domingo, 3 de março de 2024

IMENSIDÃO DA NOITE

 A meio da noite surge por vezes
uma pergunta, e a noite agiganta-se,
e é a imensa a noite até à angústia.
Como um barco sem luzes, silencioso,
assim sulca o nosso quarto tanto sombra
que o mundo parece sem limites.
Rodeia-nos o vazio, e a água é escura
mais densa ainda do que o sangue. Nada se ouve,
apenas um chapinhar de fundo lodo
lá no mais profundo dessa água:
é o nosso coração. Mas a noite
não cessa de crescer e é já um olho
de insuportável nudez a fitar
o nosso terror. E essa é a pergunta,
e a noite sabe-o e olha então 
(só às vezes) o desamparado ser 
que somos, com ternura, e o sono regressa.
E a infinita gruta que é o universo
novamente resplandece.

Abelardo Linares [Espanha]

Vasco Gato. Lacre. Traduções e Versões de Poesia. 5ª Edição. Língua Morta., p. 9

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