Poiso na tua casa como as gaivotas brancas,
com restos de comida e farrapos de sonho,
sem nunca avisar que chego, intruso quase,
sem nunca anunciar que parto, herege sempre,
sem nunca te dizer quanto te quero, imperfeito.
Doem-me as feridas onde me dói a alma,
no mesmo círculo de pele calcinada
por soporíferos, querelas e adagas. Tanta dor.
Fica um aroma de jasmim nas roupas,
um hálito de espuma nos lábios
que soletram as canções antigas. Lembras-te?
Cruzámos o destino das casas na esquina
sem sol de uma mesma rua, nómadas,
mangas arregaçadas para descobrir ouro
nas caves, no cimento das fundações.
O ouro do amor perdido, entenda-se.
Passa-se tanto tempo à espera
que um poema resuma um projecto,
uma existência sonegada à feira dos olhares.
Toco-te à porta e sei que estás, afortunado,
como a pedra altaneira que amansa e acolhe
a fúria passageira do mar. Vou amarelecendo
com a idade nos retratos e nas histórias.
Tu bem sabes que o tempo, sempre o tempo,
só é inclemente e severo se nós deixarmos.
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