domingo, 24 de novembro de 2013
Once upon a time you dressed so fine
You threw the bums a dime in your prime, didn’t you?
People’d call, say, “Beware doll, you’re bound to fall”
You thought they were all kiddin’ you
You used to laugh about
Everybody that was hangin’ out
Now you don’t talk so loud
Now you don’t seem so proud
About having to be scrounging for your next meal
How does it feel
How does it feel
To be without a home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
You’ve gone to the finest school all right, Miss Lonely
But you know you only used to get juiced in it
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you’re gonna have to get used to it
You said you’d never compromise
With the mystery tramp, but now you realize
He’s not selling any alibis
As you stare into the vacuum of his eyes
And ask him do you want to make a deal?
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
You never turned around to see the frowns on the jugglers and the clowns
When they all come down and did tricks for you
You never understood that it ain’t no good
You shouldn’t let other people get your kicks for you
You used to ride on the chrome horse with your diplomat
Who carried on his shoulder a Siamese cat
Ain’t it hard when you discover that
He really wasn’t where it’s at
After he took from you everything he could steal
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
Princess on the steeple and all the pretty people
They’re drinkin’, thinkin’ that they got it made
Exchanging all kinds of precious gifts and things
But you’d better lift your diamond ring, you’d better pawn it babe
You used to be so amused
At Napoleon in rags and the language that he used
Go to him now, he calls you, you can’t refuse
When you got nothing, you got nothing to lose
You’re invisible now, you got no secrets to conceal
How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?
«Lá fora na noite andavam à procura dum louco. Tinha os olhos verdes, diziam, e tinha desposado uma senhora. Diziam que lhe tinha cortado os lábios porque sorria aos homens. Levaram-no, mas roubou a faca da cozinha e retalhou o guarda e evadiu-se para os vales brancos.»
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p. 46
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p. 46
«Se achasse o sono, o sono seria uma rapariga. Nas duas últimas noites, ao caminhar ou correr pela região deserta, tinha sonhado com aquele encontro. «Deita-te», diria ela, e dar-lhe-ia do seu vestido para ele se deitar, estendendo-se ao seu lado. Tinha ele sonhado, e as vergônteas sob os pés fugitivos feito um ruído como o roçagar do vestido dela, quando o inimigo gritou nos campos.»
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p. 45
«Achou que era uma mulher misteriosa que gostava do escuro porque era escuro. Era velho demais para questionar os segredos da escuridão, e agora, com o fato preto rasgado e molhado e as mãos finas envoltas nas ligaduras da estranha mulher, sentiu-se mais velho do que nunca.»
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p. 37
terça-feira, 19 de novembro de 2013
C'est la vie, mort de la Mort!
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 105
«Compreendo sem esforço
que o homem fica, às vezes, pensativo
como a querer chorar
...
Compreendo
que ele sabe que lhe quero,
que o odeio com afecto e, resumindo, me é indiferente...»
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 92
que o homem fica, às vezes, pensativo
como a querer chorar
...
Compreendo
que ele sabe que lhe quero,
que o odeio com afecto e, resumindo, me é indiferente...»
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 92
Perdeu o rosto no amor
«Existe um mutilado, não de um combatente mas de um abraço, não da guerra mas da paz. Perdeu o rosto no amor e não no ódio.»
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 84
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 84
You must leave now, take what you need, you think will last
But whatever you wish to keep, you better grab it fast
Yonder stands your orphan with his gun
Crying like a fire in the sun
Look out the saints are comin’ through
And it’s all over now, Baby Blue
The highway is for gamblers, better use your sense
Take what you have gathered from coincidence
The empty-handed painter from your streets
Is drawing crazy patterns on your sheets
This sky, too, is folding under you
And it’s all over now, Baby Blue
All your seasick sailors, they are rowing home
All your reindeer armies, are all going home
The lover who just walked out your door
Has taken all his blankets from the floor
The carpet, too, is moving under you
And it’s all over now, Baby Blue
Leave your stepping stones behind, something calls for you
Forget the dead you’ve left, they will not follow you
The vagabond who’s rapping at your door
Is standing in the clothes that you once wore
Strike another match, go start anew
And it’s all over now, Baby Blue
- JÁ NÃO VIVE NINGUÉM NA CASA - DIZES-ME -
«- Já não vive ninguém na casa - dizes-me -; todos partiram. A sala, o quarto, o pátio jazem despovoados. Já não resta ninguém, pois todos partiram.
E eu digo-te: Quando alguém parte, alguém fica. O ponto por onde passou um homem, já não está só. Unicamente está só, de solidão humana, o lugar por onde nenhum homem passou. As casas novas estão mais mortas que as velhas, porque as suas paredes são de pedra ou de aço, mas não de homens. Uma casa vem ao mundo não quando acabam de edificá-la, mas quando começam a habitá-la. Uma casa vive unicamente de homens, como um sepulcro. Daqui essa irresistível semelhança que há entre uma casa e um sepulcro. Somente que a casa se nutre da vida de um homem, enquanto que o sepulcro se nutre da morte do homem. Por isso a primeira está de pé, enquanto o segundo está deitado.
Todos partiram da casa, na realidade, mas todos na verdade ficaram. E não é a recordação deles o que fica, mas eles mesmos. E não é tão-pouco que eles fiquem na casa, mas que continuam pela casa. As funções e os actos partem da casa, de comboio ou de avião ou a cavalo, a pé ou arrastando-se. O que continua na casa é o órgão, o agente em gerúndio e em círculo. Os passos partiram, os beijos, os perdões, os crimes. O que continua na casa é o pé, os lábios, os olhos, o coração. As negações e as afirmações, o bem e o mal, dispersaram-se. O que continua na casa é o sujeito do acto.»
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 83
VOU FALAR DA ESPERANÇA
Eu não sofro esta dor como César Vallejo. Não padeço agora como artista, como homem nem como simples ser vivo sequer. Eu não sofro esta dor como católico, como maometano nem como ateu. Hoje sofro somente. Se não me chamasse César Vallejo, também sofreria esta mesma dor. Se não fosse artista, também a sofreria. Se não fosse homem nem ser vivo sequer, também a sofreria. Se não fosse católico, nem ateu nem maometano, também a sofreria. Hoje sofro deste mais fundo. Hoje sofro somente.
