terça-feira, 15 de abril de 2014

Como de costume, chorei.


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 55
«Você também não ouve porque acredita que há algo a compreender no que eu digo. Por isso, não ouve. As explicações aborrecem-no mais do que tudo.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 54
«Estou cheia das ressonâncias da guerra, e da ocupação colonial. Às vezes, quando oiço ordens berradas na língua alemã, dá-me vontade de matar alguém.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 53
«Falo-lhe ainda sobre o medo. Tento explicar-lhe. Não consigo. Digo: Está em mim. Segregado por mim. Vive de uma vida paradoxal, simultaneamente genética e celular. Está em mim. Sem linguagem para se manifestar. Visto de mais perto, é uma crueldade nua, muda, de mim para mim, alojada na minha cabeça, no calabouço mental. Estanque. Com surtidas para a razão, a verosimilhança, a clareza.
   Você olha-me e deixa-me falar. Olha para mais longe. Diz:
   -É o medo. O que acaba de descrever é o medo. É isso, não há outra definição.
   -Una cousa mentale.
   Você não me responde. E a seguir diz que é assim com toda a espécie de medo.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 52

« Viver o amor como o desespero.»

«A morte está posta a nu sob o vestido, a pele sob os olhos também, sob o seu olhar ferido e puro. De quando em quando o riso encobre o olhar, e ela recompõe-se desse riso, apavorada por tê-lo ousado. Olha então para o Captain, para saber. É então que o seu rosto se desnorteia e nos faz pensar.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 33

tímida ousadia

«É aqui, no sítio dos campos de cultivo, dos ulmeiros cinzentos, que se produz a inundação quotidiana.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 29
«O amor estava demasiado perto, ou demasiado longe, já não sabíamos, era fatal que um dia aquilo acontecesse, já não saber.Íamos a Quillebeuf também por causa disso, para não ficarmos juntos fechados numa casa, com o desespero.»

Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 27/8

prados embebidos

cor-de-lua

« - Não escreva mais.
-Quando escrevo, já não o amo.
Olhamo-nos. Deixamos de olhar-nos. Eu digo:
- São palavras que metem medo.
-Sim.
-É de loucura, o desespero que se aproxima...Quando falamos, quero eu dizer.
-Sim.
Você sorri. Empalideceu de novo, apenas, outra vez, acima dos lábios, mas mesmo assim empalideceu. Eu digo-lhe:
-Já não o amo. Você é que me ama. Você não o sabe.
Vamos até à amurada. Contemplamos o rio.
-É complicado.
-Pois é.»



Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 26/7
« - Não há nada que contar. Nunca houve.
Eu respondo-lhe com certo atraso:
-Por vezes, falarmos os dois é tão difícil como morrer.
-É verdade.
-Parece-me que quando estiver em livro isso já não fará sofrer...já não será nada. Estará apagado. Descubro isso na história que tenho consigo: escrever, é também isso, sem dúvida, é apagar. Substituir.
-É verdade que a morte nada apaga. Quando você morrer, a história tornar-se-á fabulosa, evidente...»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 22/23

        «Não se consegue saber que idade eles têm. O que se vê é que ela é sensivelmente mais velha que ele. Mas que ele alcançou o andamento lento dela. Que recusa avançar mais do que ela pode, isto há anos. Que para ela acabou e que no entanto ela ainda ali está, nas paragens daquele homem, que o seu corpo está ainda ao alcance do seu, das suas mãos, em toda a parte, de noite, de dia.
      Via-se que tinha acabado e ao mesmo tempo que ela ainda ali estava. Via-se do mesmo modo. Que, se ele a abandonasse, ela morreria no seu próprio lugar onde a abandonara, isso também se via.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 19/20
«Da brancura do giz. Das falésias e da espuma. Do azul esbranquiçado das aves marinhas. E também do vento.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 19
«Árvores. Árvores privadas de água e de terra, punidas. Condenadas a tombar como seres humanos, ali, a nossos olhos.»

Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 16
«Têm um sorriso cruel que cai de repente numa tristeza da qual parece não poderem emergir.»

Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 12
«De súbito, a ideia da minha existência surgiu no seu espírito. Olhou-me como se me amasse. Isso acontecia-lhe às vezes.»


Marguerite DurasEmily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 11
«AQUILO começara com o medo.»




Marguerite Duras. Emily L. Tradução de José Carlos González. Edição «Livros do Brasil» Lisboa, 1987., p. 7

virtudes insofismáveis

segunda-feira, 14 de abril de 2014


"A man defines himself by his make-believe as well as by his sincere impulses."


The Myth of Sisyphus
Do ventre da baleia ergui meu grito:
Senhor! (dizer teu nome só é bom),
Em fé, em fé o digo, mesmo com
Um coração pesado e contrito
Que és de tudo verdade e não mito,
O coração do amor, de todo o dom,
Conquanto seja raro o bem e o bom
E toda a luz aqui me falhe, és grito
Que chama toda a chama de esperança
E acorda a luz que resta à réstia eterna, 
Conquanto viva o mártir na espelunca
Da vida (quem espera amiúde alcança)…:
Possa o nazireu preso na cisterna
Sofrer de ser só tarde mas não nunca.
 
Daniel Jonas, in «Nó». Ed. Assírio & Alvim, 2014

"(...) aquilo a que os gregos chamam alêtheia, a desocultação, o descobrimento. Aquele olhar que às vezes está pintado à proa dos barcos"
Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 10 de abril de 2014


IMEDIATAMENTE EMBORA POUCO A POUCO


"Gostaria de ir ao teu encontro,
Procurar-te na vila, entre as pessoas,
Ou debaixo da magnólia do jardim.
A cascata corre & tu sentas-te a ouvir
Ao acaso as folhas que o vento espalha.
No teu rosto já só vejo o ar frio da serra,
As sombras dos que te abrem o caminho
Para que a cor do dia entre no jardim.
Faz com que a angústia nas palavras que usamos
Seja um bom presságio à nossa volta.
Tudo o que é divino é transitório,
Mas não o é em vão."
-"Nada Brahma"
- M. S. Lourenço 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Um dia perguntaram-se.
"Como fomos perder-nos?"

Mas nunca ninguém tinha sido de ninguém.
E ninguém foi de ninguém…


António de Castro Caeiro

dar às de vila-diogo/ dar à sola




quarta-feira, 2 de abril de 2014

terça-feira, 1 de abril de 2014




"Debaixo da amendoeira da tua amiga,
Quando a primeira lua de Agosto
Se levantar em cima da casa,
Poderás sonhar, se os deuses sorrirem,
Sonhos de um outro."


Antiga canção chinesa

ouropel

nome masculino 
1. lâmina de latão que imita o ouro
2. ouro falso
3. figurado falso brilho
4. figurado aparência enganadora

 (Do latim aurĕa pellis, «pele de ouro», pelo provençal auripel, «idem»)
     «Afirma Pessoa, noutra carta a Gaspar Simões, 11/12/1931, que Freud lhe ensinou alguma coisa embora não tenha precisado dele para «conhecer, pelo simples estilo literário, [...] o onanista e, adentro do onanismo, o onanista praticante e o onanista psíquico». E mais adiante, referindo-se ao «que há de abusivamente sexual» nalgumas interpretações freudianas aplicadas à literatura, chama a atenção para o risco de conduzirem «a um rebaixamento automático, sobretudo perante o público, do autor criticado, de sorte que a explicação, sinceramente baseada e inocentemente exposta, redunda numa agressão». Talvez. O pior é a terminologia escolhida: rebaixamento, agressão, que faz pensar num ouriço a eriçar-se. Declara na mesma carta ter aprendido com Freud que o tabaco e o álcool são translações do onanismo. Ele, grande fumador e bebedor (concluo eu), está a coberto da suspeita. Mas que importância tem isto senão a de pôr a nu alguns preconceitos sociais de Pessoa?»



Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 443

misogynía

Infância, heterónimo de Mrs. Davies


«Mrs. Davies, vinda da Cidade do Cabo, desembarca em Lisboa a 29 de novembro de 1935, véspera da morte de Fernando Pessoa. Tinha-o conhecido em Durban, numa escola inglesa, ambos pequenos, ele com nove ou dez anos, ela com cinco ou seis, e vinha enfim procurá-lo conforme prometera um dia, quando os pais a levaram da cidade para uma quinta no interior do Transvaal. Pessoa foi-lhe sempre fiel. Nunca mais a esqueceu embora julgasse que sim e cantou-a sem desfalecimento sob o nome de Infância mesmo quando pensava falar doutra coisa. Infância, heterónimo de Mrs.Davies. Iria jurar que o belo título «Prayer of Woman's Body» lho inspirou também ela subconscientemente. Prece por um corpo de criança transformado em mulher, a irreparável metamorfose que o desgostava por duas razões independentes: a) a imagem do paraíso perdido de facto perdida, b) trocada por uma feminilidade que dizia pouco à sua misogenia.»




Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441

«(...), loira, desse loiro de cobre ao lume donde saltam cintilações ruivas.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 441

«O podre e o fermento. O perigo destas imagens está no exagero.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 436
«A evidência da tara arrasta despoticamente as personagens em linha recta, sem desvios, nuances ou hesitações. Gera-se um frio mecanismo entre causa e efeito, tão inexorável que não há lugar para atritos, recuos, complexidades. A análise psicológica aproxima-se assim, de modo assustador, dum logicismo previsível que não comporta qualquer surpresa ou inesperada descoberta de riqueza humana. Chega-se a esta situação paradoxal; o patológico que, à primeira vista, devia ser o anormal e o incontrolável processa-se afinal dentro da mais primária, preconcebida, das normalidades.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434
«O objectivo primacial da «Patologia» cifrava-se na demonstração deste postulado: os tipos psíquicos patológicos são resultado dum desequilíbrio entre os três elementos que estão na base de toda a actividade psicológica: o sentimento, o pensamento e a vontade. O predomínio de qualquer deles provocaria as torções de carácter, os desvios de conduta. Não se trata agora da concepção, mas de apontar apenas, dando ainda de barato que fosse verdadeira, como a visão do romancista é dentro dela demasiado linear.»


Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 434

Anoitecer,

«hora de os morcegos ensaiarem os voozinhos de cetim»,


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 141

«Quando as chamas sobem de mais os anjos dão a mão ao diabo.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 141

«Também, do mal o menos, entrou mudo e saiu calado.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 140
«Cansados de dar à sola mas de pulmões lavadinhos, benza-os Deus, porque isto de dormir com as cabras e de namorar as gaivotas dá desgostos mas faz peito, a paciência do artista tem destas naturezas.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 140

Quando o cadáver cheira a política até as moscas largam a asa

«Tendo em vistas o advogado dos brilhos, salienta que o homo politicus é um animal lixado de trabalhar porque tem padrinhos no céu e afilhados no inferno, para não falarmos no purgatório que é onde se junta a maralha dos conspiradores em part-time. Por estas e por outras é que: Quando o cadáver cheira a política até as moscas largam a asa, como se costuma dizer, e muito bem, aqui o nosso chefe Santana.»



José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 138

«Ele-Estava-A-Viver-Plenamente-No-Auge-Da-Paixão.»

