sexta-feira, 8 de março de 2024

 Nome

Gosto da fome
com que me come
E do desespero
com que me devora
E como no meu corpo
goza
do meu corpo
goza
com meu corpo
goza

Gosto da sua boca sôfrega
Perdida na minha
língua trôpega
Numa dança descompassada

Não diga que estou errada
que em sua direção
meu passo é curto
Se dou dois para trás
é porque já todos
meus sentidos consome

Vê:
meu surto
tem seu nome


Ao Sabor da Maré

sobe a maré
quase ilhada,
já sei:
nenhuma fuga seca
é possível
nenhum esboço de caminho
a cada passo
mais pesados
meus pés marcados
pelo afogamento temo,
mas sigo
Mato-me ou vivo?


Mar e Som

Do teu nome emergem
Mar e Som

Marulham nas águas
do meu corpo as ondas
da tua rebentação
Meus olhos mareados
encontram sempre a ressaca
dos teus transbordantes
                – quando estamos em Alto-Mar
                e tudo é infinito horizonte
                de maresia e nossos ais

Teu nome
de Mar e Som
imerso imenso
em meu oceano de silêncio
e turbulências abissais


Renata de Castro

 Mães do Fogo

Súbita e absoluta tarântula
Filha de Nix, vieste fiar a febre em minhas terras.
Tuas agulhas vociferam convulsão em minhas células
Tenho a guerra alinhavada nas artérias
Em meu sangue os céus são dantescos
As estrelas suspiram ciladas
E meu peito troveja coroado pelo nevoeiro.

Enquanto envolves meus alvéolos com teu veludo devorador
E penteias meus pulmões com tuas asfixiantes sedas
Tambores fumegam nas mãos das matriarcas
Com seus clamores luminosos
As mães do fogo esmurram a escuridão
A seiva invade a névoa, o tear estremece.

Flutuo entre safiras cilíndricas
Deliro entre seringas e unguentos
Ouço o rumor dos ventres, o crepitar das preces
Respiro com bravura para atravessar o precipício.
As tapeçarias estão ruindo, os turíbulos labutam
Faíscas fulminam o labirinto
A mortalha é lacerada.
Nefasta fiandeira
Ateamos flamas em tuas teias
Sou néctar, renasço nefelibata.


Hausto

Melros esfumaçam sinfonias
Átomos uivam envilecidos
Reviro-me, volatizo véus
Lambendo ervas para serenar o fel.

As ninfas sopram sete fôlegos
Nervuras esvoaçam trevas
Sou bailarina tatuada no ar
Em apoteose, levito.


Anna Apolinário

 

que ou pessoa que nasceu na cidade

 ''Brincar é vaguear no desconhecido''

Carlos Neto



                                                        Fotografias da detenção de Maria José da Silva Ribeiro

“As mulheres eram sempre tidas como mentecaptas. Ninguém acreditava que fôssemos capazes de ir para rua. E fomos.”

Maria José Ribeiro

 “‘Deviam estar em casa a limpar o ranho aos filhos, a coser as meias aos maridos, mas não, andam para aqui, estas loucas.’'


https://www.publico.pt/multimedia/interactivo/como-as-mulheres-romperam-o-cerco/maria-jose-ribeiro 

quinta-feira, 7 de março de 2024

Bad Girls Go to Hell





 Bad Girls Go to Hell is a 1965 American sexploitation film written, produced and directed by Doris Wishman

 '' o amor é o rasteja 
pelo chão''


Charles Bukowski [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 63
 ''o amor é o teu pai num caixão
(que te odiava)''


Charles Bukowski [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 61
 ''Nada no ar senão canções
E não haver quem cante, não haver boca que saiba as canções?
Dizes-nos que uma mulher de coração desfeito de diz que é 
                                                                                          assim?

Será só isto?''  

Carl Sandburg [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 59
 ''Alegria em toda a parte -
Que a alegria te mate!
Põe-te a salvo das pequenas mortes.»


