terça-feira, 27 de junho de 2017

"O próximo grande avanço na medicina será compreender que a vida espiritual está ligada com a física"

Christopher Briscoe

Neale Donadl Walsch, autor bestseller de 29 livros traduzidos em 37 línguas, quer acelerar a evolução espiritual da espécie humana. Em entrevista à VISÃO, o norte-americano explica porque acredita que será da combinação entre a cura física e a espiritual que nasce "a cura maior de todas"


''Tudo começou há mais de duas décadas, quando iniciou as suas Conversas com Deus (Sinais de Fogo), série de livros que esteve no top do The New York Times durante mais de 130 semanas e que por cá vendeu 109 500 exemplares, a que se somam mais 41 200 de outros títulos. Neale, que esteve há dez anos no Centro de Congressos do Estoril, voltou ao nosso país, a 24 de junho, desta vez no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, para dar uma conferência sobre Despertar a Espécie, tema do quarto livro da série (não traduzido ainda).

Neale passou a adolescência a estudar religiões e alcançou o sucesso na vida adulta até entrar numa crise profunda, perder a saúde, o emprego e o casamento. Foi sem abrigo durante um ano. Chegou a pensar em suicídio. Mas depois viveu a experiência marcante que o tornaria num autor famoso. Pai de nove filhos (com idades que vão dos 21 aos 49 anos) e casado pela sétima vez, vive com a poetisa americana Em Claire, no Oregon, e nem a cirurgia ao coração, a que se submeteu no final do ano passado, o fez parar de escrever e dar palestras pelo mundo. Aos 73 anos, desafia os leitores a "relacionarem--se com o divino numa perspetiva moderna" com um postulado simples: tudo está ligado e todos somos um.

Começo por uma citação sua: "98% das pessoas gasta 98% do tempo em coisas que não têm importância". O que quer dizer ao certo?


Exatamente isso. Muitos desconhecem a sua verdadeira identidade espiritual, ficam-se pelo "ter o emprego, o carro, a casa, o cônjuge, os filhos". Nem eu fazia ideia, até começar a escrever, das quatro coisas que interessam: quem sou, onde estou, porquê e o que faço acerca disso.

Desde quando começou a pensar no sentido da vida?

Tinha sete anos. Questionei o padre da paróquia. O que queria Deus? Porque estava eu ali? Respondeu-me: "Filho, nem eu estou certo de saber quem sou nem de nada em concreto, a não ser da minha fé." Eu ia para casa e interrogava-me: "Porque não podemos dar-nos todos bem na minha família?" Ou "Porque é que as coisas não são mais simples?"

Quem era o Neale adulto, antes de ser o autor das Conversas com Deus?

Eu achava que era um homem realizado. Primeiro na comunicação social, depois como diretor do departamento de relações públicas numa grande escola. Aos 35 anos deixei o cargo por sentir-me vazio, apesar do salário elevado, do carro, da casa, dos filhos, dos casamentos.

Como explica isso?

Eu não sabia o que era o amor: Acreditava que as mulheres deviam fazer-me feliz, que tinham essa função. Também não tinha a noção do que andava cá a fazer. Procurava respostas nos relacionamentos e não em mim, ou em Deus.

Ver-se na pele de sem abrigo pode acontecer a todos nós. A si, foi no meio da vida, antes da primeira conversa com Deus. O que aconteceu?

Vivi na rua durante um ano. Aos 49 tive um acidente de viação e fraturei o pescoço. Sobrevivi sem ficar paraplégico mas perdi a saúde e o emprego. O meu casamento acabou.

Tudo corria mal. Uma noite dei por mim indignado, a lançar um repto a Deus: "Há alguma coisa que esteja a escapar-me? Diz-me o que é para fazer, por favor!"

Fê-lo por desespero ou por acreditar que Deus respondia? Achou que estava a ser um canal da presença divina?

Eu não canalizo Deus! Prefiro chamar-lhe escrita inspirada. Limitei-me a reproduzir perguntas e respostas e a voz que ouvia dentro de mim.

Tinha um género?

Não, era uma voz sem som, como a dos pensamentos que ouvimos na nossa mente.

Porque lhe chamou Deus?

