quinta-feira, 25 de dezembro de 2014


«FILIPE - Imaginei-te tanto, sonhei-te tanto, que não te realizo ainda na terra, mas no espaço, como um pássaro no céu...E tenho medo que as asas te cresçam e que fujas da gaiola, de todas as gaiolas...

PAULA - Não tenho asas, meu pobre Filipe...Se fugir é a pé, que é como quem diz de comboio ou de camionete.

FILIPE - (apertando-a nos braços e beijando-a) Vês como é bom rir, dizer tolices?»



Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 39/40


«FILIPE - (furioso) Cuidadinho, Francisca, a paciência tem limites! Se não podes estar calada, vai para a cozinha e fala com os tachos e com as panelas! Ouviste?»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 36

toleima


«PAULA - Tenho medo, Filipe...medo de acordar amanhã com mais uma amargura, mais uma repugnância, e náusea de ti e de mim...Já não sei o que digo, tudo se confunde na minha pobre cabeça. Perdoa, mas nada posso contra esta horrível sensação...Tenho medo, medo da noite, medo do silêncio, medo das sombras...

FILPE - (pegando-lhe na mão e levando-a como uma criança) Vamos, amanhã já não haverá sombras.»


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 26

FILIPE - Cuidado a ferida é ainda recente, não a faças sangrar.


Fernanda de CastroA espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 25

terça-feira, 23 de dezembro de 2014


«Mas contar acalma a alma,
limpa os enconsos da casa,
arruma o disforme e o amargo,
o doentio, o perturbado
pela memória da morte que me assalta
até que reparo numa porta entreaberta,
gente passa, não pára, quero entrar,
escancaro a porta com raiva
e é o que eu esperava, é ela
que me aguardava, oferta fácil, ela
na cama obscenadamente aberta, e contudo
que desilusão ou desespero
me entram na pele
e me agoniam? Que vasca, que terror, que
tédio?
Dispo-me, e ela pede que a mão magoe,
parece fatigada, ferida no sexo,
(...)»



Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 36/7
«sufocado de angústia, desejo, sentimentos
não meus, sentimentos de quem?
Sentimentos sem nome nem sujeito
na nocturna barafunda que me vai
por dentro da cabeça.»

Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 36


«tu tornaste palpável toda a tua ambição,
por isso foste forte até bem velho
e de repente,
ao subires as escadas nesse teu firme passo,
tiveste uma tontura e um desmaio
e, por um raivoso desconsolo no olhar
quando as palavras te faltavam,
vi que ias morrer,
que morrias arrogante e rápido,
sem dar parte de fraco,
e as tuas vaidades e apetites mundanais,
os teus cavalos e mulheres,
tudo passou, meu velho,
não volta e não sei
se te valeu a pena.»



Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 34

estevas - sargaço - rosmaninho


«Noites há
em que nele sinto
o cheiro a morte
e só descanso quando
a luz da madrugada
assusta e afasta
os meus fantasmas.»


Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 30
«Vieram acordar-me,
numa manhã como esta,
abriram só a fisga da janela
e disseram:

- a tiavó morreu
-qual tiavó?
- a louca

e neste seu único vinha todo
o alívio, o desprezo, o desamor.


Almeida Faria. Vozes da Paixão. Teatro. Editorial Caminho, 1998, Lisboa., p. 28
NATAL DE 1971
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Jorge de Sena

Nocturno

"Os que nascem de noite
e, entre osso, vigiam
o fogo
os que olham os astros
e, oprimidos, respiram
em cavernas
os que vão viver apesar
da escuridão e nos olhos
a luz clandestina
acendem
os que não sonham, os que nascem
de noite
não vieram brincar: seu peito
guarda uma só palavra"

Poesia Brasileira do Século XX: dos modernistas à actualidade.