Carl Sandburg [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 55

''Dêem-me a fome, a dor e a penúria''

 Carl Sandburg [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 53


 

 ''A trabalhar, abatidas e asfixiadas, em troca de pão e salários,
A comer pó pela garganta e a morrer de coração vazio
Por uns trocos de ordenado nalgumas, poucas, noites de sábado.''


Carl Sandburg [EUA]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 52

''editoriais bolorentos''

 Bob Kaufman

«Que tempos são estes em que
Uma conversa sobre árvores é quase um crime»

Bertolt Brecht [Alemanha]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 47
 « - apenas um caçador errante
escorraçado da sua tribo
um homem com demónios no coração
que inesperadamente não se sente em casa
nas grandes divisões celestes da terra.»


LU YU 


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 28
 ''um velho tonto com o cérebro em chamas
a tropeçar por entre a neve''


Al Purdy [Canadá]

Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 24

Tonight

                                                                         Chinese photographer Jing Huang



 

 «MARTHA  Amores-perfeitos! Alecrim! Violência! O meu bouquet de noiva!»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 181

 « MARTHA  ...o George, que está algures lá fora no escuro...o George que é bom para mim e que eu trato mal; que me compreende e que eu rejeito; que consegue fazer-me rir, um riso que abafo na garganta; o George que me abraça de noite para me aquecer, e a quem eu mordo até fazer sangue; que continua a aprender os jogos que jogamos à mesma velocidade com que eu lhes mudo as regras; que sabe fazer-me feliz e eu não quero ser feliz, e sim, eu quero ser feliz. George e Martha: triste, triste, triste.

NICK (num eco, mas ainda não acreditando) Triste.

MARTHA   ... a quem não perdoo ter desistido; a quem não perdoo ter-me visto e ter dito: sim, pode ser isto; que cometeu o hediondo, doloroso, o insultuoso erro de me amar, e que tem de ser castigado por isso. George e Martha: triste, triste, triste. 

NICK    (confundido) Triste.

MARTHA   ...que tolera, o que é intolerável; que é bondoso, o que é cruel; que compreende, o que está para além da compreensão...»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 176/177

quarta-feira, 6 de março de 2024

 « GEORGE    Julguei que pelo menos estavas ...lúcida. Não sabia. Eu...não sabia.

MARTHA     (a raiva aumentando) Eu estou lúcida.

GEORGE     (como se ela fosse um insecto) Não...não...estás...doente.»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 143

Everything Happens to Me


 

 « MARTHA  Tenho o braço cansado de te chicotear.»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 143

 « MARTHA   TU AGUENTAS!

  GEORGE      EU NÃO AGUENTO!

  MARTHA      TU AGUENTAS! FOI POR ISSO QUE TE CASASTE COMIGO!»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 142

 ''Vá apanhar os cados...olhe à volta e faça o melhor que puder...ponha-se de pé.»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 140

 «O caminho para o coração de um homem passa por entre as coxas da sua mulher, não se esqueça disto.»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 108

 « NICK  Estou avisado. (Ri-se) São os tipo insidiosos como você que mais me preocupam, sabe. Filhos da puta incapazes...são os piores.»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 107

Trás-Os-Montes


 

 « GEORGE  E a Martha pinta círculos azuis à volta das coisas dela.»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 73

 ''Vou ser uma máquina de foder personalizada!''

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 69

''civilização de homens mansos''

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 67

« GEORGE   Oh, Martha...o teu vestido de ir à missa ao domingo!»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 49


 

«(...) você deve ser a senhora Fulana-de-Tal, mulher do Doutor Fulano-de-Tal.»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 31

 « À cegueira do espírito, à serenidade do coração e à ruína do fígado. Goela abaixo, todos.»

MARTHA (para todos) Saúde, queridos. (Todos bebem) Tu tens uma veia poética, George...um estilo à Dylan Thomas que me deixa toda molhadinha.

GEORGE   Rapariga ordinária! Com convidados aqui!»


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 28/9

 « MARTHA  Claro. « Sem misturas, não há tonturas.»