Padeço agora sem explicações. A minha dor é tão funda que não teve sequer causa nem carece de causa. Qual seria a sua causa? Onde está aquilo tão importante que deixasse de ser a sua causa? Nada é a sua causa; nada pôde deixar de ser a sua causa. Para que nasceu esta dor, por si mesma? Minha dor é do vento do norte e do vento do sul, como esses ovos neutros que algumas aves estranhas põem do vento. Se tivesse morrido a minha noiva, a minha dor seria igual. Se a vida fosse, enfim, de modo diferente, a minha dor seria igual. Hoje sofro desde mais alto. Hoje sofro somente.
Olho a dor do faminto e vejo que a sua fome anda tão longe do meu sofrimento, que por ficar em jejum até morrer, sairia sempre da minha sepultura uma fibra de erva, pelo menos. Do mesmo modo, o enamorado. Que sangue o seu mais engendrado, para o meu sem fonte sem consumo!
Eu cria até agora que todas as coisas do universo eram, inevitavelmente, pais ou filhos. Mas eis que a minha dor de hoje não é pai nem filho. Falta-lhe dorso para anoitecer, tanto como lhe sobra peito para amanhecer, e se a pusessem num quarto escuro não daria à luz e se a pusessem num quarto luminoso não daria sombra. Hoje sofro, suceda o que suceder. Hoje sofro somente.»
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 79/80
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
«Rezei à arvore», disse a criança.
«Reza sempre a uma árvore», disse o jardineiro, pensando no Calvário e no Éden.
«Rezo à árvore todas as noites.»
«Reza a uma árvore.»
O arame escorregou nos dentes.
«Eu rezo àquela árvore.»
O arame rebentou.
(...)
«Deus cresce em lugares estranhos», disse o velho. «As árvores d'Ele vêm ficar a lugares estranhos.»
À medida que ele ia desenrolando a história dos doze passos da cruz, a árvore acenou os ramos à criança. Uma voz de apóstolo elevou-se dos pulmões poluídos.
Então içaram-no a uma árvore e espetaram-lhe cravos na barriga e nos pés.
Havia o sangue do sol do meio-dia no tronco da antiga, manchando a casca.»
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p.24/5
«Estendeu a mão e acariciou o escuro, pensando sentir uma cabeça seca e de veludo deslizar sob os dedos e alojar-se, como nevoeiro, nas unhas. Mas nada havia. Abriu a porta da frente e as sombras escaparam para o jardim.»
Dylan Thomas. Uma Visão do Mar e outros contos. Tradução de Nuno Vidal, 2ª edição,Vega, Lisboa, p.22
mondar
conjugação
verbo transitivo
1. arrancar (ervas nocivas) de junto dos cereais; limpar
2. cortar (ramos secos ou desnecessários); desramar
3. desbastar (frutos ou plantas, quando, pela demasia, se prejudicam mutuamente)
4. figurado expurgar de tudo o que é supérfluo ou prejudicial
5. figurado corrigir
verbo intransitivo
fazer a monda
(Do latim mundāre, «limpar; purificar»)
verbo transitivo
1. arrancar (ervas nocivas) de junto dos cereais; limpar
2. cortar (ramos secos ou desnecessários); desramar
3. desbastar (frutos ou plantas, quando, pela demasia, se prejudicam mutuamente)
4. figurado expurgar de tudo o que é supérfluo ou prejudicial
5. figurado corrigir
verbo intransitivo
fazer a monda
(Do latim mundāre, «limpar; purificar»)
sábado, 16 de novembro de 2013
A VIOLÊNCIA DAS HORAS
Todos morreram.
Morreu D.Antónia, a rouca, que fazia pão barato na cidade.
Morreu no padre Santiago, que gostava de ser saudado pelos rapazes e as raparigas, respondendo a todos, fosse a quem fosse: «Bons dias, José! Bons dias, Maria!»
Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de meses, que também morreu, oito dias após a mãe.
Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herdade, enquanto costurava nas galerias, para Isidora, a criada de profissão, a honradíssima mulher.
Morreu um velho zarolho, não me lembro do nome, mas dormia ao sol da manhã, sentado à porta do funileiro da esquina.
Morreu Raio, o cão da minha altura, ferido por uma bala de não se sabe quem.
Morreu Lucas, meu cunhado nas paz das cinturas, de que me lembro quando chove e não há ninguém na minha experiência.
Morreu no meu revólver minha mãe, em meu punho a minha irmã e meu irmão na víscera sangrenta, os três ligados por um género triste de tristeza, no mês de Agosto de anos sucessivos.
Morreu o músico Méndez, alto e muito bêbedo, que solfejava no seu clarinete tocatas melancólicas, a cujo articulado adormeciam as galinhas do meu bairro, muito antes do pôr do Sol.
Morreu minha eternidade e eu estou a velá-la.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 75
Morreu D.Antónia, a rouca, que fazia pão barato na cidade.
Morreu no padre Santiago, que gostava de ser saudado pelos rapazes e as raparigas, respondendo a todos, fosse a quem fosse: «Bons dias, José! Bons dias, Maria!»
Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de meses, que também morreu, oito dias após a mãe.
Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herdade, enquanto costurava nas galerias, para Isidora, a criada de profissão, a honradíssima mulher.
Morreu um velho zarolho, não me lembro do nome, mas dormia ao sol da manhã, sentado à porta do funileiro da esquina.
Morreu Raio, o cão da minha altura, ferido por uma bala de não se sabe quem.
Morreu Lucas, meu cunhado nas paz das cinturas, de que me lembro quando chove e não há ninguém na minha experiência.
Morreu no meu revólver minha mãe, em meu punho a minha irmã e meu irmão na víscera sangrenta, os três ligados por um género triste de tristeza, no mês de Agosto de anos sucessivos.
Morreu o músico Méndez, alto e muito bêbedo, que solfejava no seu clarinete tocatas melancólicas, a cujo articulado adormeciam as galinhas do meu bairro, muito antes do pôr do Sol.
Morreu minha eternidade e eu estou a velá-la.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 75
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
LXXV
Estais mortos.
Que estranha maneira de estar mortos. Quem quer que seja
diria que não o estais. Mas, na verdade, estais mortos.