Pela natureza das respostas que eu estava a receber, que nunca tinha ouvido ou imaginado antes. Depois, pelo estado emocional em que fiquei: calmo, com uma grande paz e as lágrimas a deslizar pela face, à medida que as respostas vinham.

Pode dar um exemplo?

Dou-lhe dois. Perguntei porque é que, seguindo as regras [os dez mandamentos] a minha vida não estava a funcionar. Ouvi isto: "Pensas que a vida gira à volta de ti e ela nada tem a ver contigo, mas com as vidas de todos aqueles que tocares e da forma como o fizeres." Os mandamentos eram uma invenção humana.

Como olhar então para os ensinamentos de Cristo, Moisés, Buda?

Não estamos na posse de toda a história por trás das religiões. Pense numa criança que acredita que há só contas de somar e de subtrair. Depois descobre a multiplicação, a indivisibilidade, a trigonometria, a geometria, a matemática aplicada... Na sua húbris, os humanos têm a arrogância de presumir que sabem tudo. Não sabem.

Como é que a Igreja tem reagido aos seus livros, palestras e workshops?

Na ciência, na tecnologia e na medicina, fazemos perguntas. Porque não o fazemos também na religião? Estamos congelados no tempo e a seguir preceitos incompletos sem explorar o que há mais para saber. Não admira que haja guerras e se mate, ainda, em nome de Deus!

O que podemos fazer, de acordo com a sua visão?


Explorar crenças fundamentais sobre a vida, sobre nós e o que achamos ser Deus. Sabe que ao longo da próxima hora 655 crianças morrerão à fome, 1,8 mil milhões de pessoas estão sem água potável, 1,7 mil milhões não tem eletricidade e 2,6 mil milhões vivem sem saneamento básico? Vivemos como primitivos! No meu livro proponho que nos comportemos como uma espécie desperta e altamente evoluída, a fim de mudar as crenças sobre quem somos, e o nosso papel aqui.

Quando fala de seres altamente evoluídos refere-se a seres extraterrestres?

Hoje sabemos que o cosmos é 100 vezes maior do que os físicos pensavam e provavelmente haverá vida inteligente nele.


Das 16 condutas que caracterizam estes seres, quais são as prioritárias?


Destaco quatro. Um ser altamente evoluído vê a unidade da vida. Cultiva a coerência e diz sempre a verdade. Partilha tudo o que tem. E faz apenas o que funciona.

Pode explicar melhor?


Imagine que quer ver os seus filhos livres de raiva e de violência. Educa-os colocando-lhes à frente imagens de bater, disparar e matar, seja na TV ou nos videojogos dos tablets. É claro que aos 24, aos 30, vão resolver problemas dessa forma. Outro exemplo [simula que está a fumar um cigarro e tosse]: quer ser saudável, sabe que o cigarro intoxica, mas continua a fumar.

O que mudou na sua vida após ter sido operado ao coração?

Depois de eu ter concluído este livro (Conversas com Deus 4: Despertar a Espécie, sem tradução portuguesa), que foi escrito entre agosto e setembro, chamaram-me para fazer um bypass quíntuplo, cirurgia de coração aberto. Isto foi o resultado de uma série de erros meus: não ter cuidado a comer, não fazer exercício, não tomar conta do meu corpo enquanto era jovem.

Desde então, como é um dia seu?

Faço o melhor que posso! Estou mais atento às decisões que tomo, das mais pequenas "o que vamos jantar?" às maiores "devo mudar de emprego? De país?". Levanto-me às 4h30 ou cinco da manhã, escrevo, trabalho e acabo o dia por volta das nove da noite.

Como lida com os seus opositores, dos católicos aos ateus?


(faz uma pausa, fecha os olhos e suspira) Não tenho qualquer problema em relação às pessoas que discordam de mim. A mensagem que ofereço não é infalível, eu posso estar errado em toda a linha. Digo isso nas conferências: se experimentarem aplicar isto às vossas vidas e nada mudar com os princípios que apresento nos meus livros, deitem fora e não os partilhem com mais ninguém! "Vivam e sejam a vossa própria autoridade." Quero que leiam o que escrevi com uma mente aberta.

O que pretendeu dizer com o livro escrito com a médica e cientista Brit Cooper?

