quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

 SEIS POEMAS CONFIADOS À MEMÓRIA DE NORA MITRANI (*), de Alexandre O'Neill (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 — 21 de Agosto de 1986).

.
I
Para ti o tempo já não urge,
Amiga.
Agora és morta.
(Suicida?).
.
Já Pierrot-vomitando-fogo
(sempre ao serviço dos amantes)
não entra no nosso jogo
como dantes.
.
Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu não te dedicara
“aquele” adeus português...),
.
corre, lesto, como uma chama,
entre nós dois (o saltarim!)
e desafia-nos prà cama.
Esperas por mim?
.
II
Se eu pudesse dizer-te: — senta aqui
nos meus joelhos, deixa-me alisar-te,
ó amável bichinho, o pêlo fino;
depois, a contra-pêlo, provocar-te!
Se eu pudesse juntar no mesmo fio
(infinito colar!) cada arrepio
que aos viajeiros comprazidos dedos
fizesse descobrir novos enredos!
Se eu pudesse fechar-te nesta mão,
tecedeira fiel de tantas linhas,
de tanto enredo imaginário, vão,
e incitar alguém — Vê se adivinhas…
Então um fértil jogo amor seria.
Não este descerrar a mão vazia!
.
III
Sê como és : o sol é bom,
o ar vivaz
Do azul aos azuis, do verde aos verdes,
a terra é menina e o tempo rapaz.
.
Também tu és menina
(um bichinho rebelde, de tão natural!)
e correr descalça era mesmo o que querias,
mas seria indecente nesta capital...
.
E enquanto, doutro verde possuido,
em versos me explico, bem ou mal,
à primavera corres, já descalça,
por uma relva ideal!
.
IV
Passam os anos a caretear...
Com ou sem sorte,
não será tempo de viver, de amar,
de resistir à morte?
.
Ouve amor-o-eterno e o que ele diz
a quem se dá.
Não esperes pelo tempo : sê feliz
que a felicidade é já!
.
E a felicidade é esse rosto eleito
por ti,
é esse palmo de ternura e o jeito
com que sorri.
.
E a felicidade é a melancolia
que nesse rosto existe,
quando te quer dizer que só por ele
é bom estar triste...
.
Passem, então, os anos a deitar-nos
línguas de fora...
Se morrermos será de nos amarmos
em cada hora !
.
Mais um ano de esperança? Não o queiras
se a esperança é adiar,
e vive-o como se fosse a vida inteira
se tiveres de esperar!...
.
V
Eu estava bom p'ra morrer
nesse dia.
Não tinha fome nem sede,
nem alarme ou agonia.
.
Eu estava tal como está
esse que perdeu a amiga,
o homem que sofreu já
tanto (nem se imagina!)
.
que ficou bem atestado
de fadiga
e copiou-se em alegre,
mas de uma torpe alegria,
.
que não era mesmo alegre,
mas alegre se fingia
só para enganar o morto
que dentro de si trazia.
.
Este é um modo de dizer
em que ninguém acredita,
mas não sei melhor dizer :
era assim que eu me sentia!
.
A solidão o que era?
O amor o que seria?
Já ninguém à minha espera,
para nenhures é que eu ia.
.
Eu estava bom pr'a morrer
— e ainda hoje morria...
Assim me quisesses dar
e tirar — só tu! — a vida.
.
VI
A que vens, solidão, com teu relógio
de ponteiros de visgo, de bater de feltro?
Ombro nenhum ao meu ombro encostado,
a que vens, ó camarada solidão?
.
Companheira, amiga, até amante,
até ausente, ó solidão, te amei,
como se ama o frio até o frio dar
a chama que tu dás, ó solidão!
.
A que vens, enfermeira? Não sabes que estou morto,
que se digo o meu sim ou o meu não
é só para que os outros me julguem mais um outro,
é só para que um morto não tire o sono aos outros?
.
A que vens, solidão? Vai antes possuir
os que amam sem esperança e sem saber esperam,
dá-lhes o teu conforto, encosta-lhes ao ombro
o teu ombro nenhum, ó solidão!
.
.
— in “Poemas com endereço”, 1962;
— in “Poesias Completas”, introdução e organização de Miguel Tamen, Assírio & Alvim, 2000, p. 172-175.
.
.
(*) — Nora Mitrani (Sofia, Bulgária, 29 de Novembro de 1921 - Paris, 22 de Março de 1961), escritora e socióloga francesa de origem judaica e búlgara, veio a Lisboa dar umas conferências surrealistas em 1950, altura em que conheceu O'Neill e se apaixonaram. Querendo ir ter com ela a Paris, o poeta seria impedido por uma série de circunstâncias que envolveram a própria família e a PIDE. Pode ler o que ele contou sobre o assunto neste texto de ”Uma Coisa em Forma de Assim”: bit.ly/3kbEEyS.
.
Quando O’Neill foi finalmente a Paris, Nora Mitrani já tinha morrido em consequência de um cancro, com 39 anos, suspeitando-se de que possa ter-se antecipado ao fim anunciado.
.


