália Rodrigues: Portugal despede-se de si mesmo, Lisboa, 1999, p.3.
Eduardo Lourenço In, O Público, A morte de Amália Rodrigues: Portugal despede-se de si mesmo, Lisboa, 1999, p.3.
«Tornou-se lendário o romance que terá envolvido Maria Severa
Onofriana (1820-1846), que dirigia uma taberna com sua mãe, Ana
Gertrudes Severa, uma célebre prostituta da Mouraria conhecida pelo
sobrenome de ‘Barbuda’, onde se cantava o Fado, e o Conde de Vimioso,
que a levaria pontualmente a cantar em salões de titulares.
Nasceria desta forma o mito da Severa, uma prostituta que por tanto amar e sofrer, morreu nova. Teria sido este o seu destino, o seu Fado: morrer de e por amor : “ (...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa já morreu: e fadista como ela nunca no mundo apareceu(...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa se finou. O gosto que tinha o Fado, tudo com ela acabou”.»
NERY,Rui Vieira, Para uma História do Fado, 1ª edição, Lisboa, Público, Comunicação Social, S.A, e Corda Seca, Edições de Arte, S.A, Outubro de 2004, pp.64-66.
Nasceria desta forma o mito da Severa, uma prostituta que por tanto amar e sofrer, morreu nova. Teria sido este o seu destino, o seu Fado: morrer de e por amor : “ (...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa já morreu: e fadista como ela nunca no mundo apareceu(...) Chorai, fadistas, chorai, que a Severa se finou. O gosto que tinha o Fado, tudo com ela acabou”.»
NERY,Rui Vieira, Para uma História do Fado, 1ª edição, Lisboa, Público, Comunicação Social, S.A, e Corda Seca, Edições de Arte, S.A, Outubro de 2004, pp.64-66.
«…é fascinante a água nos lábios das crianças…»
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 55
« o amor aumenta com o amarelecimento do linho»
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 54
Nick Cave & The Bad Seeds - Henry Lee
Get down, get down, little Henry Lee
And stay all night with me
You won't find a girl in this damn world
That will compare with me
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
I can't get down and I won't get down
And stay all night with thee
For the girl I have in that merry green land
I love far better than thee
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
She leaned herself against a fence
Just for a kiss or two
And with a little pen-knife held in her hand
She plugged him through and through
And the wind did roar and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Come take him by his lilly-white hands
Come take him by his feet
And throw him in this deep deep well
Which is more than one hundred feet
And the wind did howl and the wind did blow
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Lie there, lie there, little Henry Lee
Till the flesh drops from your bones
For the girl you have in that merry green land
Can wait forever for you to come home
And the wind did howl and the wind did moan
La la la la la
La la la la lee
A little bird lit down on Henry Lee
Artista: Nick Cave and the Bad Seeds
Álbum: Murder Ballads
Data de lançamento: 1996
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TRUQUE DO MEU AMIGO DA RUA
ao acaso encontrei-me encostado a uma esquina
olhar vazio varrendo a multidão, parei
sorri e tu vieste, fomos andando
os ombros tocavam-se, em direcção a casa
pediste-me para tomar um duche, eu deitei-me
ouvi o barulho da água resvalando pelo teu corpo sujo de
cidade e de engates
sujo pelos dias e noites e mais dias que não te tive
esperei-te deitado, outro cigarro
e ainda espero...
...gosto dos corpos que riem, frescos
rasgam-se à ternura nocturna dos dedos, e ao desejo
húmido da boca, que sempre percorre e descobre...
tacteio-te de alto a baixo
reconhecendo-te num gemido que também me pertence, no
escuro
contaste-me uma improvável aventura de tarzan, ouvia-te
e no silêncio do quarto fulguravam aves que só eu via...
...sorri ao enumerar os restos que a manhã encontraria
pelo chão
manchas de esperma, ténis esburacados, calças sujíssimas,
blusão cheio de auto-colantes, peúgas encortiçadas pelo suor
as cuecas rotas, sujas de merda...
e tuas mãos, recordo-me
sobretudo de tuas mãos imensas sobre as coxas
teu corpo nu, à beira da cama, em sossegado sono...
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 32
olhar vazio varrendo a multidão, parei
sorri e tu vieste, fomos andando
os ombros tocavam-se, em direcção a casa
pediste-me para tomar um duche, eu deitei-me
ouvi o barulho da água resvalando pelo teu corpo sujo de
cidade e de engates
sujo pelos dias e noites e mais dias que não te tive
esperei-te deitado, outro cigarro
e ainda espero...
