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quarta-feira, 8 de janeiro de 2020
O deserto inominável
O deserto é um silêncio depois do mar,
é o êxtase da luz sobre o coração da areia.
Vai-se e volta-se e nada se esquece.
Tudo se oculta para depois se dar e se ver
no ponto em que os ventos se cruzam
e as almas gritam no fundo dos poços.
Os cestos sobem e descem prometendo água,
uma frescura que derrete a febre.
Não são as tâmaras que adoçam a boca,
é a beleza das mulheres dissimulando
o desejo como um pecado sob a escuridão dos véus.
As serpentes assobiam ou cantam
conforme o veneno que lhes molda o sangue.
Enroscam-se sobre as pedras
como fragmentos de lua à espera da manhã.
E a sombra alonga-se nas dunas
ondulando rente às palmeiras
como a última cobra do medo das crianças.
Não há ruído maior que este silêncio
que se serve com tâmaras e com chá
na mesa rasteira, sobre a terra molhada.
É no que não se nomeia que está o infinito.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 66
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''A Primavera é sempre uma promessa''
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 62
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Sobre a natureza humana
Ao filho expulso do círculo da virtude
não se pede nem clemência nem pureza.
Deixa-se que o tempo lavre e molde,
que as águas passem e deixem, residual,
um sedimento de areia fina,
quase uma promessa de ouro
sobre o lenço de linho, sem mácula.
Ao filho que chora aos pés do trono
não se dá piedade nem ternura.
Deixa-se que o poder, entronizando-o,
o alivie das terrenas mágoas
que tornam um homem igual
aos outros homens quando sofrem.
Tudo isto está escrito nas linhas e nas telas
para que a natureza humana, sinuosa,
não seja, pelo esquecimento burilada,
apenas um cesto de romãs na cesta dos eternos retornos.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 36
não se pede nem clemência nem pureza.
Deixa-se que o tempo lavre e molde,
que as águas passem e deixem, residual,
um sedimento de areia fina,
quase uma promessa de ouro
sobre o lenço de linho, sem mácula.
Ao filho que chora aos pés do trono
não se dá piedade nem ternura.
Deixa-se que o poder, entronizando-o,
o alivie das terrenas mágoas
que tornam um homem igual
aos outros homens quando sofrem.
Tudo isto está escrito nas linhas e nas telas
para que a natureza humana, sinuosa,
não seja, pelo esquecimento burilada,
apenas um cesto de romãs na cesta dos eternos retornos.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 36
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''carne abandonada no estendal da noite.''
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 34
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«Eu nunca tive medo dos cães, juro,
nem mesmo quando as papoilas
salpicavam de sangue as toalhas
em que se deita a Primavera.»
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 34
nem mesmo quando as papoilas
salpicavam de sangue as toalhas
em que se deita a Primavera.»
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 34
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domingo, 5 de janeiro de 2020
A dádiva de outra paixão
A ferida tem o seu tempo, a sua febre,
a existência líquida e ardente do que é excessivo,
do que cresce com a carne, martirizando-a.
Há feridas comovidas como esta, que se abrem
e se fecham com a dor lá dentro
para que ninguém possa devassá-las.
Há as feridas da melancolia
e as do músculo seccionado pelo gume
de uma raiva mitigada e ancestral.
Nem só os animais lambem as chagas
para as pôr ao abrigo do pó e do vento.
Também os cavaleiros de coisa nenhuma
lambem o coração retalhado na peleja
à espera que o afago da brisa
lhes traga a dádiva de outra paixão.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 33
a existência líquida e ardente do que é excessivo,
do que cresce com a carne, martirizando-a.
Há feridas comovidas como esta, que se abrem
e se fecham com a dor lá dentro
para que ninguém possa devassá-las.
Há as feridas da melancolia
e as do músculo seccionado pelo gume
de uma raiva mitigada e ancestral.
Nem só os animais lambem as chagas
para as pôr ao abrigo do pó e do vento.
