domingo, 20 de março de 2016

A Sociedade do Cansaço (recensão)

Texto na Enfermaria 6
Com A Sociedade do Cansaço (Müdigkeitsgesellschaft, 2010), tradução de Gilda Lopes Encarnação para a Relógio D’Água, 2014, Byung-Chul Han (sul coreano, estudante de metalurgia, formando-se depois em filosofia na velha Alemanha, com um doutoramento sobre Martin Heidegger) veio abanar o meio filosófico alemão (quase medusado pela áurea oceânica de Peter Sloterdijk). Estranha-se que um livro tão curto (60 pp. na tradução portuguesa) tenha tido um impacto tão grande (apesar do autor ser desconhecido, vendeu quase imediatamente 2000 exemplares na Alemanha, está traduzido em várias línguas e tem recensões prolíficas em francês e inglês). Talvez a palavra “cansaço – dentro da tese de Byung-Chul Han de que somos a civilização do cansaço (mau), uma doença, epidémica, sem verdadeiro antídoto – tenha despertado o interesse do grande público.
Porquê? Porque na nossa época (alucinada pela performance, cujo imperativo económico-moral poderia ser: “que as regras da tua conduta sirvam como modelo universal de performatividade!”) não há reais inimigos exteriores.[1] Nas doenças bacterianas, e nas sociedades da disciplina, era preciso combater as bactérias, ou as ordens, nas viroses, os vírus, era a cena tradicional das patologias modernas. Mas na tardomodernidade (aposta da tradutora para postmodern) a imunização já não trabalha com os meios defensivos normais: fechar ou dificultar o acesso da doença e construir anticorpos. Na época bacteriana, os amigos e inimigos estavam claramente definidos, princípio da Guerra Fria e da oposição proletariado/capitalistas. Esta polarização simplista tornou-se anacrónica, o estrangeiro e o estranho já não são inimigos, mas coisas diferentes, e a simples diferença não possibilita reacções imunitárias. Tanto mais que “O paradigma imunológico não é compatível com o processo de globalização.” (p. 12) A verdadeira ameaça não vem agora de outrem, mas do próprio, cheio de positividade, alimentada, e alimentando, uma sobre-produção e uma sobre-comunicação histriónicas, contra às quais, por serem da mesmidade, não se consegue realmente reagir (dinâmica cancerígena). Por excesso de positividade, a revolta tornou-se impossível, gozamos de uma infinita liberdade de escolha para produzir, consumir e comunicar até ao esgotamento, na vaga esperança de “nos realizarmos”. Segundo Byung-Chul Han, a actual omnipresença da performance demonstra o declínio das sociedades da disciplina e da obrigação descritas por Michel Foucault, hoje o sujeito modelo é o sujeito performativo, arredado de qualquer combate por princípios de justiça. Autodefinindo-se dentro dos limites que ele próprio escolheu para agir e ser. Sujeito pós-colectivo, o seu estilo de vida extrema o individualismo. Senhor e escravo de si mesmo, não se submete a ninguém, excepto a si e à ilusão de uma liberdade benigna sem limites. Em boa verdade, esta liberdade é paradoxal porque exige solidão (“o Eu tardomoderno está totalmente isolado”, p. 34), quando para Han a liberdade é sempre a liberdade com os outros. E este paradoxo acaba por manifestar as linhas patológicas do cansaço: “A sociedade de trabalho e de produção não é uma sociedade livre. A dialéctica do amo e do escravo não desemboca, afinal, numa sociedade em que cada homem que seja capaz de se entregar ao ócio é um ser livre. Ela conduz antes a uma sociedade de trabalho em que o próprio amo se tornou escravo do trabalho.” (p. 35) Por outro lado, a ausência de crenças, o despojamento narrativo do mundo, reforça o isolamento e “o sentimento de efemeridade, tornando a vida nua.” (p. 34)
A “sociedade disciplinar” de Foucault (fabricada em instituições como os hospitais, manicómios, prisões, fábricas, escolas...) foi revogada, “A analítica do poder de Foucault já não é capaz de descrever as mudanças psíquicas e topológicas que aconteceram com a transformação da sociedade disciplinar em sociedade de produção.” (p. 19) Na “sociedade disciplinar” dominava o não, uma negatividade que produzia loucos e criminosos. “A sociedade da produção gera, em contrapartida, deprimidos e frustrados.” (p. 20) É por isso que Han relê o Bartleby de Melville para além das interpretações metafísicas ou teológicas (sobretudo Gilles Deleuze em Critique et clinique), realçando o seu fundo patológico: “Esta ‘história de Wall Street’ apresenta-nos um mundo de trabalho desumano, habitado por pessoas reduzidas, todas elas, a animal laborans.” (p. 45) Mas não se pense que este animal tardomoderno entrou, como transparece em algumas leituras de Bartleby (Deleuze, Agambem...), em negação ou passividade (“I would prefer not to”, Bartleby), ele “é dotado de um Ego tão grande que quase transborda. E é tudo menos passivo.” (p. 33) Só que a sua positividade é patológica, alimenta um sem número de doenças neurológicas e aprofunda o individualismo.
