segunda-feira, 31 de março de 2025


A CARÊNCIA

 Eu não sei de pássaros,
não conheço a história do fogo.
Mas creio que a minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik

''relações corrosivas''

''verdades ditas com amor''

 “Só me apercebi de que estava no início de uma depressão quando alguém me disse que já não ria. Fiz todo um caminho, precisava de ajuda” - SIC Notícias

Lana Del Rey - I Talk To Jesus




 Self portrait

1928 - 35
foto
Renata Bracksieck-Rohde



''Nos olhos certos, você sempre será uma obra de arte.''

 ''A noite morre, o inverno foge; agora a luz,
Nos campos, na floresta, é o primeiro em todo o lado.
Estou esperando ansiosamente pela primavera.''

Victor Hugo, ''Depois do Inverno''. Toda a Lira, 1888

''Nada há mais triste do que a morte de uma ilusão.''

Arthur Koestler

 ''Cada um alcança a verdade que é capaz de suportar.''

Lacan

resmonear

Father John Misty - She Cleans Up


I had a vision that Mary of Magdalene
Saw the future that awaits us just before Good Friday eve
Figured the wages of salvation were a little too steep
Said no one's fucking with my baby
Lord, and got armed to the teeth
Cleaning up
Cleaning up
Clean up
She cleans up
What is the one about the female alien
Scarlett drives the Scottish countryside inside of a white van
Oh, I dreamt about it last night, and it did my whole day in
Undid something man, I'm never gonna touch that shit again
Cleaning up
Clеaning up
She cleans up
Cleaning up
I know just how this thing еnds
Hallelujah, women, they got me confused with him, oh no
I get just how this thing ends
Hallelujah, baby, I know who butters my bread
"When was the accident?", well, I presume you mean
The condition of the silk kimono that didn't come cheap
Now, did you sit down in a crime scene?
Just don't look between your knees
Man, it's certainly a look, did she at least get the movie?
Cleaning up
Cleaning up
She cleans up
Cleaning up
Use your discretion, so I don't have to use mine
I spent a hundred bucks on gas, baby, let's just have a good time
How do you atone for your son now the rabbit's got the gun?
She ain't joining you for dinner, been on the menu too long
Cleaning up
Cleaning up
She cleans up
Cleaning up
I know just how this thing ends
Hallelujah, guess we gave the karmic wheel a spin, oh yeah
I know just how this thing ends
The aggrieved becomes aggressor and we do it all again
Take it from a demon who can say I've never said
Take it from a demon that the devil don't protect his friends
Take it from a demon, he'll never work in this town again
Take it from a demon, he'll make sure an angel goes down next
I know just how this thing ends
The misogynist's daughter made him rethink what he said
I know just how this thing ends
She has trouble reconciling pops with the things that she read
I know just how this thing ends
Hundred billion babies born every millennium, oh no
I know just how this thing ends
Man, I hope nobody messes with the wrong rejected men, oh
I know just how this thing ends
Sure your politics are perfect with the gun against your head
I know just how this thing ends
It's a good thing God gave us someone on whom we can depend to
Clean up

Fundamental

 Fundamental é termos quem nos coloque a mão na 
testa quando vomitamos, de olhos fechados.
Tudo o resto é uma ida à Loja do Cidadão.


Nuno Costa Santos. Morrer é Nada nas Mãos. Edição Companhia das Ilhas

Frida Kahlo disse a Diego Rivera:



“Não te peço um beijo,
nem que me peças perdão quando erras.
Não te peço que me abraces nos meus dias de dor,
nem que me digas que sou linda,
mesmo que seja mentira.

Não te peço palavras bonitas,
nem que me ligues só para dizer que sentes a minha falta.
Não te peço que reconheças tudo o que faço por ti,
nem que te importes quando me afogo em silêncio.
Não te peço que me apoies nas minhas decisões,
nem que escutes as histórias que trago no peito.

Não te pedirei nada,
nem mesmo que fiques ao meu lado.

Porque se preciso pedir…
então eu não quero mais.”

