sábado, 9 de maio de 2015
''apagar-lhe da memória as nódoas que tinham ficado para trás.''
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 214
«(...), tal como eu, não queria confessar que a solidão nos deixa as mãos estendidas e apavoradas dentro de um quarto escuro; daí, as suas fugas, o seu arzinho de bicho que se prepara para arranhar enquanto não está certo se deve confiar nos dedos que se estendem para o afago.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 189
«Desejei muitas vezes ter alguém ( e só então reparava, com azeda amargura, quanto tinha sido até aí desastrado nas relações humanas, quanto conduzira as pessoas a respeitarem-me por entre uma gélida terra-de-ninguém, a temer-me e nunca a ter estima por mim), um amigo que interpretasse as incongruências do meu procedimento, humanizando-as a meus olhos, ajustando-as, se fosse possível, à espécie de pessoa que eu julgava ser. Eu, por mim, de modo algum as poderia ajustar.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 188
sexta-feira, 8 de maio de 2015
«Se aqueles breves raios de loucura passavam por Clarisse, se o mórbido desvario a conduzia a atitudes extremas é porque as patologias as previam, as regulamentavam. E se assim não fosse?
Clarisse, ao reparar no meu silêncio taciturno, fez um sorriso de astúcia.
-Nunca julguei que uma simples beliscadura te afectasse tanto...»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 183
«No entanto, Clarisse tinha de falar do passado. Arrumá-lo (tal como eu tentava arrumar o meu presente, unir o que fazia ao que sentia, sem, porém, o conseguir), esclarecê-lo para se libertar melhor. Ou então, era-lhe necessário, por orgulho, talvez, justificar certos aspectos contraditórios que se farejavam na sua vida.»
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 175
Fernando Namora. Domingo à Tarde. Editora Arcádia. 4ª Edição. p. 175
quinta-feira, 7 de maio de 2015
Quando o amor morrer dentro de ti,
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82
Mostrar-vos-ei quão mais profundo é o grito
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 82
4
A tua felicidade foi como um sorriso aberto numa manhã de sol,
Raiando sobre a terra numa alegria imensa.
E os teus olhos demoravam o voo das aves e alegravam-se,
Surpresos e meditativos como o olhar dos séculos
Ante o límpido acordar da paisagem.
Porém, rapidamente baixando sobre o brilho da tua alma,
Veio o sonho ajoelhar os teus joelhos,
A sombra do teu destino duro,
Da tua nudez pesada e triste.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 81
4
Tomar nas minhas mãos o sopro suave
Que aflora à tua boca.
Levá-lo aos meus lábios e beijá-lo
Como quem, timidamente,
Se debruça e escuta
o fluir do orvalho
Sobre as flores da aurora.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 75
«Haveis de voltar, eu sei, deuses tutelares da adolescência;
-Quantos e quantos corações bateram,
Por ti, Justiça
Por ti, Direito,
Por ti, retórica da liberdade plena,
Por ti, cadáver de vermes exaltados;
Vozes enganadoras, vozes que ninguém esquece,
Vozes de animais, se eles um dia falassem,
Vozes de revolta, não compreendidas por aqueles que as proferem,
Vozes de hálito bafiento, de lirismo doce,
Vozes de um futuro condenado à morte,
Para que se cumpra a Tua palavra, Senhor!,
Para que sejam os mortos a enterrar os mortos.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 69
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RUY CINATTI
«E eu procurava arrancar de mim aquela máscara
Que em mim polarizava o desespero;
Era falso o tormento, a alma que eu sentia
Não me pertencia.
E eu disfarçava aquele momento,
Falando de mim mesmo a alguém que, ausente,
Abria sobre mim as represas da angústia.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 67
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«Fak diz que tens razão, ele tem sempre razão, tu tens sempre razão. Deve ser por falares pouco e esconderes os teus segredos. Assim, é natural que não te enganes muito.»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 52/3
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 52/3
«CÉCILE
Pára de dormir e responde-me primeiro.
CHARLES
Não estou a dormir.
CÉCILE
Estás sempre a dormir quando te faço uma pergunta.
CHARLES
Não; estou a pensar na resposta.»
Bernard-Marie Koltès. Cais Oeste. Tradução de Ernesto Sampaio. Centro de Dramaturgias Contemporâneas - Porto. Livros Cotovia., p. 46
quarta-feira, 6 de maio de 2015
1
Ao Francisco Stilwell
Porque os caminhos são longos
E os carreiros que a eles vão dar são misteriosos,
A razão atraiçoou-nos.