Na época da performance, há uma “violência da positividade, resultante da sobre-produção, sobre-rendimento e sobre-comunicação” (p. 14), e “O esgotamento, a fadiga e a sensação de sufoco perante o excesso não são também […] reacções imunológicas.” (p. 15) Sem uma verdadeira auto-reacção, “A comunicação generalizada e a sobre-informação ameaçam todas as defesas do ser humano.” (p. 14) Já não há sequer gestos impulsivos, primitivos, capazes de desenvolver uma destruição redentora, “A dispersão generalizada, marca da sociedade dos nossos dias, não permite que a ênfase ou a energia da fúria emirjam verdadeiramente. A fúria desenvolve a capacidade de interromper um estado e de fazer nascer um estado novo.” (p. 41) Por isso, as doenças neurológicas alastram, o burnout ou a hiperactividade, por exemplo, retratam bem a dispersão e a positividade, “O prefixohiper da hiperactividade não é uma categoria imunológica. Representa, pura e simplesmente, uma massificação do positivo.” (p. 17) A relação humana com o tempo alterou-se radicalmente, vive-se em multifuncionalismo (multitasking), dispersão e velocidade, mas isto não representa qualquer progresso civilizacional, “O multifuncionalismo é, com efeito, amplamente praticado pelos animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção indispensável à sobrevivência dos animais na selva.” (p. 25)
Han foca-se no mundo do trabalho, na vita activa do homo laborans (convocando e desviando-se de Hannah Arendt), este mundo impõe a violência da positividade que forma a nossa interioridade. A sociedade disciplinar, com excesso de regras e fronteiras, de negatividade, foi substituída pela da performance, do sucesso individual, onde cada um se condiciona a si mesmo, na lógica do empreendedor singular. A motivação pessoal, o espírito de iniciativa e a responsabilidade pessoal são agora a linhas de orientação desta sociedade atomizada e sobre-positiva. A negatividade do “dever” foi substituída pela positividade do “poder fazer”, sintetizada no slogan de Obama: “Yes we can!”. As pessoas já não são exploradas por patrões ou instituições, exploram-se a elas mesmas, tornando-se simultaneamente senhores e escravos. Estamos em guerra contra nós mesmos, uma guerra que desemboca num cansaço estéril.
Contra esta vita activa, suicidária, Han elogia a vita contemplativa, o tempo gasto gratuitamente. Por falta de contemplação e de repouso, a nossa civilização dirige-se para uma nova barbárie, a sociedade da performance é patológica. E esta mudança de paradigma acontece de forma invisível, a sociedade da negatividade cede quase secretamente o seu lugar a uma sociedade que tem excesso de positividade, com as suas doenças neuronais, como a depressão, o défice de atenção/hiperactividade ou o burnout. Não se trata, como disse, de nenhuma infecção vinda do exterior, mas de um enfarte da alma, devido a um excesso de positividade. Por isso escapa a qualquer profilaxia imunológica.
No último capítulo, “A sociedade do cansaço”, relativamente redentor, Byung-Chul Han refere que “Enquanto sociedade activa, a sociedade da produção evolui progressivamente para uma sociedade do doping.” (51) Um doping que entretanto foi traduzido pela expressão mais aceitável de neuro-enhancement, e que todos aceitam desde que permita mais rendimento no trabalho, com a única preocupação de se garantir uma certa equidade no acesso a esses fármacos para que isto degenere numa concorrência farmacêutica sem controlo. Mas este produtivismo pobre em negatividade “produz um cansaço e esgotamento excessivos.” (52) Cansaço patológico, porque individualiza, “separa e isola”. Cansaço violento, porque “destrói tudo o que possa haver em comum, tudo o que se possa fazer em conjunto, aniquilando qualquer proximidade e a própria linguagem”. (52)
De onde vem, pois, a “redenção” de que falámos há pouco? Byung-Chul Han remete-nos para Peter Handke e o seu Versuch über die Müdigkeit (1992), onde se  fala de “cansaço alienante” mas também de um bom cansaço, iluminante (que, aliás, ocupa grande parte deste capítulo, como se Han quisesse terminar com uma nota conciliadora), que dá a ver e a pensar, que se situa entre, favorecendo por isso a coexistência. É, diz Han, um “cansaço que habilita o homem para uma serenidade especial, para um não-fazer sereno.” (54) Pelo contrário, “O cansaço associado ao esgotamento é um cansaço da potência positiva. Torna o homem incapaz de fazeralguma coisa.” (55) O cansaço associado ao esgotamento potencia a acção na comunhão, impulsiona para a realização de alguma coisa: “O cansaço de Handke não é o cansaço do Eu esgotado, do Eu exausto […], Handke concebe uma religião imanente do cansaço.” (pp. 55-56)
Vem talvez a propósito convocar Fernando Pessoa e o seu Cansaço, do metrónomo modernista Álvaro de Campos: “O que há em mim é sobretudo cansaço – / Não disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço. […]” Antevisão do cansaço do “Eu esgotado” de Byung-Chul Han, mas que a mim sempre me insuflou uma melancolia produtiva.