Carlito Azevedo/ Augusto Massi/ Manoel de Barros/ PauloLeminski/ Hilda Hilst/ Ferreira Gullar/ Haroldo de Campos/ Drummond de Andrade/ João Cabral de Melo Neto 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014


PAULA - Ah, como seria maravilhoso esquecer, fechar a memória à chave e deixar cair a chave no fundo do lago! Mas tenho na cabeça um relógio que não pára, que constantemente dá horas...Horas de pensar, horas de lembrar, horas de sofrer...(passa a mão pela cabeça e pelos olhos) Estou cansada. Nunca vi uma noite assim, toda branca e azul.
FILIPE - (pegando-lhe na mão) Tens as mãos frias...



Fernanda de Castro. A espada de Cristal. Edição da Sociedade Portuguesa de Autores. 1ª edição, Lisboa, 1990., p. 11

domingo, 21 de dezembro de 2014

"Eu não sou eu nem o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro"

 Mário de Sá-Carneiro, 7, Fevereiro de 1914.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014



”Most people do not really want freedom, because freedom involves responsibility, and most people are frightened of responsibility.”


― Sigmund Freud, Civilization and Its Discontent

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014


«É a sua loucura que me reaproximou mais dele. A sua loucura e a sua dor.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 253
«Amar é conhecer tudo do outro e aceitá-lo, ou, pelo contrário, ter a ilusão de saber tudo do outro e querer mudá-lo?, Ele pretende que não o amo porque não o compreendo. Faço tudo para o contrariar, isso impede-o de dormir profundamente. Contrariando-o, sacudo os seus anos  de solidão e egoísmo. Infelizmente, reage mal. Enerva-se, pragueja, grita, diz palavras grosseiras, toma calmantes de noite, escreve cartas de ruptura, queixa-se e geme permanentemente.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 241

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

«Coração de pedra»

Há a morte.



«Há a morte. Mas ela não se demora nunca nestes lugares. Rapta ora uma criança, ora um velho. Os outros, deixa-os em paz, sem mesmo lhes fazer um sinal, sem lhes murmurar uma pequena música rangida. Levanta-se o corpo, lava-se e embrulha-se num lençol branco, depois coloca-se na própria terra rezando. Tudo se passa muito depressa. Apaga-se aquela passagem funesta e continua-se como se a  vida estivesse cheia de surpresas.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 231

''um pedaço de espelho posto na borda da janela''

No one ever loved



«A fome é isso: bater-se com toda a força por uma coisa de nada.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 220

«Foi assim que aprendi a brincar com as serpentes e os escorpiões. É muito difícil. É preciso fazer gestos precisos sem ter medo. O prazer consiste em impedir o escorpião de picar, ao desarmá-lo. Uma vez que esteja cansado, põe-se numa tigela com água e assiste-se ao seu afogamento.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 220

boca cheia de pó

«só este vento violento e furioso é capaz de me dar asas.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 217

«A minha mãe é demasiado infeliz para me ouvir.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 215

«Detesto estas festas de fim de ano em que toda a gente se sente obrigada a ser feliz.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 214

«Os que escrevem de noite, não suportam que alguém durma junto deles. Soube isso mais tarde. Ele tinha medo da noite. Ficava acordado mesmo que não escrevesse. Dizia: «Será ela ou eu!». Por vezes, era ela que ganhava. O sono vencia-o contra sua vontade. Quantas vezes adormeceu sentado, com a cabeça sobre a mesa de trabalho, a mão sobre o caderno onde escrevia.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 212

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A CULPA É NOSSA
Talvez tenha sido uma hecatombe de esperanças
um desabamento de certa forma previsto
ah mas a minha tristeza só teve um sentido
todas as minhas intuições acorreram
para me ver sofrer
e viram-me aliás
até aqui tinha feito e refeito
os meus trajectos contigo
até aqui tinha apostado
em inventar a verdade
mas tu arranjaste maneira
uma maneira terna
e ao mesmo tempo implacável
de frustrar o meu amor
com um simples prognóstico eliminaste-o
dos subúrbios da tua vida possível
envolveste-o em nostalgias
levaste-o por quarteirões e quarteirões
e devagar
sem que o ar nocturno reparasse nisso
deixaste-o para aí
a sós com a sua sorte
que não é muita
acho que tens razão
a culpa é nossa quando não nos apaixonamos
e não dos pretextos
nem do tempo
há muito muitíssimo tempo
que eu não me enfrentava
como esta noite ao espelho
e foi implacável como tu
mas não foi terno
agora estou só
francamente
custa sempre um bocadinho
começarmos a sentir-nos desgraçados
antes de regressar
ao meu acampamento de inverno
com os olhos bem secos
por via das dúvidas
observo como te vais embrenhando na névoa
e começo a recordar-te.