Também os cavaleiros de coisa nenhuma
lambem o coração retalhado na peleja
à espera que o afago da brisa
lhes traga a dádiva de outra paixão.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 33
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''Tudo me sabe a coisa nenhuma''
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 28
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''Coroa de orvalho sobre os olhos''
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 26
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Tudo são hipóteses
É redonda a dor como as cobras
que desafiam a surdez das casas
onde os mortos dão as mãos
para congeminarem o regresso à vida.
Tudo são hipóteses. Dançam em roda
abocanhando as rosas, devorando
a placenta matinal dos partos, partindo.
Tudo se renova, até o mundo.
E há um poderio fatal que se ergue
dos cânticos e dos espelhos, em espiral,
das sarças queimadas e das preces,
e há um cavalo decapitado relinchado
no terreiro dos medos ancestrais, fatais,
enquanto as carpideiras choram
o destino ultrajante dos meninos
que perderam a fé na cama da heroína,
misturando o pó e o sangue
sobre os mapas do desespero dos crentes.
Tudo são hipóteses. Até a vida.
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 22
''Mariposas exaustas com a violência da luz.''
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 21
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sábado, 4 de janeiro de 2020
«Perde um anzol na boca das cores
e um fio de horizonte no cansaço dos olhos.»
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 13
e um fio de horizonte no cansaço dos olhos.»
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 13
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Sem nunca avisar que chego
Poiso na tua casa como as gaivotas brancas,
com restos de comida e farrapos de sonho,
sem nunca avisar que chego, intruso quase,
sem nunca anunciar que parto, herege sempre,
sem nunca te dizer quanto te quero, imperfeito.
Doem-me as feridas onde me dói a alma,
no mesmo círculo de pele calcinada
por soporíferos, querelas e adagas. Tanta dor.
Fica um aroma de jasmim nas roupas,
um hálito de espuma nos lábios
que soletram as canções antigas. Lembras-te?
Cruzámos o destino das casas na esquina
sem sol de uma mesma rua, nómadas,
mangas arregaçadas para descobrir ouro
nas caves, no cimento das fundações.
O ouro do amor perdido, entenda-se.
Passa-se tanto tempo à espera
que um poema resuma um projecto,
uma existência sonegada à feira dos olhares.
Toco-te à porta e sei que estás, afortunado,
como a pedra altaneira que amansa e acolhe
a fúria passageira do mar. Vou amarelecendo
com a idade nos retratos e nas histórias.
Tu bem sabes que o tempo, sempre o tempo,
só é inclemente e severo se nós deixarmos.
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«Acorrerei sem dor ao teu chamamento,
quando a última lua iluminar, ao crepúsculo,
o cesto dos alperces no terreiro da casa.»
quando a última lua iluminar, ao crepúsculo,
o cesto dos alperces no terreiro da casa.»
José Jorge Letria. Os Mares Interiores. Editorial Teorema, Lisboa, 2001., p. 11
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2020
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
domingo, 20 de março de 2016
'' o meu olhar fixo colado às tuas asas.''
José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 69
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verso solto
«Os cães estão deitados à tua espera.
Ninguém tocou nas tuas roupas ou mudou
o sítio dos teus parcos objectos.
A tua falta é uma clareira aberta
no coração dos dias. Eu retorno à escrita,
vacilante, animal atordoado pelo estio,
agastado por um desespero grave e incolor.
Os cães ladram à espera que regresses,
percorrem a noite de extremo a extremo
com o seu passo miúdo, e eu fico de pé
com o sal das lágrimas a arder nos lábios.
Não te demores, que há uma incandescente
flor azul no lugar onde te sentavas,
um livro ilegível à míngua de enredo,
uma concha de murmúrios em que te digo:
a tua voz continua a iluminar os quartos.»
José Jorge Letria. O Fantasma da Obra II. Antologia Poética 1993-2001. Hugin, 2002, Lisboa, 2003., p. 63
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