[1] Alain Ehrenberg em La fatigue d’être soi. Dépression et société, 1998, defendia, num tom mais sócio-psicanalítico, que o cansaço provinha da obrigação de se ser si mesmo, de uma realização pessoal assumindo aquilo que se é, tarefa muito mais exigente do que a da velha obediência e respeito pelos interditos, onde a identidade se construía essencialmente pelo género, a classe social e o grupo profissional. Tudo isto enquadrado pelas lógicas disciplinares e de autoridade. Mas Ehrenberg avançava já com o mito do empreendedorismo, com poucos vencedores e muitos vencidos, sem nenhum exterior para responsabilizar, o falhanço na idade neoliberal deve-se exclusivamente a quem tentou mal ou não tentou, em vez de agressividade social fica-se com a vergonha de si mesmo. Tudo isto, diz Ehrenberg, aumenta exponencialmente os distúrbios de personalidade. 
"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."

Agostinho da Silva, Diário de Alcestes

'' o meu olhar fixo colado às tuas asas.''


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 69

Ilse Bing - Maya Deren



«Os cães estão deitados à tua espera.
Ninguém tocou nas tuas roupas ou mudou
o sítio dos teus parcos objectos.
A tua falta é uma clareira aberta
no coração dos dias. Eu retorno à escrita,
vacilante, animal atordoado pelo estio,
agastado por um desespero grave e incolor.
Os cães ladram à espera que regresses,
percorrem a noite de extremo a extremo
com o seu passo miúdo, e eu fico de pé
com o sal das lágrimas a arder nos lábios.
Não te demores, que há uma incandescente
flor azul no lugar onde te sentavas,
um livro ilegível à míngua de enredo,
uma concha de murmúrios em que te digo:
a tua voz continua a iluminar os quartos.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 63

«A morte era agora um nervo tenso,
uma luz bruscamente apagada, um corpo
arqueado sobre a terra. Aquele que sofria
cobriu o rosto com as mãos e chorou.»

