Óscar Lopes viu-o como o caso típico do poeta de larga informação cultural. Ao longo de cinco décadas de labor literário, que serão assinaladas no próximo dia 31 com um colóquio na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, VGM, como também gosta de se anunciar, não se cansou de fazer a demonstração prática desse saber raro, esparramado numa longa obra poética, algumas passagens pelo romance, um corpus feito de risco na área da tradução e uma vocação ensaística cultivada com a paixão de quem não teme a polémica. Uma deslocação do poeta à Madeira, associada à greve dos controladores aéreos, obrigou a que a entrevista tivesse de se efetuar com recurso ao correio eletrónico.
Muito antes de atingir estes 50 anos de vida literária, escreveu um "Testamento VGM". O que é que pretendeu?
Eu tinha traduzido havia pouco os "Testamentos" de François Villon, com toda a sua carga lúdica e irónica. Villon começa a falar dos seus trinta anos ("en l'an trentième de mon âge"). Eu tinha acabado de fazer sessenta e isso deu-me o começo, falando "no ano em que sou duplo trintão". Pretendi uma espécie de divertimento sério...
Quais são os cinco momentos mais marcantes desta sua carreira de cinquenta anos?
A publicação do primeiro livro, "Modo Mudando" (1963); depois, "A Sombra das Figuras" (1985); "Uma Carta no Inverno" (1997); a do primeiro romance, "Quatro Últimas Canções" (1987) e a de "Por Detrás da Magnólia" (2004). Pondo as coisas noutros termos: o prémio Pessoa (1995), o grande prémio de poesia da APE (1998); o prémio internacional de Struga (2004); o grande prémio de romance da APE (2204); o Prix Max Jacob étranger (2007).
Carlos Fuentes dizia que nunca teve medos literários. Acompanha-o?
Medo literário, só o de as coisas saírem mal quando as escrevemos. Mas é um medo superável pelo exercício da autocrítica.
Nunca o angustiou o poder atemorizador da folha em branco?
Não tenho medo nenhum da folha em branco. Nunca me angustiou que ela, eventualmente, tivesse de permanecer nesse estado.
Memoriza poemas, seus ou alheios?
Não. Mas houve tempos em que sabia de cor fragmentos mais ou menos longos de Dante, Lorca, Shakespeare...
Quando é que começou a escrever?
Comecei pelos seis anos, sem nenhuma razão especial que não fosse a de gostar de o fazer.
Porque é que cursou direito em vez de Belas Artes?
Direito correspondia a uma tradição familiar (que hoje leva mais de um século). Belas Artes implicava um certo tipo de risco, para que eu me sentia preparado, mas achando que não tinha qualidades que fizessem de mim um artista plástico mesmo bom. Na hesitação, ganhou a hipótese de ter uma vida mais ou menos burguesa e confortável.
Tinha algum herói? Pretendia imitar alguém?
A princípio, os meus heróis eram personagens de ficção: Gonçalo Mendes Ramires e Julien Sorel muito mais do que Fradique Mendes. Mais tarde, o meu herói na aventura intelectual, interdisciplinar e criadora passou a ser Jorge de Sena.
A ficção nunca ocupou um lugar muito proeminente na sua obra, Ainda um dia teremos a sua "Montanha Mágica"?
A ficção começou mais tarde, numa fase da vida em que eu tinha menos tempo para ela e já me dispersava por outras preocupações. Não tenciono escrever a minha "Montanha Mágica". Ainda se eu conseguisse, como stendhaliano impenitente, escrever o meu "Le Rouge et le Noir"... Mas, além de ser precisa a capacidade de o fazer, acontece que eu nunca elaboro programas nem projectos com antecedência.
Qual o lugar da inspiração no seu trabalho poético?
Não acredito na inspiração. Vejo na escrita poética fundamentalmente um exercício técnico, uma aplicação de capacidades oficinais.
Há um intenso pendor metafórico em muita da sua poesia, contrabalançado, como já assinalou, por um lado cada vez mais prosaico. Navega bem nessa aparente contradição?
A dimensão prosaica e a propensão metafórica são usadas segundo aquilo que pretendo dizer e combinam-se sem problema. O Montale falava de uma poesia que tende para a prosa e se detém no limite, antes de lá chegar. Isso acontece-me com alguma frequência, muito embora o lado aparentemente prosaico seja susceptível de uma dicção e de acentuações rítmicas que fazem toda a diferença. Convivo muito bem com essa dualidade, porque ela não implica qualquer espécie de cisão do eu poético. É antes instrumental e criticamente controlada.
O que o atrai no ensaio?
