« - Olá, mais linda.
-Vá bardamerda.
-Estava a pensar em ti.
-Largue-me mas é da mão, já lhe disse que sou uma senhora casada.
Há meses que isto é assim. Vez por outra, quando o corpo lhe amorna em solidões, Elias marca o número-mistério e entra em linha.
-Olha, vi-te ontem.
-Eu também, tem piada.
-Ias com o teu namorado.
-Ai que mentira. Qual deles?
-Aquele que te pregou o esquentamento.
-Ordinário.
Som de desligar. Elias, sempre de boca descaída, repete a marcação do número.
-Isso faz-se? Desligar ao querido?
-Já lhe disse que sou uma senhora casada.
-Então estás lavadinha por baixo.
-Ai toda, meu querido. Estou todinha. E tu? Sabes uma coisa, hoje não estou nada-nada para chatices.
-Nem eu. Estou doentinho. (Elias mira uma unha gigante.)
-Com quê, meu querido? Foram-te ao rabo?
-Mais ou menos.
-Logo vi, mas, sabes, com chantilly, filho, com chantilly.
-Costumas pôr chantilly, é?
-Sempre, filho. Com muitas natas. Olha vou desligar que o meu marido já chegou.
-Chama-o lá.
-O quê?
-Chama-o lá, o teu marido.
-O quê?
-Pergunta-lhe se o gajo quer uma ajuda.
-Ai, quer, querido, vem depressa. Sabes como é que eu estou? Olha, estou em cima da cama, que é assim no estilo de queen anne, mas, tu sabes, amor, tu já cá estiveste, não te lembras?
-Daquela vez em que te comi de gatas, atão não me lembro.
-Pois olha eu cá não.
-Lembras, pois.
-Comida de gatas? Adoro. Deves ter sido muito desajeitadinho para eu não me lembrar.
-Até estavas com um robe castanho transparente.
-Robe castanho deve ser confusão. A menina é muito prò moreno, o castanho não lhe cai bem. Não faz mal, foi como tu dizes.
-Tinhas umas ligas com argolas que davam cá um tilintar que nem queiras saber.
-Ah, foi de ligas?
- E agora como é que tu estás?
-Perdão?
-Agora como é que tu estás, minha puta.
-Ah, agora a puta está com o Sheik nas perninhas, o Sheik é o meu bassé.»
José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 148-150