Nora Mitrani . Fotografia de Fernando Lemos

 

MNEMÓNICA

 

(...)

« Um menino inventou uma mnemónica para o rio Limpopo: o rio limpa o pó.»

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 215

''José Veiga Simão (1929-2014) estabeleceu o direito à Educação num país que não era uma democracia.''

 

''o homem que aprendeu com o granito a não dobrar''

 Um direito nunca se agradece.

Um crime nunca se agradece.


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 213

rimmel


 

 ''As Vénus esteatopígias pré-históricas

são tão belas como a Vénus de Milo''


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 211
     Nos anos 70 havia raparigas em Lisboa que chamavam à
menstruação a história. É bem achado.

5/2/15


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 206

Olhai os Lírios do Campo

 Erico Veríssimo

Tive uma tia bisavó que dizia: de porco nunca ninguém morreu.

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 198

ditado sexista

 «não te fies em mulher que sabe latim nem em burra que faz IM»

calista

douleurs

 Teoria das Catástrofes é um teorema criado pelo matemático francês René Thom na década de 1950 

Vale

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

''A democracia muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente.''

 George Bernard Shaw (1856-1950, escritor)


A Mão e a Faca, 1949-1952 
                                                                           Fernando Lemos

''Aquilo que pedimos aos céus na maioria das vezes se encontra em nossas mãos.''

William Shakespeare

domingo, 18 de fevereiro de 2024

 “Não faço grande diferença entre os filmes e a vida, diria até que os filmes me ajudam a viver.”

Jean-Luc Godard

sábado, 17 de fevereiro de 2024

 “Sou terrivelmente desleixado… sou, sou! Ás vezes apanho multas por pagar os impostos fora do prazo(…) multas terríveis e postais com ameaças.” —  Carlos Paredes


terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

''áceres em fogo''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 69


 

 ''São fáceis os extremos. Só o meio
é o enigma.''

Louise Glück.
 A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 69

 '' é / árduo ser/ o animal descartável, / muito árduo.''


Louise Glück.
 A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 67
 ''Estas perguntas deviam
ser colocadas por ti, por ti,
não pelas tuas
vítimas. Devias saber
que quando te pavoneias entre nós
ouço duas vozes a falar:
uma que é o teu espírito, a outra,
as acções das tuas mãos.''

Louise Glück.
 A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 65
 ''A melhor coisa do mundo
é não ter
pensamento! Sentimentos,
ah, isso tenho: são
eles que me guiam. Tenho
um senhor no céu
chamado sol, para ele
me abro e lhe mostro 
o fogo do meu coração, igual
ao fogo da tua presença.''
(...)

Louise Glück.
 A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 63


 

 ''sobreviver / à adversidade aumenta / a sua cor.''