José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 61

«Porfias, e tens-me onde me queres,
ao lado da cama, junto ao parapeito
da janela que dá para o rio.
Acomodo-me. Podia ser de todos os lugares.
Mas é aqui que fico ancorado,
com a ausência suspensa nos braços
e a ternura proscrita dos lábios.
O meu exílio é um coração fendido
pelo metal da voz que o desengana,
é uma borboleta de pano
esvoaçando, aflita, entre dois lumes.
Aguardo a sentença da noite
para saber se permaneço ou se parto.
Todos os dias me deixo enlanguescer
com a ilusão de que serei livre.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 45

Amanda and her Cousin Amy


«Eu sou de onde me amam, grito-lhes, »

José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 35

«A propósito de nada se pode escrever tudo.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 33

«tudo o que de ti em mim permanece
é um incêndio e uma dúvida.»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 31

«O medo escreve-me nos dedos,»


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 30

Sou de um tempo de não ter tempo


«Todos os aromas me cabem na boca,
todos os mistérios me inquietam a alma,
todas as paixões me doem nos sentidos.
Sou de um tempo de não ter tempo, »

(...)


José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 28

sábado, 19 de março de 2016

Animália

José Jorge Letria

''nós morremos dentro do que amamos''

escreveu, melancolicamente, Debussy.

Personagem heteronímica


''música letal''

''Morro todos os dias um pouco mais
naquilo que não escrevo''

José Jorge Letria
''Quantas vezes perdi o domínio da mão
que escreve, que afaga, que aponta,
deixa-me ficar enroscado num canto
a pensar no que poderia ter escrito
e não escrevi...''

José Jorge Letria

libérrimo

''Se pudesse amar-vos, era aqui que vos amava,
mas eu tornei-me inábil para os afectos,
incapaz de outra dádiva que não seja
o sangue do verso na ferida da voz.''


José Jorge Letria
''Não voltarei a escrever
enquanto não souber como escrever-me''.

José Jorge Letria
«(...) nada é realmente ao espírito a não ser as suas percepções ou impressões e ideias, e que os objectos exteriores se nos tornam conhecidos apenas mediante as percepções por eles ocasionadas. Odiar, amar, pensar, sentir, ver, tudo isto não é senão perceber.
    Ora, visto que nada está presente ao espírito a não ser as percepções e visto que todas as ideias derivam de algo que esteve anteriormente presente no espírito, segue-se que nos é impossível conceber ou formar uma ideia de algo especificamente diferente das ideias e das impressões. Fixemos a nossa atenção fora de nós tanto quanto possível; lancemos a nossa imaginação para o céu ou para os limites extremos do universo; de facto não avançamos um passo para além de nós próprios, nem podemos conceber nenhuma espécie de existência a não ser as percepções que aparecem nesta área limitada. Este é o universo da imaginação e não temos nenhuma ideia que lá não seja produzida.»


David HumeTratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica 
da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 101/102
«Tudo o que concebemos, concebemo-lo como existente. Qualquer ideia que queiramos formar é a ideia de um ser; e a ideia de um ser é qualquer ideia que queiramos formar.»


David HumeTratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 100/101

«Uma ideia precisa nunca pode construir-se sobre ideias imprecisas e indeterminadas.»

David HumeTratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 83
« Um músico, ao descobrir que o seu ouvido se torna cada vez mais apurado e que se corrige por reflexão e atenção, prolonga o mesmo acto mental mesmo quando lhe falta a matéria e tem noção duma tercina ou duma oitava, sem ser capaz de dizer donde tira o seu critério.»

David HumeTratado da Natureza Humana. Tradução de Serafim da Silva Fontes. Prefácio e Revisão Técnica da Tradução de João Paulo Monteiro. 2ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010., p 81


«Com meu sôfrego amor inexperiente,
Quis amar e ser amado.
Amei tudo ou toda a gente
Que se encontrou a meu lado...»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  77

3


JOGO DE ESPELHOS

«Entro ...seja onde for. Começo a disfarçar,
A fingir que estou bem, muito à vontade.
Mas a verdade é que não sei como hei-de estar,
Nem sei não deixar ver que esta é que é a verdade!»

(...)

José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  73

«Vivo em adeus e em viagem.»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  63

«A minha alma dói-me...!, porque tu ma vês,»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  51

Alen MacWeeney, Nightwalkers, Dublin, Ireland, 1965.



«A um canto,
Com funda neurastenia,
Um piano faz ão-ão,
Faz ão-ão a toda a gente,
Como um pobre cão doente.»

José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  50

E te queime a boca e a face


«Quero-te! e não são os teus muros

«Que hão-de impedir que te enlace,
«E te queime a boca e a face
«Com meu ósculo de fogo...»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  45

''Sorrisos de luto...''

