quinta-feira, 15 de junho de 2017
«Ah! eu receio o amor, como receio a morte!
Não me despertes, não! Tu, que és ágil e forte,
Não me despertes, não, a mim débil, cansada...
Ah! deixa-me viver assim anestesiada,
Inconsciente, quieta, indiferente a tudo,
Olhar parado sempre, o lábio sempre mudo,
Circundada de sons, perfumes e visões...
O anacâmpsero, a flor que sugere paixões,
Não venhas desfolhá-lo em meu frio regaço...
Deixa-me assim viver neste quietismo lasso,
Não venhas alterar os meus dias longos, tristes...
Não me fales de amor; e, se acaso persistes
Em procurar em mim um filtro que te adoce,
Ama-me, sim, porém sem a ideia da posse,
Com um amor absconso, espiritual, silente,
Ama-me simplesmente e religiosamente,
Como se eu fosse, amigo, uma noviça morta!
Do meu peito não te abro a inviolada porta,
Ah! deixa-me sonhar, ah! deixa-me dormir!»
Eugénio de Castro. Antologia. Introdução, Selecção e Bibliografia de Albano Martins. Imprensa Nacional- Casa da Moeda., p. 29
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