Louise Glück.
 A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 59

MATINAS

 O que é para ti o meu coração
se o partes tantas vezes,
como dedicado jardineiro estudando
a sua nova espécie? Experimenta
noutras coisas: como posso eu viver
em colónicas, como gostarias, se me impões
uma quarentena de angústia, separando-me 
dos membros saudáveis da 
tua própria tribo: não fazes isto
como o jardim, não discriminas
a rosa doente; deixa-la agitar as folhas
afáveis e infestadas no 
rosto das outras rosas, e os minúsculos afídios
saltam de planta em planta, provando uma vez mais
que eu sou a mais irrelevante das tuas criaturas, depois
do próspero afídio e da roseira trepadeira. Pai,
tu que és a causa da minha solidão, alivia
pelo menos a minha culpa; levanta
o estigma do isolamento, a menos
que seja teu desígnio tornares-me 
de novo e para sempre sã, tal como eu era
sã e plena na minha infância equivocada, 
ou então antes, quando estava sob o coração de minha mãe
batendo leve, ou antes ainda,
sem sonho, como um ser
primeiro que nunca morre.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 57

«(...), são sempre as árvores 
doentes as primeiras a ir, tinge-as a morte
de amarelo brilhante, enquanto alguns pássaros negros
cantam a recolher.»

Louise Glück.
A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 55

A ESCADA DE JACOB

 Aprisionada à terra,
não seria bom ir também
para o céu? Vivo
no jardim de uma senhora. Perdão, minha senhora,
a saudade destruiu-me a graça. Não sou
o que esperava. Mas
tal como homens e mulhres parecem
desejar-se, assim desejo eu
saber dos céus - e chega agora
a senhora com o seu lamento, estame nu
alcançando a janela que dá para a varanda. 
E no final, o quê? Uma pequena flor azul
como uma estrela. Nunca
deixar o mundo! Não é isto 
o que dizem as suas lágrimas?

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 53


Tudo o que for vivente tem / Uma queixa que o percorre /

E quando um dia a vida morre / A morte morre também /

Essa já não mata ninguém / Onde nasceu se sumiu /

P’ra esse corpo serviu / Ali fez as contas do povo /

Não vai de um p’ra outro corpo / Porque a morte nunca existiu


(poema do poeta popular António Joaquim Lança
musicado e cantado por José Mário Branco no álbum 
Margem de Certa Maneira)

''volta e reviravoltas metafísicas''


Folhas Caídas · de Aki Kaurismäki

 ''O papel do coração é empurrar o sangue.''

Agostinho da Silva

 "O sono da razão produz monstros", lembra a obra de Albrecht Dürer

Crise das Ideologias

 ''Muitas vezes se inventa sopa antes de se inventar a colher.''

Agostinho da Silva


 Adulto

Acabar morto


        Hilda Hilst. Fotomontagens de Fernando Lemos



Dez chamamentos ao amigo

.

I

.
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

.

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem

.

Te olhei. E há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

.

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

.

II

.
Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que nosso tempo é ágora.
Esplêndida avidez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

.

Há tanto tempo sua própria tessitura.

.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

.

III

.
Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia

.

E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo

.

Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga

.

E amavio contente o amor teria sido

.

IV

.
Minha medida? Amor.
E tua boca na minha
Imerecida.

.

Minha vergonha? O verso
Ardente. E o meu rosto
Reverso de quem sonha.

.

Meu chamamento? Sagitário
Ao meu lado
Enlaçado ao Touro.

.

Minha riqueza? Procura
Obstinada, tua presença
Em tudo: julho, agosto
Zodíaco antevisto, página

.

Ilustrada da revista
Editorial, jornal
Teia cindida.

.

Em cada canto da Casa
Evidência veemente
Do teu rosto.

.

V

.
Nós dois passamos. E os amigos
E toda minha seiva, meu suplício
De jamais ver, teu desamor também
Há de passar. Sou apenas poeta

.

E tu, lúcido, fazedor da palavra,
Inconsentido, nítido

.

Nós dois passamos porque assim é sempre.
E singular e raro este tempo inventivo
Circundando a palavra. Trevo escuro

.

Desmemoriado, coincidido e ardente
NO meu tempo de vida tão maduro.

.

VI

.
Sorrio quando penso
Em que lugar da sala
Guardarás o meu verso.
Distanciado
Dos teus livros políticos?
Na primeira gaveta
Mais próxima à janela?
Tu sorris quando lês
Ou te cansas de ver
Tamanha perdição
Amorável centelha
No meu rosto maduro?
E te pareço bela
Ou apenas pareço
Mais poeta talvez
E menos séria?
O que pensa o homem
Do poeta? Que não há verdade
Na minha embriaguez
E que me preferes
Amiga mais pacífica
E menos aventura?
Que é de todo impossível
Guardar na tua sala
Vestígio passional
Da minha linguagem?
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?