O próximo grande avanço na medicina será compreender que a vida espiritual está ligada com a física e, se combinarmos ambas, descobrimos a cura maior de todas, que é metafísica.

Admitindo que escolhemos o nosso caminho, isso inclui, por exemplo, o poder optar pela eutanásia.

As nossas decisões são nossas. Um assunto entre nós e Deus, nós e a nossa alma, nós e a nossa mente. Não devemos dar ouvidos a ninguém nessa matéria. Desde que não se cause danos, nenhum governo tem o direito de interferir nessas escolhas.

Está na altura de fazer a tal pergunta: como define Deus?

Energia pura. A fonte de tudo o que existe. Não há nada que Deus não seja: Deus é tudo o que é, foi e será. É a unidade, a que chamo Deus ou a Vida ela mesma. É a fonte de inteligência e de sabedoria que podemos usar e com isso transformar radicalmente as nossas vidas.

Aponta-se o dedo à Nova Espiritualidade por envolver o pensamento mágico: se criamos a nossa realidade, somos "culpados" pelas condições que levam ao acidente, ao cancro, ao ser mendigo ou refugiado.

Essa ideia é perigosa, presta-se a equívocos. A nossa experiência pessoal cria-se a partir de circunstâncias externas e coletivas, mas não vejo como uma guerra ou um tsunami possam resultar dessa realidade interna. Nem que tenha sido ela a determinar a morte, por cancro, do meu tio Joe, há duas semanas.

Considera-se um guru?

(solta uma gargalhada) Oh Deus, não! Um guru é alguém que vive o que prega. Eu não faço isso. Ainda estou a (pausa)... a lembrar-me de como se faz.

Lembrar?

Acredito que, como a árvore que já traz o seu código na semente, também nós já vimos apetrechados com tudo o que precisamos, só precisamos de recordar quem realmente somos.

Está a referir-se à reencarnação? Despertar a espécie é também sobre isso?

Sim. Acredito que a vida nunca acaba. E que a melhor forma de despertar é ajudar outros a despertar. Buda, Lao Tsu, Jesus, eram mestres espirituais. Ao ensinarem, ativavam o processo de lembrar a sua sabedoria.

É possível haver fé sem inteligência?


Dou entrevistas por isso: se facilitar o despertar de alguém, cumpri a minha intenção, a de experienciar o meu próprio despertar.

Como é estar no programa Conversas com Neale [série disponível na Amazon Prime]?

As pessoas trazem problemas, eu ajudo-as a passar por eles e a seguir em frente com os princípios das Conversas com Deus. Vou passar o resto da vida a fazer o que puder para passar a mensagem ao maior número de pessoas.

É esse o objetivo do site CWG Connect?

O site tem recursos gratuitos com perto de três mil páginas de diálogos. A prioridade é fazer chegar a mensagem de que todos somos um e devolver as pessoas a si mesmas, lembrando-as de quem realmente são, qual o seu propósito de vida e formas de alcançá-lo.

É uma das três missões que recebi de Deus: a primeira é mudar o que as pessoas pensam sobre Ele e a terceira é despertar a espécie. Se aplicar isto na política, na economia e nos sistemas sociais, teremos grandes mudanças.

Diz que desconhecia o amor até chegar ao sétimo casamento. Alguma sugestão?

Quando se compreende o significado da unidade deixa de ser preciso esperar algo em troca. Amar é isto: "Quero para ti o que queres para ti, sem te barrar o caminho ou dizer-te o que não podes fazer." O amor genuíno proporciona a liberdade plena, sem nada esperar de volta. Se vivêssemos assim os nossos casamentos, não haveria divórcios.''

domingo, 25 de junho de 2017


(...)

«Para quê rendas e folhos,
Senhora da minha vida,
Se por estes tristes olhos,
Por meus olhos sois despida?»



Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 60

«Mãos que sois um perpétuo amanhecer,»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 59

«Pálidas mãos, que sois como dois lírios doentes...»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 59

«Quando a morte vier;
E, por minha alma, mandarás dizer trezentas missas,»



Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 48

«Às horas vesperais, entre o nevoeiro lácteo.»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 42

«Não tenteis compreender-me: não me compreenderíeis.»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 38

nefelibata


adjetivo de 2 géneros
1. que não tem o sentido das realidades
2. (escritor) que cultiva a forma em demasia

nome de 2 géneros
1. pessoa que anda nas nuvens, longe da realidade
2. escritor que cultiva exageradamente a forma, fugindo aos processos literários simples e conhecidos

''Amores metafísicos''


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 37

“Ida” [de Pawel Pawlikowski]

ícone do Holocausto

reminiscências da guerra

sábado, 24 de junho de 2017


«Finalmente decide adormecer com a pistola na mão a fim de que aconteça o que deve acontecer. Com este objectivo acaba de tomar os comprimidos de Veronal.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 105

O tempo da Psique

concatenação

''luz esmagante''

«(...) o rosto da Virgem cuidadosamente sujo de excrementos,»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 98


«Os blasfemos  flutuavam nos pântanos, as turbas fremiam sob o látego dos bispos mutilados de mármore, usavam-se os sexos femininos para moldar os sapos.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 95

«Tudo é absolutamente realizável»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 93

PALÁCIO DE GELO


      Os charcos formavam um dominó decapitado de edifícios, dos quais um era o torreão que me contaram na infância, de uma só janela, tão alta como os olhos da mãe quando se inclinam sobre o berço.
    Perto da janela pende um enforcado que se balanceia sobre o abismo cercado de eternidade, uivado de espaço. SOU EU. É o meu esqueleto de que já não restam senão os olhos.Tão depressa riem como se me entortam, ou VÃO COMER UMA MIGALHA DE PÃO NO INTERIOR DO MEU CÉREBRO. Abre-se a janela e aparece uma dama a pôr polisoir nas unhas. Quando as vê suficientemente afiadas arranca-me os olhos e atira-os para a rua. Ficam-se as órbitas sozinhas, sem olhar, sem mar, sem desejos, sem frangos, sem nada.
    Uma enfermeira vem sentar-se ao meu lado na mesa do café. Desdobra um jornal de 1856 e lê com voz emocionada:
   «Quando os soldados de Napoleão entraram em Saragoça, na VIL SARAGOÇA, só encontraram o vento pelas ruas desertas. Só num charco grasnavam os olhos de Luis Buñuel. Os soldados de Napoleão acabaram-nos à baionetada.»




Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 90

 “Os dias Prósperos não vêm por acaso.
Nascem de muita fadiga e
 muitos intervalos de desalento”

Camilo Castelo Branco

''A pele enrugada denunciava as muitas histórias na bagagem. As lágrimas eram uma carta de amor à terra queimada, negra, de luto. A roupa cheirava à besta que arruinou a vida àquela gente. Tinha um pau na mão direita para se amparar e o regador laranja na mão esquerda, para calar o fumo que saía por baixo dos pés. Maria do Rosário, de 84 anos, foi fotografada no regresso a casa por Joaquim Dâmaso, do jornal Região de Leiria. Esta é a história da fotografia em Enchecamas, uma aldeia de Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria.''

escuridões silenciosas

terça-feira, 20 de junho de 2017

segunda-feira, 19 de junho de 2017

"Ouvi que uma voz de poeta me falava de casas
e disse é numa nuvem que hei-de morar, do ar
do ar. Era novo pesquisava ouro exactamente
a meio da literatura - mais tarde, num
sonho da B. suicidava-me, tal & qual, no mais longo pé
riplo do mais denso dos centros: um verso menos
leve, o corpo das correntes quen
tes, tu. E hoje, minhas canções, temos
uma cama, não a rapariga. Ide, pois, como as
de Pound"

"O Desflashar dos Espaços"
 Carlos Leite
Eucaliptugal, o ecocídio da floresta nacional

sexta-feira, 16 de junho de 2017



We are just waves in time and space, changing continuously.

Nikola Tesla

quinta-feira, 15 de junho de 2017


“eis-me acordado/ com o pouco que me sobejou da juventude nas mãos/ estas fotografias onde cruzei os dias/ sem me deter/ e por detrás de cada máscara desperta/ a morte de quem partiu e se mantém vivo.”