Mario Benedetti

(tradução de Vasco Gato)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014


INVENTÁRIO

"A bruma a escuridão na nuca
a estátua na gruta
de onde o mar se retira
a árida divagação dos espelhos
as últimas fogueiras resistentes
aos ventos frios
dos últimos céus limpos
a vida despida
mentira após mentira
o chumbo a estagnação
o triste ventre aberto
do cão na estrada a fumegar esmagado
a lua de neurónios
o bico do amor
a penetrar na carne
tão fundo como a morte"

-"Feriados Nacionais"
- Ernesto Sampaio

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

O SUSPIRO
Estás deitado na tua cama e suspiras,
e as molas enterradas no colchão
bradam na mesma nota grave,
escarnecendo da tua tristeza. É duro –
não o colchão, mas viver.
Viver é duro. Sempre
achaste que podias confiar na
tua própria cama, na tua própria dor.
Achavas que dormias sozinho.

Ted Kooser

(tradução de Vasco Gato)
I am lost
"I am lost
So I am cruel
But I’d be love and sweetness
If I had you”
Garbage - Milk

Melancholy


CANTO DA ESTRADA LARGA

"Nenhum marido,nenhuma mulher, nenhum amigo confidentes para a confissão,
Outro eu, o duplo de cada um, lá vai mal-humorado e escondendo-se,
Informe e sem palavras através das ruas da cidade, polido e amável nos salões,
Nas carruagens dos comboios, nos navios, na assembleia pública,
Dentro das casas dos homens e mulheres, à mesa, no quarto, em todo o lado,
Ataviado a primor, rosto sorridente, figura aprumada, a morte sob os ossos do peito, o inferno sob os ossos do crânio,
Sob a camisa fina e a luvas, sob as fitas e flores artificiais,
Cordato com os costumes, não proferindo uma sílaba sobre si próprio,
Falando de tudo mas nunca de si próprio."


"Cântico da Estrada Larga"/ "Ode a Walt Whitman"/ Saudação a Walt Whitman"

domingo, 7 de dezembro de 2014

«não me deixes morrer no ódio»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 178

«faz-se pão, não para fazer viver, mas para matar.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 173
«Não temos em nós senão a cor do que está extinto e parado.
-Não, é porque estamos sentados que tudo está parado em nós.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 171

«A nossa máscara é o nosso rosto, a nossa extrema nudez.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 166

morredouro

A PARTE MALDITA
"Passo noites contigo
e apenas reconheço
a espessa tessitura do cabelo.
Seguro na tua mão e guio-te nos corredores
que só de mim pertencem.
As salas que penetras construí-as,
tal o diabo à ponte,
na hora que precede a madrugada.
O galo canta sempre
antes de terminar a última cornija.
De ti pouco mais sei
além do gosto ( que temos semelhante)
do sexo seco
do sangue ausente que corre noutros lados
e se perde entre lençóis de cama
ou algodão hidrófilo.
De ti conheço o riso
nervoso ressoar,
batidas ritmadas num gongo fora de uso
em átrio obscurecido."

Fátima Maldonado. Os Presságios. 

uma-vida-assim-à-espera

«-Baixa os olhos quando falas comigo.
Quando o meu pai me ordena que baixe os olhos, não posso resistir ou fazer outra coisa. Os meus olhos baixam-se por si. Não o posso explicar. Sei apenas que é unicamente a expressão de um pacto entre nós dois. O amor, é em primeiro lugar, o respeito que se exprime por esses gestos. Não é preciso ir procurar muito longe.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 146