.

Ou é mesmo verdade

.

Que nunca me soubeste?

.

VII

.
Foi Julho sim. E nunca mais esqueço.
O ouro em mim, a palavra
Irisada na minha boca
A urgência de me dizer em amor
Tatuada de memória e confidência.
Setembro em enorme silêncio
Distancia meu rosto. Te pergunto:
De Julho em mim ainda se lembras?

.

Disseram-me os amigos que Saturno
Se refaz este ano. E é tigre
E é verdugo. E que os amantes

.

Pensativos, glaciais
Ficarão surdos ao canto comovido.
E em sendo assim, amor,
De que me adianta a mim, te dizer mais?

.

VIII

.
De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura

.

Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.

.

Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar.
Sem amargura. E que me deem

.

A enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando

.

— Fazedor de desgosto —
Que eu te esqueça.

.

IX

.
Esse poeta em mim sempre morrendo
Se tenta repetir salmodiado:
Como te conhecer, arquiteto do tempo
Como saber de mim, sem te saber?
Algidez do teu gesto, minha cegueira
E o casto incendiado momento
Se ao teu lado me vejo. As tardes
Fiandeiras, as tardes que eu amava,
Matéria da solidão, íntimas, claras
Sofrem a sonolência de umas águas
Como se um barco recusasse sempre
A liquidez. Minhas tardes dilatas

.

Sobre-existindo apenas
Porque à noite retomo a minha verdade:
Teu contorno, teu rosto, álgido sim

.

E por isso, quem sabe, tão amado.

.

X

.
Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus

.

Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinquenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
De graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim

.

E me perdoa de ti a indiferença.

.

.

Inicialmente publicado em: Júbilo, memória, noviciado da paixão.
(In: HILST, Hilda. Da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.)

domingo, 11 de fevereiro de 2024



“Vi as democracias intervirem contra quase tudo, salvo contra os fascismos.”

(André Malraux, L’Espoir, 1ª ed. 1937)

Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio”


Conte d'hiver, 1982, filme francês realizado por Éric Rohmer

 

REZAR

    Rezo sempre pelos animais e pelas pessoas que estão a pensar em se suicidar.

   13/9/15


Adília LopesBandolim. Assírio  &Alvim, 1ª edição, 2016., p. 176

casta Susana

 «se uma nova classe de beijos bem baratos
em que os amantes cospem um no outro»

                                              Pedro Tamen, Poemas a isto





Roger Wolfe, QUARTO DE HÓSPEDES, ed. Língua Morta


 

 «A net é um sorvedouro de tempo, disse-me uma poetisa francesa.»

12/9/15


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 170

Deus é a Nossa Mulher-a-Dias

 


Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a vida
porque achamos
que não presta

Deus é a nossa
mulher-a-dias
que nos dá prendas
que deitamos fora
como a fé
porque achamos
que é pirosa

Adília Lopes, in 'Florbela Espanca Espanca'

Thérèse (1986), Filme de Alain Cavalier


https://vimeo.com/430587618


respigadora

''Papéis cosidos com fio de seda.''

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 140

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

''A Martha é um demónio com as palavras; é mesmo.''

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 26

« GEORGE ... e tenta também não te despir. Não há espectáculo mais doentio do que tu bêbada e com as saias levantadas até à cabeça, sabes...»

Edward Albee. Quem tem medo de Virginia Woolf? Tradução de Ana Luísa Guimarães e Miguel Granja. Bicho do Mato, Lisboa, 2011., p. 22


Fotógrafo Alfredo Cunha

 

''Não sei ir para a rua sem a máquina fotográfica. Isso está fora de questão. Não sei viver sem as fotografias. O que deixei foi o jornalismo. Isso para mim acabou.

Em 2012 deixou o jornalismo.

 "Não há reportagens, não há nada. É aturar patrões imbecis, aturar pessoas que pagam indemnizações com dinheiro emprestado pelo banco e que depois não pagam ao banco…"

(...)

O que é que está a faltar?

''Falta não deturpar o jornalismo, ou seja, não é pôr toda a gente a trabalhar para todo o lado. O que se deve comercializar é o remanescente, não é estar a comercializar antes. Porque os jornais têm de ter a sua identidade, as suas equipas, os seus jornalistas e competirem entre si.

 Se se normaliza, fica tudo igual. Dizem todos a mesma coisa, a agenda mediática é andarem todos uns atrás dos outros sucessivamente.''

Alfredo Cunha

Fonte: https://observador.pt/especiais/alfredo-cunha-acho-que-nao-fotografei-muito-bem-o-25-de-abril/

A cor distrai-nos do essencial.

Fotógrafo Alfredo Cunha


 

“Abaixo a cambadilha spinolista”

 Uma menina desaparece da sua aldeia e aparece morta. Lobos, dizem.
Uma anciã é violada por um jovem, depois de ter alertado a polícia de que o rapaz andava a rondá-la, sem que ninguém a acreditasse.
Um actor e um futebolista, amantes sucessivos da mesma jovem, actriz do teatro de revista, tornam-se amigos e organizam-se para a espancar e torturar selvaticamente.
Um rapaz português aparece morto numa cadeia de Espanha.
Uma menina de três anos é morta a pontapé pelo companheiro da mãe.
Uma mulher mata o filho recém-nascido.
Um pensionato onde se amontoam e maltratam crianças e jovens.
O suicídio de um rapaz de dezoito anos, escravizado pela família.
Um juiz do Tribunal de Família que reconhece a um homem o direito de gastar em vinho o dinheiro que devia entregar aos filhos.
Uma mulher que, cansada de maus-tratos, envenena o marido.
A união e a luta das juvenilíssimas operárias de uma fábrica têxtil por melhores condições de vida, em plena revolução de Abril.
O julgamento de uma jovem, por crime de aborto, em 1979.
A condenação súbita de uma mulher à solidão de um lar de idosos, quando deixa de fazer falta à família que criou.
A vitória sobre a violação e a fome de uma cabo-verdiana emigrada em Portugal.

Maria Antónia Palla, Só Acontece aos Outros. Histórias de Violência


''Os Bijagós - um laboratório onde se podia estudar o colonialismo

Em 1973, o etnólogo Victor Bandeira falou-me sobre os Bijagós, e sobre a sua hipotética sociedade matriarcal. Pensei imediatamente: “Tenho de ir aos Bijagós”.

Depois de 68, um tema que se discutia muito era a questão da felicidade, e se a felicidade tinha a ver com o consumo, com a possibilidade de aquisição de coisas. Como os Bijagós tinham uma cultura muito primitiva e muito pobre, fui ter com o proprietário d' O Século e disse-lhe que queria ir aos Bijagós. Ele perguntou-me o que é que eu queria ir lá fazer. “Olhe, vou à procura da felicidade”, respondi-lhe. Ele olhou para mim, não tendo percebido nada, e aconselhou-me a “ter cuidado com os tubarões”. O Século era isto. Davam-nos muito pouco dinheiro, pagavam-nos mal, mas faziam de nós uns reis. Não nos podiam tratar melhor. Davam-nos uma liberdade que eu não encontrei em mais parte nenhuma. E tinham um enorme respeito pelo nosso trabalho.''

Maria Antónia Palla

pendor sociológico

no meio de nenhures

polícia política

''A partir dos 32 anos fiquei sozinha. Primeiro, separei-me do Orlando, e, mais tarde, do Vitor Palla, o meu segundo marido, por achar que o ambiente que se vivia lá em casa não era aquilo que eu queria para o meu filho. Eu tinha de tornar a vida daquela criança o mais feliz possível. O papel de musa inspiradora não me assenta.''

Maria Antónia Palla

 

                                                                 Fotógrafo Alfredo Cunha 
 

campanhas pseudo-eleitorais

''contra a tirania doméstica''

Maria Antónia Palla


''Nunca cumprir ordens, sobretudo nas questões políticas''

Maria Antónia Palla

“Agora que temos a Liberdade, o que vamos fazer com ela?”


Maria Antónia Palla

 A Cortina dos Dias 

Livro de fotografias de Alfredo Cunha

tirocínio

 ''Eu faltava à escola, ia para o rio, ia aos pássaros, vadiava.''

Fotógrafo, Alfredo Cunha

 Eu não queria ser fotógrafo e o meu pai dizia: “Não vais a bem, vais a mal!”


Fotógrafo, Alfredo Cunha

''Cria corvos e eles arrancar-te-ão os olhos.''

 Provérbio Espanhol

"Queria ver o meu corpo enquanto objeto de desejo."





"Já não vejo a mulher gorda, a morsa, o monte enorme de carne. Vejo beleza, força e lassidão."

Isabel Figueiredo. Fotografia Paulo Sérgio




 

SPRINTS - Letter to Self

Bem, vejamos um pouco como floresces,
como te abres, de que cor tens as pétalas,
quantos pistilos tens, que truques usas
para espalhar o teu pólen e te repetires,
se a tua floração é lânguida ou violenta,
que porte tens, para onde inclinas,
se ao morrer apodreces ou murchas,
vamos então, eu olho, e tu floresces.

Patrizia Cavalli
Tradução de Tomás Sottomayor

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Arco da histeria


 

'' a luta, a dor e a angústia''

Codex Felliniano

''os limites do abismo''

''O acaso como ditame da existência.''

inautêntico

Woman in the Dunes - 1964


                                              


 

    «Buffon. Mettait des manchettes pour écrire.»

                                                Gustave Flaubert. Dictionnaire des idées reçues

   Para escrever, ponho na cabeça um lencinho de assoar de
pano com lavanda Ach. Brito.


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 137
  Uma doente internada no Júlio de Matos disse-me : « Não
tenho gostos.» É horrível.

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 126

DUAS INTRUJONAS

    Nunca tive pesadelos nem dores de cabeça. Uma vez
uma médica psiquiatra não percebeu nada do que eu lhe disse,
não trabalhou, mandou-me tomar Surmontil, um remédio para
não ter pesadelos.
     Uma vez uma cabeleireira impingiu-me um spray para o ca-
belo para eu pôr quando estava na praia. Eu nunca ia à praia.


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 102


                                                    Elis Regina & Ronaldo Bôscoli, 1970s

 «Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo.»

Clarice Lispector, A hora da estrela

A DONA NAZARÉ

    A padeira do meu bairro era a Dona Nazaré. Era uma grande 
portuguesa que falava bem português. Essa é que sim. O profes-
sor Emídio Guerreiro, que vivia no bairro e era freguês da pada-
ria da Dona Nazaré, ofereceu à Dona Nazaré uma fotobiografia
dele com uma dedicatória em que elogiava « o franc-parler» da
Dona Nazaré.
    Quando aparecia alguma freguesa a lamentar-se dos manho-
sos e das manhosas deste mundo, a Dona Nazaré dizia:
-Dar ao desprezo.
É o que há a dizer. Mais nada.

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 102

BLUE VELVET

 

 Nos anos 60, antes dos 10 anos, antes dos 7 talvez, comprei
um vestido de veludo azul na Rampa, uma loja que havia no
Chiado que tinha uma rampa. A provar o vestido, apanhei uma
pneumonia.

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 101

ESPANQUEMOS OS POBRES

 «Heme aquí bajo el cielo,
bajo el que tengo que ganar dinero»

Claudio Rodriguez, « Un brindis por el seis de enero»


   O dinheiro não existe, nunca existiu. Não é como as pedras,
as pessoa, as árvores, o ADN. É uma coisa simbólica, um tigre
de papel, um papão, uma estupidez, uma treta. É Sheltox, mata
que se farta- E nunca se farta.
    Para sobreviver neste mundo agora é preciso ter dinheiro.
Não há almoços de graça. Ninguém sobrevive sem dinheiro, sem
poder. Não me venham com baboseiras, é uma questão de vida
ou de morte.
   Espanquemos os pobres! Assommons les pauvres! Empode-
remos os pobres. Escreveu Baudelaire no Le spleen de Paris no
século XIX no século XXI.


Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 99

 O Sol é grande. Caem co'a calma as aves. Isto é sem cura.

Adília LopesBandolim. Assírio&Alvim, 1ª edição, 2016., p. 97

 «O que é para ti o meu coração
se o partes tantas vezes, 
como delicado jardineiro estudando
a sua nova espécie?»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 57

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

confronto contínuo

DIÁRIO DE UM PÁROCO DE ALDEIA
Robert Bresson, 1951

 

ERVA DAS BRUXAS

 Qualquer coisa
indesejada chega ao mundo
e chama por desordem, desordem -

Se me odeias assim, 
porque cuidas em me dar
um nome? Precisas
de acrescentar uma calúnia
à tua língua, de encontrar outra
forma de culpar
uma tribo por tudo -

como sabemos ambos,
se adoras
um só deus, basta-te
 um inimigo -

Eu não sou o inimigo
sou só um estratagema para ignorar
o que vês acontecer
neste canteiro,
pequeno paradigma
de fracasso. Uma das tuas queridas flores
morre aqui quase todos os dias,
e tu não descansas enquanto
não atacas a causa, ou seja,
o que resiste e sobra, o que
parece ser mais forte
que a tua paixão pessoal -

Não estava destinada 
a durar para sempre no mundo real.
Mas porquê admiti-lo agora, se podes continuar 
a fazer o mesmo,
lamentares-te a acusar 
sempre as duas coisas.

Não preciso do teu louvor
para sobreviver. Eu já cá estava
antes de tu chegares, antes
sequer de teres plantado um jardim.
E hei-de estar aqui quando nada mais
houver, só o sol e a lua e o mar e o vasto campo.

Eu serei o campo.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 49/50

The Art of Losing - Poems of Grief and Healing

 

 

«(...)                          nada
sabes da natureza da alma,
que é não morrer nunca: pobre deus triste,
se nunca tiveste uma alma,
não a podes perder.»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 47

LOUISE GLÜCK reads "The Wild Iris"




 

''Não há desespero como o meu ''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 45

 « Por vezes um homem ou uma mulher impõem a outro
o seu desespero. Chama-se a isso
abrir o coração, ou, em alternativa, pôr a alma a nu, abri-la -
o que quer dizer que nesse momento eles adquiriram almas -»


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 43

Coreópsis

 e eles pensam-se
livres para ignorar
esta tristeza.


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 39

pacatez


 

Água Tónica de Febre-Árvore de Flor de Idoso

A febre dos fenos

açafrão lilás

 « Quanto mais me afasto de vós
mais claramente vos vejo.
As vossas almas deveriam ser já imensas
e não aquilo que são,
pequenas coisas que falam - »


Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 37


 

 «(...), planeando/as vossas vidas fúteis: ides/ aonde vos mandam.»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 35

 «Perdoa-me se digo que te amo: aos poderosos
mente-se sempre, já que os fracos são sempre 
impelidos pelo pânico.»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 31

 « só porque pensais que tendes direito
a contestar o que quero dizer:

estou finalmente preparada para impor 
entre vós a claridade.»

(...)

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 25

'' flores azuis na janela da varanda ''

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 23

Dora Maar


 

«as vossas bocas,
pequenos círculos de medo - »

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 23

Áceres

«Abandonados, esgotámo-nos uns aos outros.»

Louise Glück. A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 15
A ÍRIS SELVAGEM

No fim do meu sofrimento
havia uma porta.

Ouve-me bem: recordo aquilo
a que chamas morte.

(...)

Louise Glück.
A Íris Selvagem. Tradução Ana Luísa Amaral. Relógio D'Água. 1992., p. 11

domingo, 28 de janeiro de 2024

 «Segundo o amor que tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos.»

Luís Vaz de Camões

Esgotei o meu mal



Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.

Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 06/11/1919 – Lisboa, 02/07/2004)
Poetisa, contista, autora de literatura infantil e tradutora, a 1.ª mulher portuguesa a receber o prémio Camões (1999)


 

Pintassilgo-de-cabeça-preta

''cegueira cultural''

 «Que força é essa amigo / que te põe de bem com outros / de de mal contigo.»

Sérgio Godinho

sábado, 27 de janeiro de 2024

Coro Dos Tribunais


                                                                               Maria Lamas

O nosso mundo é este


(último poema do “Panfleto contra a paisagem” -1936/37)

O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

( Mas há-de ser outro.)

José Gomes Ferreira

Viver sempre também cansa (1931)




Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Ninguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecânico e exato

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu pudesse suicidar-me por seis meses
Morrer em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.

Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo.

José Gomes Ferreira
Powered By Blogger