José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  34

«Eis o leito em que me deito,
No buraco do meu quarto,
E em que sofro a dor do parto,
Que não acaba,
De Mim Próprio!»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  32

«O cemitério das moscas
Bate-me, às vezes, na testa.»

José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  31

Dorothea Lange. Untitled 1951.



«E ao fundo do espelho, o tal,
Com seu tique de ironia
Na boca fria,
Seus hirtos lábios agudos,
Seus olhos mudos,
Ensina-me a hipocrisia
De continuar a viver.»



José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  28

«Porque tens esse olhar triste,
Desenganado,»

José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  27

morgue fria

lágrimas de chumbo

Qui-é, qui-é?

de.bal.de

em vão

«Sonhei que ela me espera, adormecida
                  Desde o começo da vida,»


José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  15

Edward Honaker (2015)


1

COLEGIAL

Em cima da minha mesa,
Da minha mesa de estudo,
Mesa da minha tristeza
Em que, de noite e de dia,
Rasgo as folhas, leito tudo
Destes livros que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo...)
E me estudo,
A mim,
Também,
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!»

(...)
José Régio. As Encruzilhadas de Deus. Poesia. Obras completas. Portugália Editora, 1936., p.  11

relações de alteridade e mesmidade

“If my film makes one more person
miserable, I’ll feel I’ve done my job”.

Woody Allen

narrativa fílmica

''O cinema é de todas as artes, a mais perceptiva,
por ser a que mais se aproxima da realidade,
assim como a conhecemos.''

Ed van der Elsken (Dutch, 1925-1990) Devant “Le Mabillon,” Geri, Vali, Roberto, the Three Main Characters of “Love on the Left Bank,” 1950


A definição do sujeito no cinema

''Os Dias Estranhos do Cinema ou a inconstância do eu e do outro nas
personagens e no encontro entre o mundo real e a ficção''

Cinefilia

''L’adieu à la littérature''

... a poesia inculca a ideia de que a palavra é livre e de que a língua é partilhada por todos, quando não há opressão maior e mais infame que a da língua.

Alberto Pimenta, IV de Ouros
''A elipse é um intervalo e o intervalo é aquilo que em regra descartamos, ou fingimos ignorar, como os intervalos brancos entre as palavras do poema ou  os intervalos negros que separam os fotogramas do filme.»

Rita Hayworth wearing Jean Louis costume in The Lady from Shanghai directed by Orson Welles, 1947. Photo by Robert Coburn


imagens fílmicas

''escolho o rosto de Humphrey Bogart''

quarta-feira, 16 de março de 2016

«E eis como a noite inteiramente nos esqueceu.
E esperamos, esperamos, na obscuridade.»



O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 211

«Sai depressa, depressa.
Já quase morrem esta noite os ecos.»



O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 210


«Bebi até ao fundo da minha dor,
e ela cresceu, cresceu, ainda mais forte que o
                 vinho.»



O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 198

«sou o pequeno pássaro que dorme numa ilha lon-
                     gínqua.»


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 189

«Eu sei porque te quero em minhas mãos,
mas tu ignoras porque te queres em minha boca.»


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 175

«Sou como uma peça de seda cor-de-rosa,»


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 167

ARROZAL DE MADRUGADA


«Às quatro da manhã, arranco
ervas daninhas do arrozal.
Mas que é isto: orvalho do campo,
    ou lágrimas de dor?»


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 155
«Afastei-a do meu peito, para que não adormecesse sobre uma almofada palpitante.»

Ben-Baqui


«Desfolharam-se as rosas sobre o rio e, passan-
do, espalharam-nas os ventos,

(...)»

(Ben Al-Zaqqaq)

''rio de pérolas''


''nadador de pernas rígidas''

(Abu-L-Hachchach Al Munsafi)

constelação das Plêiades (Sete-Estrelo)

a toda a brida a toda a pressa, à desfilada

cavalo cor de canela

O NADADOR NEGRO

   Nadava um negro num lago, através de cujas
 límpidas águas se viam as pedras do fundo.

   Tinha o lago a forma de uma pupila azul de
que o negro era a menina do olho.