Flutuais nadamente por trás dessa membrana que, pêndulo
do zénite ao nadir, vem e vai de crepúsculo a crepúsculo,
vibrando diante da sonora caixa de uma ferida que não vos
dói. Digo-vos, pois, que a vida está no espelho, e que sois o
original, a morte.
Enquanto a onda vai, enquanto a onda vem, quão
impunemente se está morto. Só quando as águas se
quebram, nas margens enfrentadas e se dobram e dobram,
então transfigurai-vos e, julgando morrer, descobris a sexta
corda que já não é vossa.
Estais mortos, não tendo nunca antes vivido. Quem quer
que seja diria que, não sendo agora, fosses em outro tempo.
Mas, em verdade, vós sois os cadáveres de uma vida que
nunca foi. Triste destino. O não ter sido senão mortos
sempre. O ser folha seca sem ter sido verde jamais.
Orfandade de orfandades.
E contudo, os mortos não são, não podem ser cadáveres
de uma vida que ainda não viveram. Morreram sempre de
vida.
Estais mortos.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 70
Que estranha maneira de estar mortos. Quem quer que seja
diria que não o estais. Mas, na verdade, estais mortos.
Flutuais nadamente por trás dessa membrana que, pêndulo
do zénite ao nadir, vem e vai de crepúsculo a crepúsculo,
vibrando diante da sonora caixa de uma ferida que não vos
dói. Digo-vos, pois, que a vida está no espelho, e que sois o
original, a morte.
Enquanto a onda vai, enquanto a onda vem, quão
impunemente se está morto. Só quando as águas se
quebram, nas margens enfrentadas e se dobram e dobram,
então transfigurai-vos e, julgando morrer, descobris a sexta
corda que já não é vossa.
Estais mortos, não tendo nunca antes vivido. Quem quer
que seja diria que, não sendo agora, fosses em outro tempo.
Mas, em verdade, vós sois os cadáveres de uma vida que
nunca foi. Triste destino. O não ter sido senão mortos
sempre. O ser folha seca sem ter sido verde jamais.
Orfandade de orfandades.
E contudo, os mortos não são, não podem ser cadáveres
de uma vida que ainda não viveram. Morreram sempre de
vida.
Estais mortos.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 70
terça-feira, 12 de novembro de 2013
LVII
Caracterizados os pontos mais altos, os pontos
do amor, de ser maiúsculo, belo, jejuo, ab-
sorvo heroína para a dor, para o latejo
laço e contra a correcção.
Posso dizer que nos atraiçoaram? Não.
Que todos foram bons? Tão-pouco. Mas
ali está uma boa vontade, sem dúvida,
e, sobretudo, o ser assim.
E que quem se ame muito! Procuro-me
em meu próprio desígnio que devia ser obra
minha, em vão: nada conseguiu ser livre.
E contudo, quem me impele.
A que não me atrevo a fechar a quinta janela.
E o papel de amar-se e persistir junto às
horas e ao indevido
E o este e o aquele.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 63
do amor, de ser maiúsculo, belo, jejuo, ab-
sorvo heroína para a dor, para o latejo
laço e contra a correcção.
Posso dizer que nos atraiçoaram? Não.
Que todos foram bons? Tão-pouco. Mas
ali está uma boa vontade, sem dúvida,
e, sobretudo, o ser assim.
E que quem se ame muito! Procuro-me
em meu próprio desígnio que devia ser obra
minha, em vão: nada conseguiu ser livre.
E contudo, quem me impele.
A que não me atrevo a fechar a quinta janela.
E o papel de amar-se e persistir junto às
horas e ao indevido
E o este e o aquele.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 63
XV
Naquele canto, onde tantas noites
dormimos juntos, vim sentar-me agora,
a caminhar. A cama dos noivos mortos
foi retirada, ou passou-se talvez alguma coisa.
Vieste cedo para outros assuntos
e já não estás aqui. Este é o canto
onde a teu lado uma noite li,
entre teus ternos pontos,
um conto de Daudet. É o canto
amado. Não o confundas.
Pus-me a lembrar aqueles dias
de verão passados, teu entrar e sair,
pequena e cansada e pálida nos quartos.
Nesta noite chuvosa,
já longe de nós dois, salto de súbito...
São duas portas abrindo-se fechando-se
duas portas que vão ao vento vão e vêm
sombra a sombra.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 44
dormimos juntos, vim sentar-me agora,
a caminhar. A cama dos noivos mortos
foi retirada, ou passou-se talvez alguma coisa.
Vieste cedo para outros assuntos
e já não estás aqui. Este é o canto
onde a teu lado uma noite li,
entre teus ternos pontos,
um conto de Daudet. É o canto
amado. Não o confundas.
Pus-me a lembrar aqueles dias
de verão passados, teu entrar e sair,
pequena e cansada e pálida nos quartos.
Nesta noite chuvosa,
já longe de nós dois, salto de súbito...
São duas portas abrindo-se fechando-se
duas portas que vão ao vento vão e vêm
sombra a sombra.
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 44
XIII
Penso em teu sexo.
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
diante a ilharga madura do dia.
Apalpo o botão de gozo, está maduro.
E morre um sentimento antigo
degenerado em prudência.
Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da Sombra,
embora a Morte conceba e dê à luz
do próprio Deus.
Oh Consciência,
penso, sim, no bicho livre
que goza onde quer, onde pode.
Oh, escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mudo.
Odumodnortse!
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 43
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
diante a ilharga madura do dia.
Apalpo o botão de gozo, está maduro.
E morre um sentimento antigo
degenerado em prudência.
Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da Sombra,
embora a Morte conceba e dê à luz
do próprio Deus.
Oh Consciência,
penso, sim, no bicho livre
que goza onde quer, onde pode.
Oh, escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mudo.
Odumodnortse!
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 43
ÁGAPE
Hoje ninguém veio perguntar alguma coisa;
nem nesta tarde ninguém me pediu nada,
Não vi sequer uma flor de cemitério
em tão alegre procissão de luzes.
Perdoa-me Senhor: morri tão pouco!
Nesta tarde todos, todos passam
sem nada me perguntar nem pedir nada.
E não sei o que esquecem e que fica
e minhas mãos tão mal, qual coisa alheia.
Saí até à porta,
tenho vontade de gritar a todos:
Se alguma coisa vos falta, ela está aqui!