O ensaio é uma maneira de abordar um determinado objecto numa flutuação entre certezas e incertezas, hipóteses, contradições e derivas, obscuridades, intuições e clarificações. O seu encontro está em ser sempre uma forma de problematização e nunca se propor como aquisição definitiva do conhecimento.
Gosta de viajar ao seu próprio passado literário, relendo-se?
Nem por isso. Só me releio em tempos de revisão de provas.
Corrige muito?
Não costumo embevecer-me na contemplação daquilo que escrevi. Não tenho narcisismos de autor. Uma vez escrito, é raro voltar a pegar num texto, a não ser quando se trata de reeditá-lo e não posso baldar-me à correcção das provas. Enquanto escrevo, sim, corrijo muito, mas disso não ficam propriamente vestígios porque o faço quase sempre em computador.
Costuma ler o que escrevem sobre si?
Se se trata de textos críticos que me chegam à mão, claro que sim. Acho importante conhecer a opinião alheia.
Como é que escreve?
Escrevo tudo, mas mesmo tudo, no computador, poesia, ficção, ensaio, traduções, artigos. À mão, na prática, já só sei assinar omeu nome...
Convive bem com as novas tecnologias?
Sinto-me mais ou menos analfabeto. Mas o computador é uma espécie de máquina de escrever qualificada que proporciona uma rapidez e uma eficácia inestimáveis no que respeita às correcções e às montagens.
Tem algum ritual de escrita?
Nenhuma espécie de ritual. Escrevo quando me apetece fazê-lo, em qualquer sítio e a qualquer hora, sem que o que se passa à minha volta me perturbe.
Sente-se um traidor na sua qualidade de impenitente tradutor?
'Traidor', não é propriamente o termo. Sinto-me um fotógrafo a preto e branco de uma realidade que tem algumas cores. A falta dessas cores não deve prejudicar a reconhecibilidade, nem a manutenção de, pelo menos, algumas das qualidades do original.
Qual foi a mais difícil das suas traduções?
As duas mais difíceis, no plano da poesia, terão sido a "Divina Comédia" e os "Sonetos" de Walter Benjamin; no tocante ao teatro, sem dúvida que foi o "Cyrano de Bergerac", de Edmond Rostand. Mas qualquer das outras traduções que fiz foi bastante difícil. O desafio torna-se estimulante por isso mesmo.
Qual foi o livro traduzido do qual muito lamentou não ser o autor?
Essa é uma pergunta terrível e capciosa, porque eu gostava de ter sido autor em primeira mão de todos os livros que traduzi...
Já traduziu do espanhol, francês, inglês, alemão, latim, italiano. Porque é que ainda não se interessou pelo grego?
Infelizmente não sei grego. Quem me dera! E mesmo no que toca ao latim, sei muito pouco. Traduzi umas 18 odes de Horácio, mas com recurso a muitas ajudas interpretativas.
Hoje, mais do que nunca, faz sentido voltar aos gregos?
Para nós, europeus, os gregos são o princípio de tudo! O problema é que eles agora, no plano político, ameaçam acarretar o fim do mundo em que vivemos.
Fez um grande investimento pessoal na tradução dos grandes clássicos...
Os clássicos são quem melhor nos explica. Os grandes, e os que eu consegui traduzir incluem-se nesse grupo, são marcos da civilização e da cultura europeias. Implicam-nos e explicam-nos, como diria a Sophia.
Tem uma relação de posse em relação à língua?
Não sou dono da língua, mas um entre muitos milhões de possuidores dela.
Porque é que tanto batalha contra o novo Acordo Ortográfico?
O Acordo é uma barbaridade, feita inconsiderada e precipitadamente, mantida por obstinação e teimosia, e conducente a um resultado exactamente oposto ao pretendido.
Não lhe encontra nenhuma virtude?
Encontro duas: a de não estar em vigor e a de não poder ser aplicado, nem sequer tecnicamente.
Não é um exagero afirmar que o AO é "um crime contra a língua portuguesa"?
Para mim, não há exagero nenhum nisso. É um crime e uma torpeza.
Houve escassa reflexão sobre o novo AO por parte dos decisores políticos?
Tão pouca que nenhum desses decisores se atreveu ainda a rebater o fundo dos argumentos que foram apresentados contra ele. Todos se circunscrevem à afirmação de que o AO deve ser aplicado "porque sim" e não passam disso. E hoje não têm coragem de reconhecer o beco sem saída em que se meteram.
Sairemos derrotados com a entrada em vigor do novo AO?
A derrota será a da própria língua portuguesa, na Europa, em África, na América Latina, nas outras partes do mundo.