                                         (Ben Jafacha)

''crepúsculo sobre a prata da água''

Ben Jafacha
«Dedal dourado como o sol: todo se ilumina, se lhe bate a luz de uma estrela.»


(Abu-L-Abbas Ahmad Ben Sid)

cão azul


esconderijos

«Porque arrasta o exílio de lugar em lugar?»

Djamil

''vestido de vidro''

DIVISA

Conhecem-me os cavalos e a noite e os desertos
traiçoeiros e a guerra e as feridas e o papel e a
                pena.

                                                            (Al-Mutanabbi)

''ensina ao sol onde morrer.''


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 113

«Estás doente da garganta, e eu estou mal  da
                                 cabeça.»
                 
O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 101



«Nascemos para o sono,
nascemos para o sonho.»


O Bebedor Nocturno. Antologias Universais. Versões de Herberto Helder. Portugália., p. 93

obsidiana


nome feminino

PETROLOGIA rocha vulcânica de composição riolítica, semelhante ao vidro, de cor negra ou verde-escura, utilizada antigamente no fabrico de espelhos e instrumentos cortantes

6


«Explorado, sê manso e obedece. Pode ser que entres no reino dos céus, de camelo ou às costas de um rico. Obedece. Pode ser que vás para a cama com a Pátria. Obedece. Pode ser que o teu cadáver ainda venha a ser o estandarte glorioso do Partido. Nunca percas a esperança, explorado, jamais.»




António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 100

«Explorado, escolhe a pedra para a tua cabeça.»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 100

''crocoloditas de pança encortiçada''


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 97

«Quando em 1922 Dada foi atirado vivo e nu ao Sena, não era para que fosse pescado.»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 95

«Francamente, falar de surrealismo num ambiente de capacidade crítica subdesenvolvida e de chuva miudinha, apetece pouco. Como apetece pouco, outrossim, repetir afirmações já muito bem atropeladas pelos profissionais da nossa esperteza literária. O ferro-de-engomar do talento continua de serviço e quente.»



António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 94

''camas voadoras''

AFORISMOS


                                                                          Iniciação à estética

O nariz de Cyrano de Bergerac, as pernas de Toulouse-Lautrec,
o olho de Camões, as costas de Lichtenberg, e o Aleijadinho.


                                                                           Os artistas mutilados

Van Gogh cortou uma orelha, Cervantes cortou um braço,
Rimbaud cortou uma perna, Ravachol cortou a cabeça, Chaplin
cortou o bigode.

                                                                           Ouvir vozes

Perturbação auditiva que pode levar à morte por queimaduras.
Caso Joana d'Arc.

Cortou a mão para não escrever a palavra morrer.



António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 84


«atravesso a terra de ninguém com um dia de chuva na cabeça
para oferecer aos revoltados»

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 80
«vem do murmúrio do caos
e rebenta em sílabas de abelhas nos ouvidos»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 79

''nome de animal de patas obscenas''

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 79

''Mil Crimes de Amor''


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 72

«desse tempo
uma paisagem de nuvens inventadas
para as minhas aves      altíssimas
suspensas sobre a morte»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 70

«À flor da terra a flor de fumo
dos meus cigarros adolescentes
fumados amorosamente entre fantasmas»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 70

peixes voadores

«No ano primeiro do fim da melancolia»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 68

''ondas caligráficas''

''letras de fogo na garganta''


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 66
«de lâmpadas sonâmbulas
e árvores de asas de fumo florido
entre clarões de neve»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 65

''sílabas de soluços''


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 65

«quando as lágrimas da memória
atravessam de súbito o horizonte
para além do cadáver das fronteiras»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 65

segunda-feira, 14 de março de 2016


«como a flor que se abre na boca dos suicidas
um homem
ferido de morte
vai falar»

António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 63

«no labirinto ardente das insónias»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 56

«caligrafia de aves sobre o precipício»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 56

''letras imundas''

«Então tu passas com a lua no peito»


António José Forte. Corpo de Ninguém. Hiena Editora, Lisboa, 1989., p. 50

hiante



1. que tem a boca aberta, escancarada
2. que tem grande apetite, faminto

Saúda-te

Portrait of Ava Gardner in Bhowani Junction directed by George Cukor, 1956. Photo by George Hoyningen-Huene


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