Porque em todas as tardes desta vida,
não sei que portas nos atiram na cara
e algo estranho se apodera da minha alma.
Não veio ninguém hoje;
e que pouco hoje nesta tarde morri!
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 32
nem nesta tarde ninguém me pediu nada,
Não vi sequer uma flor de cemitério
em tão alegre procissão de luzes.
Perdoa-me Senhor: morri tão pouco!
Nesta tarde todos, todos passam
sem nada me perguntar nem pedir nada.
E não sei o que esquecem e que fica
e minhas mãos tão mal, qual coisa alheia.
Saí até à porta,
tenho vontade de gritar a todos:
Se alguma coisa vos falta, ela está aqui!
Porque em todas as tardes desta vida,
não sei que portas nos atiram na cara
e algo estranho se apodera da minha alma.
Não veio ninguém hoje;
e que pouco hoje nesta tarde morri!
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 32
O eu e o não-eu
«O eu e o não-eu de Fichte travam um terrível combate neste espírito cheio de objectividade.»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 47
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 47
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
''Não é ainda este o último abismo.''
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 44
''levando no pensamento o vão fantasma desta noite''
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 43
«espectros onde sangra ainda o lugar do amor»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 32
« - deixai-o embriagar-se com o triunfo que acaba de obter, pois possui todos os recursos da dialéctica e, com ele, não tereis nunca a última palavra sobre o que quer que seja.»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 19
dialéctica
nome feminino
1. arte de argumentar ou discutir, através do raciocínio e com o objectivo de demonstrar algo
2. pejorativo argumentação enganosa e subtil
3. FILOSOFIA processo de um pensamento que toma consciência de si mesmo e se exprime por afirmações antitéticas que uma síntese englobante procura reduzir
4. FILOSOFIA processo de um pensamento ou de um devir que progride por uma alternância de movimentos de sentido inverso ou por um jogo de causalidade recíproca
5. FILOSOFIA método para compreender o objecto de um estudo, que consiste em colocá-lo de novo na realidade movente, histórica, concreta
6. FILOSOFIA (Aristóteles) dedução a partir de proposições simplesmente prováveis
7. FILOSOFIA (Escolásticos) lógica formal
8. FILOSOFIA (Kant) lógica de aparência
9. FILOSOFIA (Hegel, Marx) processo pelo qual o pensamento (que se confunde com o ser) se desenvolve segundo um ritmo ternário: tese, antítese, síntese
(Do grego dialektiké (tékhne), «a arte de discutir», pelo latim dialectĭca-, «dialética»)
1. arte de argumentar ou discutir, através do raciocínio e com o objectivo de demonstrar algo
2. pejorativo argumentação enganosa e subtil
3. FILOSOFIA processo de um pensamento que toma consciência de si mesmo e se exprime por afirmações antitéticas que uma síntese englobante procura reduzir
4. FILOSOFIA processo de um pensamento ou de um devir que progride por uma alternância de movimentos de sentido inverso ou por um jogo de causalidade recíproca
5. FILOSOFIA método para compreender o objecto de um estudo, que consiste em colocá-lo de novo na realidade movente, histórica, concreta
6. FILOSOFIA (Aristóteles) dedução a partir de proposições simplesmente prováveis
7. FILOSOFIA (Escolásticos) lógica formal
8. FILOSOFIA (Kant) lógica de aparência
9. FILOSOFIA (Hegel, Marx) processo pelo qual o pensamento (que se confunde com o ser) se desenvolve segundo um ritmo ternário: tese, antítese, síntese
(Do grego dialektiké (tékhne), «a arte de discutir», pelo latim dialectĭca-, «dialética»)
« o que não tinha remédio remediado estava»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 173
«Depois, passando do amargo sarcasmo à cólera, fez a singular declaração de que o «verme morde quando é pisado»; e, por fim, entregou-se a um terno pesar dizendo que se, ao menos, os culpados tivessem confiando nela, quantas coisas não lhes poderia ela ter sugerido!»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 172
domingo, 10 de novembro de 2013
Com o tempo, a paixão das grandes viagens apaga-se ...
« Com o tempo, a paixão das grandes viagens apaga-se, a menos que tenhamos viajado tanto tempo que nos tornemos estranhos à pátria. O círculo estreita-se cada vez mais, aproximando-se pouco a pouco do lar. - Não podendo afastar-me muito nesse Outono, formara o projecto de uma simples viagem a Meaux.»
Gérard de Nerval. As Noites de Outubro. Contos realistas fantásticos. Colecção: Contemporâneos de Sempre. Tradução António Gonçalves e Isabel Vieira. Vega, Lisboa., p. 17
já tive que ferir e defender-me
«Como sabem, não sou de muitas meiguices; já tive que ferir e defender-me. Várias vezes resisti e ataquei - a única forma, afinal, de resistir - sem atender ao preço e para acatar exigências deste género da vida em que fiz a asneira de me meter. Já vi o demónio da violência, o demónio da cupidez, o demónio do mais incendiado desejo, mas - por todas as estrelas do céu!- estes demónios fortes, vigorosos, com o olhar vermelho que domina e atiça os homens - digo homens, reparem lá bem.»
Joseph Conrad. O Coração das Trevas. Tradução e Introdução de Aníbal Fernandes.
Editorial Estampa, Lisboa, 1983., p. 31
Etiquetas:
escritor britânico de origem polaca,
Joseph Conrad
sábado, 9 de novembro de 2013
« V. - Não preciso de vo-lo dizer; revelo-me, como já alguém afirmou, pela fronte e pelo olhar e, se alguém me quisesse tomar por Minerva ou pela Sabedoria, desenganá-lo-ia, sem precisar de discursos, com um único olhar, pois o espelho da alma é sempre o menos enganador. Nunca simulo no rosto o que me não vai no coração. Sou sempre igual a mim própria e nunca uso de disfarce, como os que pretendem passar por sábios e se passeiam como macacos vestidos de púrpura ou asnos cobertos com uma pele de leão. Qualquer que seja o disfarce, as orelhas acabam sempre por atraiçoar o velho Midas.»
Midas - desesperado com as suas orelhas, procurou escondê-las. O segredo foi descoberto pelo barbeiro, que, não podendo guardá-lo, resolveu cavar um buraco e aí o ocultar. Porém, as roseiras que cresceram nesse local repetiam a quem passava, sempre que o vento as abanava, o segredo das orelhas de Midas.