Al Berto

doutos juízos

“o último habitante do lado mitológico das cidades”

Al Berto
“Depois de uma noite agitada, um escaravelho terrível acorda metamorfoseado no autor destas linhas”, escreveu Al Berto

''rios de veludo''


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 34


«Ah! eu receio o amor, como receio a morte!
Não me despertes, não! Tu, que és ágil e forte,
Não me despertes, não, a mim débil, cansada...
Ah! deixa-me viver assim anestesiada,
Inconsciente, quieta, indiferente a tudo,
Olhar parado sempre, o lábio sempre mudo,
Circundada de sons, perfumes e visões...
O anacâmpsero, a flor que sugere paixões,
Não venhas desfolhá-lo em meu frio regaço...
Deixa-me assim viver neste quietismo lasso,
Não venhas alterar os meus dias longos, tristes...
Não me fales de amor; e, se acaso persistes
Em procurar em mim um filtro que te adoce,
Ama-me, sim, porém sem a ideia da posse,
Com um amor absconso, espiritual, silente, 
Ama-me simplesmente e religiosamente,
Como se eu fosse, amigo, uma noviça morta!

Do meu peito não te abro a inviolada porta,
Ah! deixa-me sonhar, ah! deixa-me dormir!»




Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 29

«Frígido coração onde o tédio governa,»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 29

(...)

«Esta minha frieza, o meu desprendimento
Não é orgulho, nem desdém, nem é desprezo.»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 28

conúbio

nome masculino

1. matrimónio; núpcias
2. figurado união; ligação

«Teus lábios de cinábrio, entreabre-os!»



Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 25

«Suaves, lentos lamentos»



Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 23

Tua frieza aumenta o meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.

Humildemente, atrás de ti rastejo,
Humildemente, sem te convencer,
Antes sentindo para mim crescer
Dos teus desdéns o frígido cortejo.

Sei que jamais hei-de possuir-te, sei
Que outro, feliz, ditoso como um rei,
Enlaçará teu virgem corpo em flor.

Meu coração no entanto não se cansa:
Amam metade os que amam com esp'rança,
Amar sem esp'rança é o verdadeiro amor.




Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 22


(...)

Creio que se me nascesse um filho
ele quedar-se-ia eternamente a olhar
as bestas que copulam ao entardecer



Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 89

NÃO ME PARECE BEM NÃO ME PARECE MAL


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 89

''enquanto a música ardia num candeeiro''


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 87

«Sem exalar um grito, torcia-se de dor. As lágrimas rolavam caudalosas pelo seu semblante, mas antes que atingissem o chão coalhavam nas patilhas, secavam-lhe no peito. Eram lágrimas ardentes, lágrimas de cera, e o arrependimento, vivo como uma chama, acendia-se sobre a sua cabeça. Já todo ele se derretia como um grosso círio.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 86

''lábios insepultos''



«É este - disse-me - o lacrimal repleto lago de angústia.» Não fiz atenção, ocupado como estava a beijar-lhe o peito entre os seios que ela ocultava com as mãos, chorando desconsoladamente, quase sem forças para se defender da minha lascívia.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 81

Era meio-dia em ponto


«Era meio-dia em ponto, a hora em que todos os sacerdotes da terra erguem a hóstia sobre as searas.
   Recebi minha irmã com os braços em cruz, plenamente liberto no meio de um silêncio augusto e branco de hóstia.»

Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 80

Suavemente, no princípio.


«Suavemente, no princípio. Depois, à medida que o ódio crescia nos olhos do meu espectador, dancei furiosamente, como um doido, como um possesso.»



Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 80

''caracóis abundantes''


«Seria indelicado vomitar-lhes um piano

desde a minha janela?»



Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 78

gastar muita saliva

 falar muito, sem proveito ou sem acerto


«Os resíduos de estrela que ficaram entre os seus

     cabelos »


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 77

«Sob a ponte, na superfície da água meio apodrecida, meio esverdinhada, podia ver-se uma lápide que dizia: AS NORMAS.»

Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 76

«Ainda a vejo e sem remorso lhe chamo «filha da puta». Mas ela não se meneia, nem argumenta, nem vomita, tanto lhe dá.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 73

Não, não é Cansaço...


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"

quarta-feira, 14 de junho de 2017

''um pássaro de carícias''

''santo farrusco''

«Meu dito, meu feito, só me sobrou o tempo de morrer com decência. Quatro gatos pingados apoderam-se do meu corpo, levando-o para a igreja do lado a fim de procederem ao enterro. Retiram a laje infecta do sepulcro do cardeal Tavera e, expulsando a imunda carcassa, que tiveram de atirar a um cemitério de mulas porque já nem os pobres a queriam, meteram-me ali para sempre.
   DESCANSEM EM PAZ OS TAPA-RABOS!!!»

Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 66

segunda-feira, 12 de junho de 2017


“desilusionismo”

“Cada vez que temos uma desilusão estamos mais perto da verdade, por isso agradecemos.”

domingo, 11 de junho de 2017


“Contigo”
Luis Cernuda


¿Mi tierra?

Mi tierra eres tú.



¿Mi gente?

Mi gente eres tú.



El destierro y la muerte

para mí están adonde

no estés tú.



¿Y mi vida?

Dime, mi vida,

¿qué es, si no eres tú?

fragilidade


Kafka disse que não nos devemos preocupar com derrotas porque somos nós que as provocamos.
Kafka ansiava por dar, mas agoniava pelo que não recebia.

“The core of mans' spirit comes from new experiences.” Jon Krakuer

sexta-feira, 9 de junho de 2017

"Há um cansaço da inteligência abstracta e é o mais horroroso dos cansaços. Não pesa como o cansaço do corpo nem inquieta como o cansaço pela emoção. É um peso da consciência o mundo, um não poder respirar com a alma."

Fernando Pessoa

quinta-feira, 8 de junho de 2017

quarta-feira, 7 de junho de 2017

La salvación por el arte


''As pessoas não sabem pensar em voz alta, é muito difícil exporem oralmente um problema. Sinto que têm muita dificuldade em fazer uma pergunta que exprima um problema que se lhes põe. Quanto à própria preparação, a preparação média das pessoas é má, não estão habituadas a ler um livro de uma ponta à outra. O domínio de línguas estrangeiras é francamente medíocre. Outras têm percursos liceais onde aprenderam Latim, têm hábitos de estudo. Isso para mim é o fundamental. ''

António de Castro Caeiro


"Uma casa morre, se não é habitada com amor."

Mia Couto

segunda-feira, 5 de junho de 2017

“Life is like riding a bicycle. To keep your balance, you must keep moving.”

Albert Einstein 

domingo, 4 de junho de 2017


''Beijos se beijam''

«Amar sem esp'rança é o verdadeiro amor.»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 22
«Tua frieza aumenta o meu desejo:
Fecho os meus olhos para te esquecer,
Mas quanto mais procuro não te ver,
Quanto mais fecho os olhos mais te vejo.»



Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 22

«Como é que ficarás vestida de viúva...»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 21

«Se eu te morresse amor, Amor, que sentirias tu?»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 21

«Ao pé doutro te vejo, amor! Húmida e fria,»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 21

«Passa um enterro: é uma criança. Amargurada,
Vai atrás do caixão a mãe...Se houvesse céu!»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 21

doidamente

Marilyn Monroe by Milton H. Greene, 1956


«Como abelhas de praia em redor dum cortiço...»


Eugénio de CastroAntologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 16

liliais

«A Honestidade e o Vício, »

Eugénio de Castro. Antologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 16
quando queremos mudar o mundo
por vezes perdemo-nos de amigos
ou separamo-nos no caminho
mas o importante é que nos encontremos no final


JOAQUIM MURALE

«Colgam das varandas, como trapo a secar, os inúmeros crimes tantas vezes narrados ao longo das ruas pelo cego do quadro e do ponteiro.»



Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 61

''Fere-nos por vezes os olhos''

Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 61

cínzeo

«A alegria cai em farrapos dos beirais, só agitada pela brisa das vozes infantis; vozes de meninos que andam pelos monturos e aos quais nunca ninguém contará contos.»


Luis Buñuel. Poemas. Tradução dos poemas e prefácio de Mário Cesariny. Arcádia. 2ª edição., 1977., Lisboa., p. 60/1

utilitarismo


«Nunca se diz - porque soa como pejorativo , embora o não seja - que Buñuel «escreve em cinema». A crítica de cinema tem um léxico peculiar e aplica a sua expressão «leitura cinematográfica» à visão analítica de um filme. Buñuel é dos realizadores a quem melhor convém a expressão. Ao observarmos os seus filmes com atenção vemos que se trata, em essência, da obra de um escritor.»