GEORGE      Os gostos da Martha, em matéria de bebidas, decaíram muito...Simplificaram-se com o                                passar dos anos...cristalizaram. Quando eu andava a cortejar a Martha, bem, não sei se esta                          é exactamente a palavra certa - mas, enfim, quando andava a cortejar a Martha...

MARTHA      (alegremente) Foder, queridinho!

GEORGE       (regressando com as bebidas de Honey e de Nick) De qualquer forma, quando eu andava a                          cortejar a Martha, ela pedia sempre as coisas mais inacreditáveis ! Nem imaginam! íamos                            a um bar...um bar, normal, punha-se a magicar e saía-se com ...brandy Alexander, frappés                            de creme de cacau, gimlets, cocktails flambeados...bebidas com sete camadas de álcool.»  


Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 28


"Hoje em dia conhecemos o preço de tudo e o valor de nada."

Oscar Wilde

terça-feira, 5 de março de 2024

segunda-feira, 4 de março de 2024


                                                  Chinese photographer Jing Huang

“Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim,
como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas,
nem tocar a margem”.

Hilda Hilst, escritora, poeta e dramaturga.

domingo, 3 de março de 2024

resmoneio

''poemas florais''


                                                          Chinese photographer Jing Huang

 (...)
'' - há que não ser amargo,
           há que não rejeitar,
há que não retirar-se
quando rejeitado:

o peso é demasiado

- há que dar
sem esperar recompensa
         tal como o pensamento.''

Alessandro Parronchi [Itália]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 16
 Penso no teu coração, como água
perdida num deserto
que em vão espera quem aí mate a sede.
Penso nele como uma árvore florida
em plena noite, que ninguém vê,
senão de vidros em fuga um viajante
que o tédio ou negócios levam para longe.

Como ave atemorizada
pelos lacunários de outrora
dos quais não encontra a saída e apenas cria
com o seu estridor uma solidão mais vasta.


Alessandro Parronchi [Itália]


Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 13

“When I’m with my camera, I follow my intuition. It’s better for me to capture something emotionally.”



Jing Huang was born in 1987 in Guangzhou, a city in south China with eleven million inhabitants. He studied photography at the Guangzhou Academy of Fine Arts until 2010, and currently lives and works as a photographer in Shenzhen.

IMENSIDÃO DA NOITE

 A meio da noite surge por vezes
uma pergunta, e a noite agiganta-se,
e é a imensa a noite até à angústia.
Como um barco sem luzes, silencioso,
assim sulca o nosso quarto tanto sombra
que o mundo parece sem limites.
Rodeia-nos o vazio, e a água é escura
mais densa ainda do que o sangue. Nada se ouve,
apenas um chapinhar de fundo lodo
lá no mais profundo dessa água:
é o nosso coração. Mas a noite
não cessa de crescer e é já um olho
de insuportável nudez a fitar
o nosso terror. E essa é a pergunta,
e a noite sabe-o e olha então 
(só às vezes) o desamparado ser 
que somos, com ternura, e o sono regressa.
E a infinita gruta que é o universo
novamente resplandece.

Abelardo Linares [Espanha]

Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 9


 

 Tanatose ou letissimulação 

 capacidade do animal de se fingir de morto.

Nossa Senhora das Angústias

domingo, 25 de fevereiro de 2024

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Grandmaster Flash & The Furious Five - The message ''Album Edit'' (1982)

''Deves aprender a amar-me.''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 119

 ''Não tens fé na tua própria linguagem.
Por isso investes
de autoridade os sinais
que não sabes ler com rigor.''


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 117

Babe Ruth - The Mexican

Bad Girls Go to Hell


Bad Girls Go to Hell is a 1965 American sexploitation film written, produced and directed by Doris Wishman

 (...)

« Mas vós só sabíeis chorar.
Queríeis que tudo vos fosse contado,
que nada fosse pensado por vós.