...gosto dos corpos que riem, frescos
rasgam-se à ternura nocturna dos dedos, e ao desejo
húmido da boca, que sempre percorre e descobre...
tacteio-te de alto a baixo
reconhecendo-te num gemido que também me pertence, no
escuro
contaste-me uma improvável aventura de tarzan, ouvia-te
e no silêncio do quarto fulguravam aves que só eu via...
...sorri ao enumerar os restos que a manhã encontraria
pelo chão
manchas de esperma, ténis esburacados, calças sujíssimas,
blusão cheio de auto-colantes, peúgas encortiçadas pelo suor
as cuecas rotas, sujas de merda...
e tuas mãos, recordo-me
sobretudo de tuas mãos imensas sobre as coxas
teu corpo nu, à beira da cama, em sossegado sono...
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 32
AUTO-RETRATO COM REVÓLVER
as palavras foram alinhavadas pelos preguiçosos dedos
o texto transparece na claridade das manchas de tinta
...teço a ausência dum corpo que me é absolutamente ne-
cessário, doem-me estes gestos
estas coisas cobertas de pó sobre a mesa: papéis amar-
rotados, fotografias, cartas interrompidas, objectos quebrados,
sinais ténues de gordura e de fundos de chávena
lápis, cigarros esboroados, o revólver
num dos cantos inacessíveis da casa, as aranhas vão cons-
truindo ninhos diáfanos
segregam sábios labirintos em perigosa baba...
...sinto-me vazio, hoje
a compreensão do mundo escapa-me, pouco me importo
com isso
está tudo mais calmo, em redor da casa, o jardim quieto
poderia passar o dia a ler, por desfastio, à maneira dos
príncipes persas
a tarde torna as madeiras rubras, aquece
os livros parecem de pedra em seu arrumo cauteloso
...ao alcance está o revólver
perto da mão que nunca aprendeu a escrever, aquece ao
simples contacto dos dedos
a outra mão, a direita, definhou um pouco quando aprendeu
o silencioso ofício...
eu explico: hoje deve ser domingo
e a mão esquerda masturba enquanto a direita escreve com
destreza, sem cessar
...mais tarde, escrevia eu
poderiam as mãos trocar de ofício
o revólver tingir-se-ia de tinta permanente, o papel apresen-
taria o terrível sulco de uma bala...
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 25
o texto transparece na claridade das manchas de tinta
...teço a ausência dum corpo que me é absolutamente ne-
cessário, doem-me estes gestos
estas coisas cobertas de pó sobre a mesa: papéis amar-
rotados, fotografias, cartas interrompidas, objectos quebrados,
sinais ténues de gordura e de fundos de chávena
lápis, cigarros esboroados, o revólver
num dos cantos inacessíveis da casa, as aranhas vão cons-
truindo ninhos diáfanos
segregam sábios labirintos em perigosa baba...
...sinto-me vazio, hoje
a compreensão do mundo escapa-me, pouco me importo
com isso
está tudo mais calmo, em redor da casa, o jardim quieto
poderia passar o dia a ler, por desfastio, à maneira dos
príncipes persas
a tarde torna as madeiras rubras, aquece
os livros parecem de pedra em seu arrumo cauteloso
...ao alcance está o revólver
perto da mão que nunca aprendeu a escrever, aquece ao
simples contacto dos dedos
a outra mão, a direita, definhou um pouco quando aprendeu
o silencioso ofício...
eu explico: hoje deve ser domingo
e a mão esquerda masturba enquanto a direita escreve com
destreza, sem cessar
...mais tarde, escrevia eu
poderiam as mãos trocar de ofício
o revólver tingir-se-ia de tinta permanente, o papel apresen-
taria o terrível sulco de uma bala...