Luis Buñuel sobre Lorca

«Frederico dá cabo de mim. Eu pensava que o noivo era um putrefacto, mas vejo que o seu contrário o é ainda mais. É o seu terrível esteticismo que o afasta de nós. Já o seu extremado narcisismo era o bastante para afastá-lo da pura amizade. Isso é com ele. O pior é que até a sua obra poderia ressentir-se.»
''(...) arte esteticista para minorias, com linguagem sublimada e conteúdos herméticos»

Culteranismo

Procura  da poesia pela palavra e pelo som abstractos



In my eyes, indisposed
In disguise as no one knows
Hides the face, lies the snake
In the sun in my disgrace
Boiling heat, summer stench
'Neath the black the sky looks dead
Call my name through the cream
And I'll hear you scream again

Black hole sun
Won't you come?
And wash away the rain
Black hole sun
Won't you come?
Won't you come?
Won't you come?

Stuttering, cold and damp
Steal the warm wind tired friend
Times are gone for honest men
And sometimes far too long for snakes
In my shoes, a walking sleep
And my youth I pray to keep
Heaven send Hell away
No one sings like you anymore

Black hole sun
Won't you come?
And wash away the rain
Black hole sun
Won't you come?
Won't you come?

Black hole sun
Won't you come?
And wash away the rain
Black hole sun
Won't you come?
Won't you come?

(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)

Hang my head, drown my fear
'Till you all just disappear

Black hole sun
Won't you come?
And wash away the rain
Black hole sun
Won't you come?
Won't you come?

Black hole sun
Won't you come?
And wash away the rain
Black hole sun
Won't you come?
Won't you come?

(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
(Black hole sun, black hole sun)
Won't you come
Won't you come
''Meu amor
conto pelos teus cabelos os dias e as noites
e a distância que vai da terra à minha infância
e nenhum avião ainda percorreu
conto as cidades e os povos os vivos e os mortos
e ainda ficam cabelos por contar
anos e anos e ficarão por contar
Defende-me até que eu conte o teu último cabelo” (Uma Faca nos Dentes)

António José Forte

Azuliante



Azuliante, de 1984, representa o regresso à poesia depois de um hiato de 14 anos e é um poema de amor para Aldina

poetas assim-assim

''Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade” (Retrato do artista em cão jovem)''

António José Forte

''não há espaço demasiado para ficar'”

‘There is no place for us’

''carregava uma imensa revolta silenciada.''

sobre António José Forte


''A ação poética implica: para com o amor uma atitude apaixonada, para com a amizade uma atitude intransigente, para com a revolução uma atitude pessimista, para com a sociedade uma atitude ameaçadora. As visões poéticas são autónomas, a sua comunicação esotérica (…) por isso, para que não me confundam nem agora, nem nunca, declaro a minha revolta, o meu desespero, a minha liberdade, declaro tudo isto de faca nos dentes, de chicote em punho e que ninguém se aproxime para àquem dos mil passos.”


António José Forte
Pedro Oom: “O que pode fazer um homem desesperado quando o ar é um vómito e nós seres abjetos?”

“pai simbólico e tentacular”

''A voz de Forte não é plural, não é direta ou sinuosamente derivada, não é devedora. Como toda a poesia, a verdadeira possui apenas a sua tradição (…) imemorial, dinâmica, abrindo para trás ou para a frente, única maneira de entender-se a tradição. Não se trata de modo ou moda, forma ou fórmula, acidentalidade ou incidentalidade. O teor é o da inteligência fundamental do mundo.” (Nota Inútil. Em Uma Faca nos Dentes, ed. Antígona)

Ver Aqui

''ler é ruminar como os bois”


Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amo amo amo amo amo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Carlos Drummond de Andrade
, em “As impurezas do branco”. 1973.

“Take your broken heart, make it into art.”

Carrie Fisher 

sábado, 3 de junho de 2017


“O passado nunca está morto. E nem sequer é passado”

William Faulkner
“Some birds are not meant to be caged.”
Stephen King 

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Miguel Esteves Cardoso - Como é que se esquece alguém que se ama

Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está? 

As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar. 

É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução. 

Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas vezes só existe a agulha. 

Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado. 

O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'
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