Foi então que percebi que o vosso pensamento
nada tinha de audaz nem possuía paixão:
faltava-vos as vossas próprias vidas,
as vossas próprias tragédias.
Por isso dei-vos vidas, dei-vos tragédias,
já que não vos chegavam as ferramentas.»


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 105

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Viburno

noveleiro

 ''um só gesto meu instalou-vos
no tempo e no paraíso''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 97

 '' Cada coisa/ que nasce é um fardo para mim: não consigo ter êxito/ com todos vós.''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 95

VÉSPERAS

 Tal como apareceste a Moisés, apareces-me
a mim, porque preciso de ti, ainda
que nem sempre. Vivo essencialmente
nas trevas. Quem sabe se não me estarás a treinas
para atender ao mais leve esplendor? Ou inflama-te
o desespero, como aos poetas? É a dor
que te leva a revelar a tua natureza? Esta tarde,
no mundo físico, esse a que costumas oferecer 
somente o teu silêncio, trepei
a pequena colina por sobre os mirtilos selvagens, descendo
metafisicamente, como faço nas minhas caminhadas: a fundura
a que fui chegou para mim te apiedares, tal como tens por vezes
piedade por outros que sofrem, e assim os favoreces
com dons teológicos? Tal como antecipavas,
não levantei os olhos. Por isso desceste tu até mim:
até aos meus pés, não na forma das folhas
encerradas do mirtilo selvagem, mas o teu ser ardente, vasto
posto de fogo, e mais além, o sol vermelho sem tombar nem se
erguer -
Eu não era criança; podia aproveitar as ilusões.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 91


 

The Last Poets

'' é melhor pensares duas vezes
antes de dizeres a alguém o que foi dito neste campo
e por quem.''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 83
 «Nesta tua longa e prolongada ausência, autorizas-me
a usar a terra, imaginando
que o teu investimento dará frutos.»


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 79

'' modo de expressar dor''

''clarão de cor''

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

''As Lágrimas e o Vento''


 

PERFILAD0S DE MEDO



Perfilados de medo, agradecemos

o medo que nos salva da loucura.

Decisão e coragem valem menos

e a vida sem viver é mais segura.


Aventureiros já sem aventura

perfilados de medo combatemos

irónicos fantasmas à procura

do que não fomos, do que não seremos.


Perfilados de medo, sem mais voz,

o coração nos dentes oprimido

os loucos, os fantasmas somos nós.


Rebanho pelo medo perseguido

já vivemos tão juntos e tão sós

que da vida perdemos o sentido.


Alexandre O’Neill, no livro “Poemas com Endereço”. Lisboa: Livraria Moraes Editora, 1962.


''O’Neill o homem dos três “cês”: Cama, Copos e Conversa''

Alexandre era, nas palavras da irmã Maria Amélia O’Neill, “o homem dos três “cês”: cama, copos e conversa.

Afectos e Tragédias

 « Tempos houve em que acreditei em ti: plantei uma figueira.
Aqui , no Vermont, nesta terra
sem Verão. Foi um ensaio: se a figueira viesse,
isso queria dizer que existias.»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 77

L'important c'est d'aimer


                                          Romy Schneider dans L'important c'est d'aimer

                                               Filme de 1975 dirigido por Andrzej Żuławski
 

IDLES - GRACE


Give me grace, make me pureWhen they're knocking at my doorMake me safe, away from harmHold me in my brother's armsMake me pure
I will not take when I fallBe the answer to my callWhen you need, I will comeI will wage his war is wonMake me pure
No god, no kingI said, love is the thingNo crown, no ringI said, love is the thingNo god, no kingI said, love is the thing
Give me grace, give me lightHold me up as I take flightMake me safe, away from harmPlease caress my swollen heartMake me pure
I'll be your handsI'll be your spineI will hear your burdened criesI will give myself to you
No god, no kingI said, love is the thingNo crown, no ringI said, love is the thingNo god, no kingI said, love is the thing

Estalagem da Raposa

 Cresci ao Deus dará. O mais estranho é que Deus deu.