Frida Kahlo

domingo, 30 de março de 2025

apropinquar

revés

Chelsea Wolfe - Feral Love


Run from the light
Your eyes black like an animal
Deep in the water
I care for no one but the offspring of your mind
Run from the one who comes to find you
Wait for the night that comes to hide
Your eyes black like an animal
Black like an animal
Crossing the water
Lead them to die
We press for the water, press for the river, press for the rain
We press for the water, press for the river, press for the pain
We press for the water, we press for the water
We press for the water, we press for the water

Job



O you wind rose of torment!
Torn by primeval storms
In ever changing directions of the tempests;
Yet your south is loneliness,
Where you stand is the navel of pain.

Your eyes are sunk deep into your skull
Like cave-dwelling doves in the night
Brought out blind by the huntsman,
Your voice is silenced
From asking too many whys,

To the worms and the fishes your voice has gone.
Job, you have wept through all the watches of the night
But some day the star sign of your blood will
Outshine all the rising suns.

Nelly Sachs

os lutos das ofensas e desamores

«(...), comparecem as famílias e os seus dramas, os fantasmas do desejo, as invocações da preferência, os lutos das ofensas e desamores, »

Maria Velho da Costa. Casas Pardas. 4ª Edição. Prefácio de Manuel Gusmão. Publicações Dom Quixote., p. 20 

Lana Del Rey - Dealer


Há uma mulher a morrer sentada

Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens


Daniel Faria

Amo-te no intenso tráfego



Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.

Daniel Faria
 « o mau é cada um ao seu, quem não gosta
do que há devia ser do toma lá, dá cá.»

II Casa de Elisa, Maria Velho da Costa

Paul Strand


 

“The essence of all beautiful art, all great art, is gratitude.”

Friedrich Nietzsche
"Other people are addicted to coffee, cigarettes, booze, dope — I'm addicted to words."

Margaret Atwood

 ''Os homens têm medo que as mulheres se riam deles. As mulheres têm medo de que os homens as matem.''

Margaret Atwood

sexta-feira, 28 de março de 2025

Numb - Portishead

Alice Rahon, as Photographed by Man Ray, 1933.

 




“You don't necessarily have to write to be a poet. Some people work in gas stations and they're poets. I don't call myself a poet, because I don't like the word. I'm a trapeze artist.”

Bob Dylan

 “Quero propor-lhe um abraço tão forte e duradouro que nos doa o corpo—porque é melhor que a carne sofra por amar do que a alma por sentir falta.”

Júlio Cortázar


"I have not taught painting because it cannot be taught. I have taught seeing. What I've taught was the philosophy of form, the philosophy of lines, the philosophy of colors."

Josef Albers

 Agora escrevo...

[...] Parecido com a vida, resumindo
Brutalmente a vida!
A chave dos sonhos, o segredo
Da felicidade, as mil e uma
Noites de solidão e medo,
A batata cozida do dia-a-dia,
O muscular fim de semana,
As sardinhas dormindo,
Decapitadas, no azeite,
O amor feito e desfeito
Como uma cama
E ao fundo – o mar…
Mas defendi-me e agora escrevo
Furiosamente, agora escrevo
Para alguém: [...]
Alexandre O'Neill, in Agora escrevo / No Reino da Dinamarca


'When you know something, you know it, and when you don’t, you’d better learn. And in the meantime, you should keep quiet, or at least speak only when what you say will advance the learning process.''

Roberto Bolaño

Saul Leiter Sunday Morning, 1947


 

“I happen to believe in the beauty of simple things. I believe that the most uninteresting thing can be very interesting.”

American artist Saul Leiter

Rodasse ou não a roda

 
Rodasse ou não a roda encabrestada 
Do que chamamos desvario atento 
Ao apenas lado lacrimal 
Da nossa história clínica passada 
Um par de hormonas celestiais cruzadas 
No interior do calafrio esse 
A palavra cortisona calculada 
Como te ouvira suspenso por um fio
 Último pássaro canto ou desafio? 


José Afonso (2022). Obra poética.  Lisboa: Relógio D’Água, p. 278

Canção de Outono


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão…
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
– a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão…

Cecília Meireles

Saul Leiter Barbara, 1951

 


Daughter - The Wild Youth 2011

''o mármore e a murta''

“A estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas, depois de feita uma vez, não é necessário que lhe ponham mais a mão: sempre conserva e sustenta a mesma figura; a estátua de murta é mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos, mas é necessário andar sempre reformando e trabalhando nela, para que se conserve.”

