sábado, 8 de agosto de 2015
«(...) as grandes almas são sempre perigosas.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 133
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«Outro era um lírio virgem, pálido, melancólico, de grandes olhos azuis. Mãos com longos dedos; escrevia versos. Lembro-me de muito poucos e, quando os murmuro na minha solidão, os olhos enchem-se-me de lágrimas. Uma noite encontraram o jovem poeta enforcado numa oliveira, diante do mosteiro de Kaissariani.»
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 131
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Ficava em casa dela até altas horas da noite
«Ficava em casa dela até altas horas da noite, falávamos de música, líamos poemas, o ar entre nós era um brasido, quando me inclinava sobre o seu ombro seguindo os versos de Keats e de Byron, respirava o odor quente, ácido, dos seus braços, o meu espírito turbava-se, Keats e Byron desapareciam e na pequena sala ficavam somente dois animais inquietos, um vestindo calças, outro um vestido.»
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sexta-feira, 7 de agosto de 2015
anuviar
conjugação
verbo transitivo
1. cobrir de nuvens
2. toldar; carregar; escurecer
3. figurado entristecer
verbo pronominal
cobrir-se de nuvens; nublar-se
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(...) Pedem tanto a quem ama: pedem
o amor. Ainda pedem
a solidão e a loucura.
Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria.
E eles querem dizer: tu darás a tua existência
ardida, a pura mortalidade.
Às mulheres amadas darei as pedras voantes,
uma a uma, os pára-raios abertíssimos da voz.
As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono
onde um copo fala
fusiforme
batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro.
Dá-nos tua ardente e sombria transformação.
E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes,
lentamente uma sobre a outra.
(...)
o amor. Ainda pedem
a solidão e a loucura.
Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria.
E eles querem dizer: tu darás a tua existência
ardida, a pura mortalidade.
Às mulheres amadas darei as pedras voantes,
uma a uma, os pára-raios abertíssimos da voz.
As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono
onde um copo fala
fusiforme
batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro.
Dá-nos tua ardente e sombria transformação.
E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes,
lentamente uma sobre a outra.
(...)
Herberto Hélder
lugar (poema II)
lugar (poema II)
quinta-feira, 6 de agosto de 2015
"O que é mais difícil não é escrever muito; é dizer tudo, escrevendo pouco" [Júlio Dantas]
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«Criança louca que não deixámos crescer.»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 44
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''pevides de eczema salgado''
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 43
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«Coração preso sem amante»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 42
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«Aves negras voaram dos meus cabelos»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 41
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«Abre as minhas mãos
Se puderes
E limpa-lhes o sangue das unhas cravadas
Com teu olhar
Com teu olhar branco de justiça sem balança.»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 39
Se puderes
E limpa-lhes o sangue das unhas cravadas
Com teu olhar
Com teu olhar branco de justiça sem balança.»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 39
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MESMO NADA
Nada à minha volta
Nem a sombra de uma casa nem a folha de uma árvore
Ali em cima leio em letras brancas sobre esmalte azul:
GABINETE DO DIRECTOR.
E há um telefone
Gosto dos telefones, dão a ilusão de companhia
É um cepo negro por onde a vida pode entrar.
Gabinete do director.
Lá dentro com ele está alguém e eu vou depois.
Sinto-me vazia como uma flor se deve sentir numa jarra
[com muita água
Que um pintor sem talento vai pintar.
Natureza morta sem frutos.
A solidão de ser recebida por um director.
Mais uma solidão - a hierarquia.
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 37
Nem a sombra de uma casa nem a folha de uma árvore
Ali em cima leio em letras brancas sobre esmalte azul:
GABINETE DO DIRECTOR.
E há um telefone
Gosto dos telefones, dão a ilusão de companhia
É um cepo negro por onde a vida pode entrar.
Gabinete do director.
Lá dentro com ele está alguém e eu vou depois.
Sinto-me vazia como uma flor se deve sentir numa jarra
[com muita água
Que um pintor sem talento vai pintar.
Natureza morta sem frutos.
A solidão de ser recebida por um director.
Mais uma solidão - a hierarquia.
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 37
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«Adia-se a dor adia-se a morte»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 25
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«Monstros de dor só de serem olhados»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 23
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MORSE
Velha lacerada de trapos
Alpargatas de desprezos
Encardidos abandonos
De cada lado um saco de plástico
Sacos a abarrotar misérias
Como se tivesse dois cães a guardá-la
Castelã do passeio
Nada dissemos senão o olhar
De súbito hoje ela rasga o silêncio:
-Crianças e animais são os mais puros
Nós já não. Não acha?