A seu pedido, não será aplicado o AO nas suas respostas. É uma querela para a eternidade?
É natural que eu pretenda não ver brutalmente desfiguradas as minhas respostas e por isso insisto na ortografia vigente (não a do AO, porque ele não está em vigor). A querela não será para a eternidade, porque a posição tomada em Luanda, na conferência deministros da Educação, há cerca de um mês, vai levar forçosamente à revisão do acordo no sentido que tem sido defendido por todos os que se lhe opõem.
Lê em português do Brasil?
Aprecio desmedidamente um grande número de autores brasileiros. Nunca tive qualquer problema com o português do Brasil. Ninguém tem. É uma variante que enriquece a língua em geral. E não é a questão ortográfica que resolve diferenças importantes que, além da pronúncia, são lexicais e sintácticas.
O que mais gosta de ler?
Actualmente, privilegio textos de história e ensaios sobre temas artísticos e literários.
Lê vários livros ao mesmo tempo?
Tenho sempre uma série deles. Vou lendo, mais ao sabor dos impulsos de momento do que das obrigações. Por exemplo, coisas tão diferentes como "The Age of Anxiety", de W. H. Auden, um estudo sobre a poesia de Nabokov ou a "Correspondência" entre António José Saraiva e Luísa da Costa.
Quem foi o último escritor ou poeta a deixá-lo abismado?
Depois de Dante e Petrarca, acho que o Wordsworth de "The Prelude" me deixará sempre abismado.
Há, na sua vida de leitor, um livro que o marque de forma absoluta?
As "Rimas" de Camões e "O Livro de Cesário Verde" aproximam-se desse resultado.
Quem são os criadores, em qualquer domínio, que mais admira?
Bach e Mozart, Piero della Francesca e Picasso, Homero e Dante, Visconti e William Wyler... tantos outros...
Há em si alguma componente religiosa?
Praticamente nenhuma, embora eu tenha tido uma educação católica. Mas há em mim uma sensibilidade a elementos que marcam a nossa maneira de ser e que são de matriz religiosa naquilo em que o mais fundo do ser humano é implicado. Posso arrepiar--me com uma "Paixão" de Bach. Na música e na pintura, pelo menos, é impossível ignorá-los. E na literatura, quando se pensa nas redondilhas camonianas "Sôbolos rios que vão"...
Encontra alguma especial simbologia no facto de estar agora a presidir ao CCB?
É um sítio dos mais belos de Lisboa, pela monumentalidade, pela simbologia, pela paisagem a rasgar-se sobre o rio e pela luminosidade muito especial, a jogar-se entre o manuelino dos Jerónimos e a poderosa austeridade geométrica do Centro Cultural de Belém.Mas omeu imaginário sente-se à vontade em muitos outros territórios.
Consigo teremos um CCB com outras prioridades?
Comigo, espero que tenhamos o CCB possível num período de crise como o actual.
O poeta não se sente constrangido por ver um VGM militantemente apoiante de um Governo tão agarrado à ideia de empobrecimento do país?
Não foi este Governo que inventou o empobrecimento do país. A situação é terrível e Portugal foi empurrado para ela há já alguns anos. Não me considero um militante, mas alguém que tem de reconhecer os factos e a situação catastrófica a que eles levaram e que, por isso, tem de apoiar quem tem a coragem de enfrentá-la, custe o que custar.
O que o fascina em Cavaco Silva para tão continuadamente o apoiar?
Cavaco Silva é um político rigoroso e competente. Não é, nem quis nunca ser, um caudilho arrebatador das massas. É alguém que conhece profundamente a realidade política, económica e social e tem ideias assentes no saber, na experiência e na sensatez.
Foi 10 anos deputado europeu, quando parecia não haver limites para o otimismo europeu. Tudo se esfumou?
Esse optimismo ainda se vivia na altura do meu primeiro mandato (1999-2004), quando ainda estávamos na Europa dos 15. Depois, tem vindo a esvair-se, na Europa intergovernamentalizada dos 27, com o esquecimento do método comunitário, o progressivo esbatimento do papel da Comissão imposto pelos Estados-membros mais fortes a partir do Conselho e com o gigantismo inoperante do Parlamento Europeu.
A Europa perdeu o sentido da solidariedade?
Esse sentido parece estar cada vez mais distante de uma tradução prática que justifique a construção europeia, tal como ela era concebida até há pouco tempo. Oxalá eu me engane.
Foi Prémio Pessoa em 1995. Um prémio desta natureza leva a reequacionar alguma coisa.