1/1/16

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 219

 ''porque um poema não leva argamassa''


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 216

erva-de-passarinho

 SEIS POEMAS CONFIADOS À MEMÓRIA DE NORA MITRANI (*), de Alexandre O'Neill (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 — 21 de Agosto de 1986).

.
I
Para ti o tempo já não urge,
Amiga.
Agora és morta.
(Suicida?).
.
Já Pierrot-vomitando-fogo
(sempre ao serviço dos amantes)
não entra no nosso jogo
como dantes.
.
Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu não te dedicara
“aquele” adeus português...),
.
corre, lesto, como uma chama,
entre nós dois (o saltarim!)
e desafia-nos prà cama.
Esperas por mim?
.
II
Se eu pudesse dizer-te: — senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
ó amável bichinho, o pêlo fino;
depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginário, vão,
e incitar alguém — Vê se adivinhas…
Então um fértil jogo amor seria.
Não este descerrar a mão vazia!
.
III
Sê como és : o sol é bom,
o ar vivaz
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital...
.
E enquanto, doutro verde possuido,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!
.
IV
Passam os anos a caretear...
Com ou sem sorte,
não será tempo de viver, de amar,
de resistir à morte?
.
Ouve amor-o-eterno e o que ele diz
a quem se dá.
Não esperes pelo tempo : sê feliz
que a felicidade é já!
.
E a felicidade é esse rosto eleito
por ti,
é esse palmo de ternura e o jeito
com que sorri.
.
E a felicidade é a melancolia
que nesse rosto existe,
quando te quer dizer que só por ele
é bom estar triste...
.
Passem, então, os anos a deitar-nos
línguas de fora...
Se morrermos será de nos amarmos
em cada hora !
.
Mais um ano de esperança? Não o queiras
se a esperança é adiar,
e vive-o como se fosse a vida inteira
se tiveres de esperar!...
.
V
Eu estava bom p'ra morrer
nesse dia.
Não tinha fome nem sede,
nem alarme ou agonia.
.
Eu estava tal como está
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu já
tanto (nem se imagina!)
.
que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,
.
que não era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
só para enganar o morto
que dentro de si trazia.
.
Este é um modo de dizer
em que ninguém acredita,
mas não sei melhor dizer :
era assim que eu me sentia!
.
A solidão o que era?
O amor o que seria?
Já ninguém à minha espera,
para nenhures é que eu ia.
.
Eu estava bom pr'a morrer
— e ainda hoje morria...
Assim me quisesses dar
e tirar — só tu! — a vida.
.
VI
A que vens, solidão, com teu relógio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, ó camarada solidão?
.
Companheira, amiga, até amante,
até ausente, ó solidão, te amei,
como se ama o frio até o frio dar
a chama que tu dás, ó solidão!
.
A que vens, enfermeira? Não sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu não
é só para que os outros me julguem mais um outro,
é só para que um morto não tire o sono aos outros?
.
A que vens, solidão? Vai antes possuir
os que amam sem esperança e sem saber esperam,
dá-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, ó solidão!
.
.
— in “Poemas com endereço”, 1962;
— in “Poesias Completas”, introdução e organização de Miguel Tamen, Assírio & Alvim, 2000, p. 172-175.
.
.
(*) — Nora Mitrani (Sofia, Bulgária, 29 de Novembro de 1921 - Paris, 22 de Março de 1961), escritora e socióloga francesa de origem judaica e búlgara, veio a Lisboa dar umas conferências surrealistas em 1950, altura em que conheceu O'Neill e se apaixonaram. Querendo ir ter com ela a Paris, o poeta seria impedido por uma série de circunstâncias que envolveram a própria família e a PIDE. Pode ler o que ele contou sobre o assunto neste texto de ”Uma Coisa em Forma de Assim”: bit.ly/3kbEEyS.
.
Quando O’Neill foi finalmente a Paris, Nora Mitrani já tinha morrido em consequência de um cancro, com 39 anos, suspeitando-se de que possa ter-se antecipado ao fim anunciado.
.

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