quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

VÉSPERAS

 Tal como apareceste a Moisés, apareces-me
a mim, porque preciso de ti, ainda
que nem sempre. Vivo essencialmente
nas trevas. Quem sabe se não me estarás a treinas
para atender ao mais leve esplendor? Ou inflama-te
o desespero, como aos poetas? É a dor
que te leva a revelar a tua natureza? Esta tarde,
no mundo físico, esse a que costumas oferecer 
somente o teu silêncio, trepei
a pequena colina por sobre os mirtilos selvagens, descendo
metafisicamente, como faço nas minhas caminhadas: a fundura
a que fui chegou para mim te apiedares, tal como tens por vezes
piedade por outros que sofrem, e assim os favoreces
com dons teológicos? Tal como antecipavas,
não levantei os olhos. Por isso desceste tu até mim:
até aos meus pés, não na forma das folhas
encerradas do mirtilo selvagem, mas o teu ser ardente, vasto
posto de fogo, e mais além, o sol vermelho sem tombar nem se
erguer -
Eu não era criança; podia aproveitar as ilusões.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 91

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