Resolve problemas imediatos, dá-nos um prestígio assinalável, incute-nos um sentido de responsabilidade cultural, contribui para um aumento da auto-exigência a partir da sua atribuição.
Nasceu no Porto, onde regressa amiúde. Como vê agora a cidade?
O Porto ainda mantém uma aura poética em que a memória funciona paredes meias com a realidade, sem perda da sua carga mítica e afectiva. As pessoas mudaram pouco. Alguns lugares mudaram bastante. Mas, visto da margem sul do rio Douro, acho que ainda está lá tudo, na cor, no recorte do casario, na volumetria, na luz, na relação entre o granito e a água - tudo o que eu gosto de encontrar na minha cidade...
Qual é a memória mais longínqua da sua infância?
A existência de senhas de racionamento para certos géneros alimentícios.
Qual foi o dia mais importante da sua vida?
Dado o contexto em que estamos a falar, foi o dia 14 de Fevereiro de 1963, data em que me desloquei à Tipografia do Carvalhido para recolher a edição do meu primeiro livro, "Modo Mudando".
Está com 70 anos. A idade tornou-o mais sábio?
Sem dúvida. Com a idade aprende-se a simular melhor a juventude.
Gostaria de terminar com Camões. É, para si, o expoente máximo da nossa criação literária?
É. Tanto o Camões lírico, como o Camões épico. Nestes tempos em que as grandes obras do espírito humano vão sendo esquecidas, convém ter presente um poeta em cuja lírica a razão e a emoção vão sendo vividas e se exprimem num angustiado sentido das contradições do ser humano, e cujo canto épico não se limita ao feito histórico dos descobrimentos: é-o também do desvendamento e do conhecimento do mundo pelo Homem.
Ver aqui
|
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Vasco Graça Moura, o escritor que não acreditava na inspiração
domingo, 27 de abril de 2014
«(...) abatida pelo desgosto, caminhava com lentidão e só dolorosamente falava, fechando os olhos e deixando cair a cabeça sobre o peito durante instantes, mal se via na obrigação de elevar um pouco a voz. Nesses momentos, a mão pousada sobre o seio mostrava que se sentia ali uma viva dor.»
Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 17
imaginava os abismos de beleza que o vestido escondia
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 57
«(...) o vermelho da flor punha ali uma nódoa de sangue ou talvez de provocação desesperada.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 57
«O lavrador era um homem de neuras, vário como um catavento, intempestivamente generoso e intempestivamente agreste, e vestia quase sempre um capote, mais leve ou pesado consoante lho permitiam as estações, que por certo se tornava indispensável para lhe dar majestade. Fazia um jeito ao corpo, em ar de dança, e as abas do capote acompanhavam a ondulação dos movimentos, fazendo sobressair o que, nesses gestos, havia de orgulho e desdém.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 51
«(...) no tom amistoso do diálogo disfarçava-se muito despeito.»
Fernando Namora. O Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 51
quarta-feira, 23 de abril de 2014
«Inspector: O que está provado é que a miúda tem vocação para mulher-a-dias. Então não é? Tão depressa aparece a lavar sótãos toda nua como a lavar paredes de palavrões. Covas, o que você tem ali é uma mulher-a-dias pornográfica, que é cá uma especialidade que ninguém ainda tinha descoberto.
Elias: Oh, oh, não me faça rir que estou de luto.»
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
''engate que comece com negas é de morte.''
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 175
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
imagens,
José Cardoso Pires
impulsos de destruição
«E o tipo é da opinião que o major sofria daquilo a que podemos chamar impulsos de destruição e que por causa dos impulsos de destruição é que lhe vinham as tais bravuras. (...)
Este complexo de destruição, continua o inspector Otero, manifestava-se por uma arrogância ( o advogado chamou-lhe obsessão) que oscilava entre a dedicação e a crueldade mais lixada.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 173
Este complexo de destruição, continua o inspector Otero, manifestava-se por uma arrogância ( o advogado chamou-lhe obsessão) que oscilava entre a dedicação e a crueldade mais lixada.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 173
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires,
saúde mental
terça-feira, 22 de abril de 2014
«As lágrimas de sereia e o corno compreensivo; errare humanum est.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 170
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
«um filho é o vértice do orgulho da mulher só»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
«Estou farta de liberdade», gritava ela para quem a quisesse ouvir, «toda a gente me quer dar liberdade e eu quero que a liberdade se foda». (Se cosa, disse a galinheira, perdoe-se a expressão).