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 18/9
«Agrada-me fazer de sofista à vossa frente, não porém como aqueles que metem na cabeça dos jovens bagatelas enfadonhas e os ensinam a discutir com mais teimosia que as mulheres.»
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 16
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 16
sofisma
nome masculino
1. FILOSOFIA, LÓGICA erro de pensamento em que, deliberadamente, se empregam argumentos falsos, com aparência de verdadeiros; falácia
2. qualquer argumentação que procura induzir alguém em erro
3. popular ato de má-fé usado para enganar alguém; dolo, engano
(Do grego sóphisma, «subtileza de sofista», pelo latim sophisma, «idem»)
«Quando vos vejo agora, ébrios do néctar dos deuses de Homero, misturado a um pouco de nepentes, enquanto, há um momento ainda, estáveis para aí sentados, inquietos e tristes, como se acabásseis de chegar do antro de Trofónio.»
_______________
nepentes - planta, cujo suco, misturado ao vinho, provocaria o esquecimento das preocupações e cuidados.
Trofónio - Legendário assassino, em cujo antro se encontrava um oráculo cuja consulta provocaria a tristeza para toda a vida.
Erasmo. O Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas de Maria Isabel Gonçalves Tomás. Livros de bolso Europa-América., p. 15
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
« - Sim, tenciono dar-lhe a maior prova de ternura que me for possível e fazer-lhe a maior reparação. Para conseguir o meu fim, libertá-la-ei do sofrimento diário de um casamento desigual e da luta que lhe impõe o ter de o esconder. Ficará tão livre quanto estiver na minha mão fazê-lo.»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 143
terça-feira, 5 de novembro de 2013
«Pode ser a sua paciente companheira na velhice e nos achaques que a acompanham; a sua desvelada enfermeira na doença, a sua constante amiga no sofrimento e nos desgostos; trabalhar incansavelmente para o ajudar e por amor dele; velar por ele, consolá-lo...sentar-se junto do seu leito e conversar com ele, quando estiver acordado, e pedir a Deus por ele, quando estiver dormindo - que privilégios! Que de oportunidades para lhe provar a lealdade do seu amor. Será ela pessoa para fazer tudo isto?»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 82
« (...) mas os seus desolados pensamentos não se manifestaram em palavras.»
«Três ou quatro vezes sacudiu a cabeça como se lamentasse a perda de qualquer pessoa ou recordação, mas os seus desolados pensamentos não se manifestaram em palavras.»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 78/9
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 78/9
«-Diz o provérbio que, quando um pássaro sabe cantar e não quer, é preciso forçá-lo - rosnou Tackleton. - E que dirá o provérbio do mocho que não sabe cantar, que não deve cantar e que teima em cantar? A esse não há nada que se lhe obrigue a fazer?»
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p. 74
«A sua alma perversa regalava-se com essas fantasias macabras.
Eram o seu único alívio e a sua válvula de segurança, e revelava-se magistral nessas invenções. Tudo o quanto sugerisse monstruosidade, fantasmagoria, bruxedo, deliciava-o. »
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p.
Eram o seu único alívio e a sua válvula de segurança, e revelava-se magistral nessas invenções. Tudo o quanto sugerisse monstruosidade, fantasmagoria, bruxedo, deliciava-o. »
Charles Dickens. O Grilo da Lareira. Tradução de Margarida Barbosa. Colecção Contos e Novelas. Editorial «GLEBA», Lisboa, 1945., p.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
domingo, 3 de novembro de 2013
«Clara adormece umas ruas mais à frente com a mesma imagem perfurada. O toque do telefone trespassa-lhe o sono. Os cravos inchados de vermelho erguem-se no escuro, a água brilha dentro da jarra. Estou em Viena, diz Pavel, em breve irá alguém a tua casa e dar-te-á o meu endereço e um passaporte, tens de vir imediatamente, senão já cá não estarei.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 232/3
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Já então a raposa era o caçador
«Eras capaz de abrir os dois cadáveres, perguntou Adina, Paul abriu e fechou a tesoura das unhas, seria pior do que ter de olhar as entranhas da minha mãe e do meu pai, disse ele. O meu pai batia-me muitas vezes, eu tinha medo dele. Às refeições, quando eu via a sua mãe segurar o pão, o meu medo passava. Nesse momento ele era como eu, nesse momento éramos iguais. Mas quando me batia, eu não conseguia imaginar que era também com aquela mão que ele levava o pão à boca.
Paul respirou fundo do cansaço de tantos dias. No lugar onde outros têm o coração, eles têm um cemitério, disse Adina, só têm mortos entre as suas têmporas, pequenos e sanguinolentos como framboesas enregeladas. Paul esfregou as lágrimas dos olhos, causam-me repugnância e eu sinto-me compelido a chorá-los. De onde vem esta comiseração, pergunta ele.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 232
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Já então a raposa era o caçador
«Para ti, a separação significa que eu esteja sempre disponível, diz Paul, mas nunca durma contigo. O cigarro incandesceu e devorou-se a si mesmo na sua boca.
Não fales, disse Adina, tenho a cabeça a estourar.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 221
Não fales, disse Adina, tenho a cabeça a estourar.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 221
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Já então a raposa era o caçador
«O caminho conhece-se a si próprio, não tem distância. Os passos desfocam-se e são sempre iguais.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 194
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 194
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Já então a raposa era o caçador
O JOGO DAS VESPAS
«No rosto da criança dos olhos muito afastados e das têmporas estreitas é patente logo de manhã a marca da solidão. A criança senta-se no banco no meio de outras crianças e senta-se sozinha. Os globos oculares estão vermelhos, os círculos castanhos lá dentro desbotados.