Abriu a caverna da boca na pergunta
Acenei-lhe adeus como a dizer
Talvez que a amava mas que nada sabia
Mas que nada sabia fazer
Pela lepra do seu mistério
Ela ergueu então o desprezo já desinteressado
Da sua mão ossuda e cinzenta
Soube mais tarde que aqueles dois sacos (com trapos)
Eram todos os seus bens caminhava com eles
Para que não fosse roubada
Tesouro público inquilina solitária do mundo
Lixo sem cotação seu corpo e seus bens
Lixo que incomoda e suja só de olhar
Quem te beijaria? Hoje nem um beijo de leve
Nós já não. Tem razão teu mistério
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 22
Alpargatas de desprezos
Encardidos abandonos
De cada lado um saco de plástico
Sacos a abarrotar misérias
Como se tivesse dois cães a guardá-la
Castelã do passeio
Nada dissemos senão o olhar
De súbito hoje ela rasga o silêncio:
-Crianças e animais são os mais puros
Nós já não. Não acha?
Abriu a caverna da boca na pergunta
Acenei-lhe adeus como a dizer
Talvez que a amava mas que nada sabia
Mas que nada sabia fazer
Pela lepra do seu mistério
Ela ergueu então o desprezo já desinteressado
Da sua mão ossuda e cinzenta
Soube mais tarde que aqueles dois sacos (com trapos)
Eram todos os seus bens caminhava com eles
Para que não fosse roubada
Tesouro público inquilina solitária do mundo
Lixo sem cotação seu corpo e seus bens
Lixo que incomoda e suja só de olhar
Quem te beijaria? Hoje nem um beijo de leve
Nós já não. Tem razão teu mistério
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 22
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«O cheiro do sabão amarelo como se fossem giestas»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 14
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«A minha mão está aqui
Presa na seda»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 13
Presa na seda»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986., p. 13
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«Quando desaprendemos de esperar já morremos.»
Matilde Rosa Araújo. Voz Nua. Livros Horizonte, Lisboa, 1986
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LEÃO DA MEIA-NOITE
O Leão da Meia-Noite
é um poeta exausto de remover montanhas,
catedrais e colinas, cordilheiras de cactos
por pradarias de cultos e esculturas em ruínas
até perder a noção dos versos
O Leão da Meia-Noite
não tem nada excepto metade da noite:
com a juba incandescente é alguém que caminha
para a morte ao nascer do dia
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 56
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VI
As vozes multiplicavam-se:
rasuravam o silêncio escrito
e reescrito: erro sobre erro,
boca sobre boca:
a eternidade no meu sexo
e a vida curta
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 53
rasuravam o silêncio escrito
e reescrito: erro sobre erro,
boca sobre boca:
a eternidade no meu sexo
e a vida curta
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 53
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V
Conversámos de «coisas amáveis»
mantendo a distância de um deserto
entre as nossas miragens
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 52
mantendo a distância de um deserto
entre as nossas miragens
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 52
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«O imprevisto é a Tua história,
meu Deus, ora cíclica em uma
espiral que não finda, ora em
linha recta com data definida:
contínua na praia ao crepúsculo
que convida a fazer amor crucífero»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 51
meu Deus, ora cíclica em uma
espiral que não finda, ora em
linha recta com data definida:
contínua na praia ao crepúsculo
que convida a fazer amor crucífero»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 51
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gandaia
nome feminino
1. acto de revolver o lixo para encontrar alguma coisa de valor
2. vida ociosa, caracterizada pela falta de preocupações ou obrigações
3. vida de farrista
4. vadiagem
andar na gandaia
fazer ofício de gandaieiro, revolvendo o lixo, viver na ociosidade
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(...)
«A véspera da paixão
repete-se todas as noites:
cada noite: a última noite:
a mesma nota na corda vocal nocturna:
a exploração do som na cisterna vazia»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 49
«A véspera da paixão
repete-se todas as noites:
cada noite: a última noite:
a mesma nota na corda vocal nocturna:
a exploração do som na cisterna vazia»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 49
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(...)
«Limite da morte:
a melhor amante
sempre à tua espera»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 43
«Limite da morte:
a melhor amante
sempre à tua espera»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 43
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(...)