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 163
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
ANGÚSTIA DA EXACTIDÃO
by Victor Gonçalves in Analítica da Actualidade
Próxima das neuroses obsessivas, de que todos os génios produtivos sofrem (em graus e intensidades diferentes), a angústia da exactidão alimenta-se de uma profunda paixão pela ordem (feita exclusivamente de leis cósmicas, bem para lá da condição humana), jogo de escrúpulos irrazoáveis, mania de auto-correcção permanente. Creio que todos os grandes criadores, quer se exponham na música, na literatura, na filosofia, na pintura, na dança, ou noutro qualquer exercício de pensamento lógico-criativo (onde se situam também os cientistas inovadores) foram, de uma ou de outra forma, obsessivos e tendencialmente compulsivos. Quando, por exemplo, Lobo Antunes diz que não pode viver sem escrever, mas que demora mais tempo, muito mais, a corrigir do que a criar a primeira versão, vive, à sua medida, na angústia da exactidão.
Mas a patologia é apenas uma possibilidade, embora a mais extrema. Noutros termos, a neurose obsessiva não é necessariamente o culminar de um processo, onde aconteceria a exaustão de um indivíduo. Na verdade, é o produto da obsessão que vai ditar em que campo ela se inscreve, a obsessão é um pharmakon (remédio e veneno). Se a linha de fuga for a física quântica ou um tratado de filosofia medieval, uma sinfonia completa ou uma instalação minimalista plena de mundo, um romance polifónico de 400 páginas..., isto é, se o produto dessa dedicação integral, dessa fidelidade sem fissuras for uma obra que encerra riqueza suficiente para conjurar a extrema focalização do sujeito num processo criativo, então a patologia habitual dos obsessivos – destruidora de afectos, de ligações emotivas e racionais, da lucidez poética inventiva – não emergirá, ou melhor, dificilmente emergirá. Nos génios (chamemos-lhe assim para facilitar) a produção de obras é a cura homeopática dos impulsos obsessivos negativos.
Noutros registos de vida, menos intensivos, sem a força ou a sorte para fazer nascer algo de extraordinário, também existe esta angústia que ensombra com dúvidas (anti-cartesianas) as coisas que vamos fazendo: aquela vírgula mal colocada que potencia insónias; o conceito que escapou à censura lógica e agora corrompe a felicidade que pensávamos retirar do ensaio publicado; a metáfora gasta, vulgarizada que dissemos nunca mais usar mas que se introduziu furtivamente no poema, impossível de rasurar porque outras exactidões seriam destruídas; um personagem, a quem demos a honra de conduzir a história, incapaz de encaixar na narrativa sem minar o equilíbrio perspectivista; uma nota deslocada, dissonante na partitura, que recusa silenciar-se e corrompe a arquitectura melódica; ou o facto, esse velho evangelho da objectividade, cortado pelo relativismo de uma análise incoerente.
Mas também aqui o resultado feliz, num belo produto, das preocupações exageradas transforma o que destrói no que salva e faz crescer, conduz a uma plenitude que jamais será alcançada através dos gestos codificados da vidinha.
II
Há umas semanas lia uma pequena entrevista de Jorge Silva Melo a propósito de O Regresso a Casa de Harol Pinter para o D. Maria II. Aí pronunciava um magnífico elogio aos seus actores, apelidando-os de “actores exactos” (João Perry, Rúben Gomes, Maria João Pinho, Elmano Sancho, João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo). Mas aqui percebe-se que não se trata da “angústia da exactidão”, antes do perfeito domínio de uma arte onde se improvisa pelo menos tanto quanto se representa (repetir um modelo, voltar a apresentá-lo). É a exactidão da criação, como quando Gilles Deleuze no diz que o sentido de um acontecimento não o precede, ele surge à medida que o próprio acontecimento se desenrola. Por isso, este pensador francês prefere ao termo “exacto” o de “anexacto”, um outro tipo de rigor: do estilo e do gosto mais do que da adequação entre o empírico e o ideal, o modelo e a cópia. Também Ludwig Wittgenstein quis nasInvestigações Filosóficas, com o conceito de “jogos de linguagem”, mostrar que “o significado de uma palavra está no seu uso”. Neste sentido, a verdade de algo resulta do seu funcionamento dentro de um determinado jogo de linguagem (Mendel não podia estar certo mesmo estando-o, porque o jogo de linguagem dominante da sua época não podia aceitar a sua linguagem quase privada sobre a hereditariedade. Que hoje, num volte-face de thriller, é a que domina). Foucault falará ainda mais claramente em “jogos de verdade”, relativizando com isso a exactidão, visto que a verdade é relativa ao que uma época/cultura considera como verdadeiro. Mas talvez seja mais clara ainda a afirmação de Jean-Luc Godard (brilhante Pierrot le fou), cito de memória: “não tenhais ideias justas, mas somente uma ideia”. Como se desconfiasse, até politicamente, da exactidão das ideias, instrumento várias vezes utilizado ao longo da história para impor a servidão, a quem percorreu a via-sacra para as encontrar e a quem as recebe e se vê obrigado a abdicar da liberdade de as recusar, porque, finalmente, sempre são “ideias exactas”.