 Padre António Vieira, Sermão do Espírito Santo.

 "Sou composta por urgências, minhas alegrias são intensas, minhas tristezas...'absolutas', me entupo de ausências, me esvazio de excessos, não caibo no estreito, só vivo nos extremos..."

Clarice Lispector
 No dia em que 
 vendeu a burra,  
regressou a pé 
 para o monte e  
acreditou que nunca 
mais voltaria à vila. 
Tinha oitenta anos
  e é essa a idade  
das decisões para  
toda a vida.


 José Luís Peixoto in “Cal”

quarta-feira, 26 de março de 2025

To Kill a Dead Man - Portishead

 



                                                  Marlon Brando Marilyn Monroe

terça-feira, 25 de março de 2025

domingo, 23 de março de 2025

volição

 Há em ti a fadiga de uma asa  muito tempo tensa.


Dulce Maria Loynaz. Jardim de Outono. Tradução de Manuel Alberto Vieira. Edição Flâneur

 ''O amor dá coragem e dá 
                              fraqueza.
É, e será sempre, um mistério.''

Camilo Castelo Branco

AIR - Suicide Underground

 


Marilyn Monroe and JFK

''O que eu habito é a minha vulnerabilidade''

 que idade tinhas
quando a primeira árvore 
te disse para subires?

Emanuel Jorge Botelho. Dizeres de Atalaia. Edição Averno

CANÇÃO

 Duas pombas pousadas num só galho,
Dois lírios gémeos a despontar,
Duas borboletas sobre uma flor:
Felizes os que podem contemplar.

Os que contemplam de mãos enlaçadas,
Afogueados p'lo rubor do Verão,
Os que os contemplam de mãos enlaçadas
E nunca a noite lhes traz aflição.

Christina Rossetti. O Mercado dos Duendes e Outros Poemas. Tradução Margarida Vale de Gato. Edições Relógio D'Água.
Centro Comercial I

"Agora a morte é diferente,
facilitaram-nos o desespero, a angústia
tem já ar condicionado. Em vez
dos bancos de jardim, por certo demasiado
rudes, temos enfim lugares amplos
onde apodrecer a miséria simples do corpo.
Que incalculável felicidade a de percorrer
galerias de nada tresandando a limpeza
e segurança. Aí se abandonam jovens
rebanhos sentados sorrindo ao
vazio palpável, ou ferozmente no meio
dele. Revezam-se - mas quase diríamos
que são os mesmos ainda, exaustos
de contentamento. Dêmos pois as boas-vindas a esses
heróis do betão consagrado. Só eles nos fazem
acreditar no advento do romantismo cibernético.
É doce a merda que nos sepulta
e o cancro que um dia destes nos matará
há-de ser muito limpo, quase ecológico".

Manuel de Freitas

domingo, 16 de março de 2025

Franz Ferdinand - Toxic (version)

Dá-me a tua mão



Dá-me a tua mão,
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
- para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.

Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura 
Derradeira.

José Gomes Ferreira

“Nunca o amor foi breve quando deu fruto”

Sebastião da Gama

sexta-feira, 14 de março de 2025

A hora dos zorzais

“A hora dos zorzais*” é uma expressão que homenageia o movimento destas aves em direção ao reencontro, uns dos outros, quando o dia chega ao fim.

* O zorzal (Turdus pilaris) é uma ave da família dos Turdídeos
"Dá à tua tristeza todo o espaço e abrigo que é devido, pois se todos suportarem a sua tristeza com honestidade e coragem, a tristeza que agora enche o mundo diminuirá.” 

 Etty Hillesum

quinta-feira, 13 de março de 2025

 "Beneath the jasmine a stone
marks a buried treasure.
On the path, my father stands.
A beautiful, beautiful day.

The gray poplar blooms,
centifola blooms,
and milky grass,
and behind it, roses climb.

I have never been
more happy than then.
I have never been more
happy than then.

To return is impossible
and to talk about it, forbidden—
how it was filled with bliss,
that heavenly garden."

Arseni Tarkovski

In: "The Mirror" (Andrei Tarkovski)

Mulheres e Revolução


REVOLUÇÃO

"Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Eles foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas."