Al Berto. Trabalhos do Olhar. Contexto Editora, p. 25
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sábado, 25 de agosto de 2018
John Cale - Dying On The Vine
I've been chasing ghosts and I don't like it
I wish someone would show me where to draw the line
I'd lay down my sword if you would take it
And tell everyone back home I'm doing fine
I wish someone would show me where to draw the line
I'd lay down my sword if you would take it
And tell everyone back home I'm doing fine
I was with you down in Acapulco
Trading clothing for some wine
Smelling like an old adobe woman
Or a William Burroughs playing for lost time
Trading clothing for some wine
Smelling like an old adobe woman
Or a William Burroughs playing for lost time
I was thinking about my mother
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying on the vine
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying on the vine
Who could sleep through all that noisy chatter
The troops, the celebrations in the sun
The authorities say my papers are all in order
And if I wasn't such a coward I would run
The troops, the celebrations in the sun
The authorities say my papers are all in order
And if I wasn't such a coward I would run
I'll see you me when all the shooting's over
Meet me on the other side of town
Yes, you can bring all your friends along for protection
It's always nice to have them hanging around
Meet me on the other side of town
Yes, you can bring all your friends along for protection
It's always nice to have them hanging around
I was thinking about my mother
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying, dying on the vine
I was thinking about what's mine
I was living my life like a Hollywood
But I was dying, dying on the vine
Compositores: John Davies Cale / Larry J. Sloman
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sábado, 18 de agosto de 2018
bravata
nome feminino
1.ameaça arrogante
2.fanfarronice; bazófia; jactância
1.ameaça arrogante
2.fanfarronice; bazófia; jactância
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quarta-feira, 15 de agosto de 2018
«(...) por vezes, quando de repente a tempestade dos martelos e das rodas que nos rodeia se silencia,
a tranquilidade que se esconde atrás da desmedida do movimento parece contrariar-nos quase
corporalmente, e é bom o costume do nosso tempo, para honrar os mortos ou para gravar na
consciência um instante de significado histórico, declara suspenso o trabalho por um intervalo de minutos, como por um comando supremo. Pois este movimento é uma alegoria da força
mais íntima, no sentido em que o significado misterioso de um animal se manifesta o mais
claramente possível no seu movimento. Mas o espanto sobre a sua suspensão é, no fundo,
o espanto sobre o ouvido julgar perceber, por um instante, as fontes mais profundas que
alimentam o curso temporal do movimento, e isso eleva este ato a uma dignidade de culto.»
Ernst Jünger
«Esse produto das fábricas americanas de distração já não é mais constituído por garotas
individuais, mas complexos indissolúveis de garotas, cujos movimentos são demonstrações
matemáticas. Enquanto elas se condensam em figuras nos teatros de revistas, espetáculos da
mesma precisão geométrica acontecem no mesmo estádio sempre lotado na Austrália e na
Índia, para não falar na América. A menor das localidades, na qual esse espetáculo ainda
não foi divulgado, será informada por meio do cinejornal da semana. Basta um olhar na tela
para entender que os ornamentos consistem em milhares de corpos, assexuados, em roupas de banho. A regularidade de seus desenhos é aplaudida pela massa, disposta ordenadamente nas
tribunas.»
KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa. In: KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa: ensaios. Tradução Carlos Eduardo Jordão Machado e Marlene Holzhausen. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 92
A Change Is Gonna Come
Aretha Franklin
There's an old friend that
I once heard say
Something that touched my heart
And it began this way
I once heard say
Something that touched my heart
And it began this way
I was born by the river
In a little tent
And just like the river
I've been runnin ever since
He said it's been a long time comin'
But I know my change is gonna come
Oh yeah
In a little tent
And just like the river
I've been runnin ever since
He said it's been a long time comin'
But I know my change is gonna come
Oh yeah
He said it's been too hard livin'
But I'm afraid to die
I might not be if I knew
What was up there
Beyond the sky
It's been a long, a long time comin'
But I know my change has got to come
Oh yeah
But I'm afraid to die
I might not be if I knew
What was up there
Beyond the sky
It's been a long, a long time comin'
But I know my change has got to come
Oh yeah
I went, I went to my brother
And I asked him, brother
Could you help me, please?
He said, good sister
I'd like to but I'm not able
And when I, when I looked around
I was right back down
Down on my bended knees
Yes I was, oh
And I asked him, brother
Could you help me, please?
He said, good sister
I'd like to but I'm not able
And when I, when I looked around
I was right back down
Down on my bended knees
Yes I was, oh
There've been times that I thought
I thought that I wouldn't last for long
But somehow right now I believe
That I'm able, I'm able to carry on
I thought that I wouldn't last for long
But somehow right now I believe
That I'm able, I'm able to carry on
I tell you that it's been along
And oh it's been an uphill journey
All the way
But I know, I know, I know
And oh it's been an uphill journey
All the way
But I know, I know, I know
I know my change is gonna come
Sometimes I had to cry all night long
Yes I did
Sometimes
I had to give up right
Sometimes I had to cry all night long
Yes I did
Sometimes
I had to give up right
For what I knew was wrong
Yes it's been an uphill journey
It's sure's been a long way comin
Yes it has
Yes it's been an uphill journey
It's sure's been a long way comin
Yes it has
It's been real hard
Every step of the way
But I believe, I believe
This evenin' my change is come
Every step of the way
But I believe, I believe
This evenin' my change is come
Yeah I tell you that
My change is come
My change is come
Compositores: Sam Cooke
Letras de A Change Is Gonna Come
Etiquetas:
Aretha Franklin,
letras de canções,
música,
vídeos
«Aquilo que à partida se mostra, de um modo puramente fisionómico, é a rigidez do rosto, como
uma máscara, que é tanto adquirida como acentuada e aumentada através de meios exteriores,
como a ausência de barba, o penteado e um chapéu justo. Que neste carácter de máscara,
que desperta nos homens uma impressão metálica, nas mulheres uma impressão cosmética,
venha à luz um processo muito incisivo, pode-se concluir já de ele mesmo conseguir polir as
formas através das quais o carácter dos sexos se torna fisionomicamente visível. Não é por acaso,
diga-se de passagem, o papel que desde há pouco a máscara recomeça a desempenhar na vida
quotidiana. Ela aparece de modos variados em locais onde irrompe o carácter especializado do
trabalho, seja como máscara de rosto para o desporto e para altas velocidades, tal como a possui qualquer automobilista, seja como máscara de protecção no trabalho num espaço ameaçado por
radiações, explosões ou difusão de narcóticos.»