Tenhamos, pois, uma ideia, anexacta ou rebelde, excêntrica em relação ao nosso verdadeiro, aos jogos de linguagem da opinião, mais ou menos erudita, deixemo-la emergir evitando as angústias estéreis. É que talvez toda a metafísica do mundo se esgote quando acolhemos o sol sentados numa esplanada à beira-mar.
Etiquetas:
enfermaria 6,
revistas literárias portuguesas,
victor gonçalves
baratinar
verbo transitivo
1. coloquial seduzir com palavras falsas; enganar; intrujar
2. coloquial confundir, desorientar
sábado, 19 de abril de 2014
«De que serviriam as Artes, se não fossem o desdobramento e a contra-prova da existência? Eh! Bom Deus! À nossa volta só vemos em demasia a triste e desencantadora realidade; o tédio insuportável dos meios-caracteres, os amores indecisos, os esboços da virtude e de vícios, os ódios mitigados, as amizades fraquejantes, as doutrinas contraditórias, as fidelidades que têm os seus altos e baixos, as opiniões que se evaporam. Deixemo-nos, pois, sonhar que por vezes parecemos homens mais fortes e maiores, que seremos bons e mais, mas sempre resolutos. Isso faz-nos bem. Se a palidez da nossa verdade nos perseguir nas Artes, aboliremos de um só golpe o teatro e o livro, a fim de a não termos que enfrentar duas vezes. O que se deseja nas obras que fazem movimentar os fantasmas dos homens é, repito-o, o espectáculo filosófico do homem profundamente estigmatizado pelas paixões do seu carácter e dos seus tempos. É portanto a verdade desse homem e desses tempos, mas ambos elevados a um poder superior e ideal, que concentra em si todas as forças. Reconhecemo-la, a essa verdade, nas obras do pensamento, tanto quanto nos recreamos acerca das semelhanças de um quadro cujo original nunca vimos, pois um bom talento pinta a vida, de preferência aos vivos.»
Alfred De Vigny. Cinq-Mars ou uma Conjura no Reinado de Luís XIII. Os grandes romances históricos. Tradução revista por Pedro Reis. Amigos do Livro, Editores, Lisboa., p. 8
«Mena acorda sempre de ressaca como ele pode ver pelo balde cheio de pontas de cigarro, e arrasta-se para a casa de banho embrutecida pelo valium. Primeiro que tudo diluir a insónia, depois é que vinha a maquilhagem, o envelhecer-se, e a peruca e os óculos sem graduação.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 155
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
Com a outra mão, esmaga pensativamente o cigarro no prato da folha.
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 153
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires,
Smoking
protegida pela sua solidão
«Vira-a apenas a ela. Reconhecera as longas pernas queimadas pelo sol, o sorriso a nascer e a morrer na doçura profunda, aquela maneira de ser, aqueles olhos semicerrados, ela protegida pela sua solidão.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 158
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 158
«Eu disse-lhe que o amava. Você nunca respondia a essa espécie de insânia.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 150
«Olho para si. Você pergunta-me o que se passa, sempre algo alarmado quando eu o olho. Eu digo-lhe que não se passa nada, que olhava para si pelo prazer de olhar:
-Não sei se o amor é um sentimento. Às vezes penso que amar é ver. É vê-lo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 147
-Não sei se o amor é um sentimento. Às vezes penso que amar é ver. É vê-lo.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 147
«Esqueci as palavras adequadas. Sabia-as e esqueci-as, e aqui falo-lhe com o esquecimento dessas palavras. Contrariamente a todas as aparências, eu não sou mulher que se entregue de corpo e alma ao amor de uma só pessoa, mesmo que ela fosse o ser mais adorado da sua vida. Sou uma pessoa infiel. Bem gostaria de reencontrar as palavras que tinha reservado para lhe dizer isto. Eis que relembro algumas delas. Queria dizer-lhe aquilo em que creio, é que seria preciso conservar sempre adiante de nós, aqui está, reencontro a palavra, um lugar, uma espécie de lugar pessoal, é isso, para nele estar só e para amar. Para amar não se sabe o quê, nem quem, nem como, nem por quanto tempo. Para amar, eis que todas as palavras me voltam à memória, de repente... para conservarmos o lugar de uma espera, nunca se sabe, da espera de um amor, de um amor sem ninguém ainda, talvez, mas disso e só disso, do amor. »
«Ela aproxima-se dele, pousa os lábios nos seus olhos fechados. Ela diz:
-Gostava muito de ficar aqui consigo até à noite.