Maria Velho da Costa

parlapatório

quarta-feira, 12 de março de 2025

  «Escrever não é contar as lembranças, as viagens, os amores, os lutos, sonhos e fantasmas. Ninguém escreve com as suas neuroses. (…) A literatura só se afirma se descobre sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal.» 

Deleuze

terça-feira, 11 de março de 2025

 


Martin Luther King flipping the middle finger

Here's Where the Story Ends

 EURÍDICE E ORFEU


1. A luz dos teus olhos devora tudo.

Ser visto é quase morrer.


Teixeira de Pascoaes, Verbo Escuro. Edição Assírio & Alvim

''Eu precisava urgentemente, todo dia, da beleza das frases, mas escrevia para encontrar um apoio para a miséria da vida e não porque queria fazer literatura.''

Herta Müller

segunda-feira, 10 de março de 2025

domingo, 9 de março de 2025

 « Sempre que estou profundamente triste e penso que vou morrer, ou tão nervosa que não consigo adormecer, ou apaixonada por alguém que não irei ver durante uma semana, colapso e digo a mim própria: «Vou tomar um banho quente.»

Sylvia PlathA Campânula de Vidro. Relógio D'Água. Tradução e Posfácio de Mário Avelar, 2016., p. 26

quinta-feira, 6 de março de 2025

Camille Claudel - Arte, paixão e loucura


 

O Homem dos Olhos Tortos (1918)

 A noite/2

Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dis-

pa-me, dispa-me.


Eduardo Galeano, in O livro dos abraços. Trad. Eric Nepomuceno. - 2ª edição. Porto Alegre L&PM, 2009

 «Os bens supérfluos tornam a vida supérflua.»

Pier Paolo Pasolini

quarta-feira, 5 de março de 2025

terça-feira, 4 de março de 2025

O VERBO E A MORTE




                          Edward Weston and Margrethe Mather 1922, by Imogen Cunningham

Both Sides Now

“Isto não é um país, é um sítio mal frequentado”

José Cardoso Pires

Os meus poemas são peregrinos
que se descalçam 
diante das palavras 


Anise Koltz
, Uma Morte Passageira, tradução de Regina Guimarães, edição Exclamação

Poema de Carnaval


Eu estava só naquela tarde e tu vieste
de dentro povoar-me de cidade o coração
prometido para o lugar
onde costumamos deixar as palavras
Tinham posto de novo fitas nas árvores
reuniram-se os corpos e as vozes
para todos juntos sentirem
pontualmente a alegria
E tu pousaste então ó meu pássaro naquele coração
cingido no meio da cidade


Ruy Belo, in "Obra Poética de Ruy Belo"
- Vol. 1, pág. 50 | Editorial Presença Lda., 1984



 Imogen Cunningham - Dream Walking

Retrato

 Cruel como os Assírios,
Lânguido como os Persas,
Entre estrelas e círios
Cristão só nas conversas.

Árabe no sossego,
Africano no ardor;
No corpo, Grego, Grego!
Homem seja onde for.

Romano na ambição,
Oriental no ardil,
Latino na paixão,
Europeu por subtil:

Homem sou, homem só
(Pascal: «nem anjo nem bruto»):
Cristãmente, do pó
Me levanto impoluto.


Vitorino Nemésio, Nem Toda a Noite a Vida, Edições Ática, 1952

E a loucura com asas do seu povo.



Terra


Quanto a palavra der, e nada mais.

(…)

Se o mar é fundo e ao fim deixa passar…

Uma antena da Europa a receber

A voz do longe que lhe quer falar…

(…)

Terra nua e tamanha

Que nela coube o Velho-Mundo e o Novo…

Que nela cabem Portugal e a Espanha

E a loucura com asas do seu povo.



Miguel Torga

Goldfrapp - Clowns


Sylvia Plath
with typewriter in Yorkshire, September 1956Photograph: Elinor Friedman Klein/Mortimer Rare Book Room, Smith College, Northampton, Massachusetts

 Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: certos.
Ter pressa é crer que a gente adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não: não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente onde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não onde penso.
Só me posso sentar onde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras.
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra
                                                                                       cousa,
E somos vadios do nosso corpo.


Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

 ESTADOS FASCISTAS DA MENTE E A SUA CONDIÇÃO ADESIVA

''Por vezes é necessário tirar umas horas ao dia para meditar, olhar, contemplar. E é no cruzamento das circunstâncias com a vontade que o faço, lendo as pequenas e grandes tempestades da História da Literatura na forma como o vento incide e mexe nas ideias, incomodando uns, despenteando outros, empurrando alguns para o conforto doméstico. Com os séculos tudo se torna indiferente, a história repete-se, e a consciência acaba por fornecer, por si própria, a sua medida e objecto.
De há uns anos para cá desisti do Diogo Vaz Pinto, de ler os seus textos, pelo racional prático de ser difícil captar a qualidade do seu pensamento crítico que foi desmaiando para uma desproporção emocionalizada dos conflitos de consciência que o perturbam e desfiguram; também por ser misterioso aquilo que o move. A sua prosa passou de curiosa e estimulante, a confusa e ociosa, num obsessivo fervor persecutório às liberdades fundamentais de um colectivo, com recorrentes ataques identitários à alteridade, pluralidade e liberdade de expressão e pensamento. O autor desapareceu sob o manto do seu próprio arsenal, escancarando a traição a si mesmo, naquilo que o guiava e que, agora de luzes apagadas, o mantém ocupado no esforço de nos persuadir com o seu choro de agonia. O autor que dá pontapés na sua própria ferida, desorientou-se na sua dor, saboreando os extremos de uma fantasia higienizadora da literatura, onde há muito decaído, e na sua existência ventríloqua do ódio, se recusa a brincar sozinho, demandando que brinquemos à força, para que ele sinta existir. Mas o autor existe sozinho e, na esperança de se ver nascer, a sua existência vai diminuindo. Não é, pois, de admirar que as preocupações ofegantes o reservem de prosseguir a paranoica indagação de encontrar o primeiro e último poeta, que com a sua verdade lhe mostre o caminho para o rosto de Deus, a coisa-em-si, a arché, o uno, a mónada, o fenómeno, o númeno, o sagrado vento de Paracleto. Também não é surpreendente ao espírito de quem, conhecendo-lhe os temas, se questione que experiências e vivências terão a capacidade de arrancar ao seu real a categoria insofismável do sentido da vida, para que um dia o autor didacta, apagado nas suas próprias teorias e apertado na sua batina inteiramente branca com filetes violáceos, se canse de cavalgar bêbedo e zonzo, encimado na sua férula, num tempo onde vemos a retirada da humanidade às mãos da própria humanidade.
É que se nem a vida está no seu próprio lugar, a perturbação da sua vitalidade vem enunciada nos estados fascistas da mente.''

Raquel Nobre Guerra
 Os amantes 
fazem-se reféns
um do outro

andam às voltas 
como animais cativos
arrastando consigo
a sua armadilha

Anise Koltz. Uma Morte Passageira. Tradução Regina Guimarães. Edição Exclamação.

“Life’s a bitch, then you die”



“The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living” (1991)

“Black Sheep with Golden Horns” (2009)


Damien Hirst

“A Idade da Maturidade” (1898)

obra de Camille Claudel

''arquitetura intelectual''

PODERIA FALAR-TE DO AMOR, ESSA COISA

«Poderia falar-te do amor, essa coisa
cinzenta e tenebrosa que faz sorrir
as criancinhas - mas não,
prefiro falar-te dum campo com erva
verde, muita erva muito
verde e com árvores
azuis onde à noite vai morrer

o vento. (...)»

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 53

''As flores por vós assim trazidas irão ser sacrificadas.''

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 42

 Assim as lágrimas que aos nossos olhos aflorarem

                                                                                 feridas; 

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 42

 DOS GATOS BRANCOS QUE

   JAZEM MORTOS NA BERMA

               DO CAMINHO-DE-FERRO


1983

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019

É TÃO CURTA A VIDA, MEU AMOR

 é tão curta a vida, meu amor
e tão infinita a morte,

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 33

Under Stars

              e seios e braços e mãos e ventre e ancas

              e vulva e rabo e coxas e pés e sexo e tudo

                                                                             mas  tudo

                                                                                             BELO

No fim, virão os bichos

                                     lagartos

                                                     comer-nos!...