«Agora, é o pintor - chamemos-lhe Mário - que tenta meter-se nesta história. É um belo homem, um pouco sentimental para mim. Tem a gentileza dos fracos. É a pior. Estão prontos a ceder a tudo para serem agradáveis. Enerva-me. Pinta pássaros e mulheres sem cabeça.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 144

«O meu juízo não cessa de me repetir que seja paciente, que espere em silêncio ao fim de qualquer coisa de que ignoro a natureza e a finalidade. Então aguardo, no interior de mim mesmo, dentro desta velha carcaça gasta e espezinhada pelos outros.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 143

«É uma loucura tudo o que digo a mim mesmo desde que decidi não falar mais.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 142

«Eu não devo estar aqui. Que me ponham no meu lugar, onde já não terei necessidade de sonhar e de esperar.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 140/1

sábado, 6 de dezembro de 2014

HUMANO, DEMASIADO HUMANO
"Trocares o meu
por outro corpo à espera
é um vago sintoma que se imiscuiu
na suspeita matriz
recôndita cisterna
onde abeberam no mais limoso chão
as sacrílegas tardes
da degola materna.
A esparsa neblina encha cada porta
de um velo putrescível
a casa estagnava na poça das ausências
e o desejo sucumbe na falésia.
Nessa mão vitrificam
restos de placenta
amoras pintando no recorte dos dedos
o proibido mosto,
essa mão que decénios
enrugaram lisura,
puxou-te em direcção à cama onde nasceste.
Sibilante esconjuro
te marcou o fácies do selo ritual
e te obriga à errância na vereda deste trilho.
Enquanto nos embalam
nas camas aquecidas
onde um urso e um pato ouviam os queixumes
da fome de mais leite,
tu chegavas à zona onde era proibido
recordar o processo das solenes gracinhas,
a palavra mal dita
o fígado desfeito às voltas das cenouras,
só no seco coçar
da memória exaurida
a sôfrega migalha a confidente apanha
à espera se um deslize abranda a contenção."



 Fátima Maldonado. Os Presságios.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

«Já não pensava.»


«Com o tempo, acabaste por saber. Não dizes nada. Quando me falas baixas os olhos, como se escondesses um sentimento. Tento captar o teu olhar e retê-lo o mais tempo possível...»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 137
«Kniza! Assim te chamarei, menos para evocar o tesouro escondido na montanha pelo trisavô que, porque esse nome parece, quando o desenho ou quando o ouço no escuro, o teu olhar quando não compreendes uma palavra ou um gesto e os teus olhos piscam docemente com essa ironia em busca de cumplicidade. Gosto deste nome como do travessão que conservas nos teus cabelos como um penhor da infância,  neste dia dos teus vinte anos em que tentas dar ao teu rosto a expressão de uma gravidade que pretende ser desespero. Aí, sentada nesse velho cadeirão, com as pernas dobradas seguras pelas tuas mãos, iluminadas por um raio de sol. Olho-te nesta doçura das coisas e do lugar sem me aproximar demasiado, com medo de incomodar os teus pensamentos que se empurram para se tornarem imagens de um sonho inventado, sem mesmo se debruçar para ouvir as vozes daquele que te faz sorrir.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 135/6

«as minhas noites reúnem-se nessa solidão para enlaçar este corpo vazio»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 133

«O amor teria um rosto como o tempo, a melancolia ou o medo. Eu vivia com aquele rosto ainda vazio.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 130
«Agora, as minhas ilusões mudaram. Voltei a França, não para aprender a viver, mas para aprender a amar.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 130

« o barulho das árvores»

“She was an innocent. She was cunning. She was complicated.” - Sam Shaw



«Aproximei-me dela, tomei-lhe o rosto nas mãos e tentei ler nos seus olhos. Estavam vazios como uma casa abandonada.Tinha as mãos frias. Falei-lhe; ficou impassível.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 123
«Estava de olhos baixos a ouvi-la. Beijei-lhe as mãos e, sem dizer nada, adormeci encostada a ela.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 124

«aprende o movimento das estrelas»

«Desconfia das aparências, das imagens e dos reflexos na água. Tudo isso passará. Só te restará um canto no coração da terra em que viste o dia.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 123

«Não tinha ninguém com quem falar, a quem se confiar. Só a avó a amava, mas começava a perder a memória e tomava-a por outra.»

Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 122

“Exige-se, para o perfeito amor, que o amado ame o amante; que este ame, em si próprio, o amante que ama o amado e que o amado ama, o mesmo tendo de haver no correspondente. Que os amantes amem nos amados os amantes que a eles os amam. Ou, mais simples: que o amor se ame.”


Agostinho da Silva

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

«Olhava o mundo e não o amava.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 119

«Aquele regresso foi uma prova dolorosa. Conheci o tédio e o isolamento. Restringira-me a um mundo a que ninguém tinha acesso e, também eu, me pus a esperar. Esperar o fim da licença para retomar a estrada, partir sem olhar para trás e nunca mais voltar.»




Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 119



«Aquelas rochas de espera e do esquecimento, deviam fasciná-los. Delas brotariam outras vidas, outros destinos armados de pedras, de tufos de erva seca, de raiva e de loucura. As montanhas vigiavam-nos, olhavam para eles noite e dia, sem impaciência, sem nada perderem da sua violência silenciosa. Também elas esperavam.»



Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 118/9

«A coisa que eu chamava cão-do-mar, lobo-das-estepes, raposa-dos-baldios corria nas trevas seguida por um sopro frio que me dava arrepios.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 115

lú.gu.bre

bolor


«- E, na tua opinião, aquele negrume que solta, não será da tua alma? Não te sentes a perder um pouco do teu fôlego? Não estarás a esvaziar-te? Responde.
   Provocara-me. Decidi ser tão forte como ela e adoptei o seu tom:
  - E aquele fio vermelho que atravessa o negrume, não será um pouco do teu sangue? Tens a certeza de não estar, neste momento, a perder o teu sangue? Olha bem para as tuas mãos, as tuas pernas, o teu nariz. Olha-te na água. Verás como estás pálida. »


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 113

«É preciso desconfiar das pessoas silenciosas.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 112

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

«Noite de presas inúteis perfurando os olhares desvairados.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 104

«(...) a brasa do ódio é um vulcão furioso que nenhum céu extingue.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 103



«À noite estava cansada e sofredora, experimentada, mas feliz porque tinha conseguido preservar o meu segredo. O mar pertencia-me. Não ousava abrir a mão direita. Guardava tudo, profundamente escondido em mim. O mar era aquele jardim onde, um dia, me poderia isolar, longe do barulho.»


Tahar Ben JellounDe olhos baixos. Tradução de Maria Carlota Álvares da Guerra. Bertrand Editora., p. 90

mulher-serpente

Agostinho da Silva: “[…] Sobretudo no amor se deve ter cuidado; gostar dos outros e lhes querer bem tem sido o motivo de muita opressão e de muita morte dos espíritos. […] Não tens, essencialmente, de amar nos outros senão a liberdade, a deles e a tua; têm, pelo amor, de deixar de ser escravos, como temos nós, pelo amor, de deixar de ser donos do escravo”.
PORMENOR
A casa de pedra em ruínas
tem uma velha macieira
lá deixada pelo agricultor
que levou tudo o mais
Dá fruto todos os anos
frenética e bichenta
com maçãzinhas amargas
que ninguém come
até as crianças já sabem
Durante todo o Inverno
passei por ali a caminho de
Trenton duas vezes por mês
reparando nas maçãs penduradas
apesar dos ventos tempestuosos
por vezes com barretes de neve
pequenas campânulas douradas
É possível que nenhum dos outros
viajantes tenha olhado nessa direcção
mas não vou fazer nenhuma parábola com eles
estiveram lá e nada mais
Inexplicavelmente dou por mim a recordar
e a pensar nessa árvore sem folhas
e nos seus frutos fermentados
numa semana para os finais de Janeiro
em que o vento derrubava o sol
e a terra tremia como um quarto frio
onde ninguém seria capaz de viver
entre temperaturas negativas
mudas campânulas douradas
sozinhas na tempestade

Al Purdy

(tradução de Vasco Gato)

ensonada

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