Levanta-se, inclina-se para ele e pousa os seus lábios nos dele, demoradamente. Ficam assim, imóveis, o tempo necessário para se conhecerem para sempre. Depois ela afasta os lábios dos dele. E ele fica como ela o deixou, com o rosto entre as mãos, de olhos fechados.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 124
-Gostava muito de ficar aqui consigo até à noite.
Levanta-se, inclina-se para ele e pousa os seus lábios nos dele, demoradamente. Ficam assim, imóveis, o tempo necessário para se conhecerem para sempre. Depois ela afasta os lábios dos dele. E ele fica como ela o deixou, com o rosto entre as mãos, de olhos fechados.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 124
«Ela quer morrer. That's the point.É isso que ela quer, um capricho como outro qualquer.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 112
«Ele, o Captain, olha para ela a cada instante; ela não, já não olha para ninguém. Ele, na realidade, não a larga dos olhos, nunca. Ama-a ainda com todo o seu vigor sexual. Ela não. Ela já está noutras paragens, um pouco na morte, um pouco no riso também, e sabe Deus em que outros sítios. Assim, já nem tem força para escolher por si um homem. Mas todas as noites ela o consente em si.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 101
« - Olá, mais linda.
-Vá bardamerda.
-Estava a pensar em ti.
-Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
-Olha, vi-te ontem.
-Eu também, tem piada.
-Ias com o teu namorado.
-Ai que mentira. Qual deles?
-Aquele que te pregou o esquentamento.
-Ordinário.
Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
-Isso faz-se? Desligar ao querido?
-Já lhe disse que sou uma senhora casada.
-Então estás lavadinha por baixo.
-Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
-Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
-Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
-Mais ou menos.
-Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
-Costumas pôr chantilly, é?
-Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
-Chama-o lá.
-O quê?
-Chama-o lá, o teu marido.
-O quê?
-Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
-Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
-Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
-Pois olha eu cá não.
-Lembras, pois.
-Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
-Até estavas com um robe castanho transparente.
-Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
-Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
-Ah, foi de ligas?
- E agora como é que tu estás?
-Perdão?
-Agora como é que tu estás, minha puta.
-Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150
-Vá bardamerda.
-Estava a pensar em ti.
-Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
-Olha, vi-te ontem.
-Eu também, tem piada.
-Ias com o teu namorado.
-Ai que mentira. Qual deles?
-Aquele que te pregou o esquentamento.
-Ordinário.
Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
-Isso faz-se? Desligar ao querido?
-Já lhe disse que sou uma senhora casada.
-Então estás lavadinha por baixo.
-Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
-Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
-Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
-Mais ou menos.
-Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
-Costumas pôr chantilly, é?
-Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
-Chama-o lá.
-O quê?
-Chama-o lá, o teu marido.
-O quê?
-Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
-Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
-Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
-Pois olha eu cá não.
-Lembras, pois.
-Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
-Até estavas com um robe castanho transparente.
-Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
-Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
-Ah, foi de ligas?
- E agora como é que tu estás?
-Perdão?
-Agora como é que tu estás, minha puta.
-Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires,
pornográfico
«Entram dois loucos mansos do hospital Miguel Bombarda, ali ao pé. Reconhecem-se pelas cabeças rapadas, pela palidez escaveirada e pela roupa de internados; as calças estão-lhe sempre curtas, mal chegam às canelas, e usam cordéis a fazerem de cinto. Os loucos mansos dão uma volta pelas mesas acenando com os dois dedos à frente da boca. Pedem cigarros.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 146
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires,
loucura,
saúde mental
E ria, o velhaco.
«Este velho da estátua era um dos seus fantasmas de menino, achava-o igual a um bruxo desdentado que havia em Elvas, um que chamavam o Esplérido e que tinha o corpo por dentro todo a bulir em lagartas. Não são lagartas, é sebo, sossegava-o o pai. Mas o Esplérido quando a garotada o espreitava à distância e de cara franzida, espremia as asas do nariz com duas unhas e começava a deitar pelos poros fios brancos como vermes retorcidos. E ria, o velhaco. Tinha o mesmo riso carcomido do velho de bronze.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 144
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
fantasmas,
José Cardoso Pires
«Pecador que me ignoras em breve te juntarás a mim e então é que eu me hei-de rir, Pax Tecum.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 143
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 143
Etiquetas:
Balada da Praia dos Cães,
José Cardoso Pires
sexta-feira, 18 de abril de 2014
CINÉSIAS
É preciso andar depressa! A minha vida tem sido uma tristeza desde que Mírrina saiu de casa. Cada vez que lá entro, dá-me para chorar. Tudo parece vazio, foi-se-me a vontade de comer. Só que tenho é tesão!
