terça-feira, 11 de março de 2014


«Sim;
Mordi bocas que choravam
Para de novo as morder;
Depois, um dia, casei
Pra mais vida conhecer.»


António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 270

bibliófilo


« - Numa lágrima
Dizia
O meu passado e o meu presente.»

António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 269
(...)

Anoitece nos meus olhos.

- Se vens falar-me d'amor,
vê lá bem se isso é verdade.»


António Botto in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 265

OBSCURA PALAVRA DO DESERTO

"Em cada um de nós, dizia ele, há um livro que nos transforma em vocábulos, como o sangue se reforma no sangue. A cada palavra, a cada vocábulo corresponde um baque de coração.
O preço do livro é o preço de uma aliança."



Edmond Jabés. A Obscura Palavra do Deserto.

segunda-feira, 10 de março de 2014

PAÍS DA MAGIA #2



"Até neste país de magia será necessário as cidades que realmente me atraem mostrarem-se insuportáveis? Eu irritava-me, ficava como doido, lamentava já não ser criança para ter o direito de gritar, chorar, bater o pé, queixar-me a alguém. O que fazer?
Só ouvia reclamações:
Telefonaram-te. Acabam de te telefonar (ou devo dizer telecomunicar?). Obrigaram-te a voltar a telefonar... Isto o que significa?... Por que não respondeste?
Porque não podem conceber que se não entendam as mensagens ocultas, não leiam nas paredes palavras em maiúsculas, três vezes sublinhadas."

 


"No País da Magia"
Henri Michaux 
«De facto, a minha aparência é algo medonha, mas censurar-me é censurar a Deus. Pudesse eu recriar-me novamente, não te decepcionaria. Pudesse eu abarcar o mundo de pólo a pólo ou abraçar o oceano num amplexo, seria medido pela minha alma, a base da mente do homem.»





Poema de Isaac Watts com que Joseph Merrick terminava as suas cartas.

The Elephant Man: A Study in Human Dignity


Licambas - “lobo andante”

A raposa incendiou o ninho da águia, depois que esta, passando-se por sua amiga, lhe comeu as crias.

(Aesop. fab. I. 1 Hausrath e Archil., frr. 172-181 W.)
«o valor da palavra que, eficazmente manipulada, fere mais do que espadas e mata mais do
que os venenos mais mortíferos.»

... mas uma grande sabedoria eu possuo:
a quem me faz mal, responder com terríveis injúrias.


(Archil. fr. 126 West)
Coração, ó coração, por males sem remédio derrubado,
ergue-te! Defende-te dos inimigos, opondo-lhes um peito
adverso, firme suportando as ciladas dos que te são hostis!
Se venceres, em demasia não rejubiles,
nem, vencido, em casa te deites em pranto.
Alegra-te antes com as alegrias, dói-te com as tristezas,
sem exagero. Aprende bem o ritmo que domina os homens.



Arquíloco, (frg. 128 W.)

carpe diem

 «A solução única reservada aos homens é a fruição do momento – que Horácio haveria de formular magistralmente na máxima do carpe diem –, seja pelo envolvimento amoroso, pelo degustar de um bom vinho ou mesmo pelo prazer de uma borracheira menos contida.»
Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram.
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas,
em tempos ligeiras na dança, como pequenas corças.
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer?
alguém que não envelhece é algo que não pode existir.

Safo
Nós somos como as folhas que cria a florida estação
da Primavera, quando crescem depressa sob os raios do sol.
Como elas nos deleitamos num braço de tempo com as flores
da juventude, sem sabermos o que de mau ou de bom
nos virá dos deuses. Mas as negras Desgraças estão
ao nosso lado: uma delas segura o desfecho da áspera velhice;
a outra, o da morte. O fruto da juventude é tão breve
quanto é o tempo de o sol se espalhar sobre a terra.
Porém quando passa este fim de estação,
melhor do que ficar vivo é morrer logo.

Mimnermo

sintomatologia amorosa


«Num epodo de Arquíloco, publicado apenas em 1973 (frg. 196a W.)7 o sujeito seduz uma jovem, comparada a uma cerva, em campos verdejantes e odoríferos, terminando por sossegá-la e quase consumar o acto sexual (vv. 42-53):

Tais foram as minhas palavras. Tomei então a donzela
            e num leito de flores
            a estendi. Com sedoso manto
a cobri e o seu colo rodeei com meus braços,
            acalmando o seu sobressalto,
            tal como uma cerva ...
Os seus seios gentis com as mãos acariciei:
            tenra brilhava a sua pele,
            feitiço da sua juventude .
Todo o seu belo corpo percorri
           e então libertei o branco vigor,
           ao toque dos seus louros cabelos?