Felicidade dramática


Segunda sessão de brandies

dedo sim dedo não

«(...) tufos de pêlos irrompem-lhe das axilas. Debruçado nas costas da cadeira o polícia estuda-a com olhos de míope.
   Mena. Os braços erguidos alteiam-lhe os seios que parecem soltos e estão mesmo (sem soutien, pela maneira de descair do pull-over) e os pêlos do sovaco são dum negro seco e agreste, tão negro como é decerto todo o cabelo que ela tem no mais privado do corpo e com um gosto acidulado, retenso. O chefe de brigada tira um limpa-unhas do bolso num movimento paciente.
   Silêncio. O silêncio do preso é a insónia do polícia, aguardemos.»





José Cardoso Pires. Balada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 128

prepara-se para grandes vagares

Abril

«Vizinha da morte estava ela, vizinha como nunca; uma mulher paredes meias com a morte e com o sangue. Mas durante este tempo, todos os dias uma criada lhe fazia chegar ao quarto três das mais belas rosas desse Abril.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 128

nonsense

ante-rosto




   «O meu exemplar (primeira edição, hoje rara) descobri-o em Coimbra, por acaso, durante o despejo dum armazém de alfarrabista pobre. Não está mal conservado apesar no segundo terço do livro e um túnel de traça, ainda incipiente, que eu próprio limpei e desinfectei, assim como meti cola nova na lombada, esta sem dúvida em mau estado: a tela interior no fio, o papel de fora a esfarelar-se.»



Carlos de OliveiraObras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 425
«(...) mandem gravar na campa do poeta o epitáfio que ele próprio escreveu:

                       A dádiva suprema é dar a vida
                Ao silêncio de pedra que é a morte.
                      Larga-me da vida, morte,
                      Faz-me da morte pedra.



Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421

Escrever é lavrar

«O suor de sol a sol: «enxada à terra, ó braços da pobreza»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 421

Anúncio Olá Magnum (aqueles gelados saborosos...): O prazer é para quem o procura


raspa-língua e ruiva-brava

«Choupos, ínsuas à flor do rio quase extinto, a tarde a arder como um pouco de álcool, e mais conversa.»

Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 419/420

« - Sabes, um suicídio a dois só com o acordo de ambos e tu não me perguntaste nada, pois não?»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 416

isqueiro

divórcio emocional

(...) das costelas coração.


nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só

    «De Álvaro de Campos: «ó companheira que eu não tenho nem quero ter». Olho para Gelnaa e não compreendo: tenho-a e quero tê-la. Mas ao mesmo tempo compreendo: não a devia ter a ela; ou não vale a pena tê-la; ou então dói-me a sua fragilidade, sombra dum arquétipo, eterno neste momento. Logo depois volto a não compreender: meu amor mortal, de carne e osso, tenho-te para sempre, agora. Coisas que se equivalem, na gramática relativa da vida. Não nos deram outra, Gelnaa. E mal acabo de pensar isto compreendo de novo: nenhuma companheira é possível e as solidões somadas pesam mais que uma só. Etc.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 415

segunda-feira, 31 de março de 2014

''A escola dos filhos é a casa dos pais''

(...)

«Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 401

domingo, 30 de março de 2014


Enredos

"bebo este líquido escorregadio como uma agonia, é carinhoso o meu amigo, mas nada há mais terrível que a sua carícia interrompida pela eficiência do mundo, ou que o sermos amados pelas regras do mundo, gosto da luz absoluta do equívoco onde consigo imaginar as faces mais vulgares, nada posso senão perder-me nas minhas histórias já que ninguém entra no meu quarto, o resto é colocar na boca de sombras o que gostaria de ouvir"
"Enredos"
Rui Nunes

cabinets de lecture

«Contornava-me, cingia-me com um braço e procurava-me as coxas e as nádegas por baixo da roupa. Eu própria levantei o vestido, colando-me mais a ele, e imagina a surpresa que o tomou quando sentiu nos dedos a verdade do meu ventre!»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 122

«E de súbito calou-se e pôs os olhos nos meus com uma dureza terrível. Suportei-os.