Duas vezes por aula, Adina sente-se tentada a chamar a criança ao quadro. Vê-lhe nos olhos, que atravessam a janela, que os seus pensamentos não param deste lado do vidro. São olhos de quem tem muito que cismar. Então Adina chama ao quadro uma criança que se senta à frente da criança ausente. E depois uma criança que se senta ao lado da criança ausente. Nas têmporas estreitas da criança, os olhos partiram para tão longe que não dão por nada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 191
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Já então a raposa era o caçador
«Quando a alegria rebenta, fica sozinho consigo mesmo. Torna-se então um estranho.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 189
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Já então a raposa era o caçador
«Quando ela começou a envelhecer, começou o marido a manter-se jovem, disse Clara, remoçando cada vez mais a seu lado. Como se a tivesse espiado, poupado a própria pele à custa dela. Como se a minha mãe, também por ele, se tivesse deixado murchar. Não me quero tornar numa pessoa assim, disse Clara, não se deve ser assim. Depois tudo nele se precipitou. O que com ela era o seu forte, passou a ser o seu fraco. Chegou um verão à cidade, que era para ele como o primeiro. Não conseguiu aguentar-se sem ela nesse primeiro verão e seguiu-a para a sepultura.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188/9
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Já então a raposa era o caçador
«Passam sobretudos em lugar de pessoas, é novembro que caminha dentro de sobretudos. Na segunda semana, ele é tão melancólico e velho que já com a manhã chega o entardecer.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
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Já então a raposa era o caçador
«O que a boca molhada grita é uma brasa sobre a língua. A sua cólera é ódio, e tão negro como o seu casaco.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 188
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Já então a raposa era o caçador
«Está ali na cidade um inverno em que a água nem sequer se resfria em gelo, em que os velhos carregam as vidas passadas como sobretudos. Um inverno em que os novos têm de odiar-se como à infelicidade, quando a suspeita de felicidade lhes sobrevém entre as têmporas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 183
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Já então a raposa era o caçador
'' eu ouvia o espancamento, escrevi tudo.''
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 182
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quarta-feira, 30 de outubro de 2013
terça-feira, 29 de outubro de 2013
Agradas-me
«Agradas-me, diz ele, e cospe para cima da pedra uma casca de girassol, és boa na cama. Há ali perto um banco e em cima do banco está uma garrafa vazia, és de certeza boa a foder, diz ele, e sobre o próximo banco empinam-se de ferro os pregos despidos onde antes havia uma tábua para sentar. Ela diz: desaparece e senta-se no terceiro banco vazio. Ela chega-se para o meio, ele cospe a casca de girassol para cima do banco, ela encosta-se para trás. Ele senta-se. Não lhe faltam para aí bancos, diz ela e chega-se para a ponta, ele encosta-se para trás e olha-a no rosto. Ela já não está encostada, desapareça ou eu grito, diz ela. Ele levanta-se, não faz mal, diz ele, não faz mal. Ri-se para dentro, abre as calças, segura o seu membro na mão. Então despeço-me, diz ele, e mija para o rio. Ela levanta-se, a língua sobe-lhe até aos olhos, de nojo, ao primeiro passo não vê as lajes de pedra. Sente a cabeça encher-se de água fria pelas duas orelhas. Ele sacode as pingas do membro. Eu pago-te, grita ele atrás dela, eu dou-te cem lei, eu mijo-te na boca.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 178/9
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Já então a raposa era o caçador
«Mas os ramos estalam e as gralhas voam para os ninhos e grasnam, pressentem o nevoeiro que lentamente se derrama sobre as árvores.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 171/2
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 171/2
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Já então a raposa era o caçador
«Despe o casaco e os colãs. Deita-se na cama. Os dedos dos pés estão frios, a camisa de noite, a cama
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
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Já então a raposa era o caçador
«Despe o casaco e os colãs. Deita-se na cama. Os dedos dos pés estão frios, a camisa de noite, a cama
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
estão frias. Os olhos estão frios. Ouve o coração bater na almofada.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 168
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Já então a raposa era o caçador
«E este é um relógio pendurado na parede, e esta é uma chave pousada na mesa, e lá fora um dia quase a nascer, eu não estou louca, agora são oito horas, e todos os dias são oito horas, e eu nunca me embebedei, quero embebedar-me agora, e não só quando forem dez horas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 164/5
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Já então a raposa era o caçador
«Aqui é preciso esquecer todos os dias, diz Ilie, de mim só sei uma coisa, que penso sempre em ti.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 158/9
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 158/9
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Já então a raposa era o caçador
«O sono também segue viagem, o suor de inverno tem um cheiro amargo, (...)»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 151/2
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Já então a raposa era o caçador
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Gérard de Nerval
«Era um homem que distendia as suas depressões (acabaria no suicídio) ...»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
(...)
«(...) e possuir uma personalidade estranha, tocada de períodos de loucura, que precisamente dava a tudo quanto escrevia um para além que andava arredado das letras de então.»
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
de A criança em Ruínas
José Luís Peixoto. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 324
5
encostávamos o dorso às paredes da casa
para sentir algo mais forte que nós
contra os medos que a pique nos devoram o
canto do olhar
éramos indefesos rebentos
enxertos que viviam da polpa dos sonhos
e ninguém podia entender-nos
de contra o esquecimento das mãos
João Ricardo Lopes. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 315
37.
psicanálise do Movimento: quem é louco e em que parte do Corpo.
qual o órgão louco?
o espaço louco?
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
qual o órgão louco?
o espaço louco?
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 301
14.
A história da dança não é, não pode ser, o Percurso dos Movimentos
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.
Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens
do corpo que ficam atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.
de Livro da Dança
Gonçalo M. Tavares. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 299
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Sing me to sleep
à Marjan, onde quer que esteja
o tojo abundava nas vertentes,
havia as rochas, os montes amarelos,
o rumor fundo dos bichos na arcadura
das chãs.
entre o meu silêncio e o teu
cresceu um verso com a tua boca
perto dos meus sentidos.
sabíamos que a chuva regressaria
eventualmente, as tuas cartas
ainda as tenho.
de Geografia das Estações
Rui Pires Cabral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 236
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Dia dos namorados
Vingo com versos os dias em que a tristeza me não deixou fazer nada
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
vingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
primeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
e há sempre tanto por fazer escrever um livro ouvir falarem desta poesia
que me é sempre mais estranha do que qualquer outra se dela falo a
[própria vida
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amarvingo com versos o vento que se vai afastando o verão e segue o tempo
e o homem que nunca fui senão a pensar que só vive nestas páginas
traz na mão um ceptro de palavras futuras
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
mas vingo primeiro as vozes azuis junto à praia onde sonhei poder
[ter-te
e sei que jamais saberei a verdade que seria desconhecer o teu rostoprimeiro moreno depois de todas as cores onde te vi e te quis
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
e vingo esperar pelo meu amor à porta deste coração que nunca viste
mesmo quando o mar me abraçava e me devorava de beijos e tinhas
ciúmes
que hoje todas to retribuirão pelo menos um beijo àqueles que amam
sem que deixem de sentir ciúme desse ciúme mais antigo
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar
vingo quem hoje do belo não tenha um corpo
e abra este livro e me ajude a cravar os versos no teu rosto
julgando esta vida mais estranha do que qualquer outra
porque aqui não se pode amar senão deixar-se amar.
de A Arma do Rosto
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 227
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Amor, vi morrer a flor.