Cântico dos Cânticos (II. 8-13)

«Na literatura grega, a imagem mais comum é a do homem (identificado com o poeta) que persegue a sua presa por campos verdejantes, desejando tão só a consumação do amor. Ela foge, mas sabem ambos que a própria fuga é um esquema para aumentar o desejo e dar mais prazer ao encontro, que no fim se revelará inevitável.»


J. Tolentino Mendonça 21999: 12 refere já o paralelo com os textos do Papiro Harris 500 e do Papiro Chester Beatty I.
Imortal Afrodite do trono variegado,
filha de Zeus, urdidora de enganos, suplico-te:
com sofrimentos e angústias não subjugues,
ó rainha, o meu coração
(...)


Vem até mim, agora também! Salva-me da aflitiva
ansiedade; e para mim faz cumprir tudo o que
meu coração deseja ver cumprido; e tu própria
combate a meu lado.
o que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite?
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem.

frg. 1 W. de Mimnermo (vv. 1-2)

"É preciso pensar sobre este ponto: a vitória do invisível não brilha."

Pascal Quignard

BUCÓLICA

Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo.
De só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra.

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã.
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvalação do corpo.



"A Lume"
Luiza Neto Jorge 

«Queria falar e gaguejava.»

''recorreu à tabuada dos dedos''


«Ela reunira toda a coragem de muitos meses nesse comentário e ficara aturdida e ruborizada. Ninguém poderia conseguir que ela repetisse tal heroísmo.»

Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 40

domingo, 9 de março de 2014



«Vira tudo isso tantas vezes, entusiasmos e desalentos, e de tal modo misturados, que compreendera de uma vez para sempre que o marido só poderia sentir-se feliz com uma existência em que esses sentimentos se alternassem. Ela já evitava acompanhá-lo nas miragens e nos fracassos.»



Fernando NamoraO Trigo e o Joio, Círculo de Leitores., p. 38

O BELO VERSO




Apetecia-me escrever um belo verso.
Sonoro, elegante, correcto, de mármore!
Nele pôr o que outros me inspirassem.
O que ali aquele poeta estava cantando.
Ele o cantava e eu o repetia.
Acrescentava, desdobrava, acrescia da minha

                                         [ansiedade.

Mas verso bem feito!
Cheio do que se sonha, não do que se sente.
Parece-me pobre o que sinto.
E vulgar.
Estes olhos que sem querer se envidraçam,
                  [fúteis, sem recato, infantis, esta
                  [voz insegura, enfim, tudo isto...
Que figura iriam fazer dentro de um verso ele-
                 [gante, lapidar?
Belo verso, trair-te-iam, roubar-te-iam toda a
               [graça e até a ressonância, o êxtase
               [e aquela espécie de embalo que ao
               [espírito sempre dás.
Mas sinceramente me apetecia escrever um
                               [verso de mármore belo!
Tudo, tudo por causa daquele poema...»



Irene LisboaAntologia da Poesia Feminina Portuguesa - António Salvado., p. 157

O teu corpo é o meu corpo, 1996


página da artista: ver aqui

"a última romântica"

«Já não sou, meu amor, o que tu amas.
- Esse a quem deste as tuas mãos leais
- Há tempos que morreu! - não volta mais:
Veio o Diabo e atirou-o às chamas!»


António de Sousa in Adolfo Casais Monteiro. A Poesia da ''Presença''. Círculo de Poesia. Moraes Editores, Lisboa, 1972., p. 221

ESTRELA

Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
já de madrugada:
amar 
é entristecer
sem corrompermos
nada.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 192

LÁGRIMA


  A cada hora
o frio
que o sangue leva ao coração
nos gela como o rio
do tempo aos derradeiros glaciares
quando a espuma dos mares
se transformar em pedra.

Ah no deserto
do próprio céu gelado
pudesses tu suster ao menos na descida
uma estrela qualquer
e ao seu calor fundir a neve que bastasse
à lágrima pedida
pela nossa morte.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 179

O FUNDO DAS ÁGUAS

(...)

  «O que me espanta é a aceitação de cada dia. E desta angústia vou tecendo as palavras, desta água salgada e doce como as lágrimas e o sangue. Tecendo escuramente as palavras.»

Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 163
São as aves demais para chorar?

                               Afonso Duarte

     «Eis o que torna o amor mais forte:
       amar quem está tão próximo da morte.»


  Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 153

'seio viúvo'

''quanto mais sofro mais te perco''

Car j'imite...Tout le monde imite.
Tout le monde ne le dit pas.

Aragon

VILANCETE CASTELHANO DE GIL VICENTE


Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrimas for cumprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem.


Carlos de Oliveira. Obras de Carlos de Oliveira. Editorial Caminho, Lisboa, 1992., p. 143

Sayat Nova - Il colore del melograno

Sayat Nova - Il colore del melograno

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