JÜNGER, Ernst. O trabalhador. Domínio e figura, op. cit., §13, p. 77.
“Hoje escrevemos poesia a partir do aço e da luta pelo poder em batalhas onde os acontecimentos se engrenam com a precisão das máquinas. Nessas batalhas na terra, na água e no ar, repousa uma beleza que somos capazes de antegozar. Lá a impetuosa vontade do sangue se refreia e depois se expressa pelo domínio das maravilhas técnicas do poder”.
HERF, Jeffrey. O modernismo reacionário, op. cit., p. 92-93. A passagem destacada por Herf é de A guerra
como experiência interior.
«Tudo aquilo que sentimos no nosso tempo como admirável, e que ainda nos fará aparecer, nas
lendas dos séculos mais longínquos, como uma estirpe de feiticeiros poderosos, pertence a esta
substância, pertence à figura do trabalhador. É ela que opera na nossa paisagem, a qual só não
sentimos como infinitamente estranha porque nascemos nela; o seu sangue é o combustível
que impulsiona as rodas e fumega nos seus eixos.
Na consideração deste movimento, apesar de tudo monótono, que lembra um campo cheio de
mosteiros tibetanos, na consideração da ordem rigorosa destes sacrifícios, que se assemelha aos
esboços geométricos das pirâmides, sacrifícios tais como ainda não exigiu nenhuma Inquisição
nem nenhum Moloch, e cujo número se multiplica a cada passo com uma segurança mortal
— como poderia aqui um olhar que realmente quer ver furtar-se à visão de que atrás do véu da
causa e efeito, que se agita sob os combates do dia, operam o destino e a veneração?»
JÜNGER, Ernst. O trabalhador. Domínio e figura. Introdução, tradução e notas Alexandre Franco de Sá; prefácio Nuno Rogeiro. Lisboa: Hugin, 2000, §12, p. 94. (
terça-feira, 14 de agosto de 2018
segunda-feira, 13 de agosto de 2018
«Levas uma vida de comprometimento.»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 123
«Tens a mania de acentuar só o que te interessa!»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 120
''beijando pétalas descoloridas''
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 108
«CARIDADE - Tristeza antiga! O que o fascismo me fez sofrer, também a mim. Deus meu! Feia, feia, sempre vestidas de farpela. Tantas foram as vezes que me vesti de farrapos que, ainda hoje, me sinto traumatizada com essa imagem de infelicidade humana. Coitadinha! Nem as vezes em que me vesti de púrpura, para me apresentar decentemente num ou noutro baile de caridade, a favor dos pobrezinhos, conseguiram apagar em mim a imagem triste e sofredora que fui. Coitadinha de mim.»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 105
«JOVEM MULHER - Ora...A vossa diarreia verbal é muito superior, mais asquerosa e violenta que uma boa arrochada na espinha. São muito amigos da Pátria, mas que fizeram dela e por ela, durante estes 48 anos? Uma Pátria esquecida e escarnecida. Num mundo de nações, onde estava a Nação portuguesa? Em casa. Em família. No vosso bolso. Eis o que vocês fizeram da vossa querida pátria.»
''ladainha anticomunista do costume''
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977.,
«PRAZER - Chiu...jovem, não faças tanto barulho! Neste tipo de negócio, é indispensável a maior descrição. A mercadoria é rara, não chega para metade. Aqui a tens, linda como os amores: liamba, marijuana, coca, mescalina, beladona, ópio, haxixe...enfim, uma beleza de sonhos ternos para a juventude. Experimenta lá esta, jovem!...»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 85
domingo, 12 de agosto de 2018
«Outros amarão as coisas que eu amei.»
Frágil Como o Mundo, filme português realizado em 2000 por Rita Azevedo Gomes
domingo, 5 de agosto de 2018
quarta-feira, 1 de agosto de 2018
«A exploração é uma forma de escravatura.»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 81
« - Vivam os seus queridos filhos mortos!»
Vasco José. A Mulher Deitada. Collecção de autor, Torres Vedras, 1977., p. 80
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