O morto está todo torcido e não olha para as estrelas:
tem os cabelos colados ao empedrado. A noite pôs-se mais fria.
Os vivos regressam a casa ainda a tremer.
É difícil acompanhá-los; dispersam-se todos
e um sobe as escadas, outro desce à adega.
E outro caminha até de madrugada e deita-se num prado,
ao sol. Amanhã no trabalho, alguém fará um sorriso
de desespero. Depois, também isto passará.
Quando dormem, parecem o morto: se também há uma mulher,
é mais pesado o odor, mas parecem mortos.
Cada corpo agarra-se, torcido, à cama,
como ao rubro empedrado: o longo cansaço
que dura desde a aurora vale bem uma breve agonia.
Sobre cada corpo coagula uma escuridão suja.
Solitário, o outro corpo morto está estendido às estrelas.
Também parece morto o monte de farrapos que o sol
escalda com força, encostado ao muro. Dormir
na rua demonstra confiança no mundo.
Há uma barba entre os farrapos e percorrem-na
moscas atarefadas; na rua, os transeuntes vão e vêm
como moscas; o pedinte faz parte da rua.
A miséria recobre de barba os sorrisos tensos.
como uma erva, e dá um aspecto pacato. Este velho
que podia morrer todo torcido, em sangue,
parece mais uma coisa e está vivo. Assim,
tirando o sangue, cada coisa é uma parte da rua.
E no entanto as estrelas viram sangue na rua.
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 229