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 225
Eduquei a sensibilidade para sofrer mais tarde
Paulo José Miranda. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 221
«Adina quer ser o caçador, pensa Clara.
Tens mais medo do que eu, diz Adina. Não olhes para lá, não olhes mais para a raposa.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 142
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Já então a raposa era o caçador
« Tens medo, diz Adina, pareces a morte. E Clara assusta-se, o olhar é retilíneo e cortante. Clara vê um rosto que se foi embora. Está distorcido, as faces sozinhas, os lábios sozinhos, a um tempo inanimados e ávidos. Um rosto de perto e de frente igualmente vazio, como uma fotografia sem nada lá dentro.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 141
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«Desejava a raposa há tanto tempo que a alegria de a receber no dia seguinte era já meia razão para ter medo.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 140
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«o que sabemos nós não perguntamos.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 123
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«Na janela da frente está uma mulher a regar as petúnias. Já não é nova e ainda não é velha, dizia Paul há uns anos atrás. Já então ela tinha o cabelo ruivo-acastanhado de ondas grandes, então, quando Paul ainda vivia em casa de Adina. E o vidro da janela já então tinha aquela rachadura oblíqua. Passaram-se cinco anos, que não tocaram o rosto daquela mulher. O cabelo não ficou mais liso, mais desmaiado. E as petúnias brancas são todos anos outras e, contudo, as mesmas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 120
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terça-feira, 15 de outubro de 2013
«Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 207
«o dia mostrou as suas pálpebras tristes»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
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imagens,
Maria do Rosário Pedreira,
verso solto
« e o sol ferir-se nos espinhos das roseiras»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 205
«Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém.»
Maria do Rosário Pedreira. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 204
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«Outra vez sem selos, sem carimbo, sem remetente. Dentro do envelope está outra vez a folha quadriculada do tamanho de uma mão, rasgada de viés, outra vez a mesma frase com a mesma letra EU FODO-TE NA BOCA.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 96
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Já então a raposa era o caçador
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
«O sangue das melancias não consegue amarrar o prazer do oficial, nada resulta contra o prazer, porque ele voa, desenvencilha-se de tudo o que o prende. Voa para outras mulheres, porém, o sangue da melancia deposita-se à volta do coração do homem. Coalha e fecha o coração. O coração do oficial não consegue reter a imagem de outras mulheres, disse a filha da serviçal, o oficial consegue enganar a sua mulher, mas não consegue deixá-la.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 69
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domingo, 13 de outubro de 2013
«Dentro da retrete jaz algodão inchado. A água está ferrugenta, sorveu o sangue do algodão. A tampa da retrete tem coladas sementes de melancia.
Quando as mulheres trazem algodão entre as pernas, carregam no ventre o sangue das melancias. Todos os meses os dias das melancias e o peso das melancias, isso dói.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 68
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«(...), um morto por quem muito se chora, diz ele, torna-se uma árvore, e um morto por quem ninguém chora torna-se uma pedra. Mas se algures no mundo morre alguém e algures no mundo outros choram por ele, isso de que serve, diz a mulher, todos se tornam pedras.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 66
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Já então a raposa era o caçador
«Nas escadas da catedral está sentada uma velhota, veste meias grossas de lã, uma saia grossa plissada e uma blusa de linho branco. Junto dela está um cesto de vime com um pano molhado estendido por cima. Pavel levanta o pano. Lírios-verdes, ramalhetes da espessura de um dedo alinhados em carreiras, atados com fio branco até cima às flores. Por baixo um pano, e flores, e outra vez um pano, muitas camadas de flores e panos, e fio. Pavel tira dez ramalhetes do cesto, um para cada dedo, diz ele, a velhota puxa de dentro da blusa um cordel, do qual pende uma bolsa. Clara vê-lhe os bicos dos seios, que pendem da pele como dois parafusos. Nas mãos de Clara, as flores cheiram a ferro e a erva. Assim cheira a erva depois da chuva, no pátio traseiro da fábrica de arame.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 62
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Já então a raposa era o caçador
«(...)
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
Em certos dias, nem sabemos porquê
sentimo-nos estranhamente perto
daquelas coisas que buscamos muito
e continuam, no entanto, perdidas
dentro da nossa casa »
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 154
malogro
nome masculino
1. efeito de malograr; frustração; fracasso
2. acontecimento desfavorável; revés
Os versos
Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte
nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 150
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A casa onde às vezes regresso
A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
de A Que Distância Deixaste o Coração
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 147
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«(...)
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
não é mão é uma luz que sobre pela colina
um atalho entre as estevas
um incêndio na mata
a rapariga louca, grita contra a noite
na enseada
A mão preferida pelo silêncio
folheia o livro dos incêndios
torna-se irremediavelmente suja
sobre o muro traça os vincos
os primeiros versos
(...)»
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 143
Reconhecimento dos laços
aos meus pais
por todas as razões
agora tuas mãos estranhas ao medo
procuram um brilho mais puro, o lume
agora o tempo se mede por búzios
e os nomes flutuam mais leves que
as algas
podia abrigar duas formigas
e contar-te a história do mundo
desde que foi criado
podia se deixasses
escrever aquela história
da filha louca dos Matildes
a falar horas seguidas
da lucidez assustadora
deste poema
tudo podia
já que
os anjos do vento desenham na água
o fulgor inesperado
do teu gesto
de Os Dias Contados
José Tolentino Mendonça. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 141
«Por vezes estou sobre as facas como quem intenta.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 134
«Trazes a noite encostada às têmporas»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 133
limalha
nome feminino designação dos pequenos fragmentos ou do pó que se desprende de um corpo metálico quando se raspa com uma lima
«Cantam o outono nos olhos húmidos dos cães.»