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 93
É preciso andar depressa! A minha vida tem sido uma tristeza desde que Mírrina saiu de casa. Cada vez que lá entro, dá-me para chorar. Tudo parece vazio, foi-se-me a vontade de comer. Só que tenho é tesão!
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 93
“Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e disfrutaria de um bom gelado de chocolate. Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente, jorgar-me-ia de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha alma. Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saisse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas. Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher e cada homem de que são os meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor. Aos homens, provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha. Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a rampa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se. São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão servir muito, porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.”
quinta-feira, 17 de abril de 2014
“Nos primeiros doze anos da minha vida, fui continuamente sujeito a quase todo o tipo de torturas
físicas e psicológicas que se possam imaginar. Devia ter morrido. Depois de ter sido salvo da minha
mãe alcoólica e de ter tido a felicidade de ser entregue aos cuidados de outros, houve quem
afirmasse com presunção que, dada a minha situação extrema, acabaria morto ou na prisão – as
desvantagens com quem lutava eram inultrapassáveis. Nunca vi as coisas assim. Se alguma coisa
aprendi com a minha infância desgraçada, foi que não há nada que possa dominar ou vencer o
espírito humano.”
Pelzer (2003, pag. 13)
quarta-feira, 16 de abril de 2014
«Não é por ser mulher que não sou digna de apresentar propostas mais sensatas do que as dos homens que nos governam. Além do mais, pago a minha dízima, pago-a sempre que dou filhos à luz.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
«tratei sempre a espada oculta num ramalhete de mirto.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 70
Lisímaco
nome próprio: significa etimologicamente «aquele que põe fim à guerra.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 64
coribantes
MITOLOGIA sacerdotes da deusa Cíbele que cantavam e bailavam desordenadamente durante a celebração dos seus mistérios.
(Do grego korýbantes, plural de korýbas, -antos, «sacerdote de Cíbele», pelo latim corybantes, «idem»)
«Nenhum homem aprecia o prazer se a mulher não o sentir também.»
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
LISÍSTRATA
Teríamos de nos limitar, como diz Ferécrates, a esfolar o perro esfolado*.
_______________
* Mais uma alusão obscena, desta vez ao prazer solitário, único recurso das mulheres sem homem.
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
Teríamos de nos limitar, como diz Ferécrates, a esfolar o perro esfolado*.
_______________
* Mais uma alusão obscena, desta vez ao prazer solitário, único recurso das mulheres sem homem.
Aristófanes. Lisístrata. Tradução de Manuel João Gomes. Ilustrações de Aubrey Beardsley. Círculo de Leitores, 1985., p. 30
«Tão sós estavam no mundo, que já nada sabiam da solidão.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 95
terça-feira, 15 de abril de 2014
Uma luz de um amarelo de iodo, sangrenta.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 74/5
Ela voltara a olhar para o chão, com vergonha de ter de morrer.
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 71
«-Estou-me completamente nas tintas para o que você escreve, isso é lá consigo.
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
-Sim, é comigo, só comigo. Seja como for, farei o que quiser.
-Sim, seja como for, Você só faz aquilo que decide, tem esse defeito.
-Não tenho outra saída. Você não me deixa outra saída. Eu também não.
-Menos. Você deixa-me ainda menos.
-Também é verdade.
Continuámos a falar assim. E depois você disse:
- O que nós preferimos é escrever livros, um acerca do outro - e rimo-nos.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 62/3
« - O que me impede de escrever, é você. Você é muito infeliz por isso. Porque não escreve. Você não escreve porque sabe tudo acerca dessa coisa, essa coisa trágica que é escrever, fazê-lo ou não, não escrever, não conseguir fazê-lo, você sabe tudo. Você, é por ser um escritor que não escreve. Pode acontecer.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 58
«Não percebo bem o que quer saber de mim. Eu digo o que sei, que certas histórias são inapreensíveis, que são feitas de estados sucessivos sem conexão entre eles. Que são as histórias mais terríveis, aquelas que nunca se confessam, que vivem sem qualquer certeza, nunca.»
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33
Subscrever:
Mensagens (Atom)