« e o fogo indisciplinado que destrói e puri-
fica o desperdício da lava»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 39
« e o fogo indisciplinado que destrói e puri-
fica o desperdício da lava»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 39
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«Pertenço a uma espécie de poeta
emplumada d'impulsos e de pedra»
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IV
Escrita surda a surdir do silen-
cio: pássaro líquido, dedo
a dedilhar um violino sob
a água ígnea do dilúvio
Depois do interlúdio inten-
sifico o sílex, sinalizo
seixo a seixo, o sémen só-
lido, livro a livro, lixo
Em círculo de súbito so-
letrado, líquene no lábio
húmido com fogo posto
Até fundir em sacra labar-
eda, o gelo e a geada
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 31
cio: pássaro líquido, dedo
a dedilhar um violino sob
a água ígnea do dilúvio
Depois do interlúdio inten-
sifico o sílex, sinalizo
seixo a seixo, o sémen só-
lido, livro a livro, lixo
Em círculo de súbito so-
letrado, líquene no lábio
húmido com fogo posto
Até fundir em sacra labar-
eda, o gelo e a geada
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 31
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II
«Senhor do mel e das abelhas negras
eu mesmo: gato preto de telhado
com um caderno e um lápis e este livro
revelado por Deus e aves várias.»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 21
eu mesmo: gato preto de telhado
com um caderno e um lápis e este livro
revelado por Deus e aves várias.»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 21
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«continuamente a vadiar esfaimado»
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 20
António Barahona. Ritual Analógico. Extratextos de Catarina Baleiras. Edições Rolim., p. 20
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«e dou-te as inflexões das sílabas do tempo
com a paciência dos dedos e dos dentes
para que neste exercício da paixão acordes nua»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 20
com a paciência dos dedos e dos dentes
para que neste exercício da paixão acordes nua»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 20
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«Há um massacre de insectos no metal negro do teu
[sangue»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 18
[sangue»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 18
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«Não é a dança ainda
mas é como se fosse começar.»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 11
mas é como se fosse começar.»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 11
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Sei que alguém escreveu: «a impregnação de um sangue
oculto antes da ferida que abre a superfície.»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 11
oculto antes da ferida que abre a superfície.»
António Ramos Rosa. Ficção. Edições Nova Renascença, 1985., p. 11
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quarta-feira, 5 de agosto de 2015
À MEMÓRIA DE ADOLFO CASAIS MONTEIRO
«(...)
sinais os gestos limpos da amizade
e os limpos mais ainda de um amor constante
que o teu corpo buscou em tantas mulheres
amando só algumas fielmente na tortura
de não se amar tão bem quanto o desejo.
Adolescente, amadureceste para uma velhice
a que te deste como monge laico
incréu de tudo menos desse amor perdido
que à tua volta, em livros como em música,
era um sussurro de memórias silentes
a rodear-te de vácuo a tua sala vazia.
Como se morre, Adolfo? Trinta e três
anos - uma idade perfeita - conheci-te,
soube de ti o dito e o não-dito, o que escreveste
e o que não escreveste. Por instantes,
os teus olhos cruzavam-se num viés de vesgo
que era um saber terrível de estar só no mundo
e não haver que valha a pena que se diga
sem destruir-se quanto em nossa vida é o pouco
indestrutível se guardado à força
num silêncio de exílio e de distância.
E todavia como estiveste no mundo, como
duramente bebeste toda a dor do mundo,
ou a fumaste em nuvens de cigarros que matavam
os teus pulmões possessos de asfixia.
Foste o estrangeiro e o exilado perfeito
e por todos nós que recusámos de um salto
por outras terras esta terra há séculos de outrem,
morreste em dignidade, sem queixas nem saudades
a queixa e a saudade mais pesadas
pesadas para o fundo, sem palavras
que as não há entendíveis aonde não se entende
a perfeição tranquila em desespero agudo
a que te deste num morrer sem voz.
Morreste só, como viveste. Sem conversa,
como escolheste viver. Longe de tudo,
(...)»
Jorge de Sena por Eugénio Lisboa. Colecção Poetas. Editorial Presença, Lisboa., p. 205
sinais os gestos limpos da amizade
e os limpos mais ainda de um amor constante
que o teu corpo buscou em tantas mulheres
amando só algumas fielmente na tortura
de não se amar tão bem quanto o desejo.
Adolescente, amadureceste para uma velhice
a que te deste como monge laico
incréu de tudo menos desse amor perdido
que à tua volta, em livros como em música,
era um sussurro de memórias silentes
a rodear-te de vácuo a tua sala vazia.
Como se morre, Adolfo? Trinta e três
anos - uma idade perfeita - conheci-te,
soube de ti o dito e o não-dito, o que escreveste
e o que não escreveste. Por instantes,
os teus olhos cruzavam-se num viés de vesgo
que era um saber terrível de estar só no mundo
e não haver que valha a pena que se diga
sem destruir-se quanto em nossa vida é o pouco
indestrutível se guardado à força
num silêncio de exílio e de distância.
E todavia como estiveste no mundo, como
duramente bebeste toda a dor do mundo,
ou a fumaste em nuvens de cigarros que matavam
os teus pulmões possessos de asfixia.
Foste o estrangeiro e o exilado perfeito
e por todos nós que recusámos de um salto
por outras terras esta terra há séculos de outrem,
morreste em dignidade, sem queixas nem saudades
a queixa e a saudade mais pesadas
pesadas para o fundo, sem palavras
que as não há entendíveis aonde não se entende
a perfeição tranquila em desespero agudo
a que te deste num morrer sem voz.
Morreste só, como viveste. Sem conversa,
como escolheste viver. Longe de tudo,
(...)»
Jorge de Sena por Eugénio Lisboa. Colecção Poetas. Editorial Presença, Lisboa., p. 205
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«A beleza está no olho do observador.»
Tom Baker. The Boy Who Kicked Pigs. Tradução: Fernando Dias Antunes. Ilustrações de David Roberts, Editorial Teorema, 2003., p. 126
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