Jorge Melícias. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 126
sábado, 12 de outubro de 2013
«aqui, no cabo Espichel, mostrou-me um rochedo o primeiro sinal de que escrever é pouca coisa e que, fechado o livro, é bem maior a abundância da sombra do que o que foi possível iluminar; não porque a perfeição seja calar mas há, talvez, no fim, a paixão do amor sem vestígios, o passeio vagaroso por uma neve que cubra todas as referências e que se ofereça a si própria como a mais alusiva das nossas contemplações.»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições., p. 25
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«eu conheço apenas algumas coisas, e ignoro outras;»
Maria Gabriela Llansol. Causa Amante. A Regra do Jogo, Edições
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Rising
I got caught in a storm
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
And carried away
I got turned, turned around
I got caught in a storm
That's what happened to me
So I didn't call
And you didn't see me for a while
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
I was caught in a storm
Things were flying around
And doors were slamming
And windows were breaking
And I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I couldn't hear what you were saying
I was rising up
Hitting the ground
And breaking and breaking
Rising up
Rising up
«Depois ainda havia a história do frasquinho de perfume, disse a filha da serviçal. A mulher trazia-o escondido na carteira, há anos que estava vazio. Tinha uma rosa lavrada no vidro, a tampa já um dia fora dourada, mas entretanto estava desgastada pelo uso. No bordo da tampa tinha gravados caracteres cirílicos, o frasco devia ter sido de perfume russo. Há uns anos tinha estado lá em casa um oficial russo de quem nunca se falava, um de olhos azuis. Porque a mulher às vezes dizia que os mais belos oficiais têm olhos azuis. O marido tinha olhos castanhos e às vezes dizia à mulher: tresandas de novo a rosas. Devia haver qualquer coisa de muito especial com o frasquinho, qualquer coisa triste, disse a filha da serviçal, molhou o lábio inferior e deixou a língua parada no canto da boca. Qualquer coisa que abre um desejo e fecha com um estrondo uma porta, disse ela, devia ter sido isso, porque não era a ausência do marido, mas trazer consigo o frasquinho vazio de perfume, o que fazia da mulher uma pessoa solitária. Por vezes, à mãe, até lhe parecia que a cabeça da mulher se afundava pelo pescoço abaixo e se metia pela mulher dentro, como se entre a laringe e os tornozelos houvesse escadas dentro da mulher, como se ela caminhasse com a cabeça por estas escadas, entrando por si dentro. Talvez porque a minha mãe vive na cave, disse a filha da serviçal. A mulher do oficial ficava metade do dia sentada à mesa e tinha os olhos penetrantemente vazios como flores ressequidas de girassol.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 36
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Serviçais
«Quando aparam a relva, têm no branco do olho um espelho onde foice e ancinho brilham como pente e tesoura. Os serviçais não confiam na própria pele, porque as mãos ao agarrar lançam sombras. Os seus crânios sabem que nasceram com as mãos sujas em ruas sujas. Que as suas mãos, agora mergulhadas em silêncio, jamais ficarão limpas. Somente velhas.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p. 32
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29
(...)
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
uma âncora na boca de um abraço prolongado
a memória (lenços de granito branco acenando
estranhos de força) é assim que do peito vem a
vontade de acender a permanência e por muito
tempo (por muito muito mais tempo ainda)
iremos falar desses olhos: pousados na sua mão
à Memória de Maria Antonieta Brito Evangelista
de Rua Trinta e Um de Fevereiro, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 107
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«além-pele com as pálpebras adormecidas»
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 103
4
cheguei há pouco do amor (cidade de gaivotas loucas
e luzes cegas). não concordas? eu sei já sei: vês as coisas
como falésias altas e impossíveis como ameias. cheguei há
pouco do amor e trago comigo esse discurso aprendiz:
o idealismo. desculpe mas o que pensa destas palavras
do recomeço (desse caminho) dóceis letras de promessa?
perdão perdão: há que ganhar o outro lado (uma
chama de cada vez). se bem me lembro em pequeno
as cigarras podiam ser domesticadas e cada adeus era
um veneno. obrigado: obrigado. também me pareceu
ser essa a sua opinião. cheguei há pouco do amor e
vejo as certezas do mundo como uma ilusão. receio
pelo eterno procuro a fantasia mas é sempre no
ventre dessas gaivotas que se dão os primeiros beijos
de Há Violinos na Tribo, '3'
João Luís Barreto Guimarães. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 99
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quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Segredo
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segredou-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
de Às Cegas, 'Poesia Reunida - 1990-2000'
Fernando Pinto do Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 86
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A dormir
As pálpebras fecham-se, cansadas, é quando somos
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
sem dimensão ou volume, intocáveis. Perdemos, porém,
a justa medida, já não crianças irreais, mas formigas
exemplares. Formigas são estupefacientes, máscaras
iconoclastas com o arrogante desejo de perdoar aos mortos.
A infecção das coisas passadas atravessa, com argúcia,
o sono e eu durmo, porque, acordada, teu corpo me ofende
familiar estranho contínuo, quanto te imagino sem o casaco
de abraçar bonecas. Podes, se quiseres, escrever beleza em
teu arquivo cruel enquanto eu ando à deriva por ter sonhado
mais um dia. Mas não aceitarei o menos para não estar só.
de Nós/Nudos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 46
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.
Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.
de Nocturnos
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 41/2
«cisne envenenado pelo sangue»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 39
«Existiam as tuas mãos.»
Ana Marques Gastão. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição., p. 36
Reflexos
Olho-te pelo reflexo
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
do vidro
e o coração da noite
E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadida de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti
de Coisas de Partir
Ana Luísa Amaral. Anos 90 E Agora. Uma antologia da nova poesia portuguesa. Selecção e organização Jorge Reis-Sá. Edições Quasi. 3ª Edição.
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quarta-feira, 9 de outubro de 2013
trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio
«Os clientes habituais diziam que a primeira mulher dele já morrera há muito e que ele não encontrara uma segunda porque trazia a aliança pendurada ao pescoço por um fio. O barbeiro dizia que o latoeiro nunca tivera mulher, que estivera quatro vezes noivo com aquele anel, mas casado nunca.»
Herta Müller. Já então a raposa era o caçador. Tradução do alemão por Aires Graça. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1ª ed. 2012., p.18
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