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 31
 Ama-me
Inflama-me este sofrer
Que provoca tão estranho prazer 

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 28

 Eu sou irmão da solidão

                  e com ela mantenho incestuosa relação.


Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 18
Em cada pedra
uma casa 
sonha existir

 Anise Koltz, UMA MORTE PASSAGEIRA, tradução de Regina Guimarães, edição Exclamação.

SANGUE NO ASFALTO

           Sangue no asfalto

Atravesso a azul noite da solidão
Envolto em ténues irradiações de pura emoção
Corpos desprendem gemidos mutilados
Em excêntricas posições espalhados
Pedaços de chapa vidros escacados
E um mundo de sensações medo horror
Fundem-se num sensual cheiro a morte e a dor

 
           Sangue no asfalto

Percorro ansioso os destroços no alcatrão
Abrasado em palpitações de pura paixão
Segurando um crânio já estilhaçado
No escuro de dois chorões agachado
Nutre-se de miolos o deus desnudado
Solto algumas imprecações contra o ladrão
E procuro outra azul noite - solidão

          Sangue no asfalto

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 17

Venus In Furs

EU AMEI-TE...

 Eu amei-te; mesmo agora devo confessar.
Algumas horas desse amor estão ainda a arder;
Mas não deixes que isso te faça sofrer,
Não quero que nada te possa inquietar.
O meu amor por ti era um amor desesperado,
Tímido, por vezes, e ciumento por fim.
Tão terna, tão sinceramente te amei,
Que peço a Deus que outro te ame assim.


Aleksandr Púshkin. QUAL É A MINHA OU A TUA LÍNGUA? Cem poemas de amor de outras línguas. Organização de Jorge Sousa Braga. Edição Assírio& Alvim


 
vem pousar-me 
nos olhos.

Aida.

Eugénio de Andrade, in matéria solar, edições Assírio & Alvim

 Teu rosto.

Uma tintura de fogo

Na planície dos dedos.


Hilda Hilst, excerto, in Cantares

 162.


       tenho trinta e nove anos
       a lua está quase cheia
       e sou ainda uma criança


Matsuo Bashô, in O Eremita Viajante. Joaquim M. Palma, Edições Assírio&Alvim

domingo, 2 de março de 2025

 REGRESSAREI

Eu regressarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão sob mil luzes acesas
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “O Nome das Coisas”

 


Béla Tarr's The Turin Horse 20111



 "Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma."

Clarice Lispector . Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

 ''a forma como a gente fala da forma como a gente sofre, muda a forma como a gente sofre.''

Christian Dunker

Chinfrins

''Ninguém termina na ponta dos dedos.''

''altas flores venenosas''

Noite transfigurada

 «Bebo-te toda assim, bruta, como em sonhos
           e deixo-me levar/vagar por ti
           feito sonâmbulo»

Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 16
(...)

«não sei o que seja esta coisa que me está a roer, a roer
se é saudade se é amor
        sei que rói e rói e me deixa a doer


Adolfo Luxúria Canibal. No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018). Porto Editora, 2019., p. 14

 «Longos anos de infelicidade levam o Homem à degradação, mais do que uma doença fatal.»

 Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 16

imprecações

 


Gina Pane

«(...), tive de me consolar a mim própria em pensamento.»

 Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 11

 «Todos seremos, um dia, nada mais do que apenas um corpo morto.»

Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 11

 « Se, naquela noite, tivesse consultado as Efemérides para saber o que se passava no céu, não teria mesmo ido para a cama. Mas, em vez disso, caí num sono profundo, com a ajuda de um chá de lúpulo, que acompanhei com dois comprimidos de valeriana. »

Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 5

 1.

E, AGORA, TENDE CUIDADO!


Certa vez, tendo escolhido um Caminho perigoso,
       um homem justo caminhou com Humildade
                                              pelo Vale da Morte.


Olga Tokarczuk. Conduz o teu arado sobre os ossos dos mortos. Tradução do polaco Teresa Fernandes Swiatkiewicz. Edição Cavalo de Ferro. 1ª Edição, 2019., p. 5

Todos são o outro e ninguém é o próprio.



Raquel Serejo Martins, VALSA A VAU, edição Poética Edições

''paixão enciclopédica''

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