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 122

''linguagem de bordel''

lábios entreabertos em êxtase

cunilíngua

xeque-mate

«Elias é aquilo: um homem a ouvir-se de memória e quantas vezes com estranheza.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 108

água rançosa

Alcateia de raposas

Le Feu Follet, Louis Malle (1963).


LÍQUENES

I

Algures,
no lugar
mais frio
da memória,
mas 
nítido
como um centímetro
quadrado de neve
que pede
a própria luz
à algidez interior,
surge
a paisagem
de líquenes,


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 296
«Flauta
de vértebras»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 302

ESPAÇO

I

«A noite 
impôs ao céu
uma servidão
de inúmeras
estrelas»,
e a via láctea
aprende
como nasce
um cometa
dilacerante,
«que o meu corpo
se despedace
nas pontas
das estrelas»,


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 301

ilhas caligráficas

(...)

«desistes 
de me 
reconhecer
e segues 
nesse passo
que mal pisa
o silêncio,»


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 296

“Tive sempre o sentimento de não estar conforme com a ordem estabelecida – Quer seja politicamente definida pela monarquia, pelas repúblicas ou pela ditadura, quer sirva economicamente de pasto ao “homo faber” e aos seus satélites, quer esteja teologicamente desmitizada pelas raposas da inteligência. Por isso precisei de nadar contra uma corrente cada vez mais forte (…) em plena “terra de ninguém” (…) muitas vezes com a pergunta de Molière, sete vezes repetida: “Que diabo estou eu a fazer nesta galera?” De ano para ano tenho suportado, também, o sofrimento que Hölderlin atribui a Hyperionte: o sentimento de ser estrangeiro na própria pátria.”

Ernst Jünger

LES AMANTS, 1958 (LOUIS MALLE)


deslembradas

PUZZLE

I

O sono
cresce como
se 
uma anestesia
ténuescura
se
propagasse 
do cérebro
pela rede nervosa
friamente
até aos dedos
e o tacto
dos homens
esquecesse


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 287

VI

ó tépida tequilla,
existe ainda
o amor
e o vulnerável cão
do espírito
que lavra
cada palavra
oculta
por pudor
e a ladra
inutilmente
dentro
da garganta
vazia

Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 272
alguém atirou um cão
morto às profundidades

Malcolm Lowry

II

Imaginar 
o som do orvalho,
a lenta contracção
das pétalas,
o peso da água
a tal distância,
registar
nessa memória 
ao contrário
o ritmo da pedra
dissolvida
quando poisa
gota a gota 
nas flores antecipadas.

Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 236

sexta-feira, 28 de março de 2014


barba de espinhos

Adeus anilha de ouro

«Curvou-se e levou as pontas dos dedos ao tornozelo marcado: Adeus anilha de ouro, deus voto de alcova, que regresso ao meu natural.»

José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 105

«Ela desde que é pessoa sabe que este país é de espertos e todo em moral que até chateia. Precisava mas era de ser pasteurizado com merda de ponta a ponta, que era como a Mena dizia.»


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 102/3




quinta-feira, 27 de março de 2014



"Il y avait une ombre,
dont il était impossible de faire le portrait;
quand il n'y avait plus de lumière,
l'ombre tombait par terre."


Eckhart 

«Uma data de frustados que até na cama têm medo da CENSURA, »


José Cardoso PiresBalada da Praia dos Cães. 2ª Edição, 1982. Edições «O Jornal», Lisboa., p. 102

sabujo


nome masculino
1. cão de montaria
2. figurado indivíduo servil, bajulador; capacho; lambe-botas

(Do latim medieval segusĭu- [cane-], «[cão] de Segúsia», cidade da Pérsia antiga, hoje Susa»)


leitosamente 
um pouco larga
cheirando sempre 
ao ar da cama


Vasco Graça MouraPoemas Escolhidos 1963-1995. Apresentação Fernando Pinto do Amaral. Bertrand Editora, 1996., p. 33

mulher ventríloqua

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