Pensámos que Deus dera o dever de desprezarmos;
A noite sem estrelas cobriu-nos
Enquanto o Senhor se mostrava a cada esquina,
Misterioso como príncipe encantado.
As noivas vendidas abriram a janela,
Com inocência abriram, e entre si ouviram,
O Senhor das almas,
Mas nós, que no leito vivíamos a sordidez da imagem,
Em sobressalto orámos;
Então o raiar da aurora descobriu-nos a nudez do corpo,
E uma outra espécie de anjos se acolheu aos nossos braços.
É esta a minha verdade.
E a Verdade aparecerá sem ser sentida
Quando cairmos humilhados.
E aqueles que baptizados, ainda suplicam
Serão longamente atormentados
Até que Deus acabe de falar aos esquecidos
E os erga com ternura ao seu Amor!
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 59
Ao Francisco Stilwell
Porque os caminhos são longos
E os carreiros que a eles vão dar são misteriosos,
A razão atraiçoou-nos.
Pensámos que Deus dera o dever de desprezarmos;
A noite sem estrelas cobriu-nos
Enquanto o Senhor se mostrava a cada esquina,
Misterioso como príncipe encantado.
As noivas vendidas abriram a janela,
Com inocência abriram, e entre si ouviram,
O Senhor das almas,
Mas nós, que no leito vivíamos a sordidez da imagem,
Em sobressalto orámos;
Então o raiar da aurora descobriu-nos a nudez do corpo,
E uma outra espécie de anjos se acolheu aos nossos braços.
É esta a minha verdade.
E a Verdade aparecerá sem ser sentida
Quando cairmos humilhados.
E aqueles que baptizados, ainda suplicam
Serão longamente atormentados
Até que Deus acabe de falar aos esquecidos
E os erga com ternura ao seu Amor!
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 59
«Bebei os soluços, »
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55
«Faz-me sofrer por não saber dar mais.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55
«Toda a minha tristeza é feita de carícias.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 55
«Mas tu não ouves...
Só tu sobrevives e rasgas no abismo
Os véus castos do sonho!»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 54
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RUY CINATTI
«Aqui começa o reino de Cham:
Florestas e desertos, aragens assassinas
E uma humanidade que se desloca desde o nascer do mundo
Com os mesmos gestos, iguais farsas,
A mesma preguiça pensativa, a mesma despreocupação
E uma alegria feita de sorrisos imperceptíveis;
Tal como sacerdotes que, uma vez sacrificada a vítima,
Monologam com Deus num cântico cerrado, feito mais de sons que de palavras,
E depois repousam sob o céu estrelado
Num grande sono de paz e de assombrado recolhimento;
Tal como as árvores da floresta em perpétuo movimento.
Oh!, ninguém sabe o drama que vai lá por dentro:
Somente a verdura se espalha em largas superfícies
Ondulantes, aveludadas, existentes;
Tal como animais que, refeitos no pasto diário,
Se dirigem ao rio mais próximo.
E aí, bebia a água, levantam o olhar límpido
E aspiram os perfumes da noite
Com a candura de gente surpreendida pelo inevitável
E ainda duvidosa de que o maravilhoso possa descer sobre os seus crimes
Como noite estrelada,
Tal como tu, terra sagrada e nua, e secreta,
Couraçada de desertos e florestas,
De rios e pântanos: nevoeiros frios
Sobre a cálida terra genesíaca.
Tuas estradas estão juncadas de cadáveres:
São mesmo os cadáveres que indicam as estradas
Onde o homem passou sem se encontrar.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 52
«E o pão não se azedava nas entranhas.»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 51
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verso solto
POEMAS DA VIAGEM
I
Abro o meu diário de viagem:
«Há cinco anos» - dizia - «há cinco anos...»
-Ah!, quanto o coração e as mãos me tremem -
«Há cinco anos» - diria - «há cinco anos...
Eu viajava».
E eu escuto a ver se as páginas me falam.
Como sonho noutros mundos vida,
Renasce a ilusão e trémulo sinto
Todo aquele abandono e branda aragem
Da partida.
Doce e amarga vida -
Ó navio da aventura!
No livro abrem-se abismos de um segredo
Que eu canto de pé, de olhos em frente.
Há cinco anos seria de alma alevantada.
«Acima, acima gajeiro,
Capitão das águas idas;
Vê se vez o mar inteiro
De lágrimas...
Perdidas...»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 48
Uma angústia suave nas almas nostálgicas.
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p. 46
« - O tempo, era o dos lírios - .»
Ruy Cinatti. Obra Poética. Organização e prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1992., p.40
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verso solto
terça-feira, 5 de maio de 2015
DREAMING OF YOU
"De súbito
como do alto do estio
nós estamos no aqui.
Cada coisa que vemos é feliz
e nós somos o seu silêncio
ou o seu nome.
O clamor tornou-se voz
e o silêncio claro
equivalente a um fundo azul liso.
Luz lúcida
excepcional
sobre as errantes raízes
lenta portadora de uma água visível."
como do alto do estio
nós estamos no aqui.
Cada coisa que vemos é feliz
e nós somos o seu silêncio
ou o seu nome.
O clamor tornou-se voz
e o silêncio claro
equivalente a um fundo azul liso.
Luz lúcida
excepcional
sobre as errantes raízes
lenta portadora de uma água visível."
-"Horizonte a Ocidente"
- António Ramos Rosa
- António Ramos Rosa
segunda-feira, 4 de maio de 2015
A bondade absoluta não existe
«A bondade absoluta não existe, a não ser em algumas criaturas tão excepcionais que não contam para efeitos estatísticos. As relações que os seres humanos vão estabelecendo uns com os outros estão impregnadas da ideologia mortal deste tempo: são cínicas, mas não dispensam, sobretudo nos que ainda não estão de todo desesperados (por razões de sorte ou de fortuna), uns toques de afectividade.»
A NOITE QUE ME TRESPASSA O CORAÇÃO
"Meu irmão, tu nada sabes da noite,
nada sabes deste tormento que inteiramente me prostrou,
do mesmo modo que a poesia, que transportou a minha alma,
nada sabes destes mil crepúsculos mil espelhos,
que me hão-de precipitar no abismo.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que eu tive de vadear como o rio,
cujas almas foram há muito estranguladas pelos mares,
e nada sabes da fórmula de esconjuro
que a nossa Lua me abriu entre os ramos secos
como um fruto da Primavera.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que me impeliu através das sepulturas do meu pai,
que me impeliu através de florestas maiores do a Terra,
que me ensinou a ver nascer e pôr o Sol
nas trevas doentes do meu trabalho diário."
nada sabes deste tormento que inteiramente me prostrou,
do mesmo modo que a poesia, que transportou a minha alma,
nada sabes destes mil crepúsculos mil espelhos,
que me hão-de precipitar no abismo.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que eu tive de vadear como o rio,
cujas almas foram há muito estranguladas pelos mares,
e nada sabes da fórmula de esconjuro
que a nossa Lua me abriu entre os ramos secos
como um fruto da Primavera.
Meu irmão, tu nada sabes da noite,
que me impeliu através das sepulturas do meu pai,
que me impeliu através de florestas maiores do a Terra,
que me ensinou a ver nascer e pôr o Sol
nas trevas doentes do meu trabalho diário."
Thomas Bernhard. Na Terra e no Inferno.
quarta-feira, 29 de abril de 2015
“É que o meu sonho constante, desde a infância, o meu contínuo e único íntimo pensamento foi o ver-me de fora, foi o desdobrar-me em Eu e em Testemunha de mim, em uma Vida estranha, curiosa, interessante, e em o Autor dela”
- Fernando Pessoa, “Uma carta da Argentina”, in A Estrada do Esquecimento e Outros Contos, Lisboa, Assírio & Alvim, 2015, p.42.
LEITURA E RECONHECIMENTO
"Como é que o passado reconhecce o presente? Como é que o presente reconhece o passado? Como é que o reproduzido reconhece o reprodutor? Como é que a mulher reconhece o homem?
Ou, exprimindo-se num tom mais japonês: como é que o Agora se agita com a visitação, a condensação, a capitalização do Outrora no fundo de si mesmo?
Ao reconhecimento excessivo e impossível (do fecundande pelo fecundado) oponho três formas de não reconhecimento: o desconhecimento, o reconhecimento insuficiente ou difícil, o reconhecimento excluído."~
Ou, exprimindo-se num tom mais japonês: como é que o Agora se agita com a visitação, a condensação, a capitalização do Outrora no fundo de si mesmo?
Ao reconhecimento excessivo e impossível (do fecundande pelo fecundado) oponho três formas de não reconhecimento: o desconhecimento, o reconhecimento insuficiente ou difícil, o reconhecimento excluído."~
-"Histórias de Amor de Outros Tempos"/ "Retratos Vivos"
- Pascal Quignard
- Pascal Quignard
segunda-feira, 27 de abril de 2015
sexta-